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Carcinoma epidermoide como complicação letal de lesões crônicas de cromoblastomicose

Resumos

A cromoblastomicose é uma micose subcutânea, ocasionada por fungos dermatófitos, dos gêneros: Fonsecaea, Phialophora e Cladophialophora. As complicações habituais são: infecções secundárias, linfedema e elefantíase. Em lesões crônicas, tem-se documentado malignização. Relatamos um caso de um homem de 72 anos de idade, com cromoblastomicose de 30 anos de evolução, em região glútea, com desenvolvimento de carcinoma epidermoide.

Carcinoma de células escamosas; Cromoblastomicose; Doença crônica


Chromoblastomycosis is a subcutaneous mycosis caused by the dermatophytic fungi Fonsecaea, Phialophora and Cladophialophora. Usual complications include secondary infection, lymphedema and elephantiasis. Associated malignancies have been found in chronic cases. This case report describes a 72 year-old male with a 30 year history of chromoblastomycosis in the gluteal region, who went on to develop a squamous cell carcinoma.

Carcinoma; Squamous cell; Chromoblastomycosis; Chronic disease


COMUNICAÇÃO

Carcinoma epidermoide como complicação letal de lesões crônicas de cromoblastomicose

Edoardo TorresI; Javier Gil BeristainII; Zahide LievanosII; Roberto ArenasIII

IDermatologista não residente - Cidade do México, México

IIDermatologista - Cidade do México, México

IIIChefe do serviço de micologia. Hospital General Dr. Manuel Gea González - Cidade do México, México

Endereço para correspondência Endereço para correspondência: Eduardo Torres Calzada de Tlalpan 4800, colônia Sección XVI. C14800, Tlalpan. México D. F. E- mail: rarenas98@hotmail.com; drlalo2005@hotmail.com

RESUMO

A cromoblastomicose é uma micose subcutânea, ocasionada por fungos dermatófitos, dos gêneros: Fonsecaea, Phialophora e Cladophialophora. As complicações habituais são: infecções secundárias, linfedema e elefantíase. Em lesões crônicas, tem-se documentado malignização. Relatamos um caso de um homem de 72 anos de idade, com cromoblastomicose de 30 anos de evolução, em região glútea, com desenvolvimento de carcinoma epidermoide.

Palavras-chave: Carcinoma de células escamosas; Cromoblastomicose; Doença crônica

A cromoblastomicose (cromomicose doença de Pedroso e Lane ou doença de Fonseca) é uma micose subcutânea, ocasionada por fungos pigmentados da família Dematiaceae, principalmente dos gêneros: Fonsecaea, Phialophora e Cladophialophora. Afeta a pele e o tecido subcutâneo, localizando-se nas extremidades inferiores e pé.

Tem distribuição mundial e afeta qualquer raça. Existem relatos na Índia, Burma, Siri Lanka, Indonésia, Austrália, Finlândia, leste da Alemanha, Romênia, Republica Checa e Eslováquia, Rússia, Gabão; na Ásia têm-se encontrado no Japão, China, Filipinas, Malásia1 e em inúmeros países europeus; em Madagascar, provavelmente, exista o foco endêmico mais importante do mundo, com um caso para cada 480 habitantes. Predomina em clima tropical e subtropical (80%), observando-se também em zonas semidesérticas de Sul da Africa.

As principias zonas endêmicas da América encontram-se no noroeste da Venezuela, no leste dos Andes, entre Caracas e Cali, Cuba, República Dominicana, Costa Rica,2 México e Brasil.

O agente etiológico mais frequente é o F. pedrosoi; na Venezuela, o agente mais comum é o C. carrionii. Outros agentes são: F. compacta e P. verrucosa.3

Na América Latina, afeta 4 homens para cada mulher; no Japão, a incidência entre homens e mulheres é igual, enquanto que, no sul da África, há um predomínio pelo sexo feminino. Apresentase numa faixa etária que varia de 30 a 60 anos de idade (67%) e é raro em menores de 15 anos. Há um predomínio no meio rural (80%), para aqueles que andam descalços e/ou aqueles que usam sandálias.3

Paciente masculino, 72 anos de idade, natural de Puebla e residente do Estado do México, desempregado, ex-trabalhador do campo.

Apresenta uma dermatose que afeta região lombo-sacra, raiz de coxas, nádegas e períneo, constituída por placa verrucosa de 20 cm de diâmetro, bem delimitada, com áreas de queratose, em alguns sítios de ulceração, com tecido de granulação e outros com atrofia, apresenta áreas com hipo e hiperpigmentação (Figura 1). Evolução de 31 anos, com história de trauma no local com arame e consequente aumento progressivo da lesão. Refere a tratamento prévio com itraconazol. Fluconazol e antifúngicos tópicos, sem melhora da lesão.


Em nosso serviço, houve a confirmação diagnóstica de cromoblastomicose, realizada através do estudo micológico que mostrou células fúngicas e no cultivo destas apresentou F. pedrosoi (Figura 1). Na biopsia realizada, observaram-se queratinócitos com citoplasma eosinofílico, em imagem de "vidro fosco,"cistos córneos e corpúsculos de Rusell; havia uma reação inflamatória com linfócitos, histiócitos, monócitos e células multinucleadas. Desde a derme reticular até a profunda, havia hastes de colágeno grosso alinhado paralelamente à epiderme, com aumento da vascularização. Foram encontradas células fumagoides nas quais foram evidenciadas com a coloração de PAS e Gomori-Grocott (Figura 2).


O tratamento foi iniciado com criocirurgia e iodeto de potássio 2g por dia, por vários meses, logo após se iniciou a administração de itraconazol 300mg por dia, durante 10 meses. Com a melhora das lesões o paciente deixou de voltar às consultas. Posteriormente, foi hospitalizado em outra instituição, por apresentar febre, queda do estado geral e palidez (Figura 1). Nos exames laboratoriais, apresentou: Hb de 7-8mg/dL e leucocitose com neutrofilia. Na endoscopia e na tomografia abdominal, não houve alterações. Foi realizada hidratação e hemotransfusão, assim como uso de antibióticos de amplo espectro, com melhora do quadro clínico.

Uma nova biopsia mostrou a proliferação de queratinócitos atípicos, em mantos e cordões, com núcleos grandes e pleomórficos e hipercromáticos, com um ou mais núcleos proeminentes; queratinização com formação de pérolas córneas e redemoinhos escamosos, com 4-5 mitoses por campo, algumas atípicas. O tumor infiltrava a haste colágena. Rodeando o tumor havia uma área de infiltrado inflamatório e zonas de calcificação. Diagnóstico: carcinoma epidermoide infiltrativo moderadamente diferenciado (Figura 2).

O paciente evoluiu a óbito, muito provavelmente, em decorrência do estágio avançado do tumor.

Todos os agentes etiológicos da cromoblastomicose são fungos negros, com baixa patogenicidade, termos sensíveis a 40-42º, que vivem como saprófitas no solo e em vegetais, inclusive, são isolados em madeira transportada e em saunas. Provavelmente, a desnutrição é um fator predisponente, pois se relaciona isto a uma suscetibilidade genética (HLA-A29) e a uma imunossupressão parcial.

Os micro-organismos penetram através de um traumatismo cutâneo, desenvolvendo-se localmente, estendendo-se por contiguidade e raramente por via linfática ou hematogênica.

A dermatose é normalmente unilateral e assimétrica, afeta extremidades inferiores (54 a 80%), raramente é disseminada (2%).1 Outros sítios de lesão podem ser: a face, colo, dorso, nádegas e, raramente, as mucosas. 4 Em nosso caso, as nádegas foram afetadas por contiguidade, mas existem casos desta localização, em especial, na Finlândia, em usuários de saunas.

As lesões podem ter aspecto de placas de psoríase ou tumoral. A evolução é crônica, lentamente progressiva ou assintomática,5 sendo rara a disseminação hematogênica e linfática. Foram identificadas 6 variantes clínicas: Nodular, verrucosa ou vegetante (53%), tumoral, em placa (41%) ou psoriasiforme, cicatricial e elefantiásica e, ocasionalmente, formas atípicas.1 Nosso caso apresenta uma forma queratósica e, sem dúvida, a apresentação de um carcinoma epidermoide pode ter o mesmo aspecto clínico, sendo obrigatório o estudo histopatológico, especialmente em casos de evolução prolongada.

Dentre as complicações conhecidas, encontramos as infecções associadas, as quais levam à linfedema e elefantíase.1 Há relatos de que a evolução prolongada e a presença de inflamação crônica e cicatrizes fibrosas podem predispor a degeneração em neoplasias malignas, como o melanoma maligno e carcinoma epidermoide.6-7

Alguns artigos relatam carcinoma epidermoide em pacientes com úlceras crônicas que não se curam (Marjolin),8-9 úlceras varicosas, de decúbito, traumáticas ou por neuropatia diabética, assim como por queimaduras10, com uma taxa metastática de 14 a 58%. A patogenia não está clara. Acredita-se que o processo cicatricial pode atuar como um promotor tumoral persistente, com o qual também podem estar envolvidas mutações no gen Faz.8,11 Existem poucos relatos desta complicação, em lesões crônicas de cromoblastomicose. No Brasil, Um estudo aponta que, de 100 pacientes com lesões verrucosas, com 14 anos de evolução em média, dois pacientes desenvolveram carcinoma epidermoide, com acentuada agressividade neoplásica com metástases.7 Um estudo em Madagascar relata a transformação maligna em 12 de 1400 casos e 2 novos casos. 12 Numa série de 51 casos no México, de 8 anos de evolução em média, só houve um caso.5 Nosso paciente reúne as condições já mencionadas, lesões verrucosas com evolução de mais de 30 anos e falta de tratamento adequado, durante todo tempo.

O tratamento apresenta muitas dificuldades e, às vezes, é ineficaz. Em casos avançados, recomendase tratamento médico e cirúrgico, incluindo a cirurgia micrográfica de Mohs.1 Nosso caso demorou muito para receber um tratamento adequado e ,finalmente, apesar da combinação de criocirurgia e itraconazol, desenvolveu pela própria evolução da enfermidade um carcinoma epidermoide, que constituiu na causa de sua morte.

O desenvolvimento de neoplasias malignas, em lesões crônicas de cromoblastomicose, não é frequente, uma vez que só foram documentados 17 casos, em todo o mundo. Sem dúvida, as condições apresentadas pelo tecido afetado, com inflamação e processos reparadores crônicos, são fatores predisponentes importantes. Assinalamos a importância do seguimento histológico, com o objetivo de diagnosticar oportunamente o desenvolvimento de tumores, já que são mais agressivos. Esta vigilância implicaria no tratamento oportuno e diminuição na mortalidade.

Recebido em 10.01.2009.

Aprovado pelo Conselho Consultivo e aceito para publicação em 04.08.2009.

Conflito de interesse: Nenhum

Suporte financeiro: Nenhum

* Trabalho realizado no Hospital General Dr. Manuel Gea González - Cidade do México, México.

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  • Endereço para correspondência:
    Eduardo Torres
    Calzada de Tlalpan 4800, colônia Sección XVI.
    C14800, Tlalpan. México D. F.
    E- mail:
  • Datas de Publicação

    • Publicação nesta coleção
      23 Jun 2010
    • Data do Fascículo
      Abr 2010

    Histórico

    • Recebido
      10 Jan 2009
    • Aceito
      04 Ago 2009
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