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Lesões múltiplas de osteoma cutis na face: terapêutica minimamente invasiva em pacientes com sequela de acne - relato de casos

Resumos

Osteoma cutis é a formação óssea no interior da pele, podendo ser primária ou secundária. Única ou múltipla, de tamanhos variados e acometendo ambos os sexos, é uma lesão cutânea rara, de etiopatogenia e classificação ainda discutidas. Nosso objetivo foi relatar o diagnóstico e a terapêutica minimamente invasiva de lesões múltiplas de osteoma cutis na face em pacientes com sequelas de acne. Fizemos a retirada dos osteomas com agulhas BD 0,70 x 25 22G1, sem anestésicos tópicos ou injetáveis no local. As pequenas incisões foram deixadas expostas, com pomada cicatrizante. Obteve-se um excelente resultado estético em 15 dias.

Cicatriz; Neoplasias cutâneas; Ossificação heterotópica; Osteoma


Osteoma cutis is a bone formation in the dermis can to be primary or secondary forms. Only, multiples, many forms, occurring on either sex, they are a rare cutaneous disease. The pathogenesis and classification remains unclear. Our objective was the diagnostic and small invasive surgery treatment of the osteoma cutis multiple of the face, in patients as a sequel of acne. To remove the osteoma we used needle BD 0,70x25 22G1, without anesthetic topic or inject able site. The small wounds were exposed with scarring balsam. We got an excellent esthetic result after 15 days.

Cicatrix; Ossification; Osteoma, heterotopic; Skin neoplasm


CASO CLÍNICO

Lesões múltiplas de osteoma cutis na face: terapêutica minimamente invasiva em pacientes com sequela de acne - relato de casos* * Trabalho realizado no Centro de Pesquisa e Pós-Graduação em Medicina Estética - Regional Minas Gerais, Belo Horizonte (MG), Brasil.

Ian Göedert Leite Duarte

Membro titular da Sociedade Brasileira de Cirurgia Plástica. Mestre em cirurgia pela Universidade Federal de Minas Gerais (UFMG). Doutoranda em Cirurgia pela UFMG e Professora Substituta do Departamento de Cirurgia da UFMG - Belo Horizonte (MG), Brasil

Endereço para correspondência Endereço para correspondência: Ian Göedert Leite Duarte Avenida Andradas, 2.287, conj. 1.005 - Santa Efigênia 30120-010 Belo Horizonte - MG - Brasil Telefones: 31 3241-6976, 31 8482-0784 E-mail: iangduarte@terra.com.br

RESUMO

Osteoma cutis é a formação óssea no interior da pele, podendo ser primária ou secundária. Única ou múltipla, de tamanhos variados e acometendo ambos os sexos, é uma lesão cutânea rara, de etiopatogenia e classificação ainda discutidas. Nosso objetivo foi relatar o diagnóstico e a terapêutica minimamente invasiva de lesões múltiplas de osteoma cutis na face em pacientes com sequelas de acne. Fizemos a retirada dos osteomas com agulhas BD 0,70 x 25 22G1, sem anestésicos tópicos ou injetáveis no local. As pequenas incisões foram deixadas expostas, com pomada cicatrizante. Obteve-se um excelente resultado estético em 15 dias.

Palavras-chave: Cicatriz; Neoplasias cutâneas; Ossificação heterotópica; Osteoma

INTRODUÇÃO

Osteoma cutis refere-se à presença anômala de ossificação no interior da derme ou hipoderme. É considerada uma lesão rara e benigna, com crescimento limitado, não invasivo. Apresenta-se como lesão única, pequena, transepidérmica, ou ainda como lesões múltiplas (nódulos, placas ou milia). É mais similar na histologia aos ossos mesenquimais, por não apresentar cartilagem precursora.1,2,3,4,5

Pode ser primário, no qual não há lesão cutânea precedente. As células mesenquimais secretam uma matriz que se calcifica em osso normal, mas em local errado. Osteoblastos erroneamente colocados desde a embriologia poderiam desempenhar essa função - ou ainda outras células, como os fibroblastos e as células gordurosas, poderiam passar a comportar-se como osteoblastos. Está presente em doenças como osteodistrofia hereditária de Albright. O tipo secundário vem como sequela de lesões prévias, tais como esclerodermia, traumas, cicatrizes, processos inflamatórios específicos ou não, escoriações, epitelioma calcificado de Malherbe, hiperplasias sebáceas, cisto pilar, nevo melanocítico, carcinoma de células basais, aids, acne e outras.6 Não há predominância sexual distinta entre as formas primária e secundária, mas há uma relação mulher:homem de 2:1 na primária.1

Pode ocorrer em qualquer idade.7,8,9 As áreas mais frequentemente afetadas são a face, o couro cabeludo, os dígitos e as regiões subungueais.8,9 Predominam os tratamentos cirúrgicos.5,8

RELATO DOS CASOS

Foram avaliados seis pacientes adultos: um homem e cinco mulheres, escolhidos aleatoriamente, por ordem de marcação de consultas, por um período de dois meses.

Tinham como pré-requisito obrigatório o desejo de tratar as sequelas de acne, independente dos tratamentos utilizados anteriormente, excetuando-se o uso dos lasers, peelings e preenchimentos.

Após a antissepsia, a pele foi estirada e palpada suavemente até sentirem-se pequenos nódulos endurecidos, com pigmentação semelhante à da pele (Figura 1A). Sem qualquer tipo de anestésico tópico ou injetável, fez-se uma pequena incisão com o bisel voltado para cima de uma agulha BD 0,70 x 25 22G1 até atingir uma resistência endurecida (Figura 1B) que, forçada, fazia uma projeção sob a pele (Figura 2A).



Fez-se um pequeno descolamento nesse plano em torno de toda a lesão, deixando-a livre dos planos adjacentes. Com uma leve pressão para cima, o osteoma foi retirado da forma mais minimamente invasiva possível (Figura 2B).

Com sangramento em gota, nenhum paciente sentiu qualquer desconforto com as retiradas das lesões, que foram de no mínimo duas e no máximo oito em uma mesma sessão (Figura 3A). Fez-se e manteve-se curativo exposto com pomada cicatrizante (Figura 3B).


As lesões retiradas foram fixadas em formol e encaminhadas para exame anatomopatológico.

DISCUSSÃO

Osteoma cutis recebe outros nomes: osteoma cutâneo, osteomatose ou osteose cutânea, osteoma miliar, osteoma congênito disseminado e ossificação cutânea. É um tumor benigno de tecido ósseo maduro4 que se localiza na derme e na hipoderme, sendo a maioria clinicamente assintomática.4,10

Na macroscopia, aparece como pequenos nódulos endurecidos, irregulares, na derme subjacente, bem circunscritos7 e geralmente da cor da pele. Pacientes tratados com tetraciclina ou minociclina podem desenvolver nódulos pigmentados,3,10,11 azulados.8,12

Ocorre em qualquer idade, sexo ou raça.7,9 Ocorrências familiares sugerem fatores genéticos.4

A patogênese ainda é inconclusiva. A teoria mais aceita13 refere-se à metaplasia local de células mesenquimais, como os fibroblastos, produzindo tecido ósseo,5 pela probabilidade da alteração na tensão de oxigênio, pH, atividade enzimática, alta atividade da fosfatase alcalina, concentrações de cálcio e fósforo locais,2,6,14 presença dos colágenos tipos I10 e III e do TGFβ.13 Outra teoria fala de uma desordem embriológica em que células mesenquimais primitivas diferenciadas em osteoblastos migrariam erroneamente para outros locais.1,5

Vários autores2,15 citaram que o primeiro caso de osteoma cutis foi descrito por Wilkins em 1858. A classificação em primário e secundário, dada em 1941 por Hopkins,2 ainda é controversa.7 Os primários (neoplásicos) aparecem nos primeiros anos de vida,4 na ausência de lesão prévia, com características fenotípicas e metabólicas: osteodistrofia hereditária de Albright, osteoma múltiplo miliar da face, osteoma isolado, osteoma disseminado e osteoma congênito em placa. Correspondem a 15-20% dos casos. Os secundários, ou metaplásicos, aparecem como consequência de lesões prévias, doenças inflamatórias da pele, dermatomiosites, morfeia, esclerose sistêmica progressiva, síndrome de Crest, carcinoma de células basais e epitelioma calcificado de Malherbe, traumas, cicatrizes e aplicações de corticoides intralesionais por tempo prolongado em queloides. São 80 a 85% dos casos.1,3,4,6,8,9,13,14 Nem todos os osteomas podem ser claramente categorizados.8 O osteoma cutis miliar pode corresponder a ambas as classificações: por não se relacionarem com hipercalcemia ou calcinoses, seriam primários, mas com antecedentes de processos inflamatórios, seriam secundários.4

A opção neste trabalho por diagnosticar o osteoma cutis somente em pacientes com sequela de acne foi devida ao fato de que vários autores notaram uma correlação entre a severidade da acne e a presença dos osteomas.4,12 Sugere-se a exacerbação de osteomas após o uso de isotretinoína12 em acne severa, mas questionamos essa afirmação levando em consideração que essa forma de acne resultará em cicatrizes maiores e em maior número. Assim, a isotretinoína seria um fator precipitante e não etiológico.

Concordando com outros autores, a pressão arterial,6,12 a radiologia da face e os exames laboratoriais estavam normais em nossos pacientes.9 Acreditamos que exames como ultrassom e ressonância magnética poderiam facilitar o diagnóstico, mas são de alto custo.

O diagnóstico feito pela histologia é pela deposição de carbonato de cálcio5 em nódulos com tamanho de 2 a 5 mm,1,3,4 bem delimitados, irregulares, de tecido ósseo trabecular, em que se observam condutos de Havers com vasos sanguíneos e a presença de osteoblastos, osteoclastos e osteócitos,3,7,8 com terminações lamelares3 e espaços centrais com medula óssea gordurosa,1 eliminando-se, assim, qualquer forma de calcinose (depósito amorfo de sais de fosfato e carbonato de cálcio na pele por desordens endócrinas e metabólicas).

O tratamento da doença de base faz-se concomitante à excisão e sutura,3,5,6,8 excisão em punch,5,6 excisão e curetagem,1,3 dermoabrasão,3,8 tretinoína 0,05% ou ácido azelaico tópico,3 erbium:YAG laser 1,10 TCAcomo ablativo da epiderme,3,5,9,10 laser de CO2, 100% sobre as lesões,11 promovendo a eliminação transepidérmica do osteoma.3,9

Questionamos se a raridade dessas lesões é por elas serem pesquisadas quando o paciente apresenta uma queixa específica da presença dos nódulos, nunca sendo uma pesquisa de rotina incluída em protocolos de tratamentos de pele, principalmente naqueles pacientes que apresentam fatores predisponentes, como as sequelas de acne.

A terapêutica utilizada em nosso trabalho com agulha BD 0,70 x 25 22G1, na ausência de anestésicos tópicos ou injetáveis, não foi observada em nenhum trabalho. Ela mostrou-se de baixo custo e eficaz por minimizar os danos dérmicos e apresentar simplicidade de técnica e rapidez na cicatrização, além de não desenvolver a hiperpigmentação pós-inflamatória.

As microincisões foram bem toleradas por todos os pacientes, e em nenhum deles houve a formação de hematoma ou equimose.

A avaliação estética final, no 15º dia após a remoção das lesões, foi considerada pelos pacientes e médicos como excelente.

Recebido em 06.08.2009.

Aprovado pelo Conselho Consultivo e aceito para publicação em 27.11.09.

Conflito de interesse: Nenhum / Conflict of interest: None

Suporte financeiro: Nenhum / Financial funding: None

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  • Endereço para correspondência:
    Ian Göedert Leite Duarte
    Avenida Andradas, 2.287, conj. 1.005 - Santa Efigênia
    30120-010 Belo Horizonte - MG - Brasil
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    Trabalho realizado no Centro de Pesquisa e Pós-Graduação em Medicina Estética - Regional Minas Gerais, Belo Horizonte (MG), Brasil.
  • Datas de Publicação

    • Publicação nesta coleção
      02 Dez 2010
    • Data do Fascículo
      Out 2010

    Histórico

    • Recebido
      06 Ago 2009
    • Aceito
      27 Nov 2009
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