Acessibilidade / Reportar erro

Epidemiologia dos carcinomas basocelulares em Tubarão, Santa Catarina (SC), Brasil, entre 1999 e 2008

Resumos

FUNDAMENTOS: O câncer da pele é frequente no Brasil, com incidência crescente. Na Região Sul de Santa Catarina não existem dados da incidência de carcinoma basocelular. OBJETIVO: Estabelecer dados do carcinoma basocelular em Tubarão (SC) entre 1999 e 2008. MÉTODOS: Estudo transversal com revisão dos laudos anatomopatológicos de carcinoma basocelular dos laboratórios de Tubarão (SC), com coleta das variáveis de interesse: ano do diagnóstico, idade, gênero, cidade de origem, local da lesão, subtipo histológico, diâmetro da lesão, comprometimento de margem e ocorrência de recidiva. RESULTADOS: Identificaram-se 3.253 laudos de carcinoma basocelular, com maior frequência na faixa etária entre 61 e 80 anos. Calculou-se o coeficiente de incidência para carcinoma basocelular de 164,5 em 1999 e 295,2 em 2008 para cada 100 mil habitantes, acarretando aumento de 80%. A região cefálica foi a mais acometida e o subtipo histológico mais comum foi o nodular. Houve associação entre gênero masculino e a localização em tronco e orelha, e entre gênero feminino e ocorrência de carcinoma basocelular no nariz. O subtipo esclerodermiforme foi o mais agressivo em relação ao comprometimento de margens. CONCLUSÃO: Do total de casos de carcinoma basocelular, houve prevalência de margens comprometidas após ressecção em 27% das lesões. Após análise multivariada, as lesões de 2cm ou mais apresentaram probabilidade 5,5 vezes maior de comprometimento de margens, ao passo que a localização em face indicou probabilidade 1,8 vez maior (p<0,0001).

Carcinoma basocelular; Epidemiologia; Neoplasias cutâneas


BACKGROUND: Skin cancer is the most frequent type of neoplasm in Brazil. There are no data on the incidence of basal cell carcinoma in the Southern region of Santa Catarina. OBJECTIVE: To establish epidemiological data on basal cell carcinoma in Tubarão, Santa Catarina, between 1999 and 2008. METHODS: A crosssectional study was conducted in which anatomopathological reports of basal cell carcinoma from the laboratories of Tubarão, Santa Catarina, were analyzed. We considered the following variables: year of diagnosis, age, gender, city of origin, tumor site, histological subtype, lesion diameter, margin involvement, and relapse. RESULTS: Reports of 3,253 subjects most frequently between the ages of 61 and 80 years diagnosed with basal cell carcinoma were obtained. The incidence of basal cell carcinoma was 164.5 cases per 100,000 inhabitants in 1999 and 295.2 per 100,000 in 2008, showing an increase of 80%. Most lesions occurred in the cephalic region and nodular was the most common histological subtype. There was an association between males and basal cell carcinoma of the torso and ear, and between females and basal cell carcinoma of the nose. The sclerodermiform subtype was the most aggressive in relation to margin involvement. CONCLUSION: There was a prevalence of involved margins following resection in 27% of lesions. Based on multivariate analysis, lesions ? 2 cm in diameter were 5.5 times more likely to present margin involvement, and basal cell carcinoma of the face was 1.8 times more likely to occur (p <0.0001).

Carcinoma, basal cell; Epidemiology; Skin neoplasms


INVESTIGAÇÃO

Epidemiologia dos carcinomas basocelulares em Tubarão, Santa Catarina (SC), Brasil, entre 1999 e 2008

Geisiane CustódioI; Luiz Henrique LocksII; Maria Fernanda CoanIII; Carlos Otávio GonçalvesIV; Daisson José TrevisolV; Fabiana Schuelter TrevisolV

IGraduação; médica - Universidade do Sul de Santa Catarina (Unisul) - Tubarão (SC), Brasil

IIAluno do 6º ano de Medicina - Universidade do Sul de Santa Catarina (Unisul) - Tubarão (SC), Brasil

IIIGraduação; médica - Universidade do Sul de Santa Catarina (Unisul) - Tubarão (SC), Brasil

IVMestre; professor e médico patologista - Universidade do Sul de Santa Catarina (Unisul) - Tubarão (SC), Brasil

VDoutor; professor - Universidade do Sul de Santa Catarina (Unisul) - Tubarão (SC), Brasil

VDoutora; professora - Universidade do Sul de Santa Catarina (Unisul) - Tubarão (SC), Brasil

Endereço para correspondência Endereço para correspondência: Fabiana Schuelter Trevisol Unidade Hospitalar de Ensino Bairro: Dehon Av. José Acácio Moreira, 787 88704 900 Tubarão - SC E-mail: fabiana.trevisol@unisul.br / fastrevisol@gmail.com

RESUMO

FUNDAMENTOS: O câncer da pele é frequente no Brasil, com incidência crescente. Na Região Sul de Santa Catarina não existem dados da incidência de carcinoma basocelular.

OBJETIVO: Estabelecer dados do carcinoma basocelular em Tubarão (SC) entre 1999 e 2008.

MÉTODOS: Estudo transversal com revisão dos laudos anatomopatológicos de carcinoma basocelular dos laboratórios de Tubarão (SC), com coleta das variáveis de interesse: ano do diagnóstico, idade, gênero, cidade de origem, local da lesão, subtipo histológico, diâmetro da lesão, comprometimento de margem e ocorrência de recidiva.

RESULTADOS: Identificaram-se 3.253 laudos de carcinoma basocelular, com maior frequência na faixa etária entre 61 e 80 anos. Calculou-se o coeficiente de incidência para carcinoma basocelular de 164,5 em 1999 e 295,2 em 2008 para cada 100 mil habitantes, acarretando aumento de 80%. A região cefálica foi a mais acometida e o subtipo histológico mais comum foi o nodular. Houve associação entre gênero masculino e a localização em tronco e orelha, e entre gênero feminino e ocorrência de carcinoma basocelular no nariz. O subtipo esclerodermiforme foi o mais agressivo em relação ao comprometimento de margens.

CONCLUSÃO: Do total de casos de carcinoma basocelular, houve prevalência de margens comprometidas após ressecção em 27% das lesões. Após análise multivariada, as lesões de 2cm ou mais apresentaram probabilidade 5,5 vezes maior de comprometimento de margens, ao passo que a localização em face indicou probabilidade 1,8 vez maior (p<0,0001).

Palavras-chave: Carcinoma basocelular; Epidemiologia; Neoplasias cutâneas

INTRODUÇÃO

O câncer da pele é a neoplasia de maior incidência em várias regiões do mundo, inclusive no Brasil.1,2 A estimativa era de que cerca de um milhão de casos de carcinoma basocelular (CBC) e de carcinoma de células escamosas (CEC), os dois constituindo o tipo não melanoma, seria diagnosticado em 2008 nos Estados Unidos.3 A Austrália é o país com maior incidência de câncer da pele no mundo, com taxa de incidência de CBC de 884 para cada 100 mil habitantes ao ano.4

O número de casos novos de câncer da pele não melanoma estimados para o Brasil, no ano de 2008, foi de 115 mil. Esses valores correspondem a um risco estimado de 120 casos novos para cada 100 mil habitantes/ano. O câncer da pele não melanoma é o mais incidente na população na maioria das regiões do Brasil, com um risco estimado de 82/100.000 habitantes na Região Sul, 66/100.000 na Região Sudeste, 50/100.000 na Região Nordeste, 27/100.000 na Região Norte e 54/100.000 na Região Centro-Oeste.2

A Região Sul apresenta taxa de incidência de câncer da pele superior à nacional, sendo que Santa Catarina é o estado de maior concentração de câncer da pele no Brasil, com taxa de 133,22 casos para cada 100 mil habitantes para câncer não melanoma e 8,61 para cada 100 mil habitantes para melanoma.2 Entretanto, não há dados suficientes para entender a causalidade, tampouco se essa incidência é crescente, como no restante do País. A combinação de dois fatores talvez explique essa condição: a população catarinense é composta, principalmente, de indivíduos com ascendência europeia, que apresentam características fenotípicas que os predispõem à ocorrência dessa neoplasia, tais como olhos azuis, cabelos claros, pele fotótipos I e II (segundo a classificação de Fitzpatrick),1,5,6 e está exposta a grande intensidade de radiação ultravioleta (UV) decorrente do comprometimento da camada de ozônio presente na topografia do estado.1,2,7

Os CBCs constituem o tipo mais comum de carcinoma da pele, aparecendo em todas as estatísticas como responsável por cerca de 70% a 75% dos casos.8,9 Desde os primeiros estudos da histogênese aos dias atuais, tem-se procurado associar sua origem a partir das células basais da epiderme e dos anexos cutâneos. É um tumor de baixo grau de malignidade, com capacidade de invasão local, destruição tecidual, recidivante e com limitado poder de metastatização.10

O CBC, usualmente, aparece como lesão isolada, embora a ocorrência de várias lesões, simultâneas ou subsequentes, não seja infrequente.10 Ocorre, predominantemente, em áreas expostas ao sol, principalmente, na região da cabeça e do pescoço (80% dos casos), seguido do tronco (15%), mãos e pernas.9

O prognóstico do CBC depende tanto do tipo de tumor como da terapêutica instituída. Os fatores de risco associados com recorrência e metástases incluem um diâmetro de tumor maior que 2cm, posição em parte central do rosto ou orelhas, maior tempo de duração da lesão, excisão incompleta, tipo histológico agressivo e envolvimento perineural ou perivascular.9 O surgimento de metástases é fenômeno raro nos CBCs: estima-se que sua incidência esteja entre 0,0028% e 0,5%.11 As lesões com metástases são, em geral, largas, ulceradas, muito infiltrativas e recorrentes.10 O índice de cura para um CBC tratado com terapêutica adequada é em torno de 90% ou mais. O período de latência entre a cirurgia e o surgimento da recidiva pode variar de dois meses a dois anos e esta ocorre, frequentemente, nos primeiros seis meses. Quanto mais tardiamente um tumor recidivado for tratado, pior o prognóstico.11

Há poucos estudos científicos publicados na literatura brasileira sobre os dados epidemiológicos envolvendo CBC isoladamente. A razão disso é que os CBCs, somados aos CECs, são classificados como cânceres da pele não melanoma e estão publicados sob essa denominação.6 Sabe-se, no entanto, que a incidência do CBC tem aumentado progressivamente ao longo dos anos.4 Esse aumento pode ser devido à maior demanda de exames histopatológicos de lesões suspeitas, maior conscientização e inquietude em relação a esses tumores por parte da população, maior número de médicos dermatologistas e fruto de campanhas educacionais e preventivas.

A elevada frequência do CBC da pele no País ocorre, principalmente, em Santa Catarina, o que o torna um importante problema de saúde pública.1,2 Este estudo teve como objetivo estabelecer dados epidemiológicos do CBC nos pacientes atendidos na cidade de Tubarão, sendo este um trabalho pioneiro, pois não se encontram, na literatura, dados a respeito da prevalência de CBC nesse município.

MÉTODOS

Realizou-se estudo epidemiológico com delineamento transversal, com pesquisa em banco de dados secundário. Incluíram-se no estudo os laudos anatomopatológicos de pacientes com diagnóstico de CBC atendidos nos dois únicos laboratórios de anatomia patológica existentes no município de Tubarão, no período entre 1999 e 2008. A referida cidade localiza-se ao sul de Santa Catarina, na região litorânea. Excluíram-se todos os laudos positivos para tipos histológicos diferentes de CBC.

As informações extraídas dos laudos foram transferidas para um protocolo de registro de dados, elaborado pelos autores, com as seguintes variáveis: ano do diagnóstico, idade, gênero, cidade de origem, local da lesão, subtipo histológico, diâmetro da lesão, comprometimento de margem e ocorrência de recidiva.

Os dados coletados foram digitados no programa Epidata versão 3.1, e a análise estatística foi realizada com o auxílio do software SPSS 16.0. Utilizou-se a epidemiologia descritiva para apresentação das características da população em estudo, sendo as variáveis nominais apresentadas sob a forma de frequência em valores absolutos e relativos. As variáveis numéricas foram apresentadas em medidas de tendência central e dispersão. Para comparação entre variáveis categóricas, aplicou-se o teste do qui-quadrado, com intervalo de confiança preestabelecido de 95% (p<0,05), e realizou-se análise multivariada no modelo de regressão logística para controle das variáveis de confusão em relação ao comprometimento de margens cirúrgicas. Os coeficientes de incidência para a cidade de Tubarão foram calculados com base na estimativa populacional nos anos entre 1999 e 2008 pelo Datasus.12 Para essa análise, consideraram-se apenas os casos provenientes do município de Tubarão.

Este trabalho foi aprovado pelo Comitê de Ética em Pesquisa da Universidade do Sul de Santa Catarina (CEP-Unisul) sob registro no. 08.382.4.01.III.

RESULTADOS

Entre 1999 e 2008, identificaram-se 3.253 laudos com diagnóstico de CBC nos dois laboratórios de patologia do município de Tubarão (SC). Destes, 1.667 (51,2%) ocorreram no gênero feminino. A idade variou entre 15 e 99 anos, com média de 62 ±14,7 anos. A tabela 1 mostra a faixa etária categorizada dos pacientes segundo a frequência dos casos de CBC. A faixa etária com maior prevalência de CBC foi entre 61 e 80 anos de idade.

Quanto à procedência, 1.892 (58,2%) laudos eram de indivíduos residentes em Tubarão e o restante era proveniente de cidades vizinhas. Na tabela 2 evidenciam-se os coeficientes de incidência dos CBCs somente para os casos de Tubarão entre 1999 e 2008.

A frequência de CBCs diagnosticados nos pacientes em relação à localização é apresentada na figura 1. No entanto, 1.146 (35,2%) laudos não apresentaram essa informação. Houve predomínio de CBC na região cefálica, principalmente, o nariz. Houve associação entre gênero masculino e a localização em tronco e pavilhão auricular (p<0,001), bem como entre gênero feminino e ocorrência de CBC no nariz (p<0,001). A tabela 3 apresenta a localização dos CBCs em relação ao gênero.


O tipo histológico mais frequente, segundo a classificação proposta pela Organização Mundial de Saúde (OMS),10 foi o nodular (81,7%), com ou sem ulceração, seguido pelo superficial (14,1%), esclerodermiforme (1,4%) e basoescamoso (1,4%). O CBC subtipo histológico esclerodermiforme foi o mais agressivo no que diz respeito ao comprometimento de margens, 70% maior comparado aos outros subtipos histológicos (RP = 1,73; IC95%: 1,23-2,44; p<0,006).

Quanto aos 3.253 CBCs ressecados, a ocorrência de margens comprometidas no exame histopatológico ocorreu em 884 lesões, correspondendo a 27,2% dos casos. Porém, somente 32 laudos foram reencaminhados aos laboratórios como ressecção por ampliação de margens, sendo que 17 dessas ampliações ainda possuíam margens comprometidas.

No que se refere ao tamanho das lesões, 51 (1,6%) delas tinham diâmetro de 2cm ou mais e 1.108 (34,1%) tinham lesões menores do que 2cm; os 2.094 laudos restantes (64,3%) não apresentavam a medida da lesão ou tinham lesão com superfície irregular da pele, não sendo possível delimitar o tamanho da lesão. Os CBCs com diâmetro de 2cm ou mais apresentaram risco bruto de comprometimento de margens quase 80% maior em comparação com as lesões menores do que 2cm (RP = 1,783; IC95%: 1,62-1,97; p<0,0001)).

A tabela 4 apresenta o resultado da análise multivariada de algumas variáveis para o comprometimento de margens cirúrgicas após ressecção dos CBCs.

DISCUSSÃO

Analisaram-se 3.253 laudos com diagnóstico anatomopatológico de CBC nos dois únicos laboratórios de patologia do município estudado. Tubarão é polo regional de saúde e centro de referência para aproximadamente 20 cidades da Região Sul de Santa Catarina, sendo a amostra, portanto, representativa da região em estudo. A análise dos dados demonstrou aumento significativo na ocorrência desses tumores no período estudado, o que corrobora estudos semelhantes da literatura.3,4,6,8

O coeficiente de incidência calculado permitiu estimar o aumento do número de casos de câncer da pele nos últimos dez anos entre os casos provenientes de Tubarão. Houve um aumento considerável da incidência, a qual, em 1999, era de 164,5 casos para cada 100 mil habitantes e, em 2008, chegou aos 295,2 casos para cada 100 mil habitantes, o que indica um aumento de cerca de 80%. O aumento da incidência também foi evidenciado em outros trabalhos, tais como o estudo realizado na Austrália. Naquele País, levantamento feito em 1985 estimou incidência de CBC de 657 casos para cada 100 mil habitantes, ao passo que, no ano de 2002, esse número subiu para 884 casos para cada 100 mil habitantes.4 Em outro estudo realizado em Blumenau (SC), houve aumento considerável da incidência, a qual, em 1980, era de 51,5 casos para cada 100 mil habitantes e, em 1999, chegou a 225 casos para cada 100 mil habitantes.6 Esse aumento poderia ser explicado pelo incremento no número de diagnósticos realizados no município com base no maior conhecimento e conscientização dos médicos e pacientes sobre a lesão, pela intensificação da radiação solar e pelo hábito de se expor ao sol como forma de valorização estética do bronzeamento da pele.1,6,13

O aumento na radiação ultravioleta é decorrente da depleção na camada de ozônio que explica o aumento da incidência e prevalência de CBC na população.14-16 Prevê-se que, para cada 10% de perda da camada de ozônio, haja um aumento de 40% na incidência de câncer da pele.17 De acordo com dados meteorológicos, no estado de Santa Catarina, houve diminuição de 7% a 8% da camada de ozônio, por década, de 1979 até o ano 200014, influenciando, inevitavelmente, a incidência encontrada neste estudo. Além disso, a maior parte da população desse Estado tem pele clara, devido à colonização europeia1,6, sendo mais susceptível aos danos causados pelo aumento da radiação ultravioleta.6,9,18

Não houve diferença na incidência de CBC quanto aos gêneros, sendo que 51,2% dos casos ocorreram entre o gênero feminino, corroborando a literatura científica.6,8,19 Com relação à faixa etária, observou-se predomínio de casos entre 61 e 80 anos (43,4%), resultado semelhante ao encontrado nos trabalhos desenvolvidos por Bariani e Silveira, que apresentaram, respectivamente, 59% e 50% dos casos de CBC nessa faixa etária.8,19 Esse dado poderia ser explicado pelo fato de as pessoas mais idosas terem sistema imune menos eficiente, com menor capacidade de reparação do DNA,9,16,20 e também por estarem mais tempo expostas aos fatores de risco para o desenvolvimento do CBC, principalmente, devido ao efeito cumulativo da exposição solar intensa e intermitente.9,15

A maioria dos carcinomas da pele surge em áreas corporais sujeitas a exposição solar frequente.6,8,9,15,21,22 Neste trabalho, 67,7% dos CBCs tiveram localização no segmento cefálico, valor similar aos encontrados na literatura, os quais variaram entre 52,1% e 86%.6,19,21,23,24 Esse achado reforça a importância da exposição solar crônica como fator de risco, sendo a face um local bastante exposto ao sol. A incidência em tronco foi de 19,6%, sendo mais frequente em homens (p<0,001), e foi similar à encontrada no estudo realizado em Blumenau (SC), mas diferente da observada em estudos conduzidos em outras regiões brasileiras.6,19 Essa diferença talvez possa ter ocorrido pelas características das cidades de Tubarão e Blumenau, já que a agricultura é atividade econômica de grande importância nessas regiões, exercida, na maioria das vezes, por homens que se expõem ao sol sem proteção. Além disso, em dias quentes e ensolarados, é comum indivíduos do gênero masculino andarem ao sol sem barreira física (camisa) e química (protetor solar) devido a características culturais, o que é intensificado pelo predomínio de caucasianos e forte radiação ultravioleta.1,19,25

No segmento cefálico, o nariz foi o local com maior número de casos de CBC (47,4%), corroborando outros estudos.6,8,21,25 Verificou-se maior incidência entre mulheres, havendo associação estatisticamente significativa (p<0,001). Esse dado sugere que talvez os homens utilizem, com maior frequência, acessórios para proteção da cabeça, como bonés, protegendo, desse modo, a região nasal. A incidência de CBCs no pavilhão auricular atingiu mais homens, havendo diferença estatisticamente significante entre gênero e CBC localizado em orelha (p<0,001). Isso pode ser explicado pelo comprimento dos cabelos que cobrem o pavilhão auricular feminino, com consequente proteção física natural contra a radiação ultravioleta.6

Quanto ao tipo histológico, o mais encontrado foi o nodular, com ou sem ulceração (81,7%), sendo o mais prevalente, de acordo com outros estudos, porém estando acima das médias encontradas.8,9,19 O estudo de Mantenese apresentou 46,3% de CBC nodular.25 No presente estudo, o tipo histológico esclerodermiforme, o mais agressivo dos CBCs, ocorreu apenas em 1,4% dos casos, mostrando baixa incidência quando comparada a outros estudos, como o de Nasser (10%), mas similar ao estudo de Bariani (0,9%).6,19

A prevalência total de comprometimento de margens cirúrgicas após ressecção de CBC varia, geralmente, entre 5,5% e 12,5%,19,26-28 sendo que, no presente estudo, o comprometimento de margens foi de 27,2%. Esse fato pode ser devido à imperícia da técnica cirúrgica ou à valorização estética na retirada das lesões, por se tratar de uma neoplasia com prognóstico favorável, e também à utilização da biópsia incisional pré-operatória realizada por alguns médicos. As peças cirúrgicas de CBCs biopsiados na face apresentaram quase 50% mais comprometimento de margens em comparação com outros locais do corpo (RP =1,44; IC95%: 1,30-1,59; p<0,001), sendo os locais com maior comprometimento encontrados no nariz (45,8%), nas orelhas (17,3%) e na região periorbital (11,5%). Esses dados são similares aos encontrados em estudos de Farhi e Schirley a respeito de excisões incompletas de CBC.23,28 Isso pode ilustrar as preocupações estéticas na ressecção de tumores faciais, assim como a proximidade a estruturas vitais, dificultando a excisão.26,28,29

A habilidade de excisar todas as margens também se correlaciona com o tipo histológico da lesão e, neste estudo, pode-se observar que o tipo esclerodermiforme foi o mais agressivo quanto ao comprometimento de margens (70%), comparado aos outros subtipos histológicos (p<0,006), apesar de sua baixa incidência.19,21,26,28 Isso se deve à pobre definição de suas margens, que acaba por dificultar a delimitação da ressecção.26

De fato, no presente estudo, após o ajuste para variáveis de confusão, apenas a localização em face e o diâmetro igual a 2cm ou maior apresentaram associação estatisticamente significativa com comprometimento de margens cirúrgicas. Estudos que avaliam os fatores de risco para comprometimento de margens cirúrgicas dos CBCs revelaram que a localização em face é o principal fator relacionado, devido aos motivos expostos anteriormente.23,26,28 Quanto às lesões de 2cm ou mais de diâmetro, apresentaram 5,5 vezes mais chance para o comprometimento de margens (p<0,0001), o que é concordante com dados de outros serviços.21,26,30 Isso pode ser explicado, já que tumores maiores são de ressecções mais complexas e comportamento biológico mais agressivo.26

Com relação aos casos que foram enviados para ampliação de margens, dos 32 casos diagnosticados com margens comprometidas, 17 apresentaram CBC na peça analisada, sendo que o restante não apresentava mais CBC. A explicação para o não achado de tumor residual na cirurgia subsequente pode ser a falsa informação de tumor residual na margem cirúrgica, ocasionada pela contração fixativa do tecido peritumoral nos cortes de parafina. A hipótese de que o processo inflamatório pós-cirúrgico possa ser a causa do desaparecimento dos restos tumorais também tem sido recentemente contestada.11

Entre as limitações do estudo, destaca-se o delineamento, pois não é possível estabelecer causalidade em estudos transversais, e a impossibilidade de avaliar algumas variáveis (fotótipo da pele, frequência de exposição solar, uso de proteção física e química, entre outros aspectos), pelo fato de os dados obtidos serem oriundos de banco secundário. Além disso, em alguns laudos faltavam dados, comprometendo a análise dos resultados e podendo levar ao viés de algumas informações. O encaminhamento médico nem sempre descrevia anatomicamente as lesões e era difícil saber se as lesões pertenciam a um mesmo indivíduo ou se eram recidivas. Entretanto, a realização de estudos desta magnitude e com este tamanho amostral se torna inviável, devido a outros delineamentos em curto espaço de tempo e ao alto custo.

Cabe ressaltar a importância da prevenção do câncer da pele, identificando-se a população em risco, a fim de se definirem políticas adequadas de controle. Esforços devem ser feitos para a divulgação do problema, para que esses tumores sejam diagnosticados e tratados precocemente. A educação em saúde, possibilitando o reconhecimento de alterações precoces sugestivas de malignidade, é uma estratégia internacionalmente aceita.1

São necessários mais estudos de base populacional para avaliar a real magnitude do problema e sua repercussão na saúde pública. Neste trabalho, foi possível conhecer a realidade do comportamento da neoplasia em questão na região de Tubarão. Sugere-se a realização de programas com ação efetiva para mudança de comportamento, com apresentação dos prejuízos causados à saúde pela exposição ao sol, possibilitando-se, assim, diminuir a incidência de CBC e de outras neoplasias da pele nas próximas gerações.

CONCLUSÃO

O estudo de 3.253 laudos de exame anatomopatológico de pacientes atendidos nos dois laboratórios do município de Tubarão entre 1999 e 2008 permite concluir que houve aumento significativo da incidência de CBC, semelhante em ambos os gêneros, sendo a faixa etária entre 61 e 80 anos a mais acometida.

A localização de maior acometimento foi a região cefálica, sendo o tipo histológico nodular o mais encontrado.

Este estudo apresentou prevalência de margens comprometidas após ressecção de CBC de 27%, tendo como principais fatores de risco o diâmetro das lesões maior que 2cm e localização em face.

AGRADECIMENTOS:

Agradecemos aos Laboratórios de Patologia São Lucas e DiPrever, que permitiram a coleta dos dados, ao Prof. M.Sc. Thiago Mamôru Sakae, que auxiliou na análise estatística, e ao Prof. Dr. Wilson Schuelter, pela tradução do resumo.

Recebido em 01.09.2010.

Aprovado pelo Conselho Consultivo e aceito para publicação em 25.01.2010.

Conflito de interesse: Nenhum

Suporte financeiro: Nenhum

* Trabalho de conclusão de curso apresentado ao curso de graduação em Medicina pela Universidade do Sul de Santa Catarina (Unisul), campus Tubarão. Os dados coletados foram extraídos dos laudos anatomopatológicos dos Laboratórios de Patologia Clínica São Lucas e DiPrever - Tubarão (SC), Brasil.

  • 1. Sociedade Brasileira de Dermatologia. Análise de dados das campanhas de prevenção ao câncer de pele promovidas pela Sociedade Brasileira de Dermatologia de 1999 a 2005. An Bras Dermatol. 2006;81:533-9.
  • 2. Instituto Nacional de Câncer - INCA [homepage on the internet]. Estimativa 2008: Incidência de Câncer no Brasil. [Acesso: 20 Jul. 2008]. Disponível em: http://www.inca.gov.br/estimativa/2008/
  • 3. Jemal A, Siegel R, Ward E, Murray T, Xu J, Smigal C, Thun MJ. CA Cancer Statistics, 2008. Cancer J Clin. 2008;58:71-96.
  • 4. Staples MP, Elwood M, Burton RC, Willians JL, Marks R, Giles GG. Non-melanoma skin cancer in Australia: the 2002 national survey and trends since 1985. Med J Aust. 2006;184:6-10.
  • 5. Amaral ACN, Azulay RD, Azulay DR. Neoplasias epiteliais. In: Azulay RD, Azulay DR, editores. Dermatologia. 4 ed. Rio de Janeiro: Guanabara Koogan S.A.; 2006. p. 510-26.
  • 6. Nasser N. Epidemiologia dos carcinomas basocelulares em Blumenau, SC, de 1980 a 1999. An Bras Dermatol. 2005;80:363-8.
  • 7. Fernandes CR. O esgarçamento da Camada de ozônio. [acesso 10 Ago. 2008]. Disponível em: http:/www.ecoterrabrasil.com.br/home/index
  • 8. Silveira ML, Casalechi HL, Casalechi VL, Novo NF, Barbo MLP, Ruiz LRB. Estudo epidemiológico dos carcinomas basocelulares, na população atendida no Conjunto Hospitalar de Sorocaba, no período de 2001 a 2005. XI Encontro Latino Americano de Iniciação Científica e VII Encontro Latino Americano de Pós-Graduação - Universidade do Vale do Paraíba, 2007. p. 1369-72.
  • 9. Rubin AI, Chen EH, Ratner D. Basal Cell Carcinoma. N Engl J Med. 2005;53:2262-9.
  • 10. Kossard S, Epstein EH, Cério R, Yu LL, Weedon D. Basal Cell Carcinoma. In: Leboit PE, Burg G, Weedon D, Sarasin A. Pathology & Genetics - Skin Tumours. Lyon France: IARC Press, 2006. pp.13-9.
  • 11. Kopke LFF, Schmidt SM. Carcinoma basocelular. An Bras Dermatol. 2002;77:249-82.
  • 12
    Datasus. Departamento de Informática do SUS. População Residente. Estimativa para o TCU - Santa Catarina. [acesso 20 Abr. 2009]. Disponível em: http://tabnet.datasus.gov.br/cgi/deftohtm.exe?ibge/cnv/poptsc.def
  • 13. Hora C, Batista CVC, Guimarães PB, Siqueira R, Martins S. Avaliação do conhecimento quanto a prevenção do câncer de pele e sua relação com exposição solar em freqüentadores de academia de ginástica, em Recife. An Bras Dermatol. 2003;78:693-701.
  • 14. Scientific Assessment of Ozone Depletion: 2002. World Meteorological Organization. Global Ozone Research and Monitoring Project - Report No. 47. [cited 2008 Maio 7]. Available from: http://www.esrl.noaa.gov/csd/assessments/2002/executive_summary.html
  • 15. Ramos J, Villa J, Ruiz A, Armstrong R, Matta J. UV dose determines key characteristics of nonmelanoma skin cancer. Cancer Epidemiol Biomarkers Prev. 2004;13:2006-11.
  • 16. Kyrgidis A, Tzellos TG, Vahtsevanos K, Triaridis S. New concepts for basal cell carcinoma. Demographic, clinical, histological risk factors, and biomarkers. A systematic review of evidence regarding risk for tumor development, susceptibility for second primary and recurrence. J Surg Res. 2010;159:545-56.
  • 17. Oikarinen A, Raitio A. Melanoma and other skin cancer in circumpolar areas. Int J Circumpolar Health. 2000;59:52-6.
  • 18. Maia M, Proença NG, Moraes JC. Risk factors for basal cell carcinoma: a case-control study. Rev Saúde Pública. 1995;29:27-37.
  • 19. Bariani RL, Nahas FX, Barbosa MV, Farah AB, Ferreira LM. Basal cell carcinoma: an updated epidemiological and therapeutically profile of an urban population. Acta Cir Bras. 2006;21:66-73.
  • 20. Wei Q, Matanoski GM, Farmer ER, Hedayati MA, Grossman L. DNA repair and aging in basal cell carcinoma: A molecular epidemiology study. Proc Natl Acad Sci USA. 1993;90:1614-8.
  • 21. Campos R, Quintas S, Coutinho ALF. Fatores de risco para o comprometimento de margens cirúrgicas nas ressecções de carcinomas basocelular. Rev Bras Cir Plas. 2008;23:116-9.
  • 22. Minelli L. Estudo estatístico do carcinoma Basocelular em Londrina, Paraná, Brasil. An Bras Dermatol. 1987;62:321-325.
  • 23. Su SY, Giorlando F, Ek EW, Dieu T. Incomplete excision of basal cell carcinoma: a prospective trial. Plast Reconstr Surg. 2007;20:1240-8.
  • 24. Corona R, Dogliotti E, D'Errico M, Sera F, Iavorone I, Baliva G, et al. Risk factors for basal cell carcinoma in a Mediterranean population: role of recreational sun exposure early in life. Arch Dermatol. 2001;137:1162-8.
  • 25. Mantese SAO, Berbert ALCV, Gomides MDA, Rocha A. Carcinoma basocelular - Análise de 300 casos observados em Uberlândia - MG. An Bras Dermatol. 2006;81:136-42.
  • 26. GregórioTCR, Sbalchiero JC, Leal PRA. Acompanhamento a longo prazo de carcinomas basocelulares com margens comprometidas. Rev Soc Bras Cir Plast. 2005;20:8-11.
  • 27. Bhatti AZ, Asif S, Alwan M. Factors affecting incomplete excision of nonmelanoma skin cancers in New Zealand. Ann Plast Surg. 2006;57:513-6.
  • 28. Farhi D, Dupin N, Palangié A, Carlotti A, Avril MF. Incomplete excision of basal cell carcinoma: rate and associated factors among 362 consecutive cases. Dermatol Surg. 2007;33:1207-14.
  • 29. Hochman M, Lang P. Skin cancer of the head end neck. Med Clin North Am. 1999;83:261-82.
  • 30. Hallock GG, Lutz DA. Prospective study of the accuracy of the surgeon's diagnosis in 2000 excised skin tumors. Plast Reconstr Surg. 1998;101:1255-61.
  • Endereço para correspondência:

    Fabiana Schuelter Trevisol
    Unidade Hospitalar de Ensino
    Bairro: Dehon Av. José Acácio Moreira, 787
    88704 900 Tubarão - SC
    E-mail:
  • Datas de Publicação

    • Publicação nesta coleção
      27 Jan 2011
    • Data do Fascículo
      Dez 2010

    Histórico

    • Aceito
      25 Jan 2010
    • Recebido
      01 Set 2010
    Sociedade Brasileira de Dermatologia Av. Rio Branco, 39 18. and., 20090-003 Rio de Janeiro RJ, Tel./Fax: +55 21 2253-6747 - Rio de Janeiro - RJ - Brazil
    E-mail: revista@sbd.org.br