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Dermatofitose por Tricophyton rubrum como infecção oportunista em pacientes com doença de Cushing

Resumos

O dermatófito Trichophyton rubrum é um agente comum nas micoses superficiais, podendo apresentar lesões extensas pauci-inflamatórias de evolução crônica, especialmente em imunocomprometidos. O hipercortisolismo, na síndrome de Cushing, aumenta o risco de infecções, resultado do efeito imunossupressor dos glicocorticóides. Os casos relatados apresentam duas formas distintas de dermatofitose, em pacientes com doença de Cushing, causadas por Tricophyton rubrum e posterior remissão após normalização da cortisolemia.

Dermatomicoses; Imunossupressão; Onicomicose; Síndrome de Cushing


Trichophyton rubrum is a common agent found in superficial mycoses, which present ample nonin?ammatory lesions, with chronic evolution, especially in immunocompromised patients. The hypercortisolism in Cushing's syndrome increases the risk of infections as a result of the immunosuppressive effect of glucocorticoids. The reported cases here refer to two different types of dermatophytosis caused by Trichophyton rubrum in patients with Cushing's disease, resistant to antifungal treatment. The disease remitted after the levels of cortisol went back to normal.

Cushing's syndrome; Dermatomycoses; Immunosuppression; Onychomycosis


CASO CLÍNICO

Dermatofitose por Tricophyton rubrum como infecção oportunista em pacientes com doença de Cushing* * Trabalho realizado no serviço de dermatologia da Fundação Hospital Adriano Jorge (FHAJ) - Universidade Estadual do Amazonas (UEA) - Manaus (AM), Brasil.

Isy PeixotoI; Gustavo MaquineII; Valeska Albuquerque FrancesconiIII; Fabio FrancesconiIV

IMédica assistente da Fundação Hospital Geral Adriano Jorge (FHAJ) - Manaus (AM), Brasil

IIMédico assistente da Fundação Hospital Geral Adriano Jorge (FHAJ) - Manaus (AM), Brasil

IIIMestre em medicina tropical pela Universidade do Estado do Amazonas (UEA) - Fundação de Medicina Tropical do Amazonas (FMTAM) - Professora de dermatologia da Universidade do Estado do Amazonas (UEA) - Manaus (AM), Brasil

IVMestre em medicina tropical pela Universidade do Estado do Amazonas (UEA) - Fundação de Medicina Tropical do Amazonas (FMTAM) - Professor da Universidade Federal do Amazonas (UFAM) - Manaus (AM), Brasil

Endereço para correspondência Endereço para correspondência: Fabio Francesconi Av prof. Nilton Lins 877, bl apto 403 Barcelona Tel: 92 3654 9125 ; 8832 5644, Fax: 92 3659 3565. email: Fabio@francesconi.med.br / fabiofrancesconi@globo.com

RESUMO

O dermatófito Trichophyton rubrum é um agente comum nas micoses superficiais, podendo apresentar lesões extensas pauci-inflamatórias de evolução crônica, especialmente em imunocomprometidos. O hipercortisolismo, na síndrome de Cushing, aumenta o risco de infecções, resultado do efeito imunossupressor dos glicocorticóides. Os casos relatados apresentam duas formas distintas de dermatofitose, em pacientes com doença de Cushing, causadas por Tricophyton rubrum e posterior remissão após normalização da cortisolemia.

Palavras-chave: Dermatomicoses; Imunossupressão; Onicomicose; Síndrome de Cushing

INTRODUÇÃO

A síndrome de Cushing (SC) ocorre por exposição prolongada a elevados níveis de glicocorticoides. A causa mais comum de SC decorre da administração exógena deste hormônio. A produção endógena pode estar elevada, ou por um tumor adrenal ou por um tumor secretor de hormônio adrenocorticotrófico (ACTH), que pode ter origem hipofisária. A doença de Cushing (DC), que é causada por adenoma hipofisário, é a responsável pelo maior número de casos da SC endógena.1, 2

Na história natural da SC, complicações infecciosas podem acometer 42% dos pacientes não tratados.3 Altos níveis de glicocorticoides circulantes influenciam o sistema imunológico, reduzindo, principalmente, a imunidade celular. O risco relativo de adquirir infecção é: 1,5 vezes maior nos pacientes portadores desta síndrome.3,4 O nível de cortisol impacta o sistema imunológico de forma dosedependente, com maiores chances de infecções graves e oportunistas nos casos com valores mais elevados de cortisol plasmático.5

Com o déficit da imunidade celular, associado à função deficiente de macrófagos e neutrófilos, há um risco elevado de infecções por fungos oportunistas nos quadros de hipercortisolismo, assim como ocorre nas infecções por fungos dermatófitos.6 As infecções fúngicas invasivas são as mais estudadas, porém existem poucos relatos, com ênfase na relação entre micoses superficiais e hipercortisolismo.7

Os autores deste estudo apresentam dois casos de infecção oportunista por Trichophyton rubrum, com apresentações clínicas distintas em pacientes portadores da doença de Cushing, com remissão espontânea da dermatofitose, após normalização dos níveis de cortisol plasmático.

RELATOS DOS CASOS

Caso 1

Homem, pardo, 22 anos, foi admitido em serviço de emergência com quadro de cetoacidose diabética, hipertensão arterial grave e fibrilação atrial. Ao exame dermatológico, apresentava fácies de lua cheia, pletórica, giba nucal, estrias abdominais largas e violáceas, acne no tronco e hematomas em áreas de trauma. Apresentava ainda placas não pruriginosas, eritemato-acastanhadas, descamativas, mais intensas nas bordas, localizadas nas dobras axilares e inguinais com expansão para tronco, abdome, coxas e joelhos (Figura 1) - o exame micológico evidenciou T. rubrum. Após a investigação clínica, foi confirmado o diagnóstico de hipercortisolismo por doença de Cushing.


Por sua ação sobre a esteroidogênese, cetoconazol oral (600mg/dia) foi utilizado para o controle do hipercortisolismo, com resolução parcial da dermatofitose. Por elevação progressiva das transaminases hepáticas, o cetoconazol foi suspenso, com piora da dermatofitose. Após o tratamento específico da doença, com ressecção do microadenoma hipofisário, houve normalização dos níveis séricos de cortisol e regressão total da infecção pelo T. rubrum.

Caso 2

Mulher, branca, 26 anos, procurou o serviço de endocrinologia por apresentar ganho ponderal de 40 kg e amenorréia secundária. Ao exame dermatológico, evidenciou-se fácies de lua cheia, pletórica, estrias violáceas e largas nos braços e abdome, hematomas e hirsutismo. Apresentava, ainda, placas esbranquiçadas sobre a lâmina ungueal do polegar esquerdo (Figura 2). Após exame micológico, foi confirmada a hipótese clínica de onicomicose branca superficial causada pelo T. rubrum.


Após a investigação clínica, foi diagnosticado o hipercortisolismo, este causado pela doença de Cushing. A paciente foi submetida à cirurgia transesfenoidal para ressecção da lesão hipofisária, e houve normalização dos níveis séricos de cortisol e remissão espontânea da lesão fúngica ungueal, acompanhada da cura micológica.

DISCUSSÃO

A predisposição a infecções, observada nos pacientes com hipercortisolismo, é consequência de complexos efeitos dos glicocorticoides sobre a imunidade celular e humoral. A imunidade celular é particularmente afetada pela ação hormonal sobre os neutrófilos, macrófagos e linfócitos Th1, com particular aumento da suscetibilidade a infecções oportunistas, especialmente por fungos. 6, 7 O estado hiperglicêmico encontrado nos pacientes com SC, decorrente do aumento da resistência insulínica nos tecidos, também contribui para esta imunossupressão.8

As lesões pouco inflamatórias, com pouco ou nenhum sintoma e distribuição extensa pelo tegumento, aliados à resistência ao tratamento antifúngico convencional, são características das lesões de dermatofitose nos pacientes com síndrome de Cushing. Cremer G. foi um dos primeiros autores a estudar a influência da síndrome de Cushing sobre o curso das dermatofitoses. 9 Além da descrição das características clínicas das lesões, o autor constatou que estes pacientes apresentavam reação cutânea à tricofitina negativa, uma prova do déficit da imunidade celular específica apresentada por estes pacientes.

Todavia, há outros trabalhos que demonstram, de maneira mais contundente, a relação entre o hipercortisolismo e a evolução clínica das micoses superficiais, em que podem apresentar uma resolução clínica total ou parcial, após a normalização dos níveis de cortisol. 10,11

O primeiro caso deste relato ilustra bem a influência do hipercortisolismo sobre o curso da infecção. Para o controle do hipercortisolismo, foi inciado o uso de cetoconazol, na dose 600mg ao dia. Houve melhora do quadro dermatológico, com resolução parcial do quadro de dermatofitose. Após a necessidade de suspensão da medicação, por elevação dos níveis séricos das transaminases hepáticas, houve retorno da dermatofitose. Esta apresentou resolução espontânea, com confirmação de cura micológica, somente após tratamento específico da SC e normalização da cortisolemia. No segundo caso, também houve resolução da infecção após normalização dos níveis séricos de cortisol.

Além da influência da cortisolemia sobre o curso da doença, a apresentação clínica das dermatofitoses também sofre modificação. Tipicamente, os casos são extensos e pauci-inflamatórios. No primeiro caso, a ausência de prurido e o acometimento extenso foram os aspectos clínicos que chamaram a atenção. O segundo caso apresentou um quadro de onicomicose branca superficial pelo T. rubrum, infecção oportunista típica de pacientes HIV positivos.

Os casos de dermatofitose associados à SC anteriormente relatados foram causados por fungos dos gêneros Trichopython sp, sendo o T. rubrum o mais frequente. Os dois casos apresentados foram causados pelo T. rubrum. A origem da micose superficial, nestes casos, parece ser decorrente da disseminação de infecções indolentes, localizadas ou por contaminação após contato domiciliar. 9-11

Os autores consideram que a dermatofitose, associada à síndrome de Cushing, deva ser definida como uma infecção oportunista. O quadro clínico atípico, pouca resposta com a terapia antifúngica convencional e resolução da dermatofitose após normalização dos níveis séricos de cortisol, justificam este afirmação. 9, 11, 12 Novos estudos sobre prevalência e características clínicas das dermatofitoses em pacientes com SC devem ser realizados para sedimentar este conceito.

Recebido em 17.08.2009.

Aprovado pelo Conselho Consultivo e aceito para publicação em 10.03.10.

Conflito de interesse: Nenhum

Suporte financeiro: Nenhum

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  • Endereço para correspondência:
    Fabio Francesconi
    Av prof. Nilton Lins 877, bl apto 403
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    Tel: 92 3654 9125 ; 8832 5644, Fax: 92 3659 3565.
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    Trabalho realizado no serviço de dermatologia da Fundação Hospital Adriano Jorge (FHAJ) - Universidade Estadual do Amazonas (UEA) - Manaus (AM), Brasil.
  • Datas de Publicação

    • Publicação nesta coleção
      27 Jan 2011
    • Data do Fascículo
      Dez 2010

    Histórico

    • Recebido
      17 Ago 2009
    • Aceito
      10 Mar 2010
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