Acessibilidade / Reportar erro

Doença de Mucha-Habermann úlceronecrótica febril em adulto com boa resposta à corticoterapia oral

Resumos

A doença de Mucha-Habermann ulceronecrótica febril (FUMHD) é uma variante clínica rara da pitiríase liquenoide variceliforme aguda (PLEVA). Tem etiologia incerta e é caracterizada por lesões úlceronecróticas, associadas a sintomas sistêmicos. Relata-se um caso de paciente masculino, com início agudo de lesões máculo-papulares, vesicobolhosas e úlceronecróticas, associadas à febre alta e mialgia. Tratado com prednisona 0,5 mg/kg/dia, obteve-se excelente resposta terapêutica. A FUMHD é uma variante severa da PLEVA, cujo diagnóstico é clínico e histopatológico. Vários tratamentos são descritos, tais como: metrotexate, corticoesteroides, PUVA, mas nenhum foi estabelecido.

Corticosteroides; Pitiríase liquenoide; Vasculite


The Febrile Ulceronecrotic Mucha-Habermann (FUMHD) disease is a rare variant of pityriasis lichenoides et varioliformis acuta (PLEVA). Its etiology still remains unknown and it is characterized by a sudden onset of ulceronecrotic skin lesions associated with systemic symptons. It is reported here the case of a male patient with a sudden and acute evolution of macules and papules, ulceronecrotic and vesicle-bullous lesions associated with systemic symptons. The patient was treated with prednisone 0,5 mg/kg/day with a dramatic response. The FUMHD is a severe variant of PLEVA and its diagnosis is clinical and histopathological. Many treatments such as methotrexate, corticosteroids and PUVA have been described .However, none of them has been settled.

Adrenal cortex hormones; Pityriasis lichenoides; Vasculitis


CASO CLÍNICO

Doença de Mucha-Habermann úlceronecrótica febril em adulto com boa resposta à corticoterapia oral* * Trabalho realizado no Serviço de Dermatologia do Instituto Lauro de Souza Lima (ILSL) - Bauru (SP), Brasil.

Priscila Wolf NassifI; Deise Aparecida Santos GodoyII; Sadamitsu NakandakariIII; Cinthia Janine Meira AlvesIV; Cleverson Teixeira SoaresV

IMédica dermatologista. Ex-especializanda do Instituto lauro de Souza Lima (ILSL) - Bauru - SP - Brasil

IIMédica Dermatologista - Preceptora residência medica em Dermatologia do Instituto Lauro de Souza Lima (ILSL) - Bauru (SP), Brasil

IIIMédico Dermatologista - Preceptor chefe da residência medica em dermatologia do Instituto Lauro de Souza Lima (ILSL) - Bauru (SP), Brasil

IVMédica dermatologista. Ex-residente do Instituo Lauro de Souza Lima (ILSL) - Bauru - SP - Brasil

VMédico Patologista do Instituto Lauro de Souza Lima (ILSL) - Bauru (SP), Brasil

Endereço para correspondência Endereço para correspondência: Priscila Wolf Nassif Endereço: R. Piratininga, 159 apto 122 cep 87013100 Maringá-PR, Brasil Tel: 44 9922 1072 / 44 3262 1712 Email: priwolf@gmail.com

RESUMO

A doença de Mucha-Habermann ulceronecrótica febril (FUMHD) é uma variante clínica rara da pitiríase liquenoide variceliforme aguda (PLEVA). Tem etiologia incerta e é caracterizada por lesões úlceronecróticas, associadas a sintomas sistêmicos. Relata-se um caso de paciente masculino, com início agudo de lesões máculo-papulares, vesicobolhosas e úlceronecróticas, associadas à febre alta e mialgia. Tratado com prednisona 0,5 mg/kg/dia, obteve-se excelente resposta terapêutica. A FUMHD é uma variante severa da PLEVA, cujo diagnóstico é clínico e histopatológico. Vários tratamentos são descritos, tais como: metrotexate, corticoesteroides, PUVA, mas nenhum foi estabelecido.

Palavras-chave: Corticosteroides; Pitiríase liquenoide; Vasculite

INTRODUÇÃO

A doença de Mucha-Habermann ulceronecrótica febril (FUMHD) é uma variante clínica rara da pitiríase liquenoide variceliforme aguda (PLEVA), com apenas 39 casos descritos na literatura até o momento.1 Tem etiologia incerta e é caracterizada pelo surgimento de lesões úlceronecróticas, associadas à febre alta e sintomas sistêmicos.1 No adulto, além do quadro ser mais severo, há um potencial maligno que pode estar relacionado à clonalidade de células T. O caso é relatado pela raridade e gravidade da doença em adultos, além da excelente resposta clínica ao tratamento com corticoesteroides.

RELATO DO CASO

Paciente masculino, 49 anos, com início há 1 semana de máculas e pápulas eritematosas generalizadas (Figura 1), acometendo inclusive palmas, plantas e mucosas, que evoluíram para lesões vesicobolhosas e úlceronecróticas, algumas com crosticula central (Figura 2). Associava-se a este quadro, mal-estar geral, febre alta (40 graus) e mialgia. Nos exames laboratoriais, apresentava hiponatremia, hipocalcemia e linfopenia. FTAabs, VDRL, sorologia herpes 1 e 2, Anti-HIV 1 e 2, foram negativos. O diagnóstico foi confirmado pelo exame histopatológico, que revelou infiltrado inflamatório linfo-histiocitário, com agressão intensa à epiderme, edema e degeneração vacuolar de queratinócitos, intensa exocitose, formação de bolha, com evolução para úlcera e congestão vascular, com extravasamento de hemácias (Figuras 3 e 4), compatíveis com doença de Mucha-Habermann. Instituiu-se a prednisona 40 mg/dia com excelente resposta terapêutica. Então, foi reduzido, gradativamente, o corticoesteroide, até sua total retirada, e o paciente não apresenta recidiva das lesões, até o momento.





DISCUSSÃO

Cabe a V. Mucha,a primeira publicação, em 1916, na Alemanha, de uma erupção pápulo-escamosa aguda, sob a denominação de Parakeratosis Variegata (Unna) ou Pityriasis Lichenoides Chronica (Neisser-Juliusberg).2 R.Habermann, em 1925, propõe novo título para esta dermatose: Pityriasis Lichenoides et Varioliformis Acuta (PLEVA), 2 também conhecida com doença de Mucha-Habermann.

A Doença de Mucha-Habermann úlceronecrótica febril (FUMHD) é uma variante severa da PLEVA, que se caracteriza pelo aparecimento súbito de lesões úlceronecróticas, associadas à febre alta (40 graus), mialgia, artralgia, sintomas gastrointestinais e do sistema nervoso central, pneumonite intersticial, miocardite linfocítica, e até morte. 3,4 Geralmente, seu curso é limitado a semanas ou meses, e, ocasionalmente, evolui para um curso crônico com exacerbações e remissões. 4 Habitualmente, acomete crianças e adultos jovens, contrariando nosso caso, que trata-se de um paciente de 49 anos. O prognóstico é melhor em crianças, já que, no adulto, além do quadro ser mais severo, há um potencial maligno podendo relacionar-se à clonalidade de células T. 1,4,5 Neste caso, o paciente, apesar de adulto, apresentou excelente resposta clínica à terapêutica com corticoesteroide sistêmico, contrariando a literatuta. A etiologia da doença permanece incerta, pois não se sabe se a PLEVA é uma reação de hipersensibilidade a alguns agentes infecciosos (HIV, estreptococo, toxoplasma, agentes virais),6 uma vasculite de hipersensibilidade (mediada por complexos imunes) ou se é um genuíno processo linfoproliferativo, que faz parte do espectro de doenças cutâneas de desordem linfoproliferativa da célula T.1,5,7 Apesar disto, a transformação em linfoma de células T cutâneo é rara, e as semelhanças com a papulose linfomatoide ainda estão em debate. 7

O diagnóstico é clínico e histopatológico. Laboratorialmente, observam-se VHS, PCR e contagem de leucócitos elevadas. Em alguns pacientes, podem-se encontrar anticorpos contra estreptolisina A e eosinofilia. 7 No paciente em questão, foram observados a hiponatremia, a hipocalcemia e a linfopenia, além de sorologias para HIV, sífilis e herpes resultarem em negativas. Na histopatologia, há infiltrados inflamatórios linfocitários perivasculares, na derme superficial, com exocitose epidérmica de restos de linfócitos e escamas paraqueratósicas, com acúmulo de células inflamatórias entre as diferentes camadas. 6 O diagnóstico diferencial faz-se com papulose linfomatoide, varicela, sífilis e eritema multiforme. 6

Vários tratamentos têm sido propostos, porém, nenhum foi estabelecido, já que o número de casos relatados é pequeno. Yang descreve o uso de altas doses de corticoesteroides orais, inicialmente, para reduzir o componente inflamatório, seguido de eritromicina oral de manutenção.1,6,7 Há um relato de paciente tratado com pulsoterapia, com metilprednisolona 500mg/dia, por 3 dias seguidos, de prednisona oral 40mg/dia, com posterior terapia de manutenção, com metrotexate (7,5 mg/semana). 8 Outros trabalhos descrevem o uso de metrotexate isolado, PUVA, aciclovir, azitromicina e 4,4 diaminodifenil sulfona. 1,6,7,9 O uso de ciclosporina oral, numa dose inicial de 2,5mg/kg/dia e posteriormente 1,25mg/kg/dia, também obteve bom resultado num paciente de 8 anos de idade com FUMHD.10 Uma análise retrospectiva de 20 casos demonstrou que 6 de 15 pacientes obtiveram boa resposta terapêutica com prednisolona, em dosagens maiores que 1 mg/kg/dia. 8 No caso apresentado, o paciente foi tratado com 0,5 mg/kg/dia e se manteve sem lesões, mesmo após a retirada do corticoesteroide sistêmico, sem necessidade de terapia de manutenção.

Apesar de o caso relatado apresentar-se com boa evolução, a FUMHD é uma doença que pode ser fatal no adulto, e, portanto, necessita de mais estudos, já que o melhor tratamento ainda não está bem estabelecido em face do pequeno número de casos descritos.

Recebido em 03.08.2009.

Aprovado pelo Conselho Consultivo e aceito para publicação em 28.08.2009.

Conflito de interesse: Nenhum

None Suporte financeiro: Nenhum

  • 1. Sotiriou E, Patsatsi A, Tsorova C, Lazaridou E, Sotiriadis D. Febrile Ulceronecrotic Mucha-Habermann Disease: A Case Report and Review of the Literature. Acta Derm Venereol. 2008; 88:350-5.
  • 2. Sternick M, Talarico RA. Posição da Doença de Mucha-Habermann entre as vascularites. An Bras Dermatol. 1981;56:37-42.
  • 3. Miyamoto T, Takayama N, Kitada S, HagariY, Mihara M. Febrile ulceronecrotic Mucha-Habermann disease: a case report and a review of the literature. J Clin Pathol. 2003;56:795-7.
  • 4. Aytekin S, Balci G, Duzgun OY. Febrile ulceronecrotic Mucha-Habermann disease: A case report and a review of the literature. Dermatol Online J. 2005;11:31.
  • 5. Dereure O, Levi E, Kadin ME. T-Cell clonality in pityriasis lichenoides et varioliformis acuta: a heteroduplex analisys of 20 cases. Arch Dermatol. 2000;136:1483-6.
  • 6. Gómez MTB, Durán JCS, Estella SJ, Chaves YM, San Pablo AMT. Pitiriasis liquenoide y varioliforme aguda (enfermedad de Mucha-Habermann).An Pediatr (Barc). 2007;66:87-106.
  • 7. Ricci G, Patrizi A, Misciali D, Masi M. Pathological case of the month. Arch Pediatr Adolesc Med. 2001;155:195-6.
  • 8. Ito N, Ohshima A, Hashizume H, Takigawa M, Tokura Y. Febrile ulceronecrotic Mucha-Habermann's disease managed with methylprednisolone semipulse and subsequent methotrexate therapies. J Am Acad Dermatol. 2003;49:1142-8.
  • 9. Skinner RB, Levy AL. Rapid resolution of pityriasis lichenoides et varioliformis acuta with azithromycin. J Am Acad Dermatol. 2008;58:524-5.
  • 10. Kim HS, Yu DS, Kim JW. A case of febrile ulceronecrotic Mucha-Habermann's disease successfully treated with oral cyclosporine. J Eur Acad Dermatol Venereol. 2007;21:272-3.
  • Endereço para correspondência:
    Priscila Wolf Nassif
    Endereço: R. Piratininga, 159 apto 122
    cep 87013100 Maringá-PR, Brasil
    Tel: 44 9922 1072 / 44 3262 1712
    Email:
  • *
    Trabalho realizado no Serviço de Dermatologia do Instituto Lauro de Souza Lima (ILSL) - Bauru (SP), Brasil.
  • Datas de Publicação

    • Publicação nesta coleção
      27 Jan 2011
    • Data do Fascículo
      Dez 2010

    Histórico

    • Aceito
      28 Ago 2009
    • Recebido
      03 Ago 2009
    Sociedade Brasileira de Dermatologia Av. Rio Branco, 39 18. and., 20090-003 Rio de Janeiro RJ, Tel./Fax: +55 21 2253-6747 - Rio de Janeiro - RJ - Brazil
    E-mail: revista@sbd.org.br