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Prevalência de problemas dermatológicos durante uma clínica assistencial no interior do Brasil

Resumos

Os médicos não dermatologistas muitas vezes têm dificuldade em diagnosticar/conduzir dermatoses prevalentes. O objetivo deste estudo foi avaliar a prevalência destas em uma clínica de assistência à saúde a uma população da Ilha de Marajó, sem médico no município há meses. Dos pacientes atendidos, 36,5% procuraram atenção por um problema dermatológico. São apresentados os diagnósticos feitos. O conhecimento em dermatologia mostrou-se fundamental para a prática clínica do médico não especialista.

Currículo; Dermatologia; Dermatopatias; Ensino


Doctors who are not specialists in dermatology often have difficulty diagnosing and managing prevalent skin diseases. The objective of this study was to evaluate the prevalence of skin diseases during a three-day healthcare clinic conducted with the population of a small town on the island of Marajo where no medical care had been available for months prior to the study. At these medical consultations, 36.5% of patients were seeking help for dermatological problems. This paper describes the diagnoses made in these cases. Knowledge of dermatology has been shown to be crucial in the clinical practice of physicians who are not dermatologists.

Curriculum; Dermatology; Skin diseases; Teaching


COMUNICAÇÃO

Prevalência de problemas dermatológicos durante uma clínica assistencial no interior do Brasil* * Trabalho realizado na Universidade Estadual de Campinas (Unicamp) - Campinas (SP), Brasil.

Tatiana Federige OliveiraI; Carolina MontegutiII; Paulo Eduardo Neves Ferreira VelhoIII

IEnfermeira da entidade Asas de Socorro - Belém (PA), Brasil

IIAcadêmica da Faculdade de Medicina da Universidade Federal do Paraná (UFPR) - Curitiba (PR), Brasil

IIIDocente do Departamento de Clínica Médica da Faculdade de Ciências Médicas (FCM) da Universidade Estadual de Campinas (Unicamp) - Campinas (SP), Brasil

Endereço para correspondência Endereço para correspondência: Paulo Velho Departamento de Clínica Médica, FCM/Unicamp - Cidade Universitária Zeferino Vaz, s/n 13.081-970, Campinas, SP, Brasil Tel./Fax: +55 19 3289 4107 E-mail: pvelho@unicamp.br

RESUMO

Os médicos não dermatologistas muitas vezes têm dificuldade em diagnosticar/conduzir dermatoses prevalentes. O objetivo deste estudo foi avaliar a prevalência destas em uma clínica de assistência à saúde a uma população da Ilha de Marajó, sem médico no município há meses. Dos pacientes atendidos, 36,5% procuraram atenção por um problema dermatológico. São apresentados os diagnósticos feitos. O conhecimento em dermatologia mostrou-se fundamental para a prática clínica do médico não especialista.

Palavras-chave: Currículo; Dermatologia; Dermatopatias; Ensino

As doenças cutâneas são um importante problema de saúde pública em países em desenvolvimento.1 Existe uma escassez de estudos sobre a prevalência de dermatoses na literatura médica.2,3 Estratégias de educação médica em dermatologia para médicos não dermatologistas devem considerar essa demanda, sobretudo aquela de serviços de atenção primária à saúde, quer em unidades básicas, quer em serviços de pronto atendimento.4,5,6

Um estudo brasileiro mostrou que aproximadamente um em cada dez usuários que procuraram atenção médica em unidades básicas de saúde (UBS) o fez por uma dermatose e um em cada quatro usuários atendidos nessas UBS apresentou uma queixa ou um achado dermatológico que exigiram orientação e/ou conduta médica.7

A entidade Asas de Socorro, entre outras coisas, leva atendimento voluntário na área da saúde a regiões do Brasil onde o acesso é difícil e onde a atenção governamental não acontece, é ocasional ou insuficiente. O treinamento local de agentes de saúde e a orientação à comunidade fazem com que, no decorrer dos anos, haja uma mudança no padrão sanitário dessas localidades. Em uma viagem inicial ao município de Santa Cruz do Arari, no interior da Ilha de Marajó (PA), nos dias 01-03 de novembro de 2007, uma equipe coordenada por uma enfermeira da organização e composta por um médico especialista em dermatologia e infectologia, docente do Departamento de Clínica Médica da Faculdade de Ciências Médicas da Universidade Estadual de Campinas (Unicamp), uma graduanda em medicina do quarto ano, uma técnica em enfermagem e dois dentistas ofereceu atenção básica de saúde a uma população de aproximadamente 5.510 habitantes que havia seis meses não dispunha de um médico.

O objetivo deste estudo retrospectivo foi avaliar a prevalência de problemas dermatológicos como queixa principal entre os atendimentos médicos realizados e determinar os diagnósticos mais frequentes nessa amostra.

Materiais e Métodos: Foram reavaliados os diagnósticos principais e secundários feitos pela graduanda e pelo médico com quem os casos foram discutidos, durante os três dias de atendimento, e listados todos os diagnósticos dermatológicos. Foram feitas análises descritivas e comparação entre a presença ou não de dermatoses relacionadas ao sexo e à idade dos pacientes utilizando o odds ratio.

Resultados: Dos 200 atendimentos médicos, 73 (36,5%) pacientes procuraram atenção médica por um problema dermatológico.

Os diagnósticos clínicos que exigiam conhecimentos dermatológicos são apresentados na tabela 1.

Não houve significância estatística nos dados avaliados, embora os homens tenham apresentado 1,46 vez risco maior de ter problemas dermatológicos que as mulheres; e as crianças, risco 3,55 vezes maior que os idosos (Tabela 2).

São poucos os dados nacionais que avaliam a prevalência de dermatoses em serviços de pronto atendimento ou em UBS.7 Há mais trabalhos que discriminam essa demanda em serviços especializados.2,8

Muitos médicos não dermatologistas têm dificuldade em diagnosticar e conduzir dermatoses prevalentes ou se sentem inseguros para tanto.6,9

Este estudo confirmou a impressão dos autores de que a prevalência das dermatoses em clínicas assistenciais a populações que não dispõem de atenção médica regular é alta: 36,5% dos pacientes que procuraram atenção o fizeram por um problema dermatológico.

Na grande maioria dos casos, tratava-se de doenças cutâneas prevalentes que o médico não especialista deveria ter capacitação para diagnosticar e tratar. Entre os casos desses três dias de atendimento, foram diagnosticados clinicamente dois pacientes com hanseníase multibacilar e outros dois com DST (papulose bowenoide e herpes simples genital).

Apesar de infrequente, o caso de uma paciente com manifestação cutânea extensa sugestiva de mucinose e quadro clínico típico de hipotireoidismo, que se manifestaram progressivamente nos cinco anos que antecederam a sua avaliação, ressalta a importância das dermatoses no exercício da clínica médica.

Dentre os diagnósticos não dermatológicos, foram atendidas uma paciente com parto distócico por incoordenação da contratura uterina, uma criança de sete anos com malária e outra paciente com apendicite aguda.

Em relação à prevalência, 30 de 85 (28,33%) pacientes com algum diagnóstico dermatológico apresentavam problemas dermatológicos infecciosos, 19 de 85 (22,35%) apresentavam lesões eczematoides e oito de 85 (9,41%), lesões acneiformes.

Essas informações devem contribuir para a definição de condutas para o ensino da dermatologia a graduandos e residentes em medicina de família, clínica médica e pediatria.

Recebido em 22.04.2009.

Aprovado pelo Conselho Consultivo e aceito para publicação em 21.09.09.

Conflito de interesse: Nenhum

Suporte financeiro: Asas de Socorro; prefeitura do município de Santa Cruz do Arari - Ilha do Marajó (PA), Brasil

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  • 2. Lopes LRS, Kundman D, Duarte I. Assessment of frequency of skin diseases at a community dermatology service. Proceedings of the 21st World Congress of Dermatology; 2007 Sep 30-Oct 5; Buenos Aires, Argentina. Buenos Aires: International League of Dermatological Societes; 2007.
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  • Endereço para correspondência:
    Paulo Velho
    Departamento de Clínica Médica, FCM/Unicamp - Cidade Universitária Zeferino Vaz, s/n
    13.081-970, Campinas, SP, Brasil
    Tel./Fax: +55 19 3289 4107
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    Trabalho realizado na Universidade Estadual de Campinas (Unicamp) - Campinas (SP), Brasil.
  • Datas de Publicação

    • Publicação nesta coleção
      27 Jan 2011
    • Data do Fascículo
      Dez 2010

    Histórico

    • Recebido
      22 Abr 2009
    • Aceito
      21 Set 2009
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