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Granuloma anular perfurante generalizado

Resumos

Os autores apresentam caso clínico-patológico de Granuloma Anular Perfurante Generalizado, com extensa distribuição de lesões, as quais se mostram em diversas fases de evolução. Pústulas, lesões papulosas, em distribuição anular e arciforme, erosões recobertas por crostas hemáticas, áreas máculo atróficas e cicatrizes foram as faces de apresentação da doença. Os aspectos histopatopatológicos são detalhadamente discutidos, dentro das dermatites granulomatosas não infecciosas. O texto baseia-se nas opiniões de alguns autores da literatura. Além disso, o resultado terapêutico obtido foi demonstrado por fotografias, resultado de 3 meses de Dapsona na dose de 100 mg por dia.

Granuloma; Granuloma anular; Dapsona


The authors present a clinicopathological case of Generalized Perforating Granuloma Annulare with extensive distribution of lesions, which are shown in various stages of development. Pustules, papular lesions in annular and arcuate distribution, erosions covered with hematic crusts, maculopapular atrophic areas and scars were the presentation forms of the disease. The histopathological aspects are discussed in detail within non-infectious granulomatous dermatitis. The text is based on the opinions of some authors in the literature. Furthermore, the therapeutic result obtained after three months of Dapsone at a dose of 100 mg per day was demonstrated by photographs.

Granuloma; Granuloma annulare; Dapsone


DERMATOPATOLOGIA

Granuloma anular perfurante generalizado* * Trabalho realizado no Ambulatório de Dermatologia Sanitária do Estado do Rio Grande do Sul - Porto Alegre (RS), Brasil.

Sérgio Ivan Torres DornellesI; Claudia Schermann PoziomczykII; Ana BoffIII; Bruna KöcheII; Marcel de Almeida DornellesIV; Giselda Kipper RichterV

IMestre em Clínica Médica - Preceptor Residência Médica em Dermatologia - Porto Alegre (RS), Brasil

IIResidente do Ambulatório de Dermatologia Sanitária do Estado do Rio Grande do Sul - Porto Alegre (RS), Brasil

IIIPatologista - Consultora em Patologia - Porto Alegre (RS), Brasil

IVAcadêmico de Medicina da Universidade Federal do Rio Grande do Sul - Porto Alegre (RS), Brasil

VDermatologista - Médica Dermatologista - Porto Alegre (RS), Brasil

Endereço para correspondência Endereço para correspondência: Sérgio Ivan Torres Dornelles Rua dos Andradas, 1646 conj 73 - Centro 90020-012 - Porto Alegre - RS e-mail: sidornelles@terra.com.br

RESUMO

Os autores apresentam caso clínico-patológico de Granuloma Anular Perfurante Generalizado, com extensa distribuição de lesões, as quais se mostram em diversas fases de evolução. Pústulas, lesões papulosas, em distribuição anular e arciforme, erosões recobertas por crostas hemáticas, áreas máculo atróficas e cicatrizes foram as faces de apresentação da doença. Os aspectos histopatopatológicos são detalhadamente discutidos, dentro das dermatites granulomatosas não infecciosas. O texto baseia-se nas opiniões de alguns autores da literatura. Além disso, o resultado terapêutico obtido foi demonstrado por fotografias, resultado de 3 meses de Dapsona na dose de 100 mg por dia.

Palavras-chave: Granuloma; Granuloma anular; Dapsona

INTRODUÇÃO

O Granuloma anular (GA) é uma dermatose benigna, normalmente autolimitada, de causa desconhecida, caracterizada por pápulas dérmicas necrobióticas, que, muitas vezes, assumem uma configuração anular. Clinicamente, o GA pode ser dividido em tipos distintos: localizado, generalizado, subcutâneo, perfurante e macular. 1,2 O granuloma anular perfurante (GAP) é um subtipo raro de GA, primeiramente relatado por Owens e Freeman, em 1971.3 O prurido pode acontecer em cerca de 25% dos casos, principalmente, quando existem lesões em palmas das mãos.4 O sintoma doloroso também é descrito.4 Em 1973, a forma generalizada foi descrita por Duncan e colaboradores. 5

O Granuloma Anular Perfurante (GAP) tem uma evolução crônica, de etiologia ainda desconhecida, caracterizada por pápulas de 1 a 5 milímetros, algumas umbilicadas, bem delimitadas, apresentando em sua porção central perfuração, por onde se elimina o material mucoide.5 As lesões, preferencialmente, localizam- se em extremidades, mas também podem apresentar- se, em outras regiões do corpo.5 A forma generalizada do granuloma anular perfurante é conceituada, como sendo aquela que afeta, pelo menos, o tronco e membros superiores e/ou inferiores.6 Dabski e Winkelmann ainda definem outra apresentação, a chamada forma disseminada, como sendo a manifestação que se mostra de forma extensa somente em extremidades.3,6 A variedade, dita generalizada de GAP, constitui-se somente de 5 % dos casos de granuloma anular.3,5,7 A literatura refere uma proporção do sexo feminino:masculino de 2,9:1, no grupo de pacientes com lesões anulares, e uma média de 51,7 anos de idade, quando avaliados no período inicial da doença.6

A causa do Granuloma Anular Perfurante Generalizado (GAPG), como foi escrito, é desconhecida, mas alguns autores concordam em afirmar a existência de fatores implicados na sua patogenia, incluindo: picadas de insetos, radiação ultravioleta, pequenos traumas, infecção viral, tireoidite e diabete mellitus.8

O processo de perfuração para que se inicie, possivelmente seja necessário, o contato direto entre a estrutura epitelial (queratinócitos da epiderme e da unidade pilossebácea) e o componente granulomatoso dérmico.5 Segundo Bardach, esta inter-relação estreita constituiria o principal fator causador do dano epitelial e folicular.5 A presença de imunoglobulinas do tipo IgM, complemento (C3) e fibrinogênio nos vasos sanguíneos, diminuídos no paciente com GAP, sugere que uma vasculite imune crônica poderia estar envolvida em sua patogenia. A atrofia epitelial e, eventualmente, a perfuração poderiam ser explicadas pelo crescimento expansivo, multidirecional do granuloma necrobiótico e, por uma possível distorção, no suprimento sanguíneo, para a epiderme.3 Os autores propõem que linfocinas e enzimas lisossômicas liberadas, levariam à destruição do tecido colágeno.5

RELATO DO CASO

Paciente masculino, 49 anos, referiu surgimento de pústulas, inicialmente, em membros inferiores, assintomáticas, 10 meses antes da consulta. Não tem relato de infecções prévias recentes, ou mesmo, de história familiar de doenças cutâneas ou diabetes.

Ao exame físico, mostrava lesões pápulo-eritematosas, de aspecto anular ou arciformes, algumas com erosão central e recobertas por crosta sero-hemática, disseminadas pelo tegumento. Lesões cicatriciais, violáceas, com dimensões de até 10 cm de diâmetro, estas, principalmente, em membros inferiores, e lesões hipocrômicas lenticulares podiam ser vistas no tronco (Figuras 1, 2). Raras pústulas nas pernas (Figura 3).




Nos exames laboratoriais, demonstrou-se alteração da glicemia em jejum, tendo glicemias de 138 mg/dl e 130 mg/dl, o que confirmou diabete mellitus. Hemograma, Eritrossedimentação, função renal e hepática, frações do colesterol e triglicerídeos, TSH (hormônio estimulante da tireoide) e anticorpos antitireoperoxidase, estavam dentro da normalidade. A dosagem da glicose-6-fosfato desidrogenase não demonstrou deficiência da enzima. Fator antinuclear, Anti-HCV (anticorpos antivírus da Hepatite C), HBsAg (antígeno de superfície do vírus da hepatite B), Anti-HBc IgG (anticorpos da fração IgG, produzidos contra antígenos do nucleocapsídeo do vírus da hepatite B), anti-HIV I e II (anticorpos contra o vírus da imunodeficiência humana tipo 1 e 2) não se mostraram reagentes. O Raio-X de tórax demonstrou cicatrizes prováveis de tuberculose, na metade superior de ambos os pulmões, e enfisema pulmonar. Ele não tinha história de tratamento de tuberculose pulmonar no passado.

A biópsia cutânea (03/06/08) revelou pele ulcerada com hiperceratose, acantose irregular, fibrose dérmica e inflamação crônica, com células gigantes de Langhans, e tipo corpo estranho, com pesquisa de BAAR negativa. Uma nova biópsia foi realizada, em 03/08/08, com resultado histológico compatível, com granuloma anular perfurante (Figuras 4, 5, 6)




Esse paciente foi encaminhado ao clínico para tratamento do diabete mellitus. Iniciou-se com Dapsona 100mg/dia (diaminodifenilsulfona), tendo-se sucesso terapêutico parcial, com 30 dias de evolução, antes mesmo de compensar o quadro glicêmico.

DISCUSSÃO

De uma forma geral, o GA, na sua forma localizada, está relacionado na proporção de 16% com diabete mellitus, e na forma generalizada, esta relação fica em 19% e na perfurante 17% dos casos.3 A média de idade de início da doença é maior no grupo dos pacientes diabéticos, ficando em torno de 33 anos para a forma generalizada.7 O caso que descrevemos teve seu início mais tardiamente.

O GAP generalizado (GAPG) mostra como características importantes: as lesões pustulosas e alterações cicatriciais, localizando-se na área abdominal, tronco, extremidades, dorso das mãos e palmas como foi observado no paciente descrito.3,4 A eliminação transepitelial pode ocorrer pela via transepidérmica e/ou transfolicular.9 Em artigo publicado por Pablo F. Peñas e colaboradores observam-se que, na forma generalizada, as lesões pustuliformes e cicatriciais aparecem, em percentuais significativamente maiores que nas variantes localizada e perfurante.3 O caso que relatamos, definida como uma forma generalizada e perfurante, segundo o paciente, teve, na lesão pustulosa, a característica inicial da maioria das lesões, fato que reforça os achados da literatura.3

Harsch Mohan e colaboradores publicaram estudo, com 586 casos de dermatites granulomatosas, dos quais por análises clínico-patológicas classificaram 71 (12,11%) delas, como sendo granulomas não infecciosos.10 Nesta publicação, relatam a dificuldade da classificação de uma dermatite granulomatosa, mostrando que ela tem sido feita, baseada nas características fisiopatológicas, etiológicas, imunológicas e morfológicas. Estes referem que os granulomas não infecciosos têm sido categorizados em 4 grupos: epitelioides (tuberculoide e sarcoide), necrobiótico ou em paliçada (granuloma anular e outros), por corpo estranho e histiocítico.10 Além disso, os autores referem duas categorias dos granulomas necrobióticos: o "granuloma colagenolítico azul", que tem a área central basofílica, ou por depósito de mucina ou por pó nuclear (inclui granuloma anular, granulomatose de Wegener e outros) e o "granuloma colagenolítico vermelho", que tem a área central eosinofílica, em razão da hialinização do colágeno, fibrina ou degranulação de eosinófilos (inclui necrobiose lipoídica, xantogranuloma necrobiótico, nódulo reumatoide e outros).10

Com o que a literatura tem demonstrado, casos como o que foi apresentado, caracterizam-se pela presença de granulomas, com histiócitos dispostos esparsamente ou em paliçada, circundando colágeno necrobiótico, este tipicamente representado por depósito de mucina, e raramente por fibrina. Muitas vezes, os histiócitos podem tornar-se epitelioides e multinucleados, e se encontrarem fagocitando fibras elásticas. Frequentemente, a lesão está presente na derme reticular superficial e profunda, podendo também acometer o tecido subcutâneo. Na variante perfurante do granuloma anular, o processo está localizado, preferencialmente, na derme reticular superficial, causando perfuração da epiderme que se encontra acantótica e forma um canal para a extrusão do colágeno degenerado.11,12 O material extruído é visto em preparações de hematoxilina e eosina, porém colorações especiais como alcian blue e ferro coloidal podem ser feitas para destacar a mucina.

Como na maioria dos casos, os GA se apresentam com histiócitos dispostos difusamente entre o colágeno, com pouca degeneração mucinosa. Nestes casos, o principal diagnóstico diferencial é com a necrobiose lipoídica, que também se caracteriza pelo aspecto difuso dos histiócitos, contudo, esta costuma comprometer toda a derme amostrada na biópsia, ou seja, a derme adjacente e a derme profunda. Já o diagnóstico diferencial do GAP se faz com dermatoses perfurantes.11,12

O diagnóstico diferencial anatomopatológico do GAPG também inclui sarcoidose, tubercúlides, erupções por drogas, micose fungoide, micobacteriose, sarcoma epiteloide, nódulo reumatóide, osteoma perfurante, calcinose cutânea, colagenose reativa e foliculite perfurante. 11,12

A terapia sistêmica é necessária para as formas disseminadas de granuloma anular, no entanto, vários tratamentos têm sido propostos. Para aplicação tópica, incluem-se: os corticosteróides, tacrolimus, pimecrolimus e vitamina E. Por via sistêmica, Dapsona, retinóides, antimaláricos, pentoxifilina, nicotinamida, dipiridamol e Infliximab. A fototerapia também está incluída neste arsenal terapêutico. O possível benefício do tratamento, que é incerto, pela falta de ensaios clínicos, deve ser equilibrado com o risco de toxicidade da maioria desses tratamentos.13

Considerando a dificuldade terapêutica destes casos, nosso paciente obteve melhora surpreendente das lesões após 30 dias de tratamento com Dapsona 100 mg/dia, sendo que após 3 meses de terapêutica quase todas as lesões estavam praticamente inativadas (Figuras 7, 8).



Aprovado pelo Conselho Editorial e aceito para publicação em 16.05.2010.

Conflito de interesse: Nenhum

Suporte financeiro: O estudo teve suporte financeiro da Secretaria da Saúde do Estado do Rio Grande do Sul e Escola de Saúde Pública do RS

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  • Endereço para correspondência:
    Sérgio Ivan Torres Dornelles
    Rua dos Andradas, 1646 conj 73 - Centro
    90020-012 - Porto Alegre - RS
    e-mail:
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    Trabalho realizado no Ambulatório de Dermatologia Sanitária do Estado do Rio Grande do Sul - Porto Alegre (RS), Brasil.
  • Datas de Publicação

    • Publicação nesta coleção
      16 Maio 2011
    • Data do Fascículo
      Abr 2011

    Histórico

    • Recebido
      16 Maio 2010
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