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Papiloma invertido (Papiloma Schneideriano) com envolvimento da cavidade oral: relato de caso incomum

Resumos

O papiloma invertido schneideriano é uma neoplasia de origem no epitélio de revestimento que surge da mucosa respiratória revestindo a cavidade nasal e os seios paranasais. Frequentemente, surge como uma lesão unilateral no septo nasal e estende-se secundariamente para o nariz e os seios paranasais. Este trabalho relata um caso incomum desta patologia, com o envolvimento da cavidade oral em um homem branco, de 61 anos de idade, cuja avaliação clínica revelou uma massa vegetante no rebordo alveolar direito da maxila, com duração de aproximadamente 4 meses. Após avaliação radiográfica, constatouse o envolvimento do seio maxilar. A análise microscópica, hibridização in situ e análise imunoistoquímica da peça cirúrgica levaram a um diagnóstico de displasia moderada em PIS associado à infecção por HPV

Hibridização In Situ; Imuno-histoquímica; Papiloma invertido; Patologia bucal


Inverted Schneiderian papilloma (ISP) is a neoplasm of epithelial lining origin which arises in the respiratory mucosa that lines the nasal cavity and paranasal sinuses. The inverted Schneiderian papilloma frequently appears as a unilateral lesion in the nasal septum and extends secondarily to the nasal and paranasal sinuses. This paper reports an unusual case of this pathology with involvement of the oral cavity in a 61-year-old white man. Clinical evaluation revealed a vegetating mass in the alveolar ridge of the right maxilla that had been present for approximately 4 months. After radiographic evaluation, involvement of the maxillary sinus was detected. Microscopic evaluation, in situ hybridization and immunohistochemical analysis of the specimen led to a diagnosis of ISP moderate dysplasia associated with HPV infection

Immunohistochemistry; In Situ Hybridization; Papilloma, inverted; Pathology, oral


CASO CLÍNICO

Papiloma invertido (Papiloma Schneideriano) com envolvimento da cavidade oral: relato de caso incomum* * Trabalho realizado na: Universidade Federal de Sergipe (UFS) e na Faculdade de Odontologia de Pernambuco da Universidade de Pernambuco (FOP - UPE) - Camaragibe (PE), Brasil.

Marta Rabello PivaI; Thiago de Santana SantosII; Paulo Ricardo Saquete Martins FilhoIII; Paulo Nand KumarIV; Liane Maciel Almeida SouzaV; Luiz Carlos Ferreira da SilvaVI

IDoutora em Patologia Bucal pela Universidade Federal do Rio Grande do Norte (UFRN) - Professora de Patologia Bucal da Universidade Federal de Sergipe (UFS) - São Cristóvão (SE), Brasil

IIMestre em Cirurgia e Traumatologia Buco-Maxilo-Facial pela Faculdade de Odontologia de Pernambuco da Universidade de Pernambuco (FOP - UPE) - Aluno do Doutorado em Cirurgia Buco-Maxilo-Facial da Faculdade de Odontologia de Ribeirão Preto da Universidade de São Paulo (FORP -USP) - Ribeirão Preto (SP), Brasil

IIIMestre em Ciências da Saúde pelo Núcleo de Pós- graduação em Medicina da Universidade Federal de Sergipe (UFS) - Professor Substituto de Diagnóstico Oral da Universidade Federal de Sergipe (UFS) - São Cristóvão (SE), Brasil

IVCirurgião-dentista pela Universidade Federal de Sergipe (UFS) - Cirurgião-dentista da Unidade de Odontologia Hospitalar do Hospital de Urgência de Sergipe (HUSE) - Aracaju (SE), Brasil

VDoutora em Implantodontia pela Faculdade de Odontologia São Leopoldo Mandic (SLMANDIC) - Professora de Cirurgia Oral I da Universidade Federal de Sergipe (UFS) - São Cristóvão (SE), Brasil

VIDoutor em Cirurgia e Traumatologia Buco-Maxilo-Facial pela Faculdade de Odontologia de Pernambuco da Universidade de Pernambuco (FOP - UPE) -Professor de Cirurgia Oral II da Universidade Federal de Sergipe (UFS) - São Cristóvão (SE), Brasil

Endereço para correspondência Endereço para correspondência: Thiago de Santana Santos Universidade Federal de Sergipe - Departamento de Odontologia Rua Cláudio Batista s/n, - Sanatório CEP: 49000-000 Aracaju - Sergipe E-mail: thiago.ctbmf@yahoo.com.br

RESUMO

O papiloma invertido schneideriano é uma neoplasia de origem no epitélio de revestimento que surge da mucosa respiratória revestindo a cavidade nasal e os seios paranasais. Frequentemente, surge como uma lesão unilateral no septo nasal e estende-se secundariamente para o nariz e os seios paranasais. Este trabalho relata um caso incomum desta patologia, com o envolvimento da cavidade oral em um homem branco, de 61 anos de idade, cuja avaliação clínica revelou uma massa vegetante no rebordo alveolar direito da maxila, com duração de aproximadamente 4 meses. Após avaliação radiográfica, constatouse o envolvimento do seio maxilar. A análise microscópica, hibridização in situ e análise imunoistoquímica da peça cirúrgica levaram a um diagnóstico de displasia moderada em PIS associado à infecção por HPV.

Palavras-chave: Hibridização In Situ; Imuno-histoquímica; Papiloma invertido; Patologia bucal

INTRODUÇÃO

Papiloma invertido schneideriano (PIS) é uma neoplasia, de origem no epitélio de revestimento, o qual surge da mucosa respiratória que reveste a cavidade nasal e os seios paranasais, também conhecido como membrana de Schneider.1 Três formas morfologicamente distintas de papilomas de Schneider podem ser distinguidas: o papiloma invertido, o papiloma oncocítico e o papiloma exofítico. O papiloma oncocítico não tem sido associado ao papilomavírus humano (HPV), em contraste com o papiloma invertido e o exofítico, com os quais podem sofrer a metaplasia escamosa e a proliferação verrucosa. Cerca de até 20% dos PIS podem apresentar graus variados de displasia epitelial, o que confere um potencial maligno a este tipo de tumor.2 Frequentemente, o PIS surge como uma lesão unilateral no septo nasal que se estende secundariamente para a cavidade nasal e os seios paranasais.3 O presente trabalho relata um caso incomum de PIS, com envolvimento da cavidade oral. Além disso, o perfil imunoistoquímico deste tumor e sua associação com o HPV foram avaliados.

RELATO DE CASO

Um homem branco, de 61 anos de idade, sem sinais de obstrução nasal apresentou uma massa exofítica, no rebordo alveolar direito da maxila referindo duração de, aproximadamente, 4 meses e dois episódios de recorrência após a remoção (Figura 1). A lesão era branco-avermelhada e de aspecto vegetante, com sangramento à palpação. O paciente relatou história de extração dentária há 5 meses no local. A radiografia panorâmica revelou uma imagem radiodensa que ocupava todo o seio maxilar direito (Figura 2). A cirurgia foi realizada através da cavidade oral, sob anestesia geral. Foi removida uma massa avermelhada, medindo cerca de 6 cm de diâmetro, que, aparentemente, não estava aderida às paredes da cavidade sinusal. O material foi encaminhado para o laboratório de patologia oral e submetido ao procedimento de rotina, com as lâminas coradas em hematoxilina-eosina. A análise histopatológica revelou projeções papilíferas revestidas por epitélio escamoso queratinizado e não queratinizado, com áreas de invaginações em direção ao estroma (Figura 3A) e os coilócitos nas camadas superficiais (Figura 3B). Em algumas áreas das camadas basais e parabasais, pôde-se observar as células hipercromáticas, com núcleos volumosos e escasso citoplasma, e figuras de mitose. O tecido conjuntivo apresentou-se edematoso. Congestão vascular e discreto infiltrado inflamatório mononuclear foram também observados (Figuras 3 e 4A). Nesta ocasião, a massa foi diagnosticada como displasia epitelial moderada associada à infecção pelo HPV. O caso foi analisado e diagnosticado como PIS.





Para fornecer dados adicionais para a discussão, a hibridização in situ foi solicitada, obtendo-se resultado positivo para HPV dos tipos que apresentam baixo (6 / 11) e de alto risco (16/18) de malignidade (Figura 4B). Além disso, foi realizado um estudo imunoistoquímico para a detecção de p53, p21, Ki-67 e CD44v6. O Ki-67 é um marcador de proliferação celular, o p53 e o p21 comprovam se está ocorrendo transformação celular e o CD44v6 verifica se há alteração na adesão celular.

A coloração positiva foi classificada como fraca, moderada e alta, de acordo com a porcentagem de células positivas (<20%, 20-40% e> 40%, respectivamente). A imuno-histoquímica para p53 foi negativa, fracamente positiva para o p21, e moderadamente positivo para Ki-67, nas várias camadas do terço inferior do epitélio (Figura 5), e fortemente positiva para CD44v6, em áreas não displásicas do epitélio (Figura 6A). As áreas displásicas da neoplasia apresentaram reduzida expressão de CD44v6 (Figura 6B). O paciente não apresentou sinais de recidiva até dois anos após a cirurgia.



DISCUSSÃO

O caso de PIS aqui descrito originou-se nos seios paranasais e cresceu em direção à cavidade oral, possivelmente, por conta da criação de uma comunicação bucosinusal, decorrente de uma extração dentária na região. A imagem radiográfica da lesão no seio maxilar, bem como a análise histológica do espécime removido, definiu assim o diagnóstico de PIS.

As áreas displásicas no epitélio de revestimento da lesão e a confirmação da presença de HPVs de alto risco através da hibridização in situ confirmam o seu potencial de malignização. De acordo com Depprich et al.4, o PIS pode evoluir para um carcinoma verrucoso ou carcinoma de células escamosas, podendo haver um possível envolvimento do HPV com o processo de transformação maligna.

De acordo com a OMS, o potencial de malignização do PIS pode ainda estar relacionado à queratinização das lesões, uma vez que, na maioria dos casos, o seu epitélio de revestimento é livre da presença de queratina. 5 A presença de áreas de epitélio escamoso queratinizado, encontradas em nosso caso, pode ser resultado da comunicação da lesão com a cavidade oral. Segundo Nair et al.6, a metaplasia escamosa sofrida pelo PIS em algumas situações e a aquisição clínica de um aspecto verrucoso podem ser motivos de erro de diagnóstico, sendo as lesões facilmente confundidas com o carcinoma verrucoso.

Assim, é importante salientar que o termo displasia epitelial é empregado, quando há alterações morfológicas e arquiteturais, podendo envolver algumas camadas ou todo o epitélio, o qual caracteriza a lesão a qual a possui como uma lesão potencialmente maligna. De acordo com os achados deste caso, podemos considerar o PIS uma hiperplasia epitelial induzida por HPV que pode apresentar alterações as quais variam desde uma displasia até um carcinoma. A displasia epitelial ficou evidente em face da desorganização do epitélio, como também, pelas reações imunes dos marcadores utilizados.

É fato que o HPV apresenta o potencial oncogênico, pois as lesões hiperplásicas benignas, induzidas pelo vírus, podem sofrer transformação neoplásica, além disso, é conhecida a dificuldade de delimitação histopatológica e clínica destas lesões, uma vez que, na região limítrofe da hiperplasia, pode haver o início de uma neoplasia incipiente. 7 Desse modo, ressaltamos a importância da utilização de marcadores imunoistoquímicos, na complementação dos achados morfológicos para a averiguação do potencial, de proliferação celular e prognóstico da lesão.8,9

A remoção das lesões de papilomas através de métodos invasivos, como a eletrodissecação, a criocirurgia, e/ou a terapia com laser, pode ser bem sucedida e poderia ser combinada no pré e pós-operatório com a aplicação local de podofilotoxina, ácido tricloroacético, gel 5-fluorouracil, epinefrina, quimioterapia tópica, cidofovir ou interferon.10 No presente trabalho, a cirurgia foi conservadora e nenhum sinal de retorno foi observado durante dois anos de proservação. Deve ser enfatizado que o septo nasal não estava envolvido.

A ausência de coloração para p53 e as fracas marcações para p21 podem estar relacionadas a uma possível inativação das proteínas virais E6 e E7 respectivamente, o que tornaria o tecido mais suscetível à transformação maligna uma vez que ocorre na presença HPV de alto risco, deixando o tecido susceptível à transformação maligna por mutações adicionais.11 No entanto, os tumores associados com a infecção pelo HPV, geralmente possuem um melhor prognóstico, visto que, raramente, sobre-expressam p53 e p21.12 A expressão moderada de Ki-67 envolvendo os dois terços inferiores do epitélio, principalmente, em áreas não queratinizadas, é corroborada com o relato de Saegusa et al.9, que atribuíram um melhor prognóstico para tumores queratinizados, já que a expressão do Ki-67 é mais elevada nos tumores não queratinizados e em áreas pouco diferenciadas. As áreas do epitélio displásico mostraram reduzida expressão de CD44v6, enquanto que as áreas não displásicas apresentaram forte imunomarcação. Segundo Ogawa et al.13, a expressão do CD44 sugere um menor risco de metástase, com indicação de tratamento conservador, em casos de carcinoma de células escamosas.

Estes resultados sugerem que o HPV pode estar envolvido no processo de transformação maligna do PIS, sendo um evento precoce na progressão do tumor. O painel imuno-histoquímico apresentado neste relato foi adequado para se verificar a ocorrência de proliferação e transformação celular do tecido afetado, bem como para se estudar o prognóstico do caso.

Recebido em 08.02.2010.

Aprovado pelo Conselho Consultivo e aceito para publicação em 06.07.2010.

Suporte financeiro: Nenhum

Conlito de interesse: Nenhum

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  • Endereço para correspondência:
    Thiago de Santana Santos
    Universidade Federal de Sergipe - Departamento de Odontologia
    Rua Cláudio Batista s/n, - Sanatório
    CEP: 49000-000 Aracaju - Sergipe
    E-mail:
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    Trabalho realizado na: Universidade Federal de Sergipe (UFS) e na Faculdade de Odontologia de Pernambuco da Universidade de Pernambuco (FOP - UPE) - Camaragibe (PE), Brasil.
  • Datas de Publicação

    • Publicação nesta coleção
      27 Set 2011
    • Data do Fascículo
      Ago 2011

    Histórico

    • Recebido
      08 Fev 2010
    • Aceito
      06 Jul 2010
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