Acessibilidade / Reportar erro

Você conhece esta síndrome?

Resumos

A síndrome de KID é uma displasia ectodérmica congênita rara que afeta a pele, o epitélio da córnea e o ouvido interno. Clinicamente, observam-se placas de eritroqueratodermia na face e pregas, geralmente presentes desde o nascimento, a surdez neurossensorial severa e bilateral, e a vascularização córnea associado à queratite de evolução progressiva à qual surge após as alterações cutâneas e auditivas na puberdade. Face ao quadro surdez, às infecções cutâneas, ao risco de cegueira e à degeneração maligna, o diagnóstico precoce da síndrome é fundamental, bem como o seguimento clínico periódico e o aconselhamento genético

Ceratite; Displasia Ectodérmica; Ictiose; Surdez


Keratitis-ichthyosis-deafness (KID) syndrome is a rare congenital ectodermal dysplasia affecting skin, the corneal epithelium and inner ear. Clinical signs consist of erythrokeratodermal plaques on the face and skin folds, usually present from birth, as well as severe and bilateral sensorineural hearing loss and corneal vascularization associated with slow-progressing keratitis which follows skin and hearing changes at puberty. In view of symptoms of deafness, blindness, skin infections and the risk of malignant degeneration, early diagnosis of the syndrome is essential, together with clinical follow-up and genetic counseling

Keratitis; Ectodermal Dysplasia, Ichthyosis; Deafness


SÍNDROME EM QUESTÃO

Você conhece esta síndrome?* * Trabalho realizado em clínica privada - Iquique, Chile.

Maria Leonor EneiI; Andrea CassettariII; Sebastián CórdovaIII; Orlando TorresIV; Francisco PaschoalV

IEspecialista em dermatologia pela Sociedade Brasileira de Dermatologia Professor assistente da disciplina de Dermatologia Universidad del Mar - Iquique, Chile

IIEspecialista em dermatologia pela Sociedade Brasileira de Dermatologia. Clínica privada São Paulo (SP), Brasil

IIIAluno do 7º ano da carreira de medicina da Universidade del Mar - Iquique, Chile

IVOftalmologista pela Sociedade Chilena de Oftalmologia. Clínica privada - Iquique, Chile

VProfessor Assistente da Disciplina de Dermatologia da Faculdade de Medicina do ABC (FMABC) - São Paulo (SP), Brasil

Endereço para correspondência Endereço para correspondência: Maria Leonor Enei Gahona Santiago Polanco 2030. 2do piso. Oficina 10 Iquique, Chile E-mail: leonorenei@vtr.net

RESUMO

A síndrome de KID é uma displasia ectodérmica congênita rara que afeta a pele, o epitélio da córnea e o ouvido interno. Clinicamente, observam-se placas de eritroqueratodermia na face e pregas, geralmente presentes desde o nascimento, a surdez neurossensorial severa e bilateral, e a vascularização córnea associado à queratite de evolução progressiva à qual surge após as alterações cutâneas e auditivas na puberdade. Face ao quadro surdez, às infecções cutâneas, ao risco de cegueira e à degeneração maligna, o diagnóstico precoce da síndrome é fundamental, bem como o seguimento clínico periódico e o aconselhamento genético.

Palavras-chave: Ceratite; Displasia Ectodérmica; Ictiose; Surdez

RELATO DO CASO

Paciente masculino, com 10 anos de idade, em seguimento dermatológico desde os 3 anos por apresentar lesões cutâneas que apareceram nos primeiros meses de vida. Sem histórico familiar de consanguinidade e doença de pele semelhante.

Ao exame dermatológico, apresenta placas hiperqueratósicas sobre base eritematosa, de aspecto verrucoso, localizadas simetricamente na região malar, pavilhões auriculares, mento, face de extensão de cotovelos, e joelhos, tornozelos, e couro cabeludo (Figura 1). Ao redor da boca, do mento e dos olhos, observa- se acentuação dos sulcos da pele, conferindo o aspecto de face envelhecida. Há perda parcial das sobrancelhas e a perda total dos cílios. Nas mãos e pés, observam- se a hiperqueratose reticulada e unhas de aspecto normal. Alterações dentárias discretas (Figura 2A). No decorrer do seguimento dermatológico, as placas de eritroqueratodermia do couro cabeludo apresentaram vários episódios de infecção secundária, tratados com antibiótico e com terapia tópica e sistêmica.


A biópsia de pele, realizada aos 3 anos de idade, mostrou acantose e hiperqueratose.

Seu desenvolvimento psicomotor é normal, porém, o paciente tem um retardo severo da fala secundário a hipoacusia sensorial profunda, confirmada por audiometria aos 4 anos de idade. Apresenta também quadro oftalmológico de ceratite de leve intensidade (Figura 2B).



DISCUSSÃO

A síndrome de KID é uma estranha displasia ectodérmica congênita a qual afeta a epiderme, o epitélio da córnea e o ouvido interno. Em 1981, Skinner cunhou o acrônimo KID, enfatizando os três marcadores da doença: a queratite, a ictiose e a surdez. 1 Recentemente, esta síndrome foi classificada como uma ictiose sindrômica, herdada, de forma autossômica, dominante, cujos genes afetados são os GJB2/GJB6. 2

As lesões cutâneas podem estar presentes desde o nascimento (com a pele de aspecto eritematoso, seco e rugoso) e, frequentemente, aparecem sob a forma de placas de eritroqueratodermia, com aspecto verrucoso ou hiperqueratósico, localizadas simetricamente no couro cabeludo, na face e nas dobras. 3 São comuns a presença de xerose generalizada, queratose pilar e hipohidrose. Em 79% dos casos, pode haver a alopecia difusa do couro cabeludo, assim como a perda parcial da porção lateral das sobrancelhas e da atriquia. A hiperqueratose reticulada, nas mãos e pés, é característica e afeta as palmas, as plantas e o dorso. As unhas podem ser distróficas e apresentar anomalias na dentição. Pode ocorrer a formação de nódulos inflamatórios que, provavelmente, são decorrentes da ruptura de folículos pilosebáceos. 4

O portador da síndrome de KID apresenta maior suscetibilidade às infecções bacterianas e micóticas da pele e mucosas, principalmente por Candida, podendo ser decorrente de uma imunodeficiência intrínseca, com casos de óbito, antes dos primeiros anos de vida. 5-7

Uma complicação menos frequente, mas, que diminui, de maneira considerável, a expectativa de vida dos pacientes, é o aparecimento de carcinomas espinocelulares, ocorrendo em 29% dos casos. 4-9

Na síndrome de KID, existem acometimentos extracutâneos. Um deles é a surdez neurossensorial, geralmente severa, bilateral e de evolução progressiva, por conta de uma displasia cocleosacular. Há também as lesões oculares associadas que, geralmente, aparecem após as alterações cutâneas e auditivas, podendo os sintomas iniciar com a puberdade. É característica, a vascularização córnea e a queratite, que podem ter evolução progressiva e, eventualmente, levar à cegueira.10

A capacidade intelectual é normal. Quando há atraso, no desenvolvimento psicomotor, este é secundário as limitações auditivas e visuais, próprias destes pacientes.

A síndrome de KID é geneticamente heterogênea. Dos quase 100 pacientes descritos na literatura mundial, a grande maioria corresponde a casos esporádicos, porém, existem relatos de famílias os quais apresentam a herança autossômica, tanto dominante como recessiva. A causa estaria na mutação do gene GJB2, na qual codifica a conexina 26. 2,9 Esta proteína forma parte essencial dos canais intercelulares e junção dos epitélios coclear e epidérmico. Em ambos tecidos, estes canais permitem o intercâmbio de íons e moléculas responsáveis por um amplo espectro de atividades celulares, fundamentais para sua própria regulação e sobrevivência. 11

As alterações oculares são secundárias (a epitelização da córnea e os ductos das glândulas lacrimais) ocorrendo a neoformação de vasos, como consequência destes fenômenos. 10

O prognóstico irá depender do diagnóstico precoce de infecções e de neoplasias cutâneas, mas a qualidade de vida dependerá da severidade e do manejo das alterações oculares e auditivas.

Os casos de óbitos publicados são em face das infecções severas da pele e mucosas que evoluíram para septicemia.8 Estão descritos estranhas formas letais de Síndrome de KID. Um fenótipo mais severo da doença pode corresponder à mutação de G45E do gene GJB2.4, 12

O tratamento das lesões cutâneas é feito com uso de hidratantes e queratolíticos tópicos.11 Nas manifestações mais severas e desfigurantes da síndrome, há indicação de retinoides sistêmicos para melhorar a qualidade de vida dos pacientes, porém com resultados variáveis.13, 14

A surdez neurossensioral pode requerer o uso de aparelhos auditivos e apoio fonoaudiológico. Recentemente, foram publicados os casos de pacientes tratados com implantes cocleares, com resultados alentadores. 15

As alterações oculares requerem, dependendo de sua gravidade, o uso de lubrificantes, dos corticoides tópicos, dos imunossupressores e até de procedimentos cirúrgicos. Porém, alguns casos evoluem para perda total da visão.

A síndrome de KID é um transtorno raro. Mas o seu diagnóstico deve ser precoce para evitar os danos severos no desenvolvimento da fala e as sequelas oculares irreversíveis. Estes pacientes necessitam de seguimento por toda a vida para diagnóstico precoce de tumores malignos, especialmente, os carcinomas de células escamosas de pele e mucosa.

Recebido em 28.09.2010

Aprovado pelo Conselho Editorial e aceito para publicação em 30.12.2010.

Conflito de interesse: Nenhum

Suporte financeiro: Nenhum

  • 1. Skinner BA, Greist MC, Norias AL. The keratitis, ichtyosis, and deafness (KID) syndrome. Arch Dermatol. 1981;117:285-9.
  • 2. Oji V, Tadini G, Akiyama M, Blanchet Bardon C, Bodemer C, Bourrat E, et al. Revised nomenclature and classification of inherited ichthyoses: Results of the First Ichthyosis Consensus Conference in Sorèze 2009. J Am Acad Dermatol. 2010;63:607-41.
  • 3. Caceres-Rios H, Tamayo-Sanchez L, Duran-Mckinster C, de la Luz Orozco M, Ruiz-Maldonado R. Keratitis, ictiosis and deafness (KID Syndrome): Review of the literatura and proposal of a new terminology. Pediatr Dermatol. 1996;13:105-13.
  • 4. Mazereeuw-Hautier J, Bitoun E, Chevrant-Breton J, Man SY, Bodemer C, Prins C, et al. Keratitis-ichtyiosisdeafness syndrome: disease expression and spectrum of conexin 26 (GJB2) mutations in 14 patients. Br J Dermatol. 2007;156:1015-9.
  • 5. Harms M, Gilardi S, Levy PM, Saurat. KID syndrome (keratitis, ichtyiosis and deafness) and chronic mucocutaneous candidiasis: case report and review of the literatura. Pediatr Dermatol. 1984;2:1-7.
  • 6. Hazen PG, Walter AE, Stewart JJ, Carney JF, Ángstrom CW, Turgeon KL. Keratitis, ichthyosis and deafness (KID) syndrome: management with chronic oral ketoconazole therapy. Int J Dermatol. 1992;31:58-9.
  • 7. Gilliam A, Williams ML. Fatal septicemia in an infant with keratitis, ichthyosis, and deafness (KID) syndrome. Pediatr Dermatol. 2002;19:232-6.
  • 8. Grob JJ, Breton A, Bonafe JL, Sauvan-Ferdani M, Bonerandi JJ. Keratitis, ichthyosis and deafness (KID) syndrome: vertical transmission and death from multiple squamous cell carcinomas. Arch Dermatol. 1987;123:777-82.
  • 9. Richard G, Rouan F, Willoughby CE, Brown N, Chung P, Ryynänen M, et al. Missense mutations in GJB2 encoding connexin-26 cause the ectodermal dysplasia keratitis-ichthyosis-deafness syndrome. Am J Hum Genet. 2002;70:1341-8.
  • 10. Gomez-Faiña P, Ruiz-Viñals AT, Buil-Calvo JA, España-Albelda A, Pazos López M, Castilla-Céspedes M. Paciente con enfermedad corneal severa en el contexto del syndrome de KID. Arch Soc Esp Oftalmol. 2006;81:225-8.
  • 11. Terrinoni A, Codispoti A, Serra V, Bruno E, Didona B, Paradisi M, et al. Conexin 26 (GJB2) mutations as a cause of the KID síndrome with hearing loss. Biochem Biophys Res Commun. 2010;395:25-30.
  • 12. Sbidian E, Feldmann D, Bengoa J, Fraitag S, Abadie V, de Prost Y, et al. Germline mosaicism in keratitis- ictiosisdeafness síndrome:pre-natal diagnosis in a familial lethal form. Clin Genet. 2010;77:587-92.
  • 13. Abdollahi A, Hallaji Z, Esmaili N, Valikhani M, Barzegari M, Akhyani M, et al. KID syndrome. Dermatol Online J. 2007;13:11.
  • 14. Nazzaro V, Blanchet-Bardon C, Lorette G, Civatte J. Familial occurrence of KID (keratitis, ichthyosis, deafness) syndrome. Case reports of a mother and daughter. J Am Acad Dermatol. 1990;23:385-8.
  • 15. Arndt S, Aschendorff A, Schild C, Beck R, Maier W, Laszig R, et al. A novel dominant and a de novo mutation in the GJB2 gene (connexin-26) cause keratitis-ichthyosis-deafness syndrome: implication for cochlear implantation. Otol Neurotol. 2010;31:210-5.
  • Endereço para correspondência:
    Maria Leonor Enei Gahona
    Santiago Polanco 2030. 2do piso. Oficina 10
    Iquique, Chile
    E-mail:
  • *
    Trabalho realizado em clínica privada - Iquique, Chile.
  • Datas de Publicação

    • Publicação nesta coleção
      27 Set 2011
    • Data do Fascículo
      Ago 2011

    Histórico

    • Recebido
      28 Set 2010
    • Aceito
      30 Dez 2010
    Sociedade Brasileira de Dermatologia Av. Rio Branco, 39 18. and., 20090-003 Rio de Janeiro RJ, Tel./Fax: +55 21 2253-6747 - Rio de Janeiro - RJ - Brazil
    E-mail: revista@sbd.org.br