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Fundamentos sobre o conhecimento dos aditivos químicos presentes nas luvas de borracha

Resumos

FUNDAMENTOS: Uma das causas mais frequentes de dermatite de contato alérgica, de origem ocupacional, são os aditivos da borracha, presentes nos Equipamentos de Proteção Individual. Os aditivos das luvas natural e sintética mais alergênicos são tiurams, mercaptos e carbamatos. OBJETIVO: levantar o nível de conhecimento em relação aos aditivos químicos utilizados na fabricação das luvas de borracha sintética. MÉTODOS: Foi aplicado um questionário aberto a profissionais que trabalham com fabricação, pesquisa, prescrição e comercialização das luvas. Foi adotado o método de pesquisa qualitativa. RESULTADOS: Foram entrevistadas 30 pessoas: 4 pesquisadores na área de Medicina do Trabalho, 5 médicos do Trabalho, 2 técnicos de segurança do Trabalho, 1 médico do sindicato de trabalhadores da borracha, 1 engenheiro de Segurança do Trabalho, 1 engenheira de Produção do setor de fabricação de luvas de borracha, 4 empresários importadores de luvas, 1 empresário fabricante de luvas, 3 empresários que comercializavam Equipamentos de Proteção Individual, 3 vendedores de lojas de Equipamentos de Proteção Individual, 2 empresários de lojas que comercializavam produtos para alérgicos e 3 dermatologistas. CONCLUSÃO: O conhecimento da composição química das luvas é pequeno. A rotulagem das luvas, com a descrição da composição química, facilitaria a escolha do melhor tipo de luva para cada pessoa. Esta ação, de baixo custo para as empresas, seria um ganho, do ponto de vista da saúde pública, e teria grande repercussão nos usuários de luvas de borracha.

Alergia e imunologia; Borracha; Dermatite alérgica de contato; Dermatite de contato; Dermatite ocupacional; Luvas protetoras


BACKGROUNDS: One of the most frequent causes of allergic contact dermatitis of occupational origin are rubber additives, which are present in Personal Protective Equipment (PPE). The most allergenic additives of natural and synthetic gloves are thiurams, carbamates and mercapto group. OBJECTIVE: To investigate the state of knowledge about the chemical additives used in the manufacture of synthetic rubber gloves. METHODS: This was a qualitative research study in which professionals working in the manufacture, research, prescription and commercialization of gloves answered an open questionnaire. RESULTS: 30 individuals were interviewed: 4 researchers in occupational medicine, 5 occupational physicians, 2 occupational safety technicians, a rubber workers' union physician, an occupational safety engineer, a pro duction engineer of rubber gloves, 4 importers of gloves, a manufacturer of gloves, 3 businessmen who sell PPE, 3 salesclerks working in stores that sell PPE, 2 businessmen who own stores that sell products for allergic indivi duals, and 3 dermatologists. CONCLUSION: Knowledge of the chemical composition of rubber gloves is scant. The labeling of gloves, with the description of their chemical composition, would facilitate choosing the best type of glove for each person. This low-cost action to businesses would be a gain from the standpoint of public health, with huge repercussions for users of rubber gloves.

Allergy and immunology; Dermatitis, allergic contact; Dermatitis, contact; Dermatitis, occupational; Gloves, protective; Rubber


INVESTIGAÇÃO

Fundamentos sobre o conhecimento dos aditivos químicos presentes nas luvas de borracha* * Trabalho realizado na Escola Paulista de Medicina - Universidade Federal de São Paulo (EPM - UNIFESP) - São Paulo (SP), Brasil.

Hegles Rosa de OliveiraI; Alice de Oliveira de Avelar AlchorneII

IMestre pela Escola Paulista de Medicina - Universidade Federal de São Paulo (UNIFESP) - São Paulo (SP), dermatologista do Instituto Médico Salette - São Paulo (SP), Brasil

IILivre-docente de Dermatologia - Professora de Dermatologia da Faculdade de Medicina da Universidade Nove de Julho (UNINOVE) - São Paulo (SP), Brasil

Correspondência Endereço para Correspondência: Hegles Rosa de Oliveira Rua Francisca Júlia, 644 - Apto. 51 Santana CEP: 02403-011 São Paulo (SP) - Brasil E-mail: heglesrosa@hotmail.com.br

RESUMO

FUNDAMENTOS: Uma das causas mais frequentes de dermatite de contato alérgica, de origem ocupacional, são os aditivos da borracha, presentes nos Equipamentos de Proteção Individual. Os aditivos das luvas natural e sintética mais alergênicos são tiurams, mercaptos e carbamatos.

OBJETIVO: levantar o nível de conhecimento em relação aos aditivos químicos utilizados na fabricação das luvas de borracha sintética.

MÉTODOS: Foi aplicado um questionário aberto a profissionais que trabalham com fabricação, pesquisa, prescrição e comercialização das luvas. Foi adotado o método de pesquisa qualitativa.

RESULTADOS: Foram entrevistadas 30 pessoas: 4 pesquisadores na área de Medicina do Trabalho, 5 médicos do Trabalho, 2 técnicos de segurança do Trabalho, 1 médico do sindicato de trabalhadores da borracha, 1 engenheiro de Segurança do Trabalho, 1 engenheira de Produção do setor de fabricação de luvas de borracha, 4 empresários importadores de luvas, 1 empresário fabricante de luvas, 3 empresários que comercializavam Equipamentos de Proteção Individual, 3 vendedores de lojas de Equipamentos de Proteção Individual, 2 empresários de lojas que comercializavam produtos para alérgicos e 3 dermatologistas.

CONCLUSÃO: O conhecimento da composição química das luvas é pequeno. A rotulagem das luvas, com a descrição da composição química, facilitaria a escolha do melhor tipo de luva para cada pessoa. Esta ação, de baixo custo para as empresas, seria um ganho, do ponto de vista da saúde pública, e teria grande repercussão nos usuários de luvas de borracha.

Palavras-chave: Alergia e imunologia; Borracha; Dermatite alérgica de contato; Dermatite de contato; Dermatite ocupacional; Luvas protetoras

INTRODUÇÃO

As dermatoses ocupacionais representam uma parcela significativa das doenças ocupacionais no mundo; o que se observa é que sua importância social tem aumentado devido ao aumento do uso da borracha em diversas áreas da indústria. A maior exposição dos trabalhadores aos aditivos químicos introduzidos em sua fabricação, está aumentando o número de indivíduos com hipersensibilidade à borracha . O diagnóstico etiológico, fazendo nexo com a atividade do indivíduo, em parte depende do conhecimento que o paciente adquire sobre os produtos que utiliza e de sua consciência sobre sua condição de risco e saúde, esta última, também do conhecimento do médico que o atende.1

As dermatoses ocupacionais representam de 13% a 34% das doenças ocupacionais no mundo. Das consultas dermatológicas, entre 4% a 7% correspondem a dermatites de contato, sendo que destas, 50% correspondem a dermatites de contato de origem ocupacional. O padrão econômico pessoal e familiar de um trabalhador portador de dermatite de contato alérgica geralmente é rebaixado. A pessoa começa a passar por dificuldades financeiras que repercutem em seu estado de saúde e em seu estado psicológico. Países como os Estados Unidos chegam a gastar em torno de 3 bilhões de dólares por ano com as dermatoses ocupacionais; estudos apontam que nos Estados Unidos, Canadá, Austrália e alguns países da Europa, de 5% a 10% da população apresentam alergia aos aditivos da borracha, sendo que o aumento no uso de Equipamentos de Proteção Individual (EPIs) está diretamente relacionado ao aumento das dermatites de contato alérgicas.2,3

No Brasil não se têm dados estatísticos fidedignos das doenças ocupacionais. Alguns dos motivos são: dificuldade de acesso ao serviço de saúde; automedicação; altos índices de trabalho informal, dificuldade de diagnóstico etiológico ocupacional e a falta de notificação. Entretanto, geralmente, é possível identificar que as substâncias químicas são as que mais causam as dermatoses profissionais. As que mais frequentemente causam alergias em nosso meio são os aditivos acrescentados à manufatura da borracha.4,5,6

Este estudo busca explorar a importância social da dermatite de contato alérgica desencadeada pelos aditivos presentes nas luvas de borracha sintética. O objetivo foi levantar o nível de conhecimento, em relação a estes aditivos, dos profissionais que trabalham diretamente com as luvas de borracha sintética, seja pesquisando, fabricando, comercializando ou indicando seu uso como EPI. O tema é importante porque as dermatoses são um dos fatores de absenteísmo nas empresas. Além disso, uma vez que o trabalhador tenha se sensibilizado, este problema de saúde pode gerar incapacidade permanente para a profissão.7,8,9

MATERIAL E MÉTODOS

O objeto deste estudo, isto é, "a compreensão da realidade do nível de conhecimento de cada entrevistado sobre o universo dos aditivos químicos utilizados na fabricação das luvas de borracha sintética", foi aqui abordado por meio da metodologia de Pesquisa Qualitativa, com uso de questionários aplicados por meio de entrevistas. A coleta de dados foi realizada por meio do contato pessoal com cada entrevistado, utilizando-se um questionário. Foram entrevistadas 30 pessoas, indivíduos que poderiam ter algum conhecimento sobre luvas de borracha sintética e sua composição química: 4 pesquisadores em Medicina do Trabalho, 5 médicos do Trabalho, 2 técnicos de segurança do Trabalho, 1 médico do sindicato de trabalhadores da borracha, 1 engenheiro de Segurança do Trabalho, 1 engenheira de Produção de uma indústria de borracha, 4 empresários importadores de luvas, 1 empresário de empresa fabricante de luva, 3 empresários de lojas que comercializavam EPIs, 3 vendedores de lojas que comercializavam EPIs, 2 empresários de lojas que comercializavam produtos para alérgicos e 3 médicos dermatologistas.

Além das entrevistas, foram realizados contatos com 6 fábricas de luvas de borracha sintética para que se pudesse permitir o acesso ao setor de produção das luvas.

RESULTADOS

Os tipos de luvas de borracha sintética, descritos e conhecidos pelos entrevistados, foram: nitrílica, de neoprene, butílica, Viton® e Silver Shield.®10

Os testes realizados nas luvas para emissão do CA ( Certificado de Aprovação) no Brasil são os ensaios de resistência mecânica e, no caso de luvas cirúrgicas estéreis, os ensaios microbiológicos, segundo informação de um pesquisador que atua na área de desenvolvimento tecnológico.

O conhecimento da maioria dos entrevistados é limitado, não sabendo informar quais aditivos químicos estão presentes nas luvas de borracha sintética. Os médicos, técnicos de Segurança do Trabalho, engenheiros de Segurança do Trabalho, engenheiro de Produção de uma indústria de fabricação de luvas e os comerciantes, em sua grande maioria, dispunham de pouco conhecimento prático e teórico sobre o assunto. Isto reforça os achados da literatura.11 Apenas os 2 primeiros entrevistados, que realizam pesquisas na área de Medicina do Trabalho, possuíam vasta experiência com o tema e puderam enriquecer a pesquisa. Relataram que, nos últimos anos, houve um aumento significativo no uso dos EPIs; porém, apesar de a legislação brasileira normatizar o uso das luvas, geralmente o fator que mais pesa na hora da escolha do tipo de luva que a empresa irá comprar é a presença do CA (Certificado de Aprovação) que, por lei, é obrigatório para os EPIs, e o custo.

De acordo com conversa informal com um pesquisador, ele me disse que não houve grandes mudanças nos aditivos químicos utilizados na fabricação de luvas nos últimos anos. Informou, também, que a tioureia é um alérgeno antigo. Porém, o aumento de publicações apontando a tioureia como um alérgeno importante, que está presente na borracha de neoprene, ocorreu porque esta borracha está sendo mais utilizada atualmente.

A luva sobre a qual os dermatologistas têm maior conhecimento são as luvas de látex, de procedimento e cirúrgica, e as luvas de uso doméstico.

Os médicos do Trabalho apresentam uma formação voltada para a prevenção. Conhecem um pouco mais o universo das luvas, porém, é um saber mais teórico. As luvas que indicam no caso de alergia à borracha natural são aquelas de plástico de PVC (cloreto de polivinila). Estes médicos conseguem ter mais acesso aos trabalhadores; informam que muitos trabalhadores relatam dificuldade para fazer uso das luvas de forma contínua, por muitas horas, reclamando que a luva esquenta, a habilidade manual fica prejudicada, as mãos ficam úmidas, e que, se a pele tem algum tipo de lesão, fica difícil usar a luva. Às vezes, usar a luva diminui a produção.

O médico do Trabalho, que atua na área sindical dos trabalhadores da indústria de borracha, afirma que os trabalhadores deste ramo de atividade industrial apresentam outras doenças, além das dermatites de contato alérgicas aos aditivos da borracha.

Os médicos do Trabalho afirmaram que o emprego de luvas como proteção das mãos nem sempre obedece a critérios científicos predeterminados. Concordam que uma luva bem escolhida, de boa qualidade, favorecerá sua comercialização, pois a escolha correta do tipo de luva, dos componentes químicos usados na fabricação das mesmas, o perfeito acabamento do produto final, além da informação e educação do trabalhador que irá usar o equipamento de proteção, são fatores importantes para a adesão ao uso da luva como equipamento de proteção.12,13

Os vendedores entrevistados, que trabalham em lojas que vendem EPIs, não receberam formação nem informação da empresa empregadora. O conhecimento que possuíam era repassado de forma oral pelos colegas de trabalho mais antigos. O saber deste grupo é informal e apenas possibilita dar dados gerais ao comprador.

A dona de loja, que vende produtos para alérgicos e fez parte da pesquisa, informou que vendia luvas de algodão para que fossem usadas sob uma luva de borracha, quando o comprador informava que apresentava alergia à borracha. A pesquisadora deste projeto explicou que o tecido de algodão não protege o usuário, pois o alérgeno facilmente poderia ultrapassar a barreira e atingir a pele e orientou que seria melhor indicar o uso de uma luva de vinil delicada.

A autora inquiriu uma engenheira de Produção de uma indústria de luvas, que também participa de uma organização internacional de estudos sobre luvas de borracha; ela informou que, mesmo no exterior, a questão da identificação da composição química é um tema que gera muito debate e ainda é cheio de controvérsias, devido ao receio da concorrência.

Um dos entrevistados referiu que o acesso às informações é um direito garantido pelo código do consumidor, mas este aspecto da democracia e respeito aos cidadãos ainda não foi adicionado à área de fabricação das luvas. Mas, o acesso às informações, principalmente em relação aos fabricantes de luvas de borracha sintética, foi decepcionante. Nenhuma empresa contatada forneceu detalhes da fabricação.

DISCUSSÃO

A borracha presente nas luvas pode causar diferentes tipos de manifestações cutâneas. O uso de luvas por pessoas susceptíveis pode desencadear um quadro de dermatite de contato irritativa, dermatite de contato alérgica tardia pelos vulcanizadores ou uma reação imediata. Dos cinco tipos de luvas de borracha sintética, as nitrílicas e as de neoprene são encontradas mais facilmente no mercado; porém, as butílicas, Viton® e Silver Shield® são mais difíceis de ser encontradas, pois são menos vendidas e têm alto custo. A que apresenta melhor comercialização são as luvas nitrílicas. As luvas Viton® e Silver Shield® são luvas especiais, que apresentam uma grande resistência química a diversos produtos. São utilizadas em casos de produtos químicos classificados como "perigosos" ou indicadas quando o profissional irá atender a uma ocorrência com acidente por produto químico e não sabe o tipo específico de risco que enfrentará. A Silver Shield® é uma luva mais fina que pode ser usada por cima de uma outra luva e é descartável.14

O Japão é o país que apresenta o maior número de estudos dos alérgenos da borracha , onde se faz uso da cromatografia para identificar as substâncias químicas presentes nas luvas. Às vezes, associam o teste de cromatografia ao teste de contato para investigar as possíveis causas da dermatite de contato alérgica.15

Alguns estudiosos orientam que, ao deparar-se com um quadro de dermatite de contato, cuja suspeita recaia sobre os aditivos da borracha, e o teste de contato com a bateria- padrão for negativo, o dermatologista deve levar em conta a possibilidade de o alérgeno ser a tiouréia.16, 17 Estudo com trabalhadores da indústria de borracha mostrou que este grupo apresenta uma incidência maior de cânceres de estômago e trato aerodigestivo superior, quando comparados à população não-exposta.18

A escolha das luvas é um ato complexo, partindo do pressuposto de que existem no mercado diversas marcas de luvas de borracha, cada uma com diferentes características químicas e físicas. Não existe uma luva resistente a todos os tipos de substâncias.19

É real que o uso prolongado de luvas tem vantagens e desvantagens; Estes fatores devem ser levados em consideração no momento de escolher qual o tipo de luva mais adequado para o trabalhador.20 Estudos afirmam que os dermatologistas possuem pouco conhecimento a respeito dos diferentes tipos de luvas e sobre os critérios de seleção das mesmas.21

É necessário considerar que a melhor informação sobre a composição química sempre será dada, ou deveria ser fornecida, pelo fabricante da luva. A relação das substâncias químicas pode ser fornecida pelas fichas toxicológicas do produto.22

Atualmente, percebe-se que o uso dos equipamentos de segurança tem aumentado graças às políticas de segurança e saúde no trabalho que, lentamente, vêm avançando tanto no que se refere aos empresários quanto aos trabalhadores.

Dos entrevistados, em conversa que extrapolava o questionário, todos concordavam que se os EPIs tivessem um rótulo informando a composição química do produto, à semelhança do que acontece com os medicamentos e os alimentos, isto facilitaria muito na indicação do melhor tipo de luva para um indivíduo sensibilizado a um determinado aditivo químico da borracha. A rotulagem das luvas é um ato de cidadania, que não teria repercussão em aumentar os gastos para a empresa fabricante. É um dado, que agregaria valor ao produto, caracterizando uma comercialização socialmente responsável. Os benefícios advindos dessa prática são enormes, assegurando que os fabricantes coloquem no mercado produtos de boa qualidade, com rótulos destacando os componentes químicos usados no processo de fabricação, sua indicação de uso para cada atividade, semelhante ao que se faz com um medicamento, que fornece orientações sobre sua composição química, reações adversas, indicação de uso, para que sua comercialização seja socialmente responsável e, com isso, aumentem suas vendas e também sejam creditadas pelos órgãos de controle de qualidade.

Aos empregadores, isso poderia trazer-lhes a tranquilidade de que estão oferecendo ao seu empregado um equipamento de qualidade, confortável, minimizando com essa atitude as lesões de pele e favorecendo o uso do equipamento de proteção para as mãos, com aumento da adesão dos trabalhadores ao EPI. No final, isto poderá repercutir em redução do absenteísmo, aumento da produtividade e trabalhadores mais saudáveis e satisfeitos.23 É alentador perceber que algumas empresas começam a ouvir os trabalhadores; isto é um ponto positivo que interfere em toda a cadeia. Esta mudança de atitude trará ganhos ao fornecedor que efetivou a venda, aos usuários que terão melhores condições de trabalho e ao empregador que não gastará em EPI só para cumprir sua obrigação legal. Esta conduta poderá reduzir o absenteísmo. Prova disto é um estudo que descreveu a experiência de uma empresa que apresentava um índice preocupante de dermatite de mãos pela falta de adesão ao uso do EPI. Esta empresa investiu em educação e incentivou a participação dos trabalhadores na escolha do tipo de EPI que eles consideravam mais adequado para realizar suas atividades. O autor do estudo esclarece que, antes de os trabalhadores escolherem o melhor tipo de EPI, a equipe responsável pela segurança do trabalhador havia feito uma pesquisa prévia e selecionado os EPIs mais adequados para a atividade a ser realizada. Esta atitude de chamar o trabalhador para fazer parte do processo de seleção do EPI gerou um aumento na adesão ao uso do mesmo e, posteriormente, houve uma redução no número de dermatoses de mãos. Os trabalhadores sentiram-se reconhecidos e co-responsáveis.

A legislação trabalhista brasileira estabelece normas para que as empresas intensifiquem seus investimentos na implantação de medidas de proteção coletivas, ou seja, substituição das substâncias alergênicas por outras menos sensibilizantes, mudança de maquinários etc. A curto prazo, enquanto as medidas coletivas não forem implementadas, faz-se necessário o uso dos EPIs. A regra são as mudanças nos ambientes de trabalho, porém, o que verificamos no dia-a-dia é o uso do equipamento de proteção por tempo prolongado, diferentemente do que a lei preconiza.

Ao fabricante nacional ou ao importador, dentre outras determinações, cabe comercializar o EPI com instruções técnicas no idioma nacional, orientando sua utilização, manutenção, restrições e demais referências ao seu uso. Compete ao Ministério do Trabalho, dentre outras responsabilidades, fiscalizar e orientar quanto ao uso adequado e qualidade do EPI.

Estudo realizado pelo Ministério do Trabalho com empresas fabricantes e compradoras de EPIs deixou claro uma triste realidade, que veio apenas confirmar o que o médico sente na ponta da linha quando indica o uso de um EPI mais adequado para o trabalhador e/ou para a sua função: a grande maioria das empresas fabricantes e daquelas que compram os EPIs, geralmente, preocupa-se apenas em cumprir a legislação; o fator primordial, que norteia a decisão de compra, é a presença do CA, emitido pelo Ministério do Trabalho, e, depois, o menor custo. Conforto, leveza e melhor acabamento, muitas vezes, não são levados em consideração. É importante ressaltar que detalhes mínimos podem interferir no conforto para o usuário, o que diminui em muito a tortura diária de ser obrigado a usar um EPI desconfortável.24

Como são utilizados inúmeros componentes químicos na fabricação das luvas de borracha, às vezes torna-se muito difícil identificar qual alérgeno é o responsável pela alergia. No Brasil, o teste de contato ainda é o exame em que os médicos podem basear-se para orientá-lo, mas a bateria de teste de contato é limitada, pois contém apenas os alérgenos mais comuns. Com as mudanças tecnológicas, a cada dia, novos produtos são introduzidos na fabricação da borracha. Assim, por mais que as baterias sejam revisadas e atualizadas, sempre ficarão defasadas. Somado a estes fatores temos que considerar que este teste depende de um treinamento rigoroso da pessoa que irá aplicá-lo, que o resultado demora, no mínimo, 96 horas e só pode ser aplicado quando a dermatose não estiver em fase aguda. Pesquisas estão sendo desenvolvidas para que, em um futuro próximo, possamos contar com mais recursos tecnológicos tais como a cromatografia para identificar o alérgeno na luva e o teste de proliferação linfocitária que poderá identificar o antígeno com o soro do paciente.25,26

A produção e o consumo de borracha natural e sintética têm aumentado ao longo dos anos.27 Podemos inferir que as dermatites de contato pelos alérgenos da borracha sintética também têm acompanhado esta tendência. Os estudos mostram que as prevalências das alergias aos aditivos da borracha e às proteínas do látex seguem uma curva ascendente, principalmente após os anos 80, com o advento da AIDS quando, por medidas de prevenção, foram adotadas regras para minimizar o risco de contato com secreções biológicas. Com isto, houve aumento do uso de luvas e da dermatite de contato alérgica pelo uso deste EPI. A alergia, imediata e tardia, para o grupo específico dos profissionais da saúde, está se tornando um problema de saúde pública. O uso de luvas ascendeu também na área industrial e de serviços.28 Os ramos de atividades que mais apresentam dermatite pelo uso das luvas são a construção civil e as atividades que envolvem tarefas de limpeza, onde se inclui o grupo das donasde-casa. Várias pesquisas demonstraram que os principais aditivos da borracha, envolvidos no desencadeamento da reação de hipersensibilidade tardia, são: tiuram, carbamatos e mercaptos.29

A legislação brasileira diz que o consumidor tem o direito de saber o que está consumindo ou comprando. Porém, esta informação não é fornecida pela indústria. Não está disponível nem para os médicos, nem para os pesquisadores, nem para a população usuária dos produtos de borracha. Todo produto químico tem uma ficha técnica de segurança que fornece informações sobre o agente químico, suas propriedades, toxicidade e qual conduta adotar em caso de acidente com tal substância. Esta ficha deveria ser amplamente divulgada. Toda a cadeia comercial deveria ter acesso a estas informações. As empresas, inclusive, deveriam fornecer esta ficha sempre que isso fosse solicitado pelos serviços de saúde. Nosso nível de democracia ainda não chegou a este patamar. Uma saída para democratizar o acesso à informação seria a rotulagem das embalagens da luva à semelhança dos medicamentos e alimentos.

Tentativas com intenção de substituir as substâncias alergênicas por outras com menor potencial de sensibilização têm sido realizadas; um exemplo foi a substituição do mercaptobenzotiazol pelo mercaptobenzimidazol. Mas o que se observou foi que, com o passar do tempo, este último também se tornou um importante agente sensibilizador. Atualmente, sugerese diminuir a concentração dos produtos reconhecidamente alergênicos. Outro fator que dificulta a troca de um produto que causa alergia por outro menos alergênico é o alto custo. Na Dinamarca, onde recomendações de alguns comitês europeus foram acatadas pelos fabricantes, tem sido feita a substituição por um carbamato (dibutilditiocarbamato), que possui menor potencial de sensibilização, aos usuários de produtos manufaturados de borracha.30

Comumente, observa-se, pelo teste de contato, a polissensibilização aos componentes da borracha, aos grupos tiuram, mercapto-mix, carba-mix. Estes grupos de substâncias químicas são usados para fabricação de diversos produtos usados tanto no ambiente de trabalho quanto na vida cotidiana das pessoas. Assim, fica difícil um indivíduo alérgico aos componentes da borracha abster-se completamente do contato com os alérgenos da borracha. O indivíduo alérgico a algum componente da borracha pode expor-se ao alérgeno por meio de medicamentos, alimentos, inseticidas etc. Hoje, é praticamente impossível uma pessoa passar um dia sem entrar em contato com um produto que não tenha substâncias da borracha em sua composição. O estudo dos aditivos químicos utilizados no processo de fabricação das luvas de borracha sintética é importante do ponto de vista prático, econômico e político.

Prático porque, à medida que os indivíduos forem tomando consciência da importância do uso de luvas para proteção de suas mãos, o uso da borracha sintética vai aumentar e, com isso, mais e mais pessoas podem se sensibilizar aos alérgenos dos aditivos da borracha e aos novos alérgenos que vão aparecendo à medida que forem implementadas mudanças tecnológicas na fabricação das luvas.

Econômico porque irá aumentar as vendas de luvas; com o uso de luvas de boa qualidade, a autora pressupõe que o trabalhador aumentará a adesão ao uso deste EPI, reduzirá os riscos de acidentes e doenças nas mãos, diminuirá o absenteísmo etc.

E Político porque a orientação sobre o uso de EPI faz parte das Normas Regulamentadoras que normatizam a segurança e a saúde dos trabalhadores no Brasil. Em um governo democrático, os cidadãos têm o direto de ter dados informando detalhadamente o que está consumindo, o que está usando, quais os riscos que um determinado produto pode oferecer. Assim, a rotulagem das luvas, com destaque para a composição química utilizada na fabricação de cada tipo de luva, além de ser um ato politicamente correto, é também um ato de cidadania.

CONCLUSÃO

Os principais aditivos com maior potencial sensibilizante, tanto para luvas de borracha natural quanto sintéticas, estão presentes nos grupos tiuram, mercaptos e carbamatos. O estudo aponta para o pouco conhecimento dos componentes químicos utilizados na manufatura das luvas de borracha. Assim sendo, existe uma sinalização para a necessidade de uma melhor e maior divulgação da composição química das luvas; uma forma barata de fazer isto seria padronizar um rótulo com a descrição das substâncias químicas presentes em cada luva.

Recebido em 17.07.2010.

Aprovado pelo Conselho Consultivo e aceito para publicação em 10.10.2010.

Conflito de interesse: Nenhum

Suporte financeiro: Nenhum

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    Trabalho realizado na Escola Paulista de Medicina - Universidade Federal de São Paulo (EPM - UNIFESP) - São Paulo (SP), Brasil.
  • Datas de Publicação

    • Publicação nesta coleção
      01 Dez 2011
    • Data do Fascículo
      Out 2011

    Histórico

    • Recebido
      17 Jul 2010
    • Aceito
      10 Out 2010
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