QUAL O SEU DIAGNÓSTICO?
Caso para diagnóstico
Mariane de Castro PerisseI; Camila FerronI; Ricardo Barbosa LimaII; Márcio Soares SerraIII; Carlos José MartinsIV
IPós-graduanda do Serviço de Dermatologia do Hospital Universitário Gaffrée e Guinle - Universidade Federal do Estado do Rio de Janeiro (HUGG - Unirio) - Rio de Janeiro (RJ), Brasil
IIPós-graduando em Dermatologia; professor adjunto do Serviço de Dermatologia do Hospital Universitário Gaffrée e Guinle - Universidade Federal do Estado do Rio de Janeiro (HUGG - Unirio) - Rio de Janeiro (RJ), Brasil
IIIMestre em Dermatologia; professor voluntário do Serviço de Dermatologia do Hospital Universitário Gaffrée e Guinle - Universidade Federal do Estado do Rio de Janeiro (HUGG - Unirio) - Rio de Janeiro (RJ), Brasil
IVMestre em Dermatologia; professor adjunto e responsável pelo Serviço de Dermatologia do Hospital Universitário Gaffrée e Guinle - Universidade Federal do Estado do Rio de Janeiro (HUGG - Unirio) - Rio de Janeiro (RJ), Brasil
Correspondência Endereço para Correspondência: Mariane de Castro Perisse Rua Rita Ludolf 16/402 Leblon 22440-060 Rio de Janeiro - RJ E-mail: mariperisse@gmail.com
RESUMO
Metástases cutâneas de câncer visceral são relativamente raras, com uma incidência de 0,7-10%. Os sítios primários mais frequentes são os tumores de mama, pulmão e cólon. Geralmente ocorrem após o câncer primário ser diagnosticado e significam mau prognóstico. Podem surgir como primeira manifestação em 20% das neoplasias em geral. As manifestações mais comuns são nódulos únicos ou múltiplos, assintomáticos, localizados com maior frequência no tórax anterior, no abdômen, na cabeça e no pescoço, por vezes, com aspectos clínicos inusitados, constituindo um desafio ao diagnóstico clínico.
Palavras-chave: Adenocarcinoma; Neoplasias cutâneas; Neoplasias gastrointestinais
RELATO DO CASO
Paciente masculino, 60 anos, com nódulos assintomáticos na face, no pescoço, no tórax e na bolsa escrotal há três meses. Relatava tabagismo, etilismo e uso de drogas ilícitas. Queixava-se de astenia, pirose e perda ponderal de 15kg nesse período. Ao exame, observaram-se nódulos eritematovioláceos de superfície lisa, alguns exulcerados, de consistência firme, medindo 0,5-2,0cm de diâmetro, assintomáticos, no couro cabeludo, na face, no pescoço, no tórax, nos membros superiores e na bolsa escrotal, bem como linfonodomegalias palpáveis nas regiões occipital e cervical posterior e aumento do volume abdominal com massa mal delimitada (Figuras 1 e 2).
Realizou-se biópsia de uma lesão e o exame histopatológico revelou infiltrado difuso na derme, presença de células com citoplasma claro com núcleo rechaçado para a periferia, caracterizando as células em anel de sinete (Figura 3). A endoscopia digestiva alta evidenciou lesões ulceradas e nodulares no antro, que também foram biopsiadas. A tomografia computadorizada (TC) de abdômen mostrou lesão infiltrante, estenosante no antro e corpo gástrico. A TC de tórax foi normal.
DISCUSSÃO
Diante do quadro clínico do paciente, formularam-se as hipóteses diagnósticas de linfoma cutâneo, criptococose em imunossuprimido e metástases cutâneas.
A conclusão do laudo histopatológico da lesão cutânea foi de adenocarcinoma metastático e da lesão do antro foi de adenocarcinoma gástrico pouco diferenciado com células em anel de sinete, conduzindo ao diagnóstico final de adenocarcinoma gástrico estágio IV com metástase cutânea. O paciente foi submetido à quimioterapia, porém evoluiu a óbito cinco meses após o diagnóstico da neoplasia.
Metástases cutâneas (MC) de câncer visceral são relativamente raras, com uma incidência de 0,7-10%.1 Os sítios primários mais frequentes são os tumores de mama, pulmão e cólon. Geralmente ocorrem após o câncer primário ser diagnosticado e significam mau prognóstico.2 Podem surgir como primeira manifestação em 20% das neoplasias em geral. Apesar de ser frequente, o câncer gástrico representa a origem de apenas 6% de todas as MCs nos homens e 1% nas mulheres.2 Fernandez et al., numa revisão de 11 casos de MC de adenocarcinoma gástrico (AG), constataram que, em 64% dos pacientes, elas foram a manifestação inicial da doença, como no caso relatado.3
As MCs podem ocorrer por disseminação hematogênica, linfática, por contiguidade ou por implantação iatrogênica.1
O tipo histológico com maior tendência à metástase à distância é o adenocarcinoma com células em anel de sinete.4
As manifestações mais comuns são nódulos hemisféricos únicos ou múltiplos de consistência moderada a firme, de superfície lisa e brilhante. Também surgem como máculas, placas infiltradas endurecidas, lesões discoides e nódulos tumorais com telangiectasias ou ulcerações. Formações herpetiformes, zosteriformes ou erisipela-símiles são frequentemente mencionadas como padrões de disseminação cutânea. Alguns aspectos típicos são o carcinoma erisipelatoide, carcinoma em couraça e alopecia neoplásica. A maioria das MCs é assintomática, mas, algumas vezes, podem ser pruriginosas e, em estágios avançados, dolorosas.5
As MCs localizam-se em qualquer parte do corpo, porém, com maior frequência, no tórax anterior (33%), no abdômen (22%), na cabeça e no pescoço (10%).6 Na região umbilical, são conhecidas como nódulo da irmã Maria José.5 No AG, manifestam-se, geralmente, como nódulos únicos ou múltiplos, mais frequentemente na parede abdominal, sendo rara a MC generalizada.7
O tratamento é quase sempre paliativo. Quando são poucas lesões, a exérese cirúrgica e a radioterapia são as primeiras opções.6
A literatura registra um aumento na incidência de metástases cutâneas ao longo das últimas décadas, relacionado ao aumento da taxa de câncer e da sobrevida após o tratamento. Portanto, diante de nódulos cutâneos isolados ou múltiplos de aspecto inespecífico e consistência firme, o dermatologista deve sempre incluir as MCs entre as hipóteses diagnósticas, uma vez que sua presença modifica prognóstico da doença.
Recebido em 17.10.2010
Aprovado pelo Conselho Editorial e aceito para publicação em 29.11.2010.
Suporte Financeiro: Nenhum
Conflito de Interesses: Nenhum
* Trabalho realizado no Hospital Universitário Gaffrée e Guinle - Universidade Federal do Estado do Rio de Janeiro (HUGG - Unirio) - Rio de Janeiro (RJ), Brasil
-
1Hu SC, Chen GS, Lu YW, Wu CS, Lan CC. Cutaneous metastases from different internal malignancies: a clinical and prognostic appraisal . J Eur Acad Dermatol Venereol. 2008;22:735-40.
-
2Xavier MH, Vergueiro T de R, Vilar EG, Pinto JM, Issa MC, Pereira GB, et al. Cutaneous metastasis of gastric adenocarcinoma: An exuberant and unusual clinical presentation. Dermatol Online J. 2008;14:8.
-
3Aneiros-Fernandez J, Husein-ElAhmed H, Arias-Santiago S, Escobar Gómez-Villalva F, Nicolae A, O'Valle Ravassa F, et al. Cutaneous metastasis as first clinical manifestation of signet ring cell gastric carcinoma. Dermatol Online J. 2010;16:9.
-
4Ahn SJ, Oh SH, Chang SE, Jeung YI, Lee MW, Choi JH. Cutaneous metastases of gastric signet ring cell carcinoma masqueradingas allergic contact dermattitis. J Eur Acad Dermatol venereol. 2007;21:123-4.
-
5Nashan D, Müller ML, Braun-Falco M, Reichenberger S, Szeimies RM, Bruckner-Tuderman L. Cutaneous metastases of visceral tumors: a review. J cancer res clin oncol. 2009;135:1-14
-
6Segura Huerta A, Perez-Fidalgo JA, Lopez-Tendero P, Ginores R, Sarrio, Aparício UJ. Supervivência de trace años en una paciente com metástasis cutáneas aisladas de adenocarcinoma gástrico. An Med Interna. 2003;20:251-3.
-
7Lookingbill DP, Spangler N, Helm KF. Cutaneous metastases in patients with metastatic carcinoma: a retrospective study of 4020 patients. J Am Acad Dermatol. 1993;29:228-36
Endereço para Correspondência:
Datas de Publicação
-
Publicação nesta coleção
01 Dez 2011 -
Data do Fascículo
Out 2011