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Pênfigo vegetante induzido por uso de enalapril

Resumos

Pênfigo Vegetante foi primeiramente descrito como uma variante do pênfigo vulgar, em 1876, por Neumann. Em 1889, Hallopeau descreveu um paciente com pústulas e placas vegetantes, e sugeriu ser uma variante do Pênfigo Vegetante de Neumann. Ambos os tipos de pênfigo vegetante são caracterizados pelo desenvolvimento de placas vegetantes, especialmente, em dobras (axila, inguinal, perianal). Os autores apresentam e discutem um caso de Pênfigo Vegetante com uma clínica incomum, com ausência de acometimento de mucosas e áreas de flexão, em paciente idosa, associado ao uso de enalapril como possível desencadeador. Diagnóstico clínico e histológico sugestivos de Pênfigo Vegetante tipo Hallopeau.

Autoimunidade; Enalapril; Pênfigo


Pemphigus Vegetans was first described as a variant of Pemphigus Vulgaris in 1876 by Neumann. In 1889, Hallopeau described a patient with pustules and vegetating plaques, suggesting that it would be a variant of Pemphigus Vegetans of Neumann. Both types of Pemphigus Vegetans are characterized by the development of vegetating plaques especially on skin folds (axillae, groin, perianal region). The authors present and discuss a case of Pemphigus Vegetans with an unusual clinical presentation lacking involvement of mucous membrane and flexor surfaces in an elderly female patient, associated with the use of enalapril as possible trigger factor. Clinical and histological diagnosis were suggestive of Pemphigus Vegetans of the Hallopeau type.

Autoimmunity; Enalapril; Pemphigus


CASO CLÍNICO

Pênfigo vegetante induzido por uso de enalapril* * Trabalho realizado no Hospital Universitário da Universidade Federal de Santa Catarina (HU-UFSC) - Florianópolis (SC), Brasil.

André Ricardo AdrianoI; Antonio Gomes NetoII; Gustavo R. HamesterIII; Daniel H. NunesIV; Gabriella Di GiuntaV

IMédico pós graduando em Dermatologia no Instituto de Dermatologia Prof. Rubem David Azulay da Santa Casa da Misericórdia do Rio de Janeiro (IDPRDA - SCMRJ) - Rio de Janeiro (RJ), Brasil

IIMédico dermatologista. Mestrando em dermatopatologia pela Universidade Estadual de Campinas (UNICAMP) - Campinas (SP), Brasil

IIIMédico dermatologista (in memorian). Título de dermatologista pela Universidade Federal de Santa Catarina (UFSC) - Florianópolis (SC), Brasil

IVMédico dermatologista - Chefe da Residência de Dermatologia do Hospital Universitário da Universidade Federal de Santa Catarina (HU-UFSC) - Florianópolis (SC), Brasil

VMédica patologista. Professora Adjunta do Departamento de Patologia da Universidade Federal de Santa Catarina (UFSC) - Florianópolis (SC), Brasil

Endereço para correspondência Endereço para correspondência: André Ricardo Adriano Hospital Universitário Polydoro Ernani de São Thiago - Universidade Federal de Santa Catarina, Departamento de Dermatologia Rua Prof.ª Maria Flora Pausewang, s/nº Trindade - Caixa Postal 5199 CEP 88040-900 - Florianópolis - SC E-mail: andrehricardo@gmail.com

RESUMO

Pênfigo Vegetante foi primeiramente descrito como uma variante do pênfigo vulgar, em 1876, por Neumann. Em 1889, Hallopeau descreveu um paciente com pústulas e placas vegetantes, e sugeriu ser uma variante do Pênfigo Vegetante de Neumann. Ambos os tipos de pênfigo vegetante são caracterizados pelo desenvolvimento de placas vegetantes, especialmente, em dobras (axila, inguinal, perianal). Os autores apresentam e discutem um caso de Pênfigo Vegetante com uma clínica incomum, com ausência de acometimento de mucosas e áreas de flexão, em paciente idosa, associado ao uso de enalapril como possível desencadeador. Diagnóstico clínico e histológico sugestivos de Pênfigo Vegetante tipo Hallopeau.

Palavras-chave: Autoimunidade; Enalapril; Pênfigo

INTRODUÇÃO

Pênfigo é um grupo de doenças autoimunes, com comprometimento cutâneo, e, algumas vezes, mucoso, tendo como característica comum: a presença de bolhas intraepidérmicas, uma vez que ocorrem por acantólise. 1,2

O pênfigo vegetante é uma forma incomum de pênfigo vulgar a qual ocorre entre 1 a 2% dos casos. É considerada uma variante benigna e costuma ocorrer em doentes mais jovens. Na patogenia, devem ser considerados fatores genéticos, imunológicos e ambientais. 2

A clínica é caracterizada por surgimento de bolhas flácidas pelas quais, ao se romperem, dão lugar a áreas exulceradas envolvidas por vegetações formando placas de aspecto verrucoso e hiperpigmentado. As lesões costumam iniciar-se na mucosa oral e, ao evoluírem, acometem áreas de flexão e intertriginosas. 2

RELATO DE CASO

Paciente feminina, 78 anos, natural e procedente de Laguna-SC. Há 4 meses, iniciou com lesão pustulosa, de base eritematosa, na região malar direita, com crescimento progressivo e formação de crosta amarelada de aspecto verrucoso. Fez vários tratamentos para infecção bacteriana, porém, sem resultados. Lesão progrediu com aumento de tamanho disseminando-se por toda face no último mês, sem acometimento de mucosas (Figuras 1 e 2). Além de duas lesões verrucosas, 1cm de diâmetro no dorso e uma de 2cm no ombro esquerdo. Sendo a paciente então, referenciada ao nosso serviço.



HPP: hipertensão arterial sistêmica (em uso de atenolol e enalapril, este há 6 meses) e arritmia. Nega outras doenças e sem outras queixas.

HPS: reside em casa própria, sozinha, sem animais de estimação, com amplo quintal e muitos mosquitos.

A conduta tomada foi realização de biópsia incisional, sendo o material enviado para histopatológico, imunológico e cultura.

O anátomo patológico demonstrou acantólise suprabasal com hiperplasia epitelial e presença de microabscessos de eosinófilos e neutrófilos (Figuras 3 e 4).



Já na microscopia da imunofluorescência direta, IgA, IgM e C3 foram negativos e IgG foi positivo em padrão granular ao longo dos espaços intercelulares. (Figura 5).


A cultura bacteriana foi positiva para Staphylococcus aureus e negativa para micoses.

Os exames laboratoriais foram normais, exceto por discreta leucocitose.

O resultado dos exames, associados à clínica da paciente, confirmaram o diagnóstico de pênfigo vegetante tipo Hallopeau.

Foi instituído o tratamento com prednisona oral (60mg/dia) e tetraciclina (500mg) por causa da contaminação bacteriana 2x/dia. Pelo uso da alta dose de corticoide, foi realizada também a erradicação de possível infecção por Strongyloides Stercoralis, com uso de albendazol e reposição de cálcio. Além da suspensão do uso de enalapril.

Após um mês de tratamento, a paciente já teve regressão importante das lesões, sendo a dose de prednisona diminuída gradativamente. Foi associado também o uso tópico de vaselina salicilada a 5% (Figura 6).


DISCUSSÃO

Pênfigo é a denominação geral de um conjunto de entidades patológicas autoimunes, caracterizadas pela formação, na pele e mucosas, de bolhas intraepiteliais. 1 Essas bolhas ocorrem por acantólise (perda de adesão entre as células epiteliais da camada de Malpighi). 2 Os autoanticorpos atuam nos desmossomos, provocando perda da adesão intercelular. 1

Os pênfigos estão classificados em diferentes variantes clínicas e etiopatogênicas, sendo os mais comuns: pênfigo vulgar e foliáceo. As formas menos frequentes são: pênfigo por drogas, herpetiforme, paraneoplásico e pênfigo por IgA. 2

O Pênfigo vulgar é uma doença bolhosa intraepidérmica a qual afeta a pele e as mucosas e é, potencialmente, fatal. Tem distribuição universal, porém é mais comum entre os judeus asquenazitas. 3 Estudos imunogenéticos demonstram aumentada incidência de HLA-DR4 (em judeus asquenazitas) ou DRw6 (em outros grupos étnicos). 4 Cerca de 90% dos pacientes com pênfigo vulgar tem envolvimento oral, e percentual, que varia de 50 a 70% dos doentes, inicia o quadro com lesões exulceradas, em mucosa oral. O pênfigo vulgar afeta, igualmente, ambos os sexos e ocorre, principalmente, em pacientes entre a quarta e a sexta décadas de vida; todavia, podem ser afetados indivíduos de qualquer idade, incluindo crianças e recém-nascidos, de mães com pênfigo vulgar. 4,5,6

O Pênfigo Vegetante (PV) foi, primeiramente, descrito como uma variante do pênfigo vulgar, em 1876, por Neumann. Em 1889, Hallopeau descreveu um paciente com pústulas e placas vegetantes, e sugeriu que seria uma variante do PV de Neumann. Ambos os tipos de pênfigo vegetantes são caracterizados pelo desenvolvimento de placas vegetantes, especialmente, em dobras (axila, inguinal, perianal). 7 Tendem a acometer pacientes mais jovens.

Embora os dois tipos de PV sejam caracterizados por placas vegetantes em dobras, as primeiras lesões diferem. O tipo Neumann começa com lesões semelhantes ao pênfigo vulgar, ou seja, bolhas efêmeras que durante o processo de reparação vão se tornando vegetantes. Já o tipo Hallopeau inicia com pústulas agrupadas, principalmente, em áreas de flexão, dando lugar a verdadeiras vegetações. 8,9

A segunda diferença entre os dois tipos é a resposta à terapia e prognóstico. O curso do pênfigo vegetante de Neumann é semelhante ao pênfigo vulgar com um prognóstico pior. O tipo Hallopeau é mais benigno, tem pouca recaída, e, geralmente, mantém- se em remissão. O uso de dapsona é uma alternativa ao tratamento sistêmico com corticoide, com ou sem imunossupressores, para o tipo Hallopeau. 7,8

A terceira diferença é o histopatológico. As lesões bolhosas do PV de Neumann demonstram bolha intraepidérmica e acantólise suprabasal idênticos aos do pênfigo vulgar. As lesões precoces do PV, tipo Hallopeau, mostram discreta acantólise suprabasal, muitos microabscessos intraepidérmicos, com células acantolíticas da epiderme, e numerosos eosinófilos (microabscessos eosinofilícos). Em ambos os tipos, as placas vegetantes são caracterizadas por: acantólise evidente, papilomatose extensa, e eosinofilia tecidual evidente. 7

Alguns episódios de pênfigo induzido, por uso de inibidores da enzima da conversão da angiotensina (IECA), têm sido relatados. Em sua maioria, a droga envolvida foi o captopril. Tem sido proposto que o grupo sulfidril, no captopril, seja o responsável pela indução do pênfigo por interferir na adesão dos queratinócitos. Quanto ao enalapril, em que não há o grupo sulfidril, há menos de dez casos relatados na literatura pelo uso do mesmo.7

Histopatologicamente, as lesões iniciais de pênfigo vulgar e pênfigo vegetante demonstram acantólise suprabasal. O PV também exibe hiperplasia epidérmica, papilomatose e abscessos eosinofílicos intraepidérmicos. A histopatologia difere no pênfigo vegetante por apresentar resposta eosinofílica, formação de microabscessos e extensão da vesiculação.

A imunofluorescência encontrada no PV é indistinguível da do pênfigo vulgar. Imuno fluorescência direta demonstra deposição de IgG e C3, na superfície dos ceratinócitos, e a imunofluorescência indireta revela circulação de IgG.

O diagnóstico pode ser prejudicado pela variedade de apresentação clínica. 10

Deve-se fazer diagnóstico diferencial com infecções crônicas e doença de Hailey-Hailey.8

O corticoide sistêmico é o tratamento de escolha. Entretanto, a adição de imunossupressores, tais quais: a ciclosporina e a azatioprina, pode ser necessária até como poupador do uso de corticoide. Os pacientes, com o tipo Neumann, têm um curso similar com o pênfigo vulgar, necessitando de doses maiores de corticoide, e fases de recaídas e remissões. Os pacientes, com PV tipo Hallopeau, têm poucos, se há alguma recaída, e, geralmente, respondem a doses menores de corticoides. 10

Pela raridade da doença e neste caso ter se manifestado com uma clínica incomum, com ausência de acometimento de mucosas e áreas de flexão, e pela maior idade da paciente, associado ao uso de enalapril como possível desencadeador, faz-se importante a publicação desse caso. Também para relembrar da importância de se levantar os diagnósticos diferenciais, no dia a dia ambulatorial, visando a alterar os tratamentos quando os pacientes não responsivos aos primeiros instituídos.

Recebido em 25.07.2010.

Aprovado pelo Conselho Consultivo e aceito para publicação em 29.08.2010.

Conflito de interesse: Nenhum

Suporte financeiro: Nenhum

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  • 9. Azulay RD. Dermatologia. 5 ed. Rio de Janeiro: Guanabara Koogan; 2008. p. 130-5.
  • 10. Markopoulos AK, Antoniades DZ, Zaraboukas T. Pemphigus vegetans of the oral cavity. Int J Dermatol. 2006;45:425-8.
  • Endereço para correspondência:
    André Ricardo Adriano
    Hospital Universitário Polydoro Ernani de São Thiago - Universidade Federal de Santa Catarina, Departamento de Dermatologia
    Rua Prof.ª Maria Flora Pausewang, s/nº Trindade - Caixa Postal 5199
    CEP 88040-900 - Florianópolis - SC
    E-mail:
  • *
    Trabalho realizado no Hospital Universitário da Universidade Federal de Santa Catarina (HU-UFSC) - Florianópolis (SC), Brasil.
  • Datas de Publicação

    • Publicação nesta coleção
      24 Jan 2012
    • Data do Fascículo
      Dez 2011

    Histórico

    • Aceito
      29 Ago 2010
    • Recebido
      25 Jul 2010
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