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Aplicação da dermatoscopia no auxílio diagnóstico da ocronose exógena

Resumos

A ocronose exógena consiste em hiperpigmentação crônica de áreas previamente tratadas com agentes tópicos como: a hidroquinona, a resorcina, os antimaláricos e o fenol. O diagnóstico precoce permite suspender prontamente o agente causador, uma vez que as opções terapêuticas disponíveis são escassas e com resultados insatisfatórios. Reportam-se três casos de ocronose exógena na face, diagnosticados pela dermatoscopia. O estudo dermatoscópico evidenciou estruturas amorfas de coloração cinza-enegrecido, algumas obliterando as aberturas foliculares. O exame histopatológico corroborou o diagnóstico

Dermoscopia; Ocronose; Transtornos da Pigmentação


Exogenous ochronosis consists of chronic hyperpigmentation of areas previously treated with topical agents such as hydroquinone, resorcinol, antimalarials and phenol. Early diagnosis allows to promptly suspend the causative agent and it is imperative since the available therapeutic options are scarce and have presented so far unsatisfactory results. Three cases of exogenous ochronosis on the face which were diagnosed with the use of dermoscopy are presented. Dermatoscopy showed blackish-gray amorphous structures, some obliterating the follicular openings. Histopathological examination confirmed the diagnosis

Dermoscopy; Ochronosis; Pigmentation disorders


CASO CLÍNICO

Aplicação da dermatoscopia no auxílio diagnóstico da ocronose exógena* * Trabalho realizado no Hospital Universitário Getúlio Vargas - Universidade Federal do Amazonas (HUGV - UFAM) - Manaus (AM), Brasil.

Sandra Adolfina Reyes RomeroI; Priscilla Maria Rodrigues PereiraII; Adriana Valkiria de Oliveira MarianoI; Fábio FrancesconiIII; Valeska Albuquerque FrancesconiIV

IGraduação - Médica Residente de Dermatologia do Hospital Universitário Getúlio Vargas - Universidade Federal do Amazonas (HUGV/UFAM) - Manaus (AM), Brasil

IIHospital Universitário Getúlio Vargas - Universidade Federal do Amazonas (HUGV/UFAM) - Manaus (AM), Brasil

IIIMestre - Professor Titular do Hospital Universitário Getúlio Vargas - Universidade Federal do Amazonas (HUGV/UFAM) - Manaus (AM), Brasil

IVMestre - Professora Universidade do Estado do Amazonas (UEA) - Manaus (AM), Brasil

Endereço para correspondência Endereço para correspondência: Sandra Adolfina Reyes Romero Rua Alexandre magno, q. 01, c. 14, Shangrila 4 - Pq 10 Manaus - AM 69054 723 E-mail: sandra.rreyes@gmail.com

RESUMO

A ocronose exógena consiste em hiperpigmentação crônica de áreas previamente tratadas com agentes tópicos como: a hidroquinona, a resorcina, os antimaláricos e o fenol. O diagnóstico precoce permite suspender prontamente o agente causador, uma vez que as opções terapêuticas disponíveis são escassas e com resultados insatisfatórios. Reportam-se três casos de ocronose exógena na face, diagnosticados pela dermatoscopia. O estudo dermatoscópico evidenciou estruturas amorfas de coloração cinza-enegrecido, algumas obliterando as aberturas foliculares. O exame histopatológico corroborou o diagnóstico.

Palavras-chave: Dermoscopia; Ocronose; Transtornos da Pigmentação

INTRODUÇÃO

A ocronose exógena (OE), descrita pela primeira vez, em 1906, por Pick,1 é uma desordem pigmentar, caracterizada pelo depósito de uma substância, derivada do ácido homogentísico polimerizado na derme. A inibição da enzima homogentísico-oxidase por determinadas substâncias, como a hidroquinona, resultaria no acúmulo de ácido homogentísico, que quando polimerizado, gera acúmulos de pigmento ocre na derme papilar.2 A doença manifesta-se através de hiperpigmentação nas áreas fotoexpostas, tratadas previamente com agentes tópicos, de coloração amarronzada ou negro-azuladas, apresentando-se desde máculas até lesões papulonodulares.3 Dogliotti classificou as lesões de OE de acordo com a lesão elementar: estágio I - quando há eritema e leve hiperpigmentação; estágio II - quando há progressão da hiperpigmentação, surgimento de pápulas caviar-like e atrofia cutânea; e estágio III - com surgimento de lesões papulonodulares, com ou sem processo inflamatório.4 Os principais fatores de risco para o desenvolvimento da OE são: o uso prévio e prolongado de agentes tópicos, como a hidroquinona, os antimaláricos, a resorcina, a fenol e pacientes com o fototipo alto de Fitzpatrick.

RELATO DE CASOS

Três casos são descritos com diagnóstico clínico dermatoscópico e histopatológico, de ocronose exógena, decorrente do uso crônico de hidroquinona. Consideraram-se como achados dermatoscópicos de OE: a presença de estruturas amorfas de coloração cinza-enegrecido, algumas obliterando as aberturas foliculares.5 Os achados histológicos que confirmaram o diagnóstico de OE foram: as fibras de coloração ocre, em formato de "banana", a incontinência pigmentar e a elastose solar 6 (Figura 1).


Caso 1: Paciente do sexo feminino, 38 anos, fototipo V de Fitzpatrick, há cinco anos, em uso contínuo de formulação composta por hidroquinona 4%, tretinoína 0,05% e dexametasona 0,05%, para tratamento de melasma, na região malar e zigomática, evoluiu com presença de pápulas hipercrômicas acinzentadas, na região malar bilateralmente, tendo recebido diagnóstico clínico, histopatológico e dermatoscópico de OE, classificada como estágio 2 de Dogliotti (Figura 2).


Caso 2: Paciente do sexo feminino, 57 anos, fototipo IV de Fitzpatrick, há quatro anos em uso de creme contendo hidroquinona a 2%, para tratamento de melasma, na região malar, temporal e zigomática, evolui com presença de pápulas hipercrômicas de coloração cinza-azulado conferindo aspecto moteado, localizadas principalmente em região malar bilateralmente e máculas hipocrômicas arredondadas e algumas pápulas eritematosas também estavam presentes na mesma região. Recebeu o diagnóstico clínico de leucodermia em confeti e de ocronose exógena. Este foi confirmado pela dermatoscopia e histopatologia. A OE foi classificada como estágio 3 de Dogliotti (Figura 3).


Caso 3: Paciente do sexo feminino, 45 anos, fototipo III de Fitzpatrick, há três anos em uso irregular de cremes contendo hidroquinona de 4% a 6% para tratamento de melasma, na região malar. Evolui com mancha hipercrômica de coloração cinza-acastanhado e formação de manchas hipercrômicas de coloração castanho escuro, em região malar bilateralmente. Recebeu o diagnóstico clínico, dermatoscópico e histológico de OE, classificada como estágio 1 de Dogliotti (Figura 4).


Nenhuma das pacientes apresentava sintomas ou sinais clínicos de ocronose endógena, tais como: urina escura, pigmentação de esclera e axilas ou alterações articulares.7

DISCUSSÃO

A ocronose exógena acomete, principalmente, pacientes com alto fototipo (IV, V e VI) de Fitzpatrick, após uso crônico (período superior a seis meses) de determinados agentes de uso tópico, tais como: os antimaláricos, o mercúrio, o quinino, a resorcina, o fenol e a hidroquinona, especialmente, se usados em altas concentrações e de forma não supervisionada por profissional médico. 8 As outras complicações do uso crônico da hidroquinona incluem: a despigmentação em cofeti, a alteração da elasticidade da pele e o retardo na cicatrização. 9

Nos casos relatados, todas utilizaram a hidroquinona, com tempo médio de tratamento de 4 anos (3 a 5 anos) e concentração média de 4% (6% a 2%). Alguns relatos descrevem casos de OE com uso de concentrações de hidroquinona a 2%, sugerindo que, em alguns pacientes, a concentração da substância não é o fator de risco mais importante.10,11 A alta prevalência de desordens pigmentares, em pacientes com fototipo alto de Fitzpatrick, seria um dos fatores para o maior número de casos descritos nesta população; porém, há relato de casos em pacientes com descendência asiática e caucasianas.12

O diagnóstico clinico da OE pode ser desafiador, principalmente, quando ocorre de forma concomitante à outra desordem pigmentar, o que implica na necessidade de confirmação diagnóstica. A histopatologia, ao demonstrar a presença de fibras de coloração ocre em formato de banana, ainda é o padrão ouro para o diagnóstico desta dermatose.6 Em todos os casos relatados, o melasma estava presente e o surgimento da ocronose exógena se deu durante a evolução clínica. A mudança do padrão clínico, percebido pelas pacientes, foi a motivação para a procura de nova consulta dermatológica.

A dermatoscopia tem se mostrado uma ferramenta útil no diagnóstico não invasivo de diversas patologias, dentre elas a OE.5 Nossa análise dermatoscópica possibilitou diferenciar a área de melasma e de OE. Nesta, observamos as estruturas amorfas de coloração cinza-enegrecido, algumas obliterando as aberturas foliculares. Por outro lado, na área do melasma, é possível observar um padrão reticular de coloração acastanhada (Figura 5). Estes achados foram semelhantes aos encontrados por Berman et al. 13


Várias opções terapêuticas são descritas para o tratamento da OE, como: ácido retinoico, ácido glicólico, ácido azeláico, Q-switched (755nm) laser, porém todas com resultados pouco satisfatórios.10,14 Como maior parte dos casos de OE são iatrogênicos, decorrentes do uso inadequado da hidroquinona para o tratamento do melasma, os dermatologistas devem estar atentos, não somente para a prevenção, mas também para o diagnóstico precoce da OE. Como existem poucos relatos do uso da dermatoscopia, no auxílio diagnóstico da OE, os autores apresentam 3 casos onde a dermatoscopia foi eficaz na diferenciação entre o melasma pré-existente e a ocronose exógena.

Recebido em 25.07.2010.

Aprovado pelo Conselho Consultivo e aceito para publicação em 21.10.2010

Conflito de interesse: Nenhum

Suporte financeiro: Nenhum

  • 1
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  • 2
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  • 3
    Levin CY, Maibac H. Exogenous ochronosis and update on clinical features, causative agents and treatment options. Am J Clin Dermatol. 2001;2:213-7.
  • 4
    Dogliotti M, Leibowitz M. Granulomatous Ochronosis a Cosmetic-Induced Skin Disorder in Blacks. S Afr Med J. 1970;9:757-60.
  • 5
    Charlín R, Barcaui CB, Kac BK, Soares DB, Rabello-Fonseca R, Azulay-Abulafia L. Hydroquinone-induced exogenous ochronosis: a report of four cases and useful ness of dermoscopy. Int J Dermatol. 2008;47:19-23.
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  • 14
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  • Endereço para correspondência:
    Sandra Adolfina Reyes Romero
    Rua Alexandre magno, q. 01, c. 14, Shangrila 4 - Pq 10
    Manaus - AM 69054 723
    E-mail:
  • *
    Trabalho realizado no Hospital Universitário Getúlio Vargas - Universidade Federal do Amazonas (HUGV - UFAM) - Manaus (AM), Brasil.
  • Datas de Publicação

    • Publicação nesta coleção
      08 Nov 2011
    • Data do Fascículo
      Ago 2011

    Histórico

    • Recebido
      25 Jul 2010
    • Aceito
      21 Out 2010
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