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Caso familiar de nevo branco esponjoso oral: uma rara condição hereditária

Resumos

O nevo branco esponjoso é uma desordem autossômica dominante, caracterizada por placas brancas difusas, rugosas, que afetam principalmente a mucosa bucal. A condição tem um alto grau de penetrância e expressividade variada, embora os relatos familiais sejam incomuns. Este artigo relata um caso familiar de nevo branco esponjoso em que duas irmãs são afetadas por esta condição

Leucoceratose da mucosa hereditária; Mucosa bucal; Nevo


White sponge nevus (WSN) is an autosomal dominant skin disorder characterized by white, corrugated and diffuse plaques mainly affecting the oral mucosa. The condition has a high penetrance and variable expressivity, but familial reports are uncommon. This report presents a familial case of WSN in which two sisters are affected by the disorder

Leukokeratosis; Hereditary mucosal; Oral mucosa; Nevus


CASO CLÍNICO

Caso familiar de nevo branco esponjoso oral : uma rara condição hereditária* * Trabalho realizado na Universidade Federal de Sergipe (UFS) - São Cristóvão (SE), Brasil.

Paulo Ricardo Saquete Martins FilhoI; Bernardo Ferreira BrasileiroII; Marta Rabello PivaIII; Cléverson Luciano TrentoIV; Thiago de Santana SantosV

IMestre em Ciências da Saúde pelo Núcleo de Pós-Graduação em Medicina da Universidade Federal de Sergipe (UFS) - Doutorando em Ciências da Saúde pelo Núcleo de Pós-Graduação em Medicina da Universidade Federal de Sergipe (UFS) - São Cristóvão (SE), Brasil

IIDoutor em Cirurgia e Traumatologia Buco-Maxilo-Facial pela Faculdade de Odontologia de Piracicaba da Universidade Estadual de Campinas (FOP - UNICAMP) - Professor da disciplina de Diagnóstico Oral do Departamento de Odontologia da Universidade Federal de Sergipe (UFS) - São Cristóvão (SE), Brasil

IIIDoutora em Patologia Bucal pela Universidade Federal do Rio Grande do Norte (UFRN) - Professora da disciplina de Patologia Bucal do Departamento de Odontologia da Universidade Federal de Sergipe (UFS) - São Cristóvão (SE), Brasil

IVDoutor em Estomatologia pela Faculdade de Odontologia de Araçatuba da Universidade Estadual Paulista "Júlio de Mesquita Filho" (FOAR - UNESP) - Professor da disciplina de Diagnóstico Oral do Departamento de Odontologia da Universidade Federal de Sergipe (UFS) - São Cristóvão (SE), Brasil

VMestre em Cirurgia e Traumatologia Buco-Maxilo-Facial pela Faculdade de Odontologia de Pernambuco (FOP/UPE) - Doutorando em Cirurgia Buco-Maxilo-Facial da Faculdade de Odontologia de Ribeirão Preto da Universidade de São Paulo (FORP - USP) - São Paulo (SP), Brasil

Endereço para correspondência Endereço para correspondência: Paulo Ricardo Saquete Martins Filho Universidade Federal de Sergipe, Departamento de Odontologia Rua Cláudio Batista, s/n - Sanatório 49060 100 Aracaju SE - Brasil E-mail: saqmartins@hotmail.com

RESUMO

O nevo branco esponjoso é uma desordem autossômica dominante, caracterizada por placas brancas difusas, rugosas, que afetam principalmente a mucosa bucal. A condição tem um alto grau de penetrância e expressividade variada, embora os relatos familiais sejam incomuns. Este artigo relata um caso familiar de nevo branco esponjoso em que duas irmãs são afetadas por esta condição.

Palavras-chave: Leucoceratose da mucosa hereditária; Mucosa bucal; Nevo

INTRODUÇÃO

O nevo branco esponjoso (NBE) é uma desordem autossômica dominante, descrita pela primeira vez por Hyde, em 1909, e identificada formalmente por Cannon em 1935.1,2 Clinicamente, a doença é caracterizada pela presença de placas brancas, rugosas e difusas na mucosa bucal.3 Em alguns pacientes, sítios extraorais, como a membrana mucosa da cavidade nasal, esôfago, reto e vagina, são afetados. As manifestações clínicas tendem a aparecer em idade precoce e as mulheres são mais afetadas do que os homens, em uma proporção de 3:1.4 NBE tem um alto grau de penetrância e uma variada expressividade, embora os relatos familiais sejam incomuns.5 Este artigo apresenta um caso familiar de NBE em que duas irmãs são afetadas pela doença.

RELATO DE CASO

Duas irmãs, uma de 15 e outra de 13 anos de idade, foram atendidas, queixando-se da presença de placas brancas assintomáticas, rugosas e difusas, de etiologia e evolução desconhecidas, localizadas bilateralmente na mucosa jugal, mucosa do lábio superior, gengiva e superfície ventral da língua (Figuras 1A e 2A). Uma revisão da história familiar revelou que a mãe das adolescentes apresentava lesões similares em sua boca, confirmadas através de exame clínico, sugerindo a presença de uma desordem autossômica dominante. Em nenhum dos casos, havia relato da presença das lesões em outros sítios do corpo. A história médica revelou não haver qualquer tipo de alteração de ordem sistêmica. Citologia esfoliativa foi realizada nas duas adolescentes, demonstrando a presença de condensação perinuclear eosinofílica das células epiteliais. Biópsia incisional foi realizada na mucosa jugal e os espécimes removidos, enviados para análise histopatológica. Para ambos os casos, havia a presença de hiperparaceratose e acantose com vacuolização dos ceratinócitos nas camadas suprabasais (Figuras 1B,C e 2B,C). Uma vez confirmado o diagnóstico de NBE, nenhum tratamento foi instituído e as pacientes continuam sob acompanhamento.




DISCUSSÃO

O NBE é considerado uma rara desordem, afetando uma a cada 200.000 pessoas.6 De acordo com alguns autores, esta condição tem sido relacionada a mutações nos genes K4 e K13, caracterizando-se por defeitos na maturação e descamação das células epiteliais.5,7 Segundo Terrinoni et al.,7 a expressão do NBE é bastante variável, bem como o tamanho das placas e sua distribuição na mucosa bucal. Em nosso relato, ambas as irmãs apresentaram lesões similares e com a mesma distribuição na mucosa bucal, sugerindo que os membros afetados da mesma família podem ter o mesmo padrão de expressividade.

Comumente, as lesões surgem até a adolescência, com ampla predileção pela mucosa jugal, seguida da superfície ventral da língua, mucosa labial, rebordo alveolar e assoalho da boca.7,8 Em nosso relato, a condição foi encontrada na adolescência e a mucosa jugal e o ventre da língua foram afetados em ambos os casos. A ausência de dor também é uma importante característica clínica nos pacientes com NBE.4

O diagnóstico diferencial é feito com outras condições que se apresentam como lesões brancas na mucosa bucal e incluem as genodermatoses e condições adquiridas, como o leucoedema, linha alba, mucosa mordiscada, ceratose folicular, disceratose congênita, paquioníquia congênita, hiperplasia epitelial focal, lúpus eritematoso discoide, pioestomatite vegetante, leucoplasia verrucosa proliferativa, papilomatose oral florida, placas mucosas da sífilis, candidose, leucoplasia, ceratose friccional e até mesmo o carcinoma de células escamosas.9 Entretanto, o diagnóstico diferencial mais relevante do nevo branco esponjoso é feito com o líquen plano de mucosa (especialmente as variantes reticular e em placa), uma vez que ambas as lesões têm a mucosa jugal como sítio de predileção e se apresentam, geralmente, de forma bilateral.10 Em nosso relato de caso, contudo, a hereditariedade foi um fator determinante na montagem do diagnóstico, assim como a idade em que as pacientes se apresentavam, já que as lesões de líquen plano usualmente são observadas entre a quarta e a sexta décadas de vida. 11

Os achados histológicos são característicos, mas não patognomônicos.9 A história familiar induz ao diagnóstico definitivo.3 Em relação aos testes diagnósticos, Messadi et al.9 afirmaram que a citologia esfoliativa das células epiteliais mostra a condensação perinuclear característica melhor do que os cortes histológicos. As características histológicas do NBE incluem acantose, hiperparaceratose e vacuolização dos ceratinócitos nas camadas suprabasais.12 De fato, o diagnóstico de NBE no presente relato foi suportado por meio da história familiar, bem como pelos achados citológicos e histológicos.

Embora nenhum tipo de tratamento seja necessário para esta condição, remissões parciais têm sido documentadas com o uso de antibióticos sistêmicos.13 Entretanto, em nosso relato, a conduta de escolha foi o acompanhamento das pacientes.

Em suma, o presente relato descreve um caso familiar de NBE em que a doença é transmitida como uma herança autossômica dominante com completa penetrância. Em adição, nós concluímos que a história familiar e a análise citológica e histológica são particularmente necessárias para o correto diagnóstico desta condição, evitando tratamentos desnecessários.

Recebido em 18.01.2011.

Aprovado pelo Conselho Consultivo e aceito para publicação em 15.03.2011.

Conflito de interesse: Nenhum

Suporte financeiro: Nenhum

  • 1
    Hyde JN. An unusual naevus of the tongue in a five-year-old boy. J Cut Dis. 1909;27:256.
  • 2
    Cannon AB. White sponge nevus of the mucosa (nevus spongious albus mucosa). Arch Dermatol Syphilol. 1935;31:365-70.
  • 3
    Maia MMT, Florião RA. Nevo branco esponjoso da mucosa. An Bras Dermatol. 1978;53:173-82.
  • 4
    Quintella C, Janson G, Azevedo LR, Damante JH. Orthodontic therapy in a patient with white sponge nevus. Am J Orthod Dentofacial Orthop. 2004;125:497-9.
  • 5
    Shibuya Y, Zhang J, Yokoo S, Umeda M, Komori T. Constitutional mutation of keratin 13 gene in familial white sponge nevus. Oral Surg Oral Med Oral Pathol Oral Radiol Endod. 2003;96:561-5.
  • 6
    Greenberg MS, Glick M, Ship JA. Burket's oral medicine. 11th ed. India: BC Decker, 2008; p.105.
  • 7
    Terrinoni A, Candi E, Oddi S, Gobello T, Camaione DB, Mazzanti C, et al. A glutamine insertion in the 1A alpha helical domain of the keratin 4 gene in a familial case of white sponge nevus. J Invest Dermatol. 2000;114:388-91.
  • 8
    Terezhalmy GT, Riley CK. White Sponge Nevus. Quint Int. 1999;30:508.
  • 9
    Messadi DV, Waibel JS, Mirowski GW. White lesions of the oral cavity. Dermatol Clin. 2003;21:63-78.
  • 10
    Scully C, Carrozo M. Oral mucosal disease: lichen planus. Br J Oral Maxillofac Surg. 2008;46:15-21.
  • 11
    Parashar P. Oral lichen planus. Otolaryngol Clin North Am. 2011;44:89-107.
  • 12
    Martelli H Jr, Pereira SM, Rocha TM, Nogueira dos Santos PL, Batista de Paula AM, Bonan PR. White sponge nevus: report of a three-generation family. Oral Surg Oral Med Oral Pathol Oral Radiol Endod. 2007;103:43-7.
  • 13
    Rodriguez-Serna M, Pérez A, Febrer I, Botella-Estrada R, Aliaga A. White sponge nevus. Seven cases in the same family. J Eur Acad Dermatol Venereol. 1995;4:283-8.
  • Endereço para correspondência:
    Paulo Ricardo Saquete Martins Filho
    Universidade Federal de Sergipe, Departamento de Odontologia
    Rua Cláudio Batista, s/n - Sanatório
    49060 100 Aracaju SE - Brasil
    E-mail:
  • *
    Trabalho realizado na Universidade Federal de Sergipe (UFS) - São Cristóvão (SE), Brasil.
  • Datas de Publicação

    • Publicação nesta coleção
      08 Nov 2011
    • Data do Fascículo
      Ago 2011

    Histórico

    • Aceito
      15 Mar 2011
    • Recebido
      18 Jan 2011
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