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Ceratose pilar e ulerythema ophryogenes em mulher com monossomia do braço curto do cromosomo 18

Resumos

A monossomia parcial do braço curto do cromosomo 18 (síndrome do 18p) caracteriza-se, principalmente, por atraso na aquisição da fala, retardo mental leve a moderado e baixa estatura. Relatamos o caso de uma paciente com esta síndrome associada à ceratose pilar extensa e ulerythema ophryogenes. Este é o quarto relato de caso que descreve tal associação, que desperta considerável interesse porque pode revelar uma região candidata a sede de genes responsáveis pela queratinização folicular

Ceratose; Cromossomos humanos par 18; Deleção cromossômica


Partial monosomy of the short arm of chromosome 18 (18p- syndrome) is characterized mainly by speech delay, mild to moderate mental retardation and short stature. We describe a patient with the 18psyndrome and widespread severe keratosis pilaris and ulerythema ophryogenes. This is the fourth case in which such an association has been reported. This association is of considerable interest because it may uncover a candidate genomic region and help to identify the gene responsible for follicular keratinization

Chromosome deletion; Chromosomes, human, pair 18; Keratosis


CASO CLÍNICO

Ceratose pilar e ulerythema ophryogenes em mulher com monossomia do braço curto do cromosomo 18* * Trabalho realizado no Complexo Hospitalar Santa Casa de Misericórdia de Porto Alegre - Porto Alegre (RS), Brasil.

Charles André CarvalhoI; André Vicente Esteves de CarvalhoII; Andrea KissIII; Giorgio PaskulinIV; Fernanda Mendes GötzeV

IResidência em Clínica Médica - Médico-residente do Serviço de Dermatologia do Complexo Hospitalar Santa Casa de Misericórdia de Porto Alegre - Porto Alegre (RS), Brasil

IIMestre - Preceptor do Serviço de Dermatologia do Complexo Hospitalar Santa Casa de Misericórdia de Porto Alegre - Porto Alegre (RS), Brasil

IIIMestre - Médica geneticista da Universidade Federal de Ciências da Saúde de Porto Alegre (UFCSPA) - Porto Alegre (RS), Brasil

IVDoutor - Médico geneticista da Universidade Federal de Ciências da Saúde de Porto Alegre (UFCSPA) - Porto Alegre (RS), Brasil

VMédica - Pós-graduanda em Dermatologia na Pontifícia Universidade Católica do Rio Grande do Sul (PUCRS) - Porto Alegre (RS), Brasil

Endereço para correspondência Endereço para correspondência: Charles André Carvalho Quadra 210 - Lote 06 - Bloco A - Apartamento 903 Águas Claras 71931 000 Brasília DF - Brasil e-mail: cac1305@yahoo.com.br

RESUMO

A monossomia parcial do braço curto do cromosomo 18 (síndrome do 18p) caracteriza-se, principalmente, por atraso na aquisição da fala, retardo mental leve a moderado e baixa estatura. Relatamos o caso de uma paciente com esta síndrome associada à ceratose pilar extensa e ulerythema ophryogenes. Este é o quarto relato de caso que descreve tal associação, que desperta considerável interesse porque pode revelar uma região candidata a sede de genes responsáveis pela queratinização folicular.

Palavras-chave: Ceratose; Cromossomos humanos par 18; Deleção cromossômica

INTRODUÇÃO

A monossomia do braço curto do cromosomo 18 (síndrome do 18p) resulta da ausência de parte ou de todo o braço curto do cromosomo 18, apresentando incidência estimada de 1:50.000 nascidos vivos, o que a coloca entre as anomalias cromosômicas mais comuns. Descrita inicialmente em 1963 por Grouchy,1 foi o primeiro exemplo de uma anomalia cromosômica parcial compatível com a vida. As manifestações clínicas apresentam grande variabilidade entre os pacientes e o diagnóstico pode não ser aparente ao nascimento em grande parte dos casos. Dentre os achados mais frequentes, destacam-se retardo mental de intensidade variável, atraso na aquisição da fala e baixa estatura. Com menor frequência, aparecem as dismorfias craniofaciais. Em aproximadamente dois terços dos casos, a deleção é do tipo de novo. A transmissão familiar da deleção 18p de um progenitor para um filho já foi descrita em seis famílias. Uma revisão ampla desta síndrome foi recentemente publicada por Turleau.2

A associação entre esta síndrome e a genodermatose ceratose pilar/ulerythema ophryogenes foi relatada inicialmente em 1994 por Zouboulis et al 3 e, posteriormente, reforçada por outros dois relatos de caso.4,5 Este fato chamou a atenção para a possível localização de genes responsáveis pela queratinização folicular no braço curto do cromosomo 18. Descrevemos aqui um caso de ceratose pilar/ ulerythema ophryogenes em paciente com a síndrome do 18p.

RELATO DO CASO

Paciente do sexo feminino, com 19 anos de idade, encaminhada do Ambulatório de Genética Médica para avaliação dermatológica. Desde os oito anos de idade, tem o diagnóstico da síndrome do 18p. É a terceira filha de um casal saudável e não-consanguíneo. A gestação transcorreu sem intercorrências e as suas duas irmãs são hígidas. Nasceu a termo, pesando 3.320 g (percentil 50) e medindo 49 cm (percentil 25). Apresentou desenvolvimento motor normal na infância. Ao final do primeiro ano de vida, observou-se importante atraso na aquisição da fala, achado que motivou o início da investigação que levaria ao diagnóstico da síndrome do 18p. Em sua história médica, apresentou rubéola aos 2 anos de idade, asma (cujos sintomas cessaram em torno dos 7 anos de idade) e hipotireoidismo, atualmente em tratamento com levotiroxina.

O cariótipo de alta resolução foi 46,XX, del(18)(p11.1p11.32), demonstrando a deleção completa do braço curto do cromosomo 18. Não foram observadas outras alterações. O cariótipo dos pais é normal.

Aos 19 anos, apresenta estatura de 144,5 cm (inferior ao percentil 3), perímetro cefálico de 54,5 (percentil 25-50) e peso de 41,5 kg (inferior ao percentil 3). Ao exame dismorfológico, apresenta fendas palpebrais oblíquas para baixo, fosseta pré-auricular à esquerda, palato em ogiva e pescoço curto (Figuras 1 e 2). Avaliação cardiológica, incluindo ecocardiograma, foi normal. Ecografia abdominal mostrou-se sem alterações. Ecografia pélvica demonstrou a presença de um septo uterino. A menarca e o surgimento das características sexuais secundárias ocorreram em idade adequada e seus ciclos menstruais são regulares. Apresenta retardo mental de grau leve, cursando o ensino médio em escola normal.



Ao exame dermatológico, apresenta pápulas foliculares hiperceratóticas pequenas (medindo entre 1 e 2 mm de diâmetro), distribuídas uniformemente no dorso, tórax anterior, abdômen, pescoço, membros superiores e membros inferiores (Figura 3). Na face, apresenta eritema com pequenas pápulas foliculares hiperceratóticas distribuídas simetricamente nas regiões malares e masseterianas, além da fronte e do mento (Figura 4). A pele mostra-se áspera ao toque em todos estes locais. O couro cabeludo, as palmas e as plantas são poupados. As alterações cutâneas são descritas desde o nascimento e apresentaram piora significativa durante a adolescência. Biópsia de pele com punch foi realizada na região lombar, demonstrando hiperceratose na região superior do infundíbulo folicular e discreto infiltrado inflamatório inespecífico (Figura 5).




A paciente foi tratada com agentes queratolíticos tópicos com modesta melhora.

DISCUSSÃO

A ceratose pilar, quando limitada a locais típicos (face superior externa dos braços e coxas), é uma condição benigna extremamente comum. Embora não tenha etiologia claramente definida, é descrita frequentemente em associação a outras condições causadoras de xerodermia, como ictiose vulgar e dermatite atópica. A fisiopatologia baseia-se na excessiva queratinização folicular geneticamente determinada. No caso aqui relatado, a ceratose pilar afeta a maior parte da superfície corporal e é acompanhada de ulerythema ophryogenes, desordem rara que afeta principalmente crianças e adultos jovens. Esta última caracteriza-se por pápulas faciais ceratóticas e inflamatórias sobre fundo eritematoso. Sua patogênese permanece desconhecida e foi descrita em associação a outras condições, como a síndrome de Noonan.

Os achados clínicos e citogenéticos permitem juntar o presente caso aos três relatos prévios de associação entre a síndrome do 18p e ceratose pilar/ulerythema ophryogenes, reforçando a hipótese de que a queratinização folicular possa estar sob controle, em proporção a ser esclarecida, de gene(s) localizado(s) no braço curto do cromosomo 18. Considerando que a maioria dos pacientes com esta anomalia cromosômica não apresenta ceratose pilar nem ulerythema ophryogenes, aventa-se a possibilidade de que as alterações dermatológicas nos pacientes relatados devam-se à expressão fenotípica de uma mutação recessiva, a qual só estaria sendo expressa pela perda do alelo selvagem contido na porção deletada do braço curto do cromosomo18.

Recebido em 25.10.2010.

Aprovado pelo Conselho Consultivo e aceito para publicação em 21.12.2010

Conflito de interesse: Nenhum

Suporte financeiro: Nenhum

  • 1
    de Grouchy J, Lamy M, Thieffry S, Arthuis M, Salmon CH. Dysmorphie complexe avec oligophrenie: deletion des bras courts d'un chromosome 17-18. C R Acad Sci. 1963;258:1028-9.
  • 2
    Turleau C: Monosomy 18p. Orphanet J Rare Dis. 2008;3:4.
  • 3
    Zouboulis CC, Stratakis CA, Rinck G, Wegner RD, Gollnick H, Orfanos CE. Ulerythema ophryogenes and keratosis pilaris in a child with monosomy 18p. Pediatr Dermatol. 1994;11:172-5.
  • 4
    Fiorentini C, Bardazzi F, Bianchi T, Patrizi A. Keratosis pilaris in a girl with monosomy 18p. J Eur Acad Dermatol Venereol. 1999;12(Suppl2):S221.
  • 5
    Nazarenko SA, Ostroverkhova NV, Vasiljeva EO, Nazarenko LP, Puzyrev VP, Malet P, et al. Keratosis pilaris and ulerythema ophryogenes associated with an 18p deletion caused by a Y/18 translocation. Am J Med Genet. 1999;85:179-82.
  • Endereço para correspondência:
    Charles André Carvalho
    Quadra 210 - Lote 06 - Bloco A - Apartamento 903 Águas Claras
    71931 000 Brasília DF - Brasil
    e-mail:
  • *
    Trabalho realizado no Complexo Hospitalar Santa Casa de Misericórdia de Porto Alegre - Porto Alegre (RS), Brasil.
  • Datas de Publicação

    • Publicação nesta coleção
      08 Nov 2011
    • Data do Fascículo
      Ago 2011

    Histórico

    • Recebido
      25 Out 2010
    • Aceito
      21 Dez 2010
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