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Pênfigo foliáceo endêmico refratário na adolescência: sucesso terapêutico com imunoglobulina intravenosa

Resumos

O Pênfigo Foliáceo Endêmico é doença bolhosa autoimune crônica da pele. Geralmente, o tratamento com prednisona tem excelente resposta, mas existem formas refratárias, sendo necessária terapêutica alternativa. Apresentamos paciente adolescente masculino, com diagnóstico clínico-patológico de pênfigo foliáceo, com forma clínica eritrodérmica grave e refratária a várias terapêuticas, que apresentou evolução satisfatória com imunoglobulina intravenosa. Destaca-se, neste relato, o fato de tratar-se de um paciente adolescente que obteve melhora clínica substancial com imunoglobulina intravenosa e remissão completa da doença, após o quarto ciclo da medicação, possibilitando redução da dose do corticoide e de seus efeitos colaterais

Dermatopatias vesiculobolhosas; Imunoglobulinas intravenosas; Pênfigo


Endemic Pemphigus Foliaceous is a chronic autoimmune bullous skin disease. Treatment with prednisone often produces excellent results, but resistant forms exist, requiring alternative therapy. Alternative treatments have been used in cases of corticosteroid-refractory pemphigus, showing favorable results. This case study focuses on an adolescent male with a clinical-pathological diagnosis of pemphigus foliaceous with a severe clinical form of erythrodermis, unresponsive to multiple therapies, but which showed a satisfactory outcome with intravenous immunoglobulin. In this case we highlight the fact that the patient was a teenager who showed substantial clinical improvement as the result of using intravenous immunoglobulin, followed by complete remission after the fourth cycle of medication, allowing reduced doses of steroids and a consequent reduction of side effects

Skin vesiculobullous; Intravenous immunoglobulins; Pemphigus


CASO CLÍNICO

Pênfigo foliáceo endêmico refratário na adolescência : sucesso terapêutico com imunoglobulina intravenosa* * Trabalho realizado em clínica privada - Curitiba (PR), Brasil.

Talita Alves TeixeiraI; Fernanda Coelho Barbosa da Cruz FioriI; Marilene Chaves SilvestreII; Camilla de Barros BorgesII; Vanessa Gomes MacielIII; Mauricio Barcelos CostaIV

IMédica residente - Serviço de Dermatologia Prof. Aiçar Chaul - Hospital das Clínicas da Universidade Federal de Goiás (HC-UFG) - Goiânia (GO), Brasil

IIMestre em Medicina Tropical pelo Instituto de Patologia Tropical e Saúde Pública - Universidade Federal de Goiás (IPTSP - UFG) - Professora Assistente do serviço de dermatologia do Hospital das Clínicas da Universidade Federal de Goiás (HC-UFG) - Goiânia (GO), Brasil

IIIProfessora voluntária do serviço de dermatologia do Hospital das Clínicas da Universidade Federal de Goiás (HC-UFG) - Goiânia (GO), Brasil

IVMestre em Doenças Infecciosas e Parasitárias - Doutorando do Instituto de Patologia Tropical e Saúde Pública - Universidade Federal de Goiás (IPTSP - UFG) Professor de Patologia da Faculdade de Medicina da Universidade Federal de Goiás (FM - UFG) - Chefe do Departamento de Patologia, Radiologia e Diagnósticos por Imagem do Hospital das Clínicas da Universidade Federal de Goiás (HC-UFG) - Goiânia (GO), Brasil

Endereço para correspondência Endereço para correspondência: Talita Alves Teixeira Primeira Avenida, s/n - Setor Leste Universitário 74.605 020 Goiânia Goiás (GO) E-mail: talitateixeira@hotmail.com

RESUMO

O Pênfigo Foliáceo Endêmico é doença bolhosa autoimune crônica da pele. Geralmente, o tratamento com prednisona tem excelente resposta, mas existem formas refratárias, sendo necessária terapêutica alternativa. Apresentamos paciente adolescente masculino, com diagnóstico clínico-patológico de pênfigo foliáceo, com forma clínica eritrodérmica grave e refratária a várias terapêuticas, que apresentou evolução satisfatória com imunoglobulina intravenosa. Destaca-se, neste relato, o fato de tratar-se de um paciente adolescente que obteve melhora clínica substancial com imunoglobulina intravenosa e remissão completa da doença, após o quarto ciclo da medicação, possibilitando redução da dose do corticoide e de seus efeitos colaterais.

Palavras-chave: Dermatopatias vesiculobolhosas; Imunoglobulinas intravenosas; Pênfigo

INTRODUÇÃO

O Pênfigo Foliáceo Endêmico (PFE) é doença bolhosa autoimune crônica da pele, também conhecida como Fogo Selvagem. Este termo faz referência à expressão popular fogo selvagem, usada pela população para identificar a sensação de calor e ardência característica da doença. Caracteriza-se, histopatologicamente, pela formação de bolhas intraepidérmicas com acantólise e, imunologicamente, por autoanticorpos antiepiteliais dirigidos contra os espaços intercelulares da epiderme, responsáveis pelo surgimento das lesões cutâneas.1, 2

O PFE inicia-se apresentando bolhas superficiais que se rompem facilmente deixando erosões, com escamas e crostas finas e aderentes. Geralmente, ocorre na face, pescoço e parte superior do tronco - forma frusta ou localizada. A doença dissemina, no sentido crânio-caudal, de forma gradual, durante semanas ou meses, podendo evoluir para a forma generalizada, tendo sua expressão máxima na eritrodermia. Nesta fase, as complicações com as infecções secundárias diversas são comuns.3

No tratamento do PFE, a principal droga utilizada é a prednisona, na dose de 1 a 2 mg/kg/dia, geralmente com controle da doença. Outras medicações podem ser utilizadas como adjuvantes ou poupadoras de corticosteroide, tais quais: azatioprina, ciclofosfamida, ciclosporina, metotrexate, micofenolato mofetil, antimaláricos e dapsona.3-6 Em quadros mais intensos, podem ser utilizados esquemas de pulsoterapia com corticosteroide, sendo metilprednisolona a primeira opção, ou associações de medicações como dexametasona e ciclofosfamida.7 Nos casos refratários e não responsivos a corticosteroides sistêmicos e outros imunossupressores, há indicação de imunobiológicos e imunoglobulina intravenosa (IgIV).8-10

Os autores relatam um caso de paciente adolescente, com quadro inicial típico de PFE, evolução rápida para forma eritrodérmica grave, refratária a vários esquemas terapêuticos propostos, inclusive imunobiológicos, e que apresentou sucesso terapêutico com IgIV.

RELATO DE CASO

Paciente do sexo masculino,13 anos, procedente de Valparaíso-GO, relata, há quatro meses, surgimento de bolhas frágeis, de evolução crânio-caudal e com piora, há um mês, da admissão, sendo realizada biópsia, cujo exame histopatológico evidenciou epiderme exibindo bolha acantolítica, cujo teto é constituído por queratina e porção da camada granulosa e o assoalho pela camada espinhosa, tendo em seu interior típicas células acantolíticas, confirmando a hipótese clínica de pênfigo foliáceo (Figuras 1 e 2). Foi realizado Imunofluorescência direta, que foi negativa. A Imunofluorescência indireta não foi realizada por dificuldades técnicas no serviço.



O paciente foi tratado com prednisona, na dose de 1 mg/Kg/dia chegando a 2 mg/kg/dia, sem melhora do quadro cutâneo. Posteriormente, foi associada à dapsona 100mg/dia, que foi suspensa, após 1 semana de uso por anemia hemolítica e aumento de transaminases. Tentou-se ainda o uso do micofenolato mofetil 1,5g/dia, juntamente com prednisona, entretanto, o mesmo foi interrompido após 1 mês por falta de disponibilidade desta medicação no serviço. Neste período, ainda não havia sido observado nenhuma resposta clínica.

Desde o início do quadro, o paciente evoluiu com infecção secundária, com pouca resposta a antibióticos de cobertura para pele, o que contribuiu para agravamento do quadro cutâneo, o qual progrediu para a forma eritrodérmica (Figura 3). Foram realizadas, no total, 14 hemoculturas com antibiogramas, todas positivas para S.aureus MR, e a terapia foi guiada por essas hemoculturas, porém o paciente persistia com quadro de eritrodermia, febre e taquicardia, a despeito do bom estado geral. Feito também prova terapêutica para infecção fúngica, em razão de as áreas de maceração em dobras sugestivas de candidíase, sendo utilizado fluconazol 150 mg/dia, via oral, por 10 dias, sem regressão do quadro. Assumido então como contaminação pela equipe da infectologia, e iniciada terapêutica com rituximabe 575 mg intravenoso, em ciclos semanais. Ao final da 5ª dose, o paciente persistiu com eritrodermia, quando se optou por iniciar IgIV 2g/kg/ciclo, em doses mensais. E, já no segundo ciclo, houve significativa melhora clínica, com várias áreas de pele sã e algumas lesões residuais de aspecto verrucoso. No total, foram realizados quatro ciclos mensais de IgIV e, paralelamente, a dose do corticosteroide oral foi reduzida lenta e progressivamente. Atualmente, o paciente está sem corticosteroide oral, com melhora total do quadro clínico e sem sinais de recidiva, e, há 8 meses, sem uso de imunoglobulina (Figura 4).



DISCUSSÃO

Antes da corticoterapia, não havia tratamento efetivo para os pênfigos, que, frequentemente, apresentavam evolução fatal. A evolução e a prognose dos pênfigos mudaram significativamente após introdução da corticoterapia.3 Embora incomuns, existem casos de pênfigos refratários ao tratamento convencional com corticoides e associações, e graças à raridade desta apresentação, não existem grandes estudos controlados e comparativos, mas apenas estudos clínicos, com número limitado de doentes e observações isoladas.9

O rituximabe é um anticorpo monoclonal antiCD20 aprovado pelo FDA para tratamento de linfoma não-Hodgkin e artrite reumatoide refratários. Existem alguns relatos de caso do uso do rituximabe, em pacientes com pênfigo, principalmente com pênfigo vulgar, refratários a corticoterapia e a imunossupressores, com resultados favoráveis. Em relação ao pênfigo foliáceo, existem poucos casos descritos,

FIGURA 4: Após 8 meses do último ciclo de IgIV e redução da dose do corticoide, apresentando remissão total das lesões e dos efeitos colaterais da corticoterapia sendo todos em adultos. No caso apresentado, apesar do uso do rituximabe, o paciente não evoluiu com melhora clínica e persistiu com eritrodermia.8

Em diversas doenças autoimunes, a IgIV é utilizada e seu uso, na dermatologia, está se tornando cada vez mais frequente. Na maioria dos casos, é utilizada em associação com outros imunossupressores e a dose média é de 2g/kg por ciclo mensal, até obtenção de um controle efetivo da doença. Existem algumas séries de casos descritas na literatura, com resultados clínicos bastante satisfatórios, além de possibilitar redução da dose do corticoide.9,10 No caso relatado, foi observada a melhora substancial após os primeiros ciclos e, praticamente, remissão completa da doença após o quarto ciclo, possibilitando redução da dose do corticoide, com consequente diminuição de seus efeitos colaterais e melhora da qualidade de vida do paciente.

Na literatura, existem poucos relatos de pacientes adolescentes com pênfigo foliáceo endêmico, sendo, este, um relato de caso bem sucedido com o uso de IgIV.

Recebido em 05.12.2010.

Aprovado pelo Conselho Consultivo e aceito para publicação em 29.01.2011.

Conflito de interesse: Nenhum

Suporte financeiro: Nenhum

  • 1
    Cunha PR, Barraviera SRCS. Dermatoses bolhosas autoimunes. An Bras Dermatol. 2009;84:111-24.
  • 2
    Campbell I, Reis V, Aoki V, Cunha P, Hans Filho G, Alves G, et al. Pênfigo foliáceo endêmico: fogo selvagem. An Bras Dermatol. 2001;76:13-33.
  • 3
    Sampaio SAP, Rivitti EA. Erupções vésico-bolhosas. In: Sampaio SAP, Rivitti EA, editors. Dermatologia. São Paulo: Artes Médicas; 2007. p. 301-14.
  • 4
    Empinotti JC. Pênfigo foliáceo endêmico. In: Ramos-e-Silva M, Castro MCR, editors. Fundamentos de dermatologia. Rio de Janeiro: Atheneu; 2009. p. 617-33.
  • 5
    Stanley JR. Pênfigos. In: Freedberg IM, Eisen AZ, Wolff K, Austen KF, Goldsmith LA, Katz SI, Fitzpatrick TB, editors. Tratado de Dermatologia. Rio de Janeiro: Revinter; 2005. p. 654-66.
  • 6
    Mimouni D, Anhalt GJ, Cummins DL, Kouba DJ, Thorne JE, Nousari HC. Treatment of pemphigus vulgaris and pemphigus foliaceus with mycophenolate mofetil. Arch Dermatol. 2003;139:739-42.
  • 7
    Sakthi K, Thappa DM. Outcome of dexamethasone-cyclophosphamide pulse therapy in pemphigus: a case series. Indian J Dermatol Venereol Leprol. 2009;75:373-8.
  • 8
    Diaz LA. Rituximab and pemphigus - a therapeutic advance. N Engl J Med. 2007;357:605-7.
  • 9
    Caetano M, Amorim I, Selores M. Imunoglobulina intravenosa - uso em dermatologia. Trab Soc Port Ven. 2005;2:177-206.
  • 10
    Mydlarski PR, Mittmann N, Shear NH. Intravenous immunoglobulin: use in dermatology. Skin Therapy Lett. 2004;9:1-6.
  • Endereço para correspondência:
    Talita Alves Teixeira
    Primeira Avenida, s/n - Setor Leste Universitário
    74.605 020 Goiânia Goiás (GO)
    E-mail:
  • *
    Trabalho realizado em clínica privada - Curitiba (PR), Brasil.
  • Datas de Publicação

    • Publicação nesta coleção
      01 Mar 2012
    • Data do Fascículo
      Ago 2011

    Histórico

    • Recebido
      05 Dez 2010
    • Aceito
      29 Jan 2011
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