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Teoria de sinterização por fase sólida; uma análise crítica de sua aplicação

Solid phase sintering theory; a critical analysis of its practical application

Resumos

A sinterização por fase sólida é um processo muito complexo. A teoria que trata o fenômeno não oferece respostas satisfatórias e, além disso, sua aplicação contém uma série de enganos que levam a conclusões equivocadas. Este trabalho apresenta a estrutura da teoria tradicional de sinterização por fase sólida, comenta seus limites, critica seu uso e propõe uma forma de investigar e interpretar este processo de sinterização.


Solid phase sintering is a very complex phenomenon. Theories describing sintering are unsatisfactory. Furthermore, their practical use leads to a series misunderstandings with consequent misleading conclusions. This work presents the structure of the traditional theory of single phase solid state sintering, makes an analysis of its limits and criticizes its use, proposing a way of approaching the sintering process


Teoria de sinterização por fase sólida; uma análise crítica de sua aplicação

(Solid phase sintering theory; a critical analysis of its practical application)

Angelus Giuseppe Pereira da Silva

Clodomiro Alves Júnior

Departamento de Física Teórica e Experimental

Universidade Federal do Rio Grande do Norte,

Campus Universitário - 59072-970, Natal, RN, Brasil

e-mail: angelus@dfte.ufrn.br

Resumo

A sinterização por fase sólida é um processo muito complexo. A teoria que trata o fenômeno não oferece respostas satisfatórias e, além disso, sua aplicação contém uma série de enganos que levam a conclusões equivocadas. Este trabalho apresenta a estrutura da teoria tradicional de sinterização por fase sólida, comenta seus limites, critica seu uso e propõe uma forma de investigar e interpretar este processo de sinterização.

Abstract

Solid phase sintering is a very complex phenomenon. Theories describing sintering are unsatisfactory. Furthermore, their practical use leads to a series misunderstandings with consequent misleading conclusions. This work presents the structure of the traditional theory of single phase solid state sintering, makes an analysis of its limits and criticizes its use, proposing a way of approaching the sintering process

INTRODUÇÃO

A sinterização é a etapa mais importante ou, pelo menos, uma das mais importantes no processamento de materiais por metalurgia do pó e cerâmica. É nesta etapa que a massa de partículas já conformada ganha resistência mecânica e adquire quase todas suas propriedades finais.

Do ponto de vista tecnológico, a sinterização é tratada como mencionado anteriormente, ou seja, como o processo mais determinante das propriedades e da estrutura do material. Por esta razão, seu estudo consiste em relacionar o aspecto estrutural da peça sinterizada (porosidade residual, fases presentes, tamanho médio de grão e distribuição de tamanho de grão, homogeneidade estrutural, etc.) às características dos pós usados (tamanho médio e distribuição de tamanho de partículas), considerando também as condições de sinterização, tais como temperatura, tempo e atmosfera de sinterização.

Do ponto de vista acadêmico, entretanto, o enfoque dado ao estudo da sinterização é outro. Neste caso, pretende-se descrever o processo de sinterização, ou seja, a densificação sofrida pelo conjunto de partículas, a partir dos mecanismos físico-químicos responsáveis pelo transporte de material causador da densificação, em função dos parâmetros de sinterização (temperatura e tempo), levando-se em consideração as características dos pós usados. Sob o enfoque acadêmico, uma teoria de sinterização deveria descrever como se desenvolve uma estrutura composta por certos materiais, no decorrer do tempo, desde o momento inicial em que era uma massa de partículas em contato físico, estando sob determinada temperatura.

A tarefa dos acadêmicos é mais árdua que a dos tecnólogos, pois a sinterização envolve tão grande quantidade de parâmetros que faz a formulação de uma teoria tal como a ideal uma tarefa impossível. Esta é uma das razões pela qual a técnica está sempre à frente da academia no que concerne ao volume de conhecimento sobre sinterização, pois àquela interessa apenas o desenvolvimento de novos materiais e a melhora da qualidade daqueles já existentes. Para isto, o método da tentativa e erro é o procedimento. Desta maneira, faz-se um enorme número de experimentos e colhe-se informações sobre muitos materiais, ao passo que, na rotina acadêmica, cada novo conhecimento deve ser rigorosamente analisado.

No estágio atual, para se conhecer como certo material sinteriza, é mais rápido, barato e seguro fazer uma grande bateria de experimentos, com inúmeras variações de parâmetros que influenciam o processo do que basear-se unicamente em uma teoria para prever a sinterização daquele dado material. Este fato, entretanto, não deve frustrar a pesquisa acadêmica, pois, embora as perspectivas de se formular uma teoria próxima do ideal sejam remotas, o conhecimento científico sobre a sinterização orienta os tecnólogos na busca por avanços, apontando direções a seguir, evitando esforços inúteis, reduzindo, assim, tempo e custos de desenvolvimento.

Existem basicamente dois tipos de sinterização, denominados sinterização por fase sólida e sinterização por fase líquida. Embora ambas atuem no sentido de densificar a estrutura, os mecanismos que produzem tal densificação são totalmente distintos. Este artigo limita-se a analisar a teoria de sinterização por fase sólida (principalmente para os metais), varrendo desde seus princípios básicos, passando pela sua estrutura e a forma como é aplicada na prática e indo até suas limitações. Na sinterização por fase líquida, um líquido está presente, seja através da fusão de um dos constituintes do material, seja produto de uma reação entre os constituintes, sendo o responsável maior pelo fechamento da porosidade. A referência [1] apresenta a teoria básica deste tipo de sinterização.

FORÇA MOTRIZ PARA SINTERIZAÇÃO E OUTRAS FORÇAS MOTRIZES

Quando uma massa de partículas de um ou mais componentes é aquecida sob determinada atmosfera, diversos processos podem ocorrer, tais como dissolução e reação entre os constituintes e entre eles e a atmosfera, formação de novas fases, etc. A sinterização é apenas um dos processos possíveis. Neste momento, é necessário salientar que se considera aqui a sinterização como o processo responsável pela densificação (eliminação da porosidade) de uma massa de partículas em contato físico.

Para cada um destes processos ocorrer, é necessário que a energia livre total do sistema seja diminuída. O decréscimo da energia é considerado como a força motriz do processo. Há concordância entre todos os autores que a força motriz para a sinterização é o decréscimo da energia livre interfacial, via a diminuição da superfície total do sistema de partículas, através da eliminação da porosidade. Ao se analisar o que acontece com aquela massa de partículas, deve-se considerar, entretanto, todos os outros possíveis processos e suas forças motrizes correspondentes. Se o sistema caminha para o estado de mínima energia, a determinadas condições, então é válido que

DG = DGs + S DGi < 0 (A)

onde DG é a variação de energia livre total experimentada pelo sistema, DGS, a variação da energia interfacial e DGi, a variação de energia devido a algum outro processo. Savitskii [2] dá exemplo de sistemas com composições Al-20%at. Zn e Al-50%at. Ti. Assumindo que estes materiais estão na forma de pó, com tamanho médio de partícula igual a 5 mm, obtém-se uma variação de energia superficial de -1,25 cal/g.átom. para a mistura Al-Zn e para Al-Ti -2 cal/g.átom. supondo que toda a porosidade é fechada. Devido ao aquecimento, há também a formação de ligas, cujas energias de mistura são para Al-Zn -172 cal/g.átom. e para Al-Ti -5447 cal/g.átom. Vê-se que estas energias de mistura são bastante superiores às energias superficiais, portanto, a formação da liga é o processo dominante durante o aquecimento e a ocorrência de sinterização torna-se apenas um detalhe. De fato, para estes sistemas ocorre dilatação da estrutura, com aumento da porosidade. É possível, no entanto, que, mesmo com domínio de outros processos, a sinterização ocorra. Basta que a cinética destes processos não se oponha à de sinterização. Pode acontecer ainda que a ocorrência de uma reação ajude à sinterização. Este é o caso da sinterização reativa.

A TEORIA DE SINTERIZAÇÃO POR FASE SÓLIDA PARA SISTEMA MONOFÁSICOS

Sistemas monofásicos são aqueles de um só constituinte. Este tipo de sistema logicamente sinteriza mais simplesmente, uma vez que reações entre constituintes estão descartadas e este é o principal elemento complicador. Se se supõe, além disso, que não existe qualquer reação entre o sinterizante e a atmosfera, ou que esta reação é desprezível em termos de variação de energia livre, obtém-se o sistema para o qual a teoria de sinterização é melhor aplicada.

Os modelos de sinterização são ambiciosos. Eles tentam descrever o processo através de relações matemáticas entre a contração (ou variação de volume ou densidade) que ocorre no corpo sinterizante a propriedades do material, ao tempo e à temperatura. A estrutura da teoria de sinterização por fase sólida é composta por duas premissas básicas, que são: (a) a força motriz do processo é a diminuição da energia superficial livre via diminuição da superfície e (b) para que isto ocorra é necessário o deslocamento de matéria que sairá das partículas em direção à porosidade, preenchendo-a. Existem ainda considerações simplificadoras do modelo como, por exemplo: as partículas são perfeitamente esféricas, têm o mesmo tamanho e estão arranjadas regularmente no espaço.

Observações experimentais demonstram que pescoços são formados e crescem nos locais onde inicialmente existia contato. Este processo de formação e crescimento de pescoço leva à redução da energia superficial. Estão postas então as diretrizes básicas para formulação do modelo matemático. Basta relacionar a taxa de crescimento de pescoço à taxa de material transportado.

A variação de energia sofrida por um sistema de dois componentes separados por uma interface (no caso, partícula e poro) que altera essa interface é dada por

DE = W = Wv + Ws (B)

onde WS é o trabalho envolvido na mudança da área interfacial, dado por gDS e WV o trabalho associado à correspondente mudança de volume, dado por DPDV, onde g é a energia interfacial e DP, a diferença de pressão dos dois lados da interface. O desenvolvimento desta expressão culmina na conhecida equação de Laplace

(C)

onde R1 e R2 são os raios principais de curvatura da interface. Esta é a equação básica que descreve o transporte de material através dos diversos mecanismos possíveis [3]. Para os metais, o transporte de matéria é considerado ocorrer por difusão de vacâncias, predominantemente. A concentração de vacâncias está associada ao seu potencial químico e este com a diferença de pressão através da interface. A equação de Gibbs-Thomsom-Freundlich relaciona a diferença de concentração de vacâncias entre uma superfície curva e uma superfície plana (representada, por exemplo, pelo contorno de grão ou a superfície externa da partícula, de menor curvatura que o pescoço) à tensão superficial e aos raios principais de curvatura da superfície:

(D)

onde C e C0 são as concentrações de vacâncias nas superfícies curva e plana, respectivamente, M, o volume molar das vacâncias e R, a constante universal dos gases. A concentração de vacâncias em superfícies curvas é maior que em planas. Devido a este gradiente de concentração, as vacâncias migram da região do pescoço para outras regiões com menor concentração, ou, equivalentemente, átomos difundem de várias regiões da partícula (a superfície e o contorno de grão) para o pescoço, fazendo-o crescer.

Adotando-se certa geometria para o pescoço, é possível determinar o gradiente de concentração de vacâncias. Conhecendo-se a difusividade das vacâncias através dos diversos caminhos de difusão (volume, superfície e contorno de grão) e aplicando-se a equação de difusão, pode-se então determinar a taxa de transferência de matéria para a região do pescoço. A Fig. 1(a) esquematiza a difusão atômica de diversas fontes, através de vários caminhos, enquanto a Fig. 1(b) ilustra a configuração de partículas com um pescoço crescido e seus parâmetros característicos.

Figura 1:
Sinterização de um sistema de duas partículas esféricas. (a) crescimento de pescoço e mecanismos de difusão: (1) do contorno de grão, por volume; (2) do contorno de grão, pelo contorno de grão; (3) da superfície, pela superfície e (4) da superfície, pelo volume. (b) crescimento de pescoço com aproximação de centro e parâmetros representativos: a é o raio da partícula; h o parâmetro de aproximação; x e s, os raios principais de curvatura do pescoço.

Os átomos que saem da superfície não provocam aproximação dos centros das duas partículas, apenas modifica o perfil destas. Já, se os átomos saem da região do contorno de grão, pode ocorrer aproximação de centros. Isto só ocorre se houver eliminação de vacâncias, ou seja, o contorno de grão atua como sumidouro de vacâncias. Isto é o que acontece de fato.

Assumindo que as partículas são esferas de mesmo tamanho, arranjadas regularmente (um arranjo cúbico simples, por exemplo) e não se movem relativamente, ou seja, não saem de suas posições originais, então a contração do conjunto de partículas pode ser determinada através da aproximação de centros, denotado como h na Fig. 1(b). O problema agora resume-se a determinar como cresce o pescoço, qual a contribuição para o crescimento de pescoço dos mecanismos de difusão que produzem aproximação de centro e o quanto deste material difundido é retirado de seus locais de origem.

Da Fig. 1(b), pode-se ver, por construção, que a contração sofrida por um conjunto de n (n>>1) partículas dispostas uma ao lado da outra, seguindo uma linha reta é dada por

(E)

O volume do pescoço é o volume da região de interseção entre as partículas (que é igual ao volume de material difundido de seu contorno de grão) mais o volume de material difundido desde a superfície das partículas. Existem diversas geometrias adotadas para o pescoço, cada qual envolvendo um erro (ver p. ex. [3-5]). Uma delas dá que h/a=x2/4a2 . Isto significa que, medindo a evolução do raio do pescoço, consegue-se determinar a contração do conjunto de partículas. Considerando agora as particularidades de cada caminho de difusão, chega-se a uma relação geral que descreve a contração, do tipo

(F)

onde n e m são expoentes relacionados ao caminho de difusão, C envolve as propriedades do material, a temperatura e t o tempo.

Como os átomos difundem através de todos os mecanismos simultaneamente, o pescoço sofre influência de todos eles. A taxa de variação do raio do pescoço é, portanto, melhor escrita como

onde os coeficientes guardam as propriedades do material e as difusividades. As funções f(x) representam as relações dos caminhos de difusão com os aspectos dimensionais. A contabilidade da contribuição de cada tipo de caminho de difusão para a taxa de crescimento do pescoço levou à criação dos chamados diagramas de sinterização [6]. Diagramas de sinterização são planos, tendo como eixos a temperatura e o raio relativo do pescoço. Este plano é dividido em áreas onde determinado mecanismo de difusão domina sobre os demais, no sentido que contribui no transporte de mais material. Estas áreas de domínio estão limitadas por fronteiras onde os mecanismos adjacentes contribuem igualmente na quantidade de material transportado. A Fig. 2 exibe um diagrama de sinterização para duas esferas de cobre, segundo Ashby [6].

Figura 2:
Diagrama de sinterização, segundo Ashby [6], para duas esferas de cobre. Linhas de isoterma para 10 e 1 hora e 1 minuto de sinterização são mostradas.

A sinterização é geralmente dividida em etapas que caracterizam seu desenvolvimento. São três as etapas: a etapa inicial, representada pela formação e crescimento de pescoço, até o momento em que estes começam a sofrer interferência um dos outros; a etapa intermediária, que vai daí até quando os poros começam a tornar-se isolados; e a terceira etapa, representada pelo fechamento da porosidade já isolada. As equações apresentadas, entretanto, são válidas apenas para a primeira etapa de sinterização. As demais etapas necessitam de outro modelo. Coble [7] e Kuczynski [8, 9] desenvolveram modelos para estas duas etapas. Ambos aproximaram a estrutura sinterizante como compostas por poros cilíndricos e esféricos para as etapas intermediária e final, respectivamente.

SINTERIZAÇÃO POR FASE SÓLIDA PARA SISTEMAS COM MAIS DE UM COMPONENTE

Como já mencionado anteriormente, para se descrever a sinterização de sistemas com mais de um elemento, deve-se considerar as energias envolvidas na interação entre estes componentes. Isto faz o modelo de sinterização para este tipo de sistema bem mais complicado. Supor que a reação existente não seja fortemente endotérmica ou exotérmica, para provocar grandes variações de temperatura, nem impeça o desenrolar da sinterização, já simplifica bastante o problema, mas outros fatores devem ser ainda observados.

O transporte de material agora tem duas forças motoras: o gradiente de concentração de vacâncias, devido à força de capilaridade, como no sistema monofásico, e o gradiente de composição devido aos componentes. Fatores tais como as autodifusividades e as interdifusividades, a solubilidade mútua e a molhabilidade devem ser tomados em consideração. As difusividades estão relacionadas à velocidade com a qual o material é deslocado. A solubilidade mútua entre os componentes determina a formação ou não de ligas, o sentido e a quantidade de material transportado devido ao gradiente de concentração. A molhabilidade, em estado sólido, entre os componentes determina a existência e a extensão dos contatos entre os diferentes componentes do sistema e, também, de certa forma, como os componentes se espalham pela estrutura. Adicionalmente, quando se está interessado na formação de uma liga entre os elementos do sistema sinterizante, a homogeneidade do material após a sinterização é outro aspecto a ser observado.

Os parâmetros citados influenciam de tal forma a sinterização, e os sistemas são tão diversos que o mais razoável é elaborar um modelo de sinterização para cada sistema ao invés de investir em um único modelo de sinterização. Para ilustrar a complexidade da cinética de sinterização para este tipo de sistema, dois casos exemplos são apresentados, os sistemas binários W-Cu e WC-Co. O sistema W-Cu é caracterizado por nenhuma solubilidade por parte dos componentes e pela pobre molhabilidade no Cu sobre o W. Este tipo de material é usado na confecção de contatos elétricos. Sua estrutura é constituída por grãos de W rodeados por uma matriz de Cu. Sinterização por fase líquida ou, mais comumente, infiltração de Cu líquido são as técnicas usadas para produzir a liga. Em fase sólida, quase nenhuma sinterização ocorre, somente os contatos Cu-Cu se desenvolvem, isto é, qualquer contração ocorrida é devido à sinterização entre as partículas de Cu - o que significa que a contração é dependente da quantidade de Cu presente na liga - pois a sinterização do tungstênio é difícil a baixa temperatura, e a formação de pescoços W-Cu é dificultada pela baixa molhabilidade do W pelo Cu. A insolubilidade impede transporte de material, e crescimento de grão só ocorre por coalescência dos grãos de W.

O sistema WC-Co, com o qual se faz o metal duro, por sua vez, possui grande solubilidade de WC no Co, enquanto que a solubilidade inversa é insignificante, e excelente molhabilidade do WC pelo Co sólido e líquido. Este tipo de material apresenta grande sinterização em fase sólida [10]. Durante o aquecimento, o Co molha e se espalha por sobre as partículas de WC, formando aglomerados quase densos WC/Co. Ao mesmo tempo, W e C dissolvem no Co, possibilitando crescimento dos grãos de WC. Mesmo pequenas porções de Co podem provocar considerável contração. A chamada sinterização ativada, onde a adição de pequenas quantidades de um elemento dopante pode provocar grande sinterização em um sistema que de outra forma é dificilmente sinterizado, aproveita-se de características como a exibida pelo sistema WC-Co, ou seja, solubilidade unipolar e boa molhabilidade do elemento principal pelo dopante [11].

APLICAÇÃO DA TEORIA DA SINTERIZAÇÃO

Os diversos modelos de sinterização propostos foram desenvolvidos com o suporte de experimentos que tentavam simular a sinterização de um sistema real, muito embora contivessem aspectos bastante controlados. Como exemplo, pode-se citar a sinterização de fios, de fios e esferas sobre placas e de conjunto de esferas. Os modelos respondiam razoavelmente à maioria destes experimentos controlados. Quando aplicados a sistemas reais, o nível de sucesso caia drasticamente. Apesar destes problemas, os modelos de sinterização foram largamente empregados para interpretar a sinterização de sistemas reais, embora muitas vezes mal empregados. A seguir discute-se como eram e, ainda, são usados os modelos na prática.

O estudo da cinética de sinterização de sistemas reais é feito na prática acompanhando-se o desenvolver da estrutura de sinterização no tempo e na temperatura, observando-se seções transversais polidas ou seções fraturadas de amostras sinterizadas. Outra técnica bastante usada é acompanhar, como função do tempo e temperatura, a variação linear sofrida pela amostra, seja in loco, por dilatometria, seja por medidas de diversas amostras, após sinterização. Logicamente a dilatometria é a técnica mais adequada, pois permite maior precisão e um acompanhamento contínuo do processo em um só experimento. O método mais recomendado seria a combinação de observações estruturais com dilatometria. Desta forma, é possível combinar a imagem física da estrutura evoluindo com os efeitos desta evolução sobre suas dimensões.

O modelo de sinterização descreve o processo, acompanhando o crescimento do raio do pescoço entre duas partículas e daí deriva, por exemplo, a contração da estrutura. Em sistemas reais, tal medida é inviável. Por esta razão, segue-se procedimento contrário, ou seja, mede-se a contração da estrutura e tenta-se inferir o crescimento do pescoço. O objetivo final é determinar o mecanismo de transporte de matéria responsável pela sinterização. Para isto segue-se os seguintes passos: (a) mede-se a contração em função do tempo. Apenas o período de isoterma é considerado. Toda a contração ocorrida durante o aquecimento é desprezada; (b) procura-se ajustar a curva teórica (veja equação F) à curva experimental de DL(t), determinando valores adequados da constante C e dos expoentes n e m. Os expoentes que melhor ajustarem a curva teórica estão relacionados ao mecanismo responsável pela sinterização.

Muitos autores empregaram este método. Tantos eram, nos anos 50, que Geguzin [12] denominou de "a era dos expoentes". Ainda hoje é possível encontrar trabalhos que procuram determinar o mecanismo de sinterização através de expoentes. Este método contém erros óbvios, fruto do mal uso da teoria. Em primeiro lugar, a contração durante o aquecimento não pode ser desprezada, pois já ocorre contração neste período. Para minimizar esta contração, altas taxas de aquecimento eram empregadas de modo a minimizar o tempo de aquecimento. O maior erro, entretanto, consiste em supor que apenas um mecanismo atua e é responsável pela contração. A própria teoria estabelece que diversos mecanismos atuam simultaneamente e contribuem para o fechamento da porosidade (mas a difusão da superfície não contribui para a contração). Por esta razão, surgiram os diagramas de sinterização. Porém os diagramas de sinterização só podem ser obtidos por cálculos em computador, não sendo obtidos experimentalmente. Outro erro é o de estender as medidas além da primeira fase de sinterização, intervalo de validade da equação F. Com isso, parte dos dados são referentes ao processo regido por outro tipo de equação. Todas estas falhas de procedimento são referentes apenas ao mal uso da teoria. Sua validade não foi posta em dúvida até o momento.

Outro método de análise diz respeito à determinação da energia de ativação para a sinterização. Neste caso, uma relação do tipo Arrhenius é suposta existir entre a contração e o inverso da temperatura. A energia de ativação é obtida da inclinação da reta quando se plota a curva ln(DL/L0) x 1/T. A energia de ativação é usada para representar a sinterabilidade do sistema de partículas em uso, mas, estritamente falando, seu significado é nenhum. Se a relação exponencial ajustar a curva experimental obtida, deve-se considerar que a contração não é apenas uma função das características do material, mas, também, da distribuição média de tamanho de partículas. Conclui-se, portanto, que a energia de ativação não representa as características dos mecanismos de transporte atômico nem as características do pó utilizado.

Com relação a sistemas com mais de um componente, não existe uma teoria, como para sistemas monofásicos, que possa ser empregada com um nível mínimo de satisfação. Como já mencionado, cada sistema sinteriza de um modo diferente, e tamanha diversidade inviabiliza qualquer enquadramento em uma teoria geral.

IMPERFEIÇÕES DA TEORIA

Até aqui a teoria foi apresentada sem que se discutisse sobre sua validade para representar sistemas reais de pós. Nesta seção esta validade é questionada.

A teoria pode ser criticada basicamente de duas maneiras: simplificações adotadas no sistema físico para tornar o modelo matemático factível e aproximações usadas no escopo do modelo físico adotado, para tornar mais simples o modelo matemático. Como exemplo para este último tipo de simplificação, cita-se a aproximação adotada para a geometria do pescoço. Rigorosamente falando, a geometria do pescoço é determinada pela equação de Laplace, mas determiná-la é bastante complicado. Mudanças na atmosfera de sinterização (tensão superficial) podem mudar significantemente a geometria do pescoço. A forma do pescoço determina a quantidade de material difundido. É para vencer a dificuldade de se determinar exatamente a forma de pescoço que se adota aproximações. Entretanto, cada aproximação envolve um erro. Este erro é dependente da razão entre o raio do pescoço [3] e o da partícula e aumenta consideravelmente com o aumento da razão. Estes erros ficam na faixa entre 10 e 50%.

Os pontos mais discutidos são concernentes às simplificações do modelo físico. No caso simplificado, as partículas são esferas de mesmo tamanho e estão regularmente dispostas. No caso real, as partículas têm formato irregular, volume diferente (pode-se falar em distribuição de volume de partícula) e estão dispostas aleatoriamente. Estas diferenças já são capazes de desacreditar todo o modelo. Do ponto de vista do aspecto da microestrutura certamente. Com relação à contração sofrida por ela, é necessário discutir mais profundamente.

A estrutura idealizada (ou simplificada) deve apresentar anisotropia de contração, quando se mede em diferentes direções, fruto do arranjo regular de partículas. Um arranjo aleatório não apresenta tal peculiaridade. Esta só é encontrada quando há gradientes de densidade introduzidos pela compactação. Na estrutura idealizada, o problema de contração resume-se a acompanhar a contração de um sistema de duas partículas esféricas, pois esta estrutura se repete. No caso real, uma vez que as partículas não têm o mesmo tamanho e forma, cada par de partículas representa um sistema distinto. Outro detalhe é introduzido pela falta de ordem estrutural. Pescoços formados em uma só partícula, devido a contatos com suas vizinhas, não são simétricos, como no caso ideal, nem de mesma geometria. Esta assimetria gera desigualdade nas forças de capilaridade que atuam sobre as partículas, provocando movimentos relativos de translação e rotação, havendo ruptura de antigos contatos e formação de novos. Este processo já altera o aspecto micro-estrutural e deve influenciar a contração, uma vez que a estrutura se comporta como um conjunto de clusters de partículas sinterizando, separados por uma porosidade marginal, mas mantendo contato com os clusters vizinhos. Contato este que vai aumentando no decorrer da sinterização. Este processo é ilustrado na seqüência de fotos [13], mostradas na Fig. 3, onde tem-se partículas esféricas de cobre com mesmo tamanho, sinterizando a 1020 ºC sob hidrogênio, por diferentes períodos. Isto acontece só devido ao arranjo irregular. Se existesse diferença de tamanho de partícula, este efeito é bem mais intenso, pois tem-se maior variação local de densidade.

Figura 3:
Sinterização de um arranjo plano de esferas de cobre a 1020 ºC, sob hidrogênio, segundo Exner [13]. O desordenamento das esferas provoca assimetria dos pescoços e isto leva a mudanças na estrutura, como a formação de regiões mais densas e grandes poros.

Os modelos existentes, para tratar os estágios intermediário e final da sinterização são estatísticos, onde o mais sofisticado considera a estrutura com porosidade cilíndrica e esférica, para estes estágios, respectivamente, com poros de diferentes raios. O transporte de matéria é ainda tratado como ocorrendo da mesma maneira como no estágio inicial. A estrutura de poros dos sistemas reais logicamente não é tão simples, e a interação entre os poros deve ser considerada, pois eles podem sofrer coalescência. A Fig. 3 mostra muito bem que a porosidade não evolui apenas diminuindo de volume. Vê-se claramente que poros pequenos tendem a desaparecer, ao passo que grandes poros são criados. Este tipo de evolução não é considerado no modelo teórico, que trata a estrutura dos estágios intermediário e final como sendo a evolução monotônica da estrutura simplificada inicial. Isto explica em parte porque estes modelos respondem bem a sistemas constituídos por fios e esferas sobre placa, mas falham quando aplicados a pós reais. Outro problema do tratamento teórico é diferenciar quando começa e acaba cada um destes estágios de sinterização, pois estes limites não são nítidos.

Outro ponto do modelo que se pode colocar em questão diz respeito ao mecanismo de transporte de matéria. O modelo deixa claro que para metais o transporte de matéria dá-se por difusão de vacâncias de diversos locais, por diversos caminhos, como já introduzido. A contração é conseguida quando o material sai da região de contorno de grão em direção ao pescoço ou, inversamente, quando vacâncias difundem até o contorno de grão e lá são eliminadas. Isto ocorrendo em cada contorno de grão produz a contração da estrutura toda, não havendo necessidade de difusão de vacâncias por grandes distâncias através da estrutura cristalina. Experimentos de sinterização em metais puros conduzidos por diversos autores, inclusive o próprio autor com cobalto, demonstram que a sinterização, durante o período de aquecimento, é maior que durante a isoterma. Isto acontece porque a taxa de contração no aquecimento é superior àquela em isoterma (portanto a temperaturas mais elevadas). Este fato não pode ser explicado pela teoria, uma vez que a difusão de vacâncias depende apenas da temperatura e não da taxa de aquecimento. Schatt [14] propôs que o mecanismo de transporte de matéria mais significante seria o movimento de discordâncias ao invés da difusão de vacâncias. Segundo ele, na região de contato interpartículas, grande quantidade de discordâncias é ativada. A alta concentração de defeitos abaixa a viscosidade de uma região próxima à superfície, e partículas inteiras podem se mover sob a ação de forças de capilaridade, aproveitando-se destas camadas que funcionam como lubrificante. O movimento de partículas inteiras é sem dúvida um mecanismo de transporte muito mais eficiente que o movimento de átomos individualmente. Adicionalmente, a alta concentração de discordâncias serve como sumidouro de vacâncias da região do pescoço através do mecanismo de dislocation climb.

CONCLUSÕES

A sinterização por fase sólida é um fenômeno complexo, principalmente para sistemas com mais de um componente. Neste caso, cada sistema tem uma cinética de sinterização própria, devido às diferenças de características entre os sistemas, muito embora esta ocorra através dos mesmos mecanismos gerais.

A descrição da sinterização de um sistema monofásico, apesar de mais simples que para um sistema multicomponente, deve seguir a mesma linha daquela adotada para aqueles, ou seja, limitar-se a uma descrição semiquantitativa, quando não a apenas uma qualitativa, ao invés de se buscar uma descrição inteiramente numérica, pois, como foi visto, esta é insatisfatória, visto que o processo real é bem mais complexo que o que é considerado na teoria. Tal abordagem não numérica não deve frustar o pesquisador, pois todas as informações básicas mais significantes podem ser adquiridas desta maneira, de modo que se pode formar uma imagem de como realmente sinteriza o sistema. O que é melhor que adotar uma imagem distorcida fornecida por uma teoria inadequada.

Seguir um modelo matemático sem senso crítico pode levar a erros grosseiros, como aqueles de se determinar expoentes para identificar mecanismos de difusão e o de usar energia de ativação como medida de sinterabilidade de um sistema de partículas. Muito mais informativo que a energia de ativação é simplesmente exibir a curva de dilatometria da contração e da taxa de contração em função do tempo e da temperatura. Desta forma, consegue-se ver o quanto e como sinteriza o sistema durante todo o intervalo de ativação térmica.

A abordagem semiquantitativa leva vantagem ainda pela liberdade de se examinar pontos de diferentes teorias, ao invés de se limitar a uma. Por exemplo, o comportamento de sinterização exibido durante o aquecimento para vários metais puros é uma realidade não tratada na teoria de sinterização tradicional, mas considerada na proposta de Schatt. Ele ainda aventa o movimento de partículas inteiras por deslizamento. Esta é uma hipótese que vale a pena ser examinada.

AGRADECIMENTOS

CNPq e UFRN.

(Rec. 10/97, Ac. 11/97)

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Datas de Publicação

  • Publicação nesta coleção
    12 Jun 2000
  • Data do Fascículo
    Out 1998

Histórico

  • Aceito
    Nov 1997
  • Recebido
    Out 1997
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