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Desenvolvimento e aplicação de um software que automatiza o processo de combinação de matérias-primas na obtenção de produtos cerâmicos

Development and application of a software designed to combine different raw materials in order to obtain ceramic products

Resumos

Combinar diversas matérias-primas (MP’s) para obter uma composição cerâmica é um procedimento composto por até cinco tarefas distintas e simultâneas: a) Controle da distribuição granulométrica; b) Composição Química; c) Área Superficial; d) Densidade; e) Custo. Considerar tais variáveis simultaneamente não é algo simples. Neste trabalho é apresentado um software desenvolvido em parceria com a empresa Alcoa Alumínio S.A., que realiza tal tarefa, permitindo que uma composição cerâmica seja desenvolvida de maneira simples levando em consideração as variáveis descritas. Este contém ainda, uma rotina computacional, baseada em otimização, que permite combinar um número ilimitado de matérias-primas (MP’s) obtendo a composição de melhor ajuste possível entre a distribuição gerada com a planejada, utilizando o critério de minimização da diferença quadrática. Para verificação da rotina foram realizados estudos de comportamento reológico em suspensões de alumina (compostas por nove faixas granulométricas distintas), formuladas de maneira automatizada e convencional, assumindo como curvas alvo as distribuições de Alfred e Andreasen, ambas com coeficiente de máxima densidade de empacotamento (q = 0.37). A eficácia da rotina foi comprovada pela superior velocidade de formulação no processo automatizado. Comparativamente, as precisões obtidas entre a rotina automatizada e convencional foram similares, resultando em comportamentos reológicos semelhantes.


Combining several raw materials to obtain a ceramic composition involves up to five different and simultaneous steps: a) control of particle size distribution; b) chemical composition; c) surface area; d) density; and e) cost. This work presents a software developed for Windows environment in partnership with Alcoa Aluminum S.A., which controls all five referred parameters. It also contains an optimized routine that allows automatically combination of an unlimited number of raw materials to achieve a designed distribution, based on the minimum square difference. Experimental verification of the routine involved preparation of alumina suspensions using nine different particle size ranges, combined both in a conventional and in an automated manner to provide designed distributions (Alfred and Andreasen, q = 0.37). The routines efficiency was verified by the high speed of the automated formulation process and the rheological results obtained. Close rheological behavior were found out, pointing out the accuracy of both approaches.


Desenvolvimento e aplicação de um software que automatiza o processo de combinação de matérias-primas na obtenção de produtos cerâmicos

(Development and application of a software designed to combine different raw materials in order to obtain ceramic products)

Rafael Giuliano Pileggi1, Fernando Ortega 1, Reinaldo Morábito2,

Sérgio Vendrasco3, Victor Carlos Pandolfelli1

1Departamento de Engenharia de Materiais - DEMa, Universidade Federal de S. Carlos

Rod. Washington Luiz Km 235, S. Carlos, SP, 13565-905, tel.: (016) 260-8250

e-mail: vicpando@power.ufscar.br

2Departamento de Engenharia de Produção, Universidade Federal de S. Carlos, S. Carlos, SP.

3Alcoa Alumínio S.A.

Resumo

Combinar diversas matérias-primas (MP’s) para obter uma composição cerâmica é um procedimento composto por até cinco tarefas distintas e simultâneas: a) Controle da distribuição granulométrica; b) Composição Química; c) Área Superficial; d) Densidade; e) Custo. Considerar tais variáveis simultaneamente não é algo simples. Neste trabalho é apresentado um software desenvolvido em parceria com a empresa Alcoa Alumínio S.A., que realiza tal tarefa, permitindo que uma composição cerâmica seja desenvolvida de maneira simples levando em consideração as variáveis descritas. Este contém ainda, uma rotina computacional, baseada em otimização, que permite combinar um número ilimitado de matérias-primas (MP’s) obtendo a composição de melhor ajuste possível entre a distribuição gerada com a planejada, utilizando o critério de minimização da diferença quadrática. Para verificação da rotina foram realizados estudos de comportamento reológico em suspensões de alumina (compostas por nove faixas granulométricas distintas), formuladas de maneira automatizada e convencional, assumindo como curvas alvo as distribuições de Alfred e Andreasen, ambas com coeficiente de máxima densidade de empacotamento (q = 0.37). A eficácia da rotina foi comprovada pela superior velocidade de formulação no processo automatizado. Comparativamente, as precisões obtidas entre a rotina automatizada e convencional foram similares, resultando em comportamentos reológicos semelhantes.

Abstract

Combining several raw materials to obtain a ceramic composition involves up to five different and simultaneous steps: a) control of particle size distribution; b) chemical composition; c) surface area; d) density; and e) cost. This work presents a software developed for Windows environment in partnership with Alcoa Aluminum S.A., which controls all five referred parameters. It also contains an optimized routine that allows automatically combination of an unlimited number of raw materials to achieve a designed distribution, based on the minimum square difference. Experimental verification of the routine involved preparation of alumina suspensions using nine different particle size ranges, combined both in a conventional and in an automated manner to provide designed distributions (Alfred and Andreasen, q = 0.37). The routines efficiency was verified by the high speed of the automated formulation process and the rheological results obtained. Close rheological behavior were found out, pointing out the accuracy of both approaches.

INTRODUÇÃO

A moderna sistemática de gerenciamento e controle em indústrias cerâmicas envolve dois conceitos básicos e complementares: Processos Preditivos [1] e Total Controle de Qualidade.

Sucintamente, Processos Preditivos são aqueles em que, tanto as características de processo como as propriedades finais do produto cerâmico são conhecidas, permitindo o prévio planejamento de ambas. Um Total Controle de Qualidade na produção de materiais cerâmicos demanda procedimentos e sistemas, que permitam um monitoramento constante das variáveis que controlam os processos e as características destes materiais, evitando que estas se alterem ao longo do tempo, influenciando o produto.

Desta forma, para respeitar ambos conceitos é que o desenvolvimento sistematizado de um material cerâmico com propriedades controladas demanda, necessariamente, um significativo controle de todas as etapas de seu processamento aliado ao conhecimento das características intrínsecas do material. Especificamente, controlar a distribuição granulométrica, além de outros fatores (composição química, área superficial, densidade , etc.), é condição fundamental para se tornarem reprodutíveis o processamento e as características finais de uma cerâmica.

A distribuição granulométrica de uma composição cerâmica influencia diretamente importantes características como [1]: porosidade e resistência de compactos a verde, reologia de suspensões, temperatura de sinterização, resistência mecânica, etc. Justifica-se assim, a necessidade básica do controle da granulometria de um material cerâmico e a existência de diversos modelos teóricos de distribuição granulométrica [1, 2] (Andreasen, Alfred, etc.).

No entanto, exercer um controle efetivo sobre a granulometria de uma composição cerâmica não é uma tarefa elementar. O fato de matérias-primas (MP’s) reais possuírem distribuições contínuas e geralmente distintas da distribuição planejada para a composição, cria a necessidade de se combinarem diversas MP’s para sua obtenção. Tal processo combinatório pode, em certos casos, envolver até dez ou mais MP’s distintas, o que é comum, por exemplo, em concretos refratários [2]. Ou seja, trata-se de uma tarefa extensa e ainda mais complexa se for levado em consideração a oscilação natural que as distribuições das MP’s apresentam, tornando necessário a constante reformulação da composição para atender às exigências granulométricas planejadas.

Assim sendo, a metodologia de formulação anteriormente proposta [2] baseada na minimização da diferença quadrática entre as curvas planejada e experimental, na qual o usuário informa ao sistema as porcentagens das MP’s, é uma alternativa viável para solução deste problema. No entanto, benefícios adicionais seriam obtidos com a automatização desta rotina, a qual poderia ser executada em um computador. Essa facilidade é encontrada em alguns sistemas, como o de Dinger e Funk [3] por exemplo, mas estes, por operarem simulando todas as possíveis combinações de MP’s para depois compará-las à distribuição planejada, permitem trabalhar no máximo com dez MP’s distintas, inviabilizando seu uso em diversas aplicações.

É então necessário uma rotina computacional automatizada que permita combinar um número qualquer de MP’s, de forma rápida e precisa, para que o problema de controlar a distribuição granulométrica de composições cerâmicas esteja solucionado.

Uma possível solução encontra-se em abordar o problema de combinação de diversas MP’s, com granulometrias distintas, como sendo um problema de otimização [4, 5]. Tal técnica permite que o objetivo da metodologia proposta anteriormente pelos autores [2] também seja executada computacionalmente, com a diferença de poder trabalhar com um número ilimitado de MP’s distintas.

Além disso, não se tem verificado na literatura a existência de uma metodologia de formulação que, além da distribuição granulométrica da composição, permita controlar outras variáveis também importantes para os processos preditivos e de controle de qualidade total, como por exemplo, composição química, área superficial e densidade.

Uma provável explicação, para a inexistência de uma metodologia completa, talvez advenha da elevada complexidade do problema, uma vez que são diversas variáveis a serem controladas de forma simultânea. Tal complexidade requer, com certeza, sistemas informatizados para exercerem tais controles simultaneamente, com precisão e rapidez. O objetivo deste trabalho é o de apresentar o software denominado PSDesigner [6], elaborado pelos autores em parceria com a empresa Alcoa Alumínio S.A. O programa permite desenvolver e controlar automaticamente composições cerâmicas, baseadas em sistemas particulados, envolvendo qualquer quantidade de MP’s distintas, para obtenção da composição com distribuição mais próxima possível da planejada, de maneira rápida e precisa, considerando inclusive outras variáveis além da granulometria. Descreve-se ainda um exemplo prático de aplicação do software, comparando-o à metodologia de Pileggi e Pandolfelli [2], no desenvolvimento de suspensões cerâmicas à base de alumina. Os ajustes efetuados seguiram os modelos de Andreasen e Alfred, para os quais são apresentados os resultados reológicos obtidos.

Descrição da rotina baseada em teoria de otimização

Esta rotina determina a quantidade ótima de cada MP, de maneira a minimizar a diferença quadrática entre uma curva teórica (planejada) e uma curva experimental (composta), resultante da composição a ser determinada.

A rotina baseia-se na aplicação de técnicas de otimização para resolver um modelo de programação matemática convexa, representando o problema de combinação de MP’s. Devido ao grande número de variáveis de decisão envolvidas, para resolver este problema, a rotina foi originalmente desenvolvida na linguagem de modelagem GAMS [5] (General Algebraic Modeling System), com o Solver MINOS 5.3, sendo posteriormente implementada em linguagem computacional para o ambiente Windows®, passando a fazer parte do software.

Basicamente, o modelo que representa o problema em questão está sucintamente descrito a seguir:

Considere um número finito de matérias-primas (agregados) A={a1,...,an}, e um número finito de diâmetros D={d1,...dm}. São dados, a porcentagem do agregado A no diâmetro D, e a porcentagem teórica no diâmetro D, que corresponde à curva teórica.

As variáveis de decisão ou incógnitas do problema são as porcentagens de cada agregado na mistura.

A função objetivo é definida pela soma das diferenças quadráticas entre a curva experimental e a teórica. Este é um problema de minimização pois como dito acima, deseja-se reduzir os desvios entre as curvas experimental e teórica.

Princípios básicos e componentes do sotfware

O princípio básico de concepção do software é o de assumir o controle da distribuição granulométrica da composição como sendo a variável primária do processo de formulação, e a composição química, área superficial, densidade e custo como variáveis de restrição ao ajuste da granulometria.

Descrevendo em detalhes a esquematização e forma de operação do software, o conceito acima descrito será explicitado:

O software, desenvolvido para ambiente computacional Windows®, opera baseado em módulos independentes, os quais atuam como apoio ao módulo principal de formulação. Os módulos são abaixo descritos:

1 - Cadastro de MP’s – O cadastro de MP’s é um banco de dados concebido para armazenar dados relevantes sobre as mesmas. Especificamente, sobre cada MP podem ser informados: o nome e especificação da MP, origem, tipo de embalagem, densidade, área superficial, custo e informações gerais; a composição química e a distribuição granulométrica da MP, que pode ser cadastrada em uma ou mais séries clássicas de diâmetros. Há três formas de se informar a distribuição de uma MP ao sistema: por digitação, por recebimento de dados de outro banco de dados (equipamentos de ensaio) e ainda por cópia de trechos de outras distribuições presentes.

2 - Criação e Cadastro de Curvas Alvo – O software dispõe de um módulo específico para criação e cadastro de curvas alvo teóricas ou rotineiras. Há cinco formas distintas para criar uma curva alvo: digitação ponto a ponto; utilização do modelo de Andreasen; utilização do modelo de Alfred; cópia de trechos de curvas alvo existente e cópia da distribuição de uma formulação definindo-a como curva alvo. Dentro de todas as formas é possível criar curvas híbridas compostas por regiões com distribuição representada por modelos distintos. É possível ainda visualizar graficamente a curva alvo.

3 - Especificação do Produto e suas Restrições – O módulo de especificação do produto e suas restrições funciona de maneira similar ao de cadastro de MP’s. Armazena informações gerais, especificações de densidade, área superficial, composição química e custo sobre o produto a ser produzido, além de permitir a escolha da série de malhas em que o mesmo será formulado e das possíveis MP´s (pertencentes à série escolhida) utilizadas na sua elaboração. Após definidas as especificações do produto, este é armazenado em um banco de dados para poder ser utilizado no processo de formulação.

4 - Formulação - Há um módulo específico para execução do procedimento de formulação de um produto. O mesmo requer como informações preliminares o nome do produto a ser formulado, a série clássica de diâmetros a ser utilizada e a curva alvo a ser ajustada a composição. Após estas informações serem registradas, o software cria uma nova tela de trabalho que contém:

(a) – Tabela, para implementação da metodologia de Pileggi e Pandolfelli [2], composta pelas MP´s selecionadas para o produto, anexada a duas colunas, uma para digitação pelo usuário, dos teores das MP´s em porcentagem em peso, outra para porcentagem em volume. O programa faz a conversão entre peso e volume automaticamente;

(b) – Ícone para ativação do procedimento automatizado de formulação, o qual consiste na implementação de uma rotina baseada em teoria de otimização, que permite combinar um número qualquer de MP’s para obtenção da distribuição granulométrica mais próxima possível da planejada;

(c) - Gráfico acumulado composto pela curva alvo escolhida e a composição resultante da combinação das MP´s. No mesmo espaço destinado a este gráfico é possível ainda visualizar, através de um comando do programa, as curvas discretas alvo e de combinação, as diferenças quadráticas acumulada e discreta destes gráficos anteriores e a tabela com os dados utilizados para elaborar as curvas descritas.

(d) - Dois campos numéricos apresentam os resultados de diferença quadrática discreta e acumulada entre as curvas alvo e de combinação. Nesta tela, quatro sinais luminosos indicam se os limites de composição química, área superficial, custo e densidade estão dentro (sinais verdes) ou fora (sinais vermelhos) das especificações definidas para o produto. O objetivo da formulação é obter a menor diferença quadrática possível entre a curva de distribuição gerada e a curva alvo, respeitando as restrições definidas (manter sinais verdes).

5 - Suporte ao Desenvolvimento de Suspensões - Nos casos em que se pretende elaborar suspensões a partir da formulação desenvolvida, o software permite ao usuário informar o teor volumétrico de líquido, além de sua densidade, a ser empregado na elaboração das mesmas. A partir destes dados são calculados a densidade da suspensão, a porcentagem volumétrica de sólido, a porcentagem em peso de sólido e líquido, além da porcentagem de líquido para pesagem que é a razão entre a porcentagem em peso de líquido pela de sólido. O valor da densidade do sólido necessária para efetuar os cálculos é originada da formulação elaborada. O sistema permite ainda que o usuário forneça o teor de aditivo que pretende utilizar, podendo inclusive vinculá-lo à área superficial da composição.

6 - Emissão de Relatórios - O software gera relatórios de três tipos: informações a respeito de uma MP; informações sobre uma formulação e relatório de ficha de pesagem. Basicamente nos três são apresentadas as especificações e as informações técnicas fornecidas nas etapas de alimentação de dados e de formulação anteriormente executadas. O relatório de ficha de pesagem opcionalmente apresenta o cálculo automático da massa de cada MP utilizada na elaboração do produto para totalização de uma quantidade estipulada do mesmo (fornecida pelo usuário). Todos os relatórios podem ser visualizados na tela antes de serem impressos.

Princípios de operação do software

Tendo conhecimento dos módulos, acima descritos, é possível descrever os princípios de operação do software PSDesigner. Basicamente cinco passos (ver fluxograma na Fig. 1) são necessários:

1 - entrada de dados das matérias-primas;

2 - especificação das propriedades do produto;

3 - formulação da composição;

4 - cálculos decorrentes da composição;

5 - geração de relatórios do produto.

Figura 1-
Fluxograma de operação do software PSDesigner

O primeiro passo ao usuário é o de fornecer ao sistema as informações sobre as MP’s que pretende utilizar. Para isso deve informar a composição química e as séries clássicas de diâmetros a serem utilizadas. A seguir deve-se informar a distribuição granulométrica das MP´s em uma das formas anteriormente descritas.

Após ter alimentado o sistema com informações das MP´s, o usuário deve especificar as características do produto a ser elaborado além de definir quais as MP´s que deverão ser utilizadas na sua elaboração e as restrições a serem respeitadas.

O terceiro passo é o de efetivamente formular o produto. Para isso deve-se selecionar a curva alvo que servirá de parâmetro básico para determinação da combinação das MP´s. A seguir, o usuário utilizará efetivamente a tela de formulação descrita anteriormente. Seu objetivo será o de, digitando as porcentagens de cada MP (opção manual), ou acionando o botão de automático, minimizar a diferença quadrática acumulada ou discreta, entre as curvas alvo e de combinação, sempre respeitando as especificações de composição química, densidade, área superficial e custo definidas para o produto (os sinais luminosos na tela deverão permanecer verdes).

Eventualmente pode-se executar o quarto passo, que é o de utilizar as informações geradas pela formulação, para o desenvolvimento de cálculos que permitam conhecer as propriedades de suspensões que venham a ser planejadas. Informando-se o teor de líquido (em volume) que se pretende utilizar e a densidade do mesmo, são calculados: o teor de sólidos em volume, o teor em peso de sólido e líquido, a densidade da suspensão, a relação entre os teores em peso de sólido e líquido (teor de líquido para pesagem). Finalmente, o quinto passo é o de emissão de relatórios, o qual já foi anteriormente descrito.

MATERIAIS E MÉTODOS

A verificação experimental do software PSDesigner consistiu em comparar suspensões formuladas pela rotina automatizada, com aquelas formuladas segundo a metodologia de Pileggi e Pandolfelli [2], para duas curvas teóricas utilizadas, Andreasen e Alfred com coeficiente de distribuição 0,37. Para cada uma das quatro composições geradas foi calculada a diferença quadrática, além de ter sido registrado o tempo dispendido para formulação.

A matéria-prima empregada foi alumina eletrofundida marrom (ALCOA EC31R – 96,7% Al2 O3), moída a úmido por tempos diversos (1,5 , 3, 8, 21, 99 e 12443 horas), em moinho de bolas (esferas de alta alumina), sendo adicionada uma pequena quantidade de defloculante (poliacrilato de sódio), suficiente apenas para se evitar a aglomeração natural que ocorre com a cominuição. Foram geradas nove granulometrias distintas, conforme pode ser visto na Fig. 2. As distribuições foram analisadas em um equipamento Sedigraph 5100 (Micromeritics).

Figura 2
– Distribuições granulométricas da alumina eletrofundida marrom obtidas em diversos tempos de moagem. Na legenda, o número indica as horas de moagem e as letras a e b as moagens em seqüência.

As suspensões, com concentração de 55% em volume (densidade = 2,6 g/cm3; água destilada), foram preparadas em um agitador mecânico e defloculadas ao ponto de mínima viscosidade utilizando poliacrilato de sódio. Foi ainda efetuada a dispersão ultra-sônica seguida de vácuo para eliminação de aglomerados residuais e bolhas de ar incorporadas.

Após a preparação, as suspensões foram ensaiadas em um reômetro Brookfield (LVDV-III), realizando-se curvas de viscosidade em função da taxa de cisalhamento.

RESULTADOS E DICUSSÃO

As composições formuladas e suas respectivas diferenças quadráticas são apresentadas na Tabela I.

Tabela I
– Composições formuladas pela rotina de combinação automática (Automático) e pela metodologia de Pileggi e Pandolfelli [2] (Visual) e suas respectivas diferenças quadráticas para as curvas teóricas Alfred e Andreasen, ambas com coeficiente de distribuição q = 0,37, além do tempo dispendido para execução de cada formulação.

A Fig. 3 contém as curvas de distribuição granulométricas respectivas às composições da Tabela I, além das distribuições teóricas de Alfred e Andreasen (q = 0,37). Analisando as formulações geradas e suas respectivas diferenças quadráticas (Tabela I), verifica-se acentuada semelhança entre as composições formuladas automaticamente com as geradas pela metodologia descrita na referência 2. Tal semelhança é ainda mais notória para as formulações referentes a Andreasen. As distribuições granulométricas contidas na Fig. 3 reforçam esta verificação, apresentando as curvas granulométricas das formulações muito bem ajustadas às curvas alvo planejadas para ambas metodologias de formulação, concordando com os baixos valores de diferença quadrática calculados.

Figura 3
– Distribuição granulométrica das composições formuladas pela rotina proposta (Ajuste Automático) e pela metodologia de Pileggi e Pandolfelli [2] (Ajuste Visual) e as curvas teóricas de Alfred e Andreasen (q = 0,37).

O fato de ambas composições ajustadas pela metodologia de ajuste visual apresentarem ajustes bastante precisos em relação às curvas alvo utilizadas, concorda com aqueles anteriormente apresentados por estes autores [2], os quais provaram a eficácia desta metodologia. Desta forma, a obtenção de ajustes com precisão ligeiramente superior pela rotina automatizada, permite concluir que a mesma é eficaz no processo de combinação de MP’s, fornecendo resultados iguais ou melhores à da metodologia anterior.

Outro aspecto relevante da rotina automatizada, diz respeito a sua capacidade de solucionar o problema de minimização da diferença quadrática através de teoria de otimização. Isto significa que é teoricamente improvável que haja um ajuste melhor que o obtido pela mesma.

Por outro lado, foi mostrado a possibilidade em se atingir ajustes muito bons, mesmo sem se utilizar a rotina automatizada. No entanto, avaliando o tempo gasto para gerar cada formulação (Tabela I) manifesta-se a principal diferença entre os processos de formulação em análise, que é a elevada velocidade de formulação da rotina automatizada.

O processo descrito na referência 2 necessita que o usuário informe o teor de cada MP e analise o valor de diferença quadrática, repetindo estes procedimentos até que se considere o ajuste satisfatório. Desta forma, os resultados finais, referentes ao tempo dispendido e à precisão obtida, serão sempre dependentes da perícia do operador. Isto não se verifica no sistema automatizado proposto, onde o usuário apenas informa a distribuição granulométrica das MP’s, e a curva de distribuição planejada.

Comparativamente aos sistemas de formulação automatizados, que se tem conhecimento na literatura [3], os quais permitem combinar no máximo dez MP’s distintas, a rotina aqui desenvolvida baseada em otimização permite combinar um número qualquer de MP’s. Isto viabiliza sua utilização no desenvolvimento de composições mais complexas, como por exemplo os concretos refratários.

A Fig. 4 apresenta as curvas de viscosidade versus taxa de cisalhamento das suspensões geradas a partir das formulações apresentadas na Tabela I.

Figura 4
– Curvas de viscosidade (mPa.s) em função da taxa de cisalhamento (1/s) das suspensões compostas pelas formulações apresentadas na Tabela I: (A) ajustes a Andreasen; (B) ajustes a Alfred

Os resultados reológicos obtidos para as composições ajustadas, a uma mesma curva alvo, pelas duas metodologias em questão, mostram-se muito semelhantes. Especificamente, ambas formulações ajustadas a Andreasen apresentam comportamento reológico muito próximo (Fig. 4(A)), fato este que concorda com a pequena diferença entre suas formulações, conforme verificado na Tabela I. No entanto, as formulações ajustadas a Alfred divergiram entre si mais que as de Andreasen. Isto efetivamente deve ter contribuído para a ligeira diferença entre as curvas de viscosidade, para as formulações de Alfred, apresentadas na Fig. 4(B).

Interpretando mais detalhadamente as formulações apresentadas na Tabela I, observa-se que os ajustes a Alfred utilizaram quatro MP’s das nove disponíveis, enquanto a Andreasen apenas duas foram suficientes. Ou seja, quanto maior o número de MP’s necessárias para compor um determinado ajuste granulométrico, maior será a possibilidade de ocorrer discordâncias entre dois ajustes para uma mesma curva granulométrica planejada, inclusive se as diferenças quadráticas forem similares.

Tal verificação indica outra vantagem da rotina automatizada, que é o de sempre reproduzir o mesmo critério de ajuste para todas as composições formuladas, tornando o processo independente de oscilações originadas pelas características individuais de quem esteja executando o ajuste.

A abordagem por teoria de otimização permite ainda que se assumam outros objetivos a serem controlados em paralelo ao ajuste granulométrico, como por exemplo, controlar a composição química, área superficial, densidade, etc.

Análise geral da metodologia emrpegada

O conceito utilizado na concepção do software, que é o de assumir o ajuste granulométrico como variável primária para a elaboração de uma composição, e as demais variáveis dependentes (composição química, densidade, área superficial e custo) como restrições ao problema básico, mostra-se simples e eficiente para controlar, simultaneamente, diversas variáveis necessárias à elaboração de uma composição.

A disposição em módulos, facilita sobremaneira a operação do software, pois o usuário trabalha as informações a serem fornecidas, ou obtidas deste, de forma organizada e em etapas diferenciadas. Por exemplo, se o que se deseja é apenas alimentar o sistema com informações sobre MP’s, o usuário só acessa o módulo específico para tal, e após armazenadas, estas informações sobre MP’s estarão disponíveis para confecção de qualquer produto. O mesmo ocorre com as curvas alvo e com as especificações de produtos. Ou seja, o usuário tem a possibilidade de alimentar apenas uma vez o sistema com informações, para posteriormente trabalhar nas composições.

Todo o software foi desenvolvido em ambiente gráfico (Windows®) para tornar sua operação a mais amigável e segura possível para o usuário. Especificamente, no módulo de formulação, este visualiza automaticamente as curvas alvo e a resultante da combinação das MP’s, simultaneamente aos sinais luminosos referentes às restrições definidas ao produto. Assim, toda tarefa do usuário será a de minimizar a diferença quadrática (apresentada na tela), mantendo verdes os sinais. Caso não seja possível obedecer a condição acima descrita, o usuário deve optar ou por alterar as especificações ou por selecionar novas MP’s para compor o produto.

Uma vez que os cálculos apresentados anteriormente, referentes ao desenvolvimento de suspensões e controle de teor de aditivos, são decorrência direta da formulação gerada, o sistema automaticamente refaz tais cálculos toda vez que a formulação for alterada.

Finalmente, após ter sido desenvolvida a composição, o software apresenta a possibilidade de emitir relatórios sobre a formulação gerada e se o usuário informar a quantidade de massa que deseja preparar, calcula automaticamente a quantidade de cada MP, dos aditivos e de água (tanto em peso, como em volume), gerando uma ficha de pesagem. Há ainda a possibilidade de se emitir relatórios individuais sobre as MP’s que compõe o banco de dados do sistema.

O fato de que o software é dedicado ao problema de formulação, permitiu que fosse incluído no mesmo critérios de segurança, de forma que o acesso às informações contidas possa ser restringido através do uso de senhas.

CONCLUSÕES

O software PSDesigner constitui-se como uma ferramenta poderosa no desenvolvimento de composições cerâmicas, pois permite controlar simultaneamente sua distribuição granulométrica, composição química, área superficial, densidade e custo.

Sua concepção permite que a utilização seja simples, e por ter sido desenvolvido em ambiente gráfico é também bastante amigável. As variáveis de restrição, representadas por sinais luminosos, permitem que no decorrer do ajuste granulométrico o usuário tenha total controle sobre as mesmas.

A rotina automatizada que emprega é eficaz na combinação de diversas MP’s com intuito de obter a distribuição granulométrica mais próxima possível da planejada. A precisão obtida é em geral superior à da metodologia de formulação de Pileggi e Pandolfelli [2], e uma vez que a rotina é baseada em teoria de otimização, qualquer formulação gerada será a de menor diferença quadrática existente na condição envolvida (MP’s disponíveis e curva planejada). Além disso, a rotina permite uma elevada velocidade de formulação, constituindo-se em uma ferramenta rápida e precisa de combinação de MP’s, utilizando sempre o mesmo critério de ajuste em qualquer formulação elaborada.

No entanto, não se pode afirmar que através de metodologias de formulação, anteriormente apresentadas [2, 3], não se possa obter composições bem ajustadas às distribuições planejadas. O fato é que nestas, a precisão e a velocidade de ajuste sempre estarão vinculadas à perícia de quem o realiza. O tempo de ajuste é maior e há a incerteza se o resultado obtido é o mais adequado. Além disso, o fato que quanto mais MP’s forem necessárias a uma formulação, maior a possibilidade de se encontrar diversas combinações com diferenças quadráticas semelhantes, torna o critério de formulação ainda mais subjetivo.

O software é capaz de operar com um número qualquer de MP’s distintas, inclusive na opção automática, e não apenas dez como nos modelos automatizados existentes, por exemplo o de Dinger e Funk [3]. Assim, sua utilização é viabilizada para o desenvolvimento de formulações mais complexas, que envolvam uma maior quantidade de MP’s distintas, como os concretos refratários [7-10]. Pode-se afirmar ainda que o problema de combinar MP’s em busca de uma distribuição planejada fica restrito à caracterização de suas granulometrias.

A facilidade de emissão de relatórios permite que o sistema seja utilizado inclusive para emissão de fichas de pesagem, as quais podem ser empregadas diretamente em processos industriais.

Por ter sido desenvolvido um software dedicado à solução do problema de elaboração de composições, há também uma maior segurança no que diz respeito ao acesso às informações por pessoas não autorizadas.

O software não destina-se apenas ao desenvolvimento de novas composições, mas também pode ser empregado como ferramenta de controle de qualidade de processos industriais, permitindo a reformulação de composições caso haja necessidade. Pode ainda ser utilizado no estudo de composições sobre as quais não se têm informações prévias, pois seu módulo de criação de curvas alvo pode ser aplicado diretamente sobre tais composições, determinando qual a distribuição das mesmas.

AGRADECIMENTOS

Os autores agradecem à FAPESP, ao CNPq e à Alcoa Alumínio S.A., em especial aos programadores Rogério B. Villas Boas e Carlos Alberto Bonazzi pela execução deste trabalho.

(Rec. 05/98, Ac. 10/98)

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Datas de Publicação

  • Publicação nesta coleção
    12 Jun 2000
  • Data do Fascículo
    Out 1998

Histórico

  • Recebido
    Maio 1998
  • Aceito
    Out 1998
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