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Microscopia de varredura por sonda mecânica: uma introdução

Scanning probe microscopy: an introduction

Resumos

A análise estrutural de materiais experimentou um grande avanço nos últimos anos, associado ao desenvolvimento das técnicas de Microscopia de Varredura por Sonda Mecânica, surgidas na década passada e consolidadas nos anos 90. Trata-se de um enfoque analítico inteiramente original, envolvendo conhecimento e tecnologia multidisciplinar, de amplo espectro de aplicação, devido, principalmente, à resolução em escala nanométrica, à facilidade de operação ao ar, em meio líquido e em vácuo e à possibilidade de grandes ampliações na direção z. Neste artigo, são descritos os princípios básicos das técnicas mais utilizadas, ilustrados através de exemplos de trabalhos realizados pelo grupo do Laboratório de Nanoscopia da Fundação Centro Tecnológico de Minas Gerais - CETEC. São apresentados exemplos obtidos em diversas tipos de materiais, visando mostrar a potencialidade destas novas técnicas de análise nanoestrutural.


During the last few years, the structural analysis of materials has gone through a great advancement which is related to the development of Scanning Probe Microscopy techniques. Originated in the last decade, these techniques were strengthened and spread worldwide during the 90s. They constitute a new methodology of analysis, involving both knowledge and technology from a multitude of different areas. Their large application spectrum is due, mainly, to: large nanometric-scale resolution; capability of operation in air, liquid or in vacuum environments; and the great quantitative magnification in the z direction. In this paper, the basic ideas concerning the most utilized techniques are described. Applications of each technique, evidencing its potentialities in nanostructural analysis, are also illustrated by some examples of works carried out at the Laboratório de Nanoscopia of the Fundação Centro Tecnológico de Minas Gerais - CETEC.


Microscopia de varredura por sonda mecânica: uma introdução

(Scanning probe microscopy: an introduction)

B. R. A. Neves, J. M. C. Vilela e M. S. Andrade

Laboratório de Nanoscopia

Fundação Centro Tecnológico de Minas Gerais – CETEC

Av. José Cândido da Silveira, 2000 – Horto

Belo Horizonte, MG 31170-000

spangler@cetec.gov.br

Resumo

A análise estrutural de materiais experimentou um grande avanço nos últimos anos, associado ao desenvolvimento das técnicas de Microscopia de Varredura por Sonda Mecânica, surgidas na década passada e consolidadas nos anos 90. Trata-se de um enfoque analítico inteiramente original, envolvendo conhecimento e tecnologia multidisciplinar, de amplo espectro de aplicação, devido, principalmente, à resolução em escala nanométrica, à facilidade de operação ao ar, em meio líquido e em vácuo e à possibilidade de grandes ampliações na direção z. Neste artigo, são descritos os princípios básicos das técnicas mais utilizadas, ilustrados através de exemplos de trabalhos realizados pelo grupo do Laboratório de Nanoscopia da Fundação Centro Tecnológico de Minas Gerais - CETEC. São apresentados exemplos obtidos em diversas tipos de materiais, visando mostrar a potencialidade destas novas técnicas de análise nanoestrutural.

Abstract

During the last few years, the structural analysis of materials has gone through a great advancement which is related to the development of Scanning Probe Microscopy techniques. Originated in the last decade, these techniques were strengthened and spread worldwide during the 90s. They constitute a new methodology of analysis, involving both knowledge and technology from a multitude of different areas. Their large application spectrum is due, mainly, to: large nanometric-scale resolution; capability of operation in air, liquid or in vacuum environments; and the great quantitative magnification in the z direction. In this paper, the basic ideas concerning the most utilized techniques are described. Applications of each technique, evidencing its potentialities in nanostructural analysis, are also illustrated by some examples of works carried out at the Laboratório de Nanoscopia of the Fundação Centro Tecnológico de Minas Gerais – CETEC.

INTRODUÇÃO

No início dos anos 80, a Microscopia de Varredura por Sonda Mecânica (SPM – Scanning Probe Microscopy) encantou o mundo com as primeiras imagens, no espaço real, da superfície de um monocristal de silício com resolução atômica. Desde então, a técnica de SPM vem sendo utilizada numa ampla variedade de disciplinas, incluindo praticamente todas as áreas de Ciência dos Materiais e de Superfícies, produzindo imagens tri-dimensionais impressionantes – de átomos de carbono a protuberâncias nanométricas na superfície de células vivas. Este artigo pretende fazer uma introdução a toda família de técnicas que compõe o termo genérico SPM, descrevendo brevemente os seus princípios de funcionamento e aplicabilidade.

Apesar de fornecerem informações bastante diferentes entre si, tais como morfologia, condutividade elétrica, dureza e propriedades magnéticas, todas a técnicas da família SPM se baseiam num mesmo princípio de operação que está esquematizado na Fig.1. Todo microscópio que opera as técnicas de SPM possui:


  1. sonda mecânica (A);

  2. posicionador piezoelétrico -"

    scanner"- (B) constituído de material cerâmico – PZT;

  3. mecanismo de monitoração da interação sonda-amostra (C);

  4. sistema de posicionamento preliminar da sonda sobre a amostra (D);

  5. e computador que controla todo o sistema (E).

Conforme mostra a Fig. 1, o princípio de funcionamento pode ser resumido da seguinte maneira: a sonda mecânica (A) é colocada em contato, ou muito próxima, da superfície da amostra (F) que se quer investigar, o que dá origem a uma interação altamente localizada entre a sonda e a amostra. O "scanner" piezoelétrico (B) provê a movimentação lateral da amostra em relação à sonda, descrevendo um padrão de varredura. Através do mecanismo de monitoração (C), detecta-se a variação da interação sonda-amostra durante a varredura e esta informação é passada a um sistema de realimentação que controla a separação entre sonda e amostra. Todo este processo é controlado por computador (E), que movimenta o "scanner", recebe os dados e os converte, formando a imagem da amostra. Com o objetivo de se posicionar a sonda sobre uma determinada região da amostra, o sistema possui um mecanismo de aproximação (D) que coloca a sonda nas proximidades da localização desejada.

Utilizando-se o sistema básico descrito acima, foram desenvolvidas as diversas técnicas que compõem a família SPM. As técnicas mais comumente utilizadas serão descritas a seguir.

MICROSCOPIA DE VARREDURA POR TUNELAMENTO

A Microscopia de Varredura por Tunelamento (STM – Scanning Tunneling Microscopy) foi a primeira técnica de SPM a ser criada. Ela surgiu em 1981 nos Laboratórios da IBM, em Zurique, como resultado do trabalho de Gerd Binnig e Heinrich Rohrer [2], que foram agraciados com o Prêmio Nobel de Física de 1986 por esta invenção. O STM foi o primeiro equipamento experimental a gerar imagens em espaço real de superfícies, com resolução atômica.

O esquema de funcionamento do STM é basicamente o descrito na Fig.1, com uma peculiaridade na interação sonda-amostra e sua monitoração. A técnica de STM utiliza uma sonda condutora bastante fina, e uma tensão V é aplicada entre a sonda e a amostra, que também deve ser condutora. Quando a sonda se aproxima cerca de 10 Å da superfície da amostra, elétrons da ponta podem passar para a amostra, ou vice-versa, dependendo da polaridade da tensão aplicada, através do fenômeno físico do tunelamento quântico por uma barreira de potencial [3]. A barreira é representada neste caso pelo espaço vazio d entre a sonda e a amostra, conforme mostra a Fig. 2. A corrente de tunelamento resultante deste processo varia com a distância sonda-amostra e é esta característica que é usada na monitoração da posição vertical da sonda (ver Fig.1). A corrente de tunelamento I é uma função exponencial da distância d, mostrada na Fig. 2. Pode-se mostrar que se a separação entre a sonda e amostra varia de 1 Å apenas, a corrente de tunelamento varia uma ordem de grandeza. Esta dependência exponencial dá à técnica de STM a sua enorme sensibilidade, sendo ela capaz de produzir imagens da superfície de uma amostra com precisão de 0.1 Å, na escala vertical, e melhor que 1 Å na escala lateral.

Figura 2:
Desenho esquemático do princípio de funcionamento da técnica de STM. Os átomos da sonda A e da superfície da amostra F são indicados por círculos. Mais de 90% da corrente de tunelamento I provém da interação do último átomo da sonda com o átomo da superfície mais próximo. V é a tensão aplicada entre a sonda e a amostra e d é a distância sonda-amostra.

A Fig. 3 mostra um exemplo de aplicação da técnica de STM através da imagem da superfície de grafite (HOPG – Highly Oriented Pyrolytic Graphite) com resolução atômica. Pode-se identificar facilmente a posição de cada átomo de carbono na superfície da amostra. Na imagem, os átomos de carbono na primeira camada da superfície são indicados pelas regiões mais claras (quatro deles são indicados por círculos cheios). Estes quatro átomos formam a célula primitiva da rede de Bravais bidimensional com geometria hexagonal. O valor médio encontrado para a separação entre primeiros vizinhos é de 2,6 Å, em ótima concordância com o valor tabelado de 2,55 Å obtido em experimentos de difração.

Figura 3:
Imagem de STM de grafite HOPG. A área de varredura mostrada na imagem é 1 nm2. Os círculos cheios indicam a posição de átomos de carbono na primeira camada do grafite.

MICROSCOPIA DE FORÇA ATÔMICA

Na Microscopia de Força Atômica (AFM – Atomic Force Microscopy), uma sonda extremamente fina (~100 Å de diâmetro na extremidade de sonda) varre a superfície da amostra em inspeção. A sonda é montada sobre a extremidade livre de uma alavanca que mede cerca de 100 a 200 mm de comprimento. Quando a sonda se aproxima da superfície da amostra, forças de interação sonda-amostra surgem e fazem a alavanca defletir. Esta deflexão é monitorada por um detetor à medida em que a sonda varre a superfície, conforme ilustra a Fig. 4a. Este sinal de deflexão da alavanca pode ser utilizado pelo computador para gerar um mapa da topografia da superfície da amostra, bastando fazer uma conversão de variação do sinal no detetor para variação de altura na amostra. Entretanto, este processo de conversão é complicado e o método mais utilizado na geração de imagens topográficas é o seguinte: determina-se uma força que se quer aplicar constantemente sobre a amostra, ou seja, determina-se um valor do sinal que deve ser permanentemente observado pelo detetor. O computador, então, durante a varredura ajusta a posição vertical da amostra, através do "scanner" piezoelétrico, de maneira a manter a força, ou o sinal, no valor previamente determinado. A variação de altura no "scanner" corresponde exatamente à variação topográfica na amostra, e assim a morfologia da amostra é revelada diretamente, sem a necessidade de conversão do sinal do detetor. As forças de interação sonda-amostra podem ser atrativas ou repulsivas, dependendo da distância sonda-amostra, conforme mostra a Fig. 4b. A longas distâncias (d > 1 mm), praticamente não há qualquer interação. A medida que a sonda se aproxima da amostra (d £ 50 nm), forças atrativas passam a atuar entre a sonda e amostra – tipicamente, forças de Van der Waals. A força atrativa aumenta com a aproximação da sonda, conforme mostra a Fig. 4b, até que a separação seja da ordem da separação inter-atômica (d » 0,5 nm). A partir deste ponto, fortes forças eletrostáticas repulsivas entre as nuvens eletrônicas das camadas de valência da sonda e da amostra passam a atuar, e a força resultante total passa e ser repulsiva. Nesta região, diz-se que a sonda está em contato físico com a superfície da amostra.

Figura 4:
(a) Desenho esquemático do princípio de funcionamento da técnica de AFM. O fotodetetor monitora a deflexão da alavanca durante a varredura através da mudança na reflexão de um feixe de Laser incidente; (b) Curva esquemática mostrando a dependência da força de interação sonda-amostra em função da separação entre elas.

Conforme o caráter da interação, atrativo ou repulsivo, pode-se definir alguns modos de operação na técnica de AFM. São eles:

Não-Contato, onde a interação sonda-amostra é atrativa;

Contato, com interação repulsiva; e

Contato Intermitente, onde o regime ora é atrativo, ora é repulsivo.

No Contato Intermitente, a sonda oscila sobre a superfície da amostra, tocando-a periodicamente. O modo Contato permite obter imagens com altíssima resolução, a nível atômico, mas o atrito entre a sonda e a amostra pode danificar a superfície, caso ela seja macia, produzindo uma imagem distorcida. O modo Não-Contato apresenta a vantagem de não danificar a amostra, pois a princípio não há contato físico com a sonda, porém a resolução normalmente fica limitada a algumas dezenas de nanômetros, que a é distância sonda-amostra. O modo de Contato Intermitente reúne vantagens dos dois modos anteriores: como há contato físico entre a sonda e a amostra, consegue-se altas resoluções (~ 1 nm). Porém, como a movimentação é feita com a sonda no ar, as forças de atrito entre a sonda e amostra são grandemente reduzidas, eliminando os problemas de deformação da amostra presentes no modo Contato. Vale ressaltar que as forças envolvidas na técnica de AFM não dependem da amostra ser condutora ou não. Assim, ao contrário de STM, onde as amostras devem ser condutoras, a microscopia de força atômica se aplica igualmente bem a amostras condutoras e/ou isolantes. A Fig. 5a mostra uma imagem, feita no modo Contato Intermitente, de uma superfície composta por pó prensado (pré-sinterização) de ferrita NiZn produzida por processo hidrotérmico [4]. Pode-se observar claramente a morfologia tridimensional do aglomerado de partículas de NiZn. Esta representa mais uma vantagem das técnicas de SPM sobre as demais técnicas microscópicas convencionais (microscopia óptica e microscopia eletrônica): a obtenção de informação quantitativa nas três direções espaciais, e não apenas em duas direções, como nas demais microscopias, possibilitando a reconstrução exata dos aspectos morfológicos tridimensionais da superfície da amostra. Como um exemplo do modo Contato, a Fig. 5b mostra uma imagem da superfície de um aço eutetóide. Diferente da figura anterior, a informação quantitativa sobre a topografia da amostra é fornecida, nesta imagem, pela escala em tons de cinza. A estrutura lamelar das fases ricas em ferro (regiões escuras) e fases ricas em carbono (regiões claras), que compõem a estrutura denominada perlita, é facilmente identificada na imagem de AFM [5].

Figura 5:
Imagens de AFM de diferentes materiais obtidas por diferentes modos de operação: a) Imagem tridimensional de AFM, obtida no modo Contato Intermitente, de um aglomerado de partículas de NiZn; b) Imagem da superfície de um aço eutetóide, obtida no modo AFM-Contato, mostrando a sua estrutura lamelar.

MICROSCOPIA DE FORÇA LATERAL

A Microscopia de Força Lateral (LFM – Lateral Force Microscopy) é uma técnica intimamente ligada à AFM operando no modo Contato. Na realidade, o modo de operação da LFM é inteiramente análogo ao AFM-Contato. A diferença está basicamente no fato de além de se monitorar a deflexão da sonda, monitora-se também a sua torção. Neste modo, a sonda percorre a superfície da amostra numa direção perpendicular ao eixo da alavanca que a segura, isto é, a sonda varre lateralmente a amostra. Como materiais diferentes possuem coeficientes de atrito diferentes, ou em outras palavras, interagem de maneira diferente com a sonda, esta sofrerá torções ao passar por regiões de diferentes materiais na superfície da amostra. Mesmo que esta superfície seja perfeitamente plana, isto é, a imagem topográfica obtida no modo AFM-Contato não mostre nenhum contraste, a imagem de LFM indicará as regiões de maior e/ou menor força lateral, evidenciando a presença de materiais diferentes na superfície da amostra, conforme indica a Fig. 6.

Figura 6
– Desenho esquemático do modo de operação de técnica de LFM. A alavanca que suporta a sonda, varrendo lateralmente a superfície da amostra, sofre uma torção ao passar por uma região composta por uma material diferente, produzindo a imagem de LFM.

A Fig. 7 mostra um exemplo da aplicação da técnica de LFM na identificação de fases distintas em um material aparentemente homogêneo. Na Fig. 7a está a imagem topográfica da superfície de uma liga Chumbo-Estanho (Pb-Sn) utilizada na soldagem de dispositivos eletro-eletrônicos. A superfície aparenta ser bastante homogênea e não apresenta grandes variações na sua topografia. Entretanto, na Fig. 7b, obtida simultaneamente com a Fig. 7a, a imagem de LFM mostra nitidamente regiões mais claras numa matriz mais escura. As regiões mais claras (de maior atrito) correspondem à fase da liga rica em estanho (fase a) e a matriz escura corresponde à fase rica em chumbo (fase b) [6].

Figura 7
– Imagens da superfície de uma liga Chumbo-Estanho. a) Imagem topográfica da superfície, obtida no modo AFM-Contato. b) Imagem da mesma região, obtida por LFM, evidenciando a presença de duas fases distintas, uma rica em chumbo e outra em estanho, na superfície da liga.

MICROSCOPIA DE CONTRASTE DE FASE

Assim como a Microscopia de Força Lateral, a Microscopia de Contraste de Fase (PCM – Phase Contrast Microscopy) está intimamente relacionada com um modo de operação da técnica de AFM. Porém, no caso da PCM, a técnica de origem é AFM-Contato Intermitente. Na realidade, a técnica de PCM surgiu, inicialmente, apenas como mais um método de detecção da interação sonda-amostra, utilizado dentro do modo de operação AFM-Contato Intermitente. Mas sua grande aplicabilidade a diversos tipos de situações permite que ela seja apresentada como uma técnica da família SPM em separado. A Fig. 8 ilustra de maneira esquemática o modo de funcionamento da Microscopia de Contraste de Fase. A sonda, operando no modo Contato Intermitente (CI), é colocada para oscilar por meio de um atuador piezoelétrico colocado na base da alavanca que contém a sonda. O aspecto senoidal da oscilação está esquematizado na figura. A sonda, ao varrer a superfície da amostra, muda a fase da oscilação ao encontrar condições diferentes de interação sonda-amostra na superfície.

Figura 8
– Desenho esquemático do modo de funcionamento da Microscopia de Contraste de Fase. A sonda oscila sob o efeito de um atuador e a diferença de fase D entre o atuador e o fotodetetor, gerada durante a passagem da sonda por materiais diferentes, produz a imagem de PCM.

Fica estabelecido, assim, uma diferença de fase D entre o sinal do atuador e o sinal que o fotodetetor mede (ver Fig.4a), que só será anulada quando a condição inicial de interação for restabelecida. Existe uma série de fatores que podem modificar esta interação, tais como mudanças de material, de propriedades visco-elásticas e até mesmo de propriedades topográficas, mesmo que estas sejam praticamente imperceptíveis. Portanto, a técnica de PCM é sensível a todos estes tipos de características, podendo ser utilizada em situações bastante diversas.

Um exemplo de aplicação da técnica está presente na Fig. 9, que mostra a imagem topográfica obtida por AFM-Contato Intermitente e a imagem de Contraste de Fase da mesma região da superfície do polímero P(VDF-TrFE) – poli fluoreto de vinilideno trifluoretileno. O objetivo ao se fazer estas imagens foi o de obter informações sobre a morfologia de cristalização do polímero. A imagem topográfica (Fig. 9a) mostra alguns filamentos do polímero, entretanto, a imagem da Fig. 9b mostra uma rede de filamentos de polímeros, formando uma estrutura dendrítica [7]. Conforme pode-se observar, a imagem de PCM produz uma quantidade muito maior de informações sobre a estrutura do polímero. É interessante observar que, neste caso, o Contraste de Fase é produzido por pequenas variações na topografia do material, realçando os contornos das cadeias poliméricas, e não está associado a variação de material, uma vez que, em princípio, o material é homogêneo.

Figura 9
– Imagens da superfície do polímero P(VDF-TrFE). a) Imagem topográfica obtida no modo AFM-Contato Intermitente. b) Imagem da mesma região, obtida simultaneamente, monitorando-se a diferença de fase na oscilação da sonda ao longo da varredura (modo PCM).

MICROSCOPIA DE MODULAÇÃO DE FORÇA

A Microscopia de Modulação de Força (FMM – Force Modulation Microscopy) pode ser considerada como um híbrido das técnicas AFM-Contato e AFM-Contato Intermitente. Ela apresenta grande utilidade na determinação da dureza relativa dos diversos materiais presentes na superfície da amostra sob investigação. A Fig. 10 ilustra esquematicamente o seu princípio de operação. Uma sonda é forçada a oscilar, tal como no modo AFM-Contato Intermitente, porém sob contato permanente com a superfície da amostra. Ao passar por regiões mais macias da amostra, a sonda consegue penetrar ligeiramente na superfície, conforme mostra a figura. Porém, ao passar por uma região de material mais duro, a sonda não consegue penetrar na superfície, sofrendo, assim, uma deflexão maior. Monitorando-se a amplitude da deflexão da sonda, pode-se associar diretamente regiões de pequenas amplitudes a regiões macias, e analogamente, regiões de grandes amplitudes a regiões mais duras na superfície da amostra. A imagem de FMM assim formada representa um mapa das durezas relativas dos diversos materiais presentes na superfície da amostra.

Figura 10
– Desenho esquemático do princípio de funcionamento da Microscopia de Modulação de Força. A sonda é posta a oscilar em contato com a superfície da amostra e as regiões mais duras da amostra provocarão uma deflexão maior da sonda, aumentando a amplitude do sinal senoidal no detetor, formando, assim, a imagem de FMM.

A técnica de FMM é bastante útil na identificação de diferentes materiais que, eventualmente, não são evidenciados pela simples imagem morfológica de AFM. A Fig. 11 mostra um exemplo de aplicação da FMM no composto de moldagem utilizado no encapsulamento de dispositivos eletrônicos. A imagem morfológica de AFM-Contato mostrada na Fig. 11a não evidencia os diferentes materiais presentes no composto, tal como é feito pela imagem de FMM mostrada na Fig. 11b. Nesta figura, pode-se ver que o composto é formado por uma matriz polimérica macia (região mais escura, ou de menor amplitude) com várias inclusões de partículas de polímeros mais duros (regiões mais claras, ou de maior amplitude) [8].

Figura 11
– Imagens do composto de moldagem utilizado no encapsulamento de dispositivos eletrônicos. a) Imagem de AFM-Contato da superfície da amostra. b) Imagem de FMM adquirida simultaneamente com a anterior, evidenciando as regiões de durezas relativas diferentes.

MICROSCOPIA DE FORÇA MAGNÉTICA

A Microscopia de Força Magnética (MFM – Magnetic Force Microscopy) é uma técnica bastante útil na investigação de propriedades magnéticas de materiais, e o seu modo de operação está intimamente relacionado com o fato de a força magnética pertencer à família das interações de longo alcance. A Fig. 12 ilustra esquematicamente o princípio de funcionamento da MFM.

Figura 12
– Desenho esquemático do princípio de funcionamento da Microscopia de Força Magnética. Uma sonda magnetizada varre a superfície da amostra, tipicamente a uns 100 nm desta. A interação de longo alcance entre os domínios magnéticos na amostra e na sonda produz a imagem de MFM.

Utiliza-se uma sonda recoberta por um filme de material magnético, normalmente uma liga CoCr, que permite que a sonda seja magnetizada de modo permanente ao ser aproximada de um campo magnético intenso. Na figura, a sonda foi magnetizada perpendicular à superfície da amostra. Tal sonda interage com os diversos domínios magnéticos presentes na amostra, de maneira mais ou menos intensa, conforme as suas orientações, produzindo a imagem de MFM, tal como mostrado na figura. Com o objetivo de separar-se as contribuições magnéticas das contribuições meramente topográficas na formação da imagem de MFM, utiliza-se de um artifício baseado no fato de que as interações magnéticas são de longo alcance (>100 nm) enquanto que as responsáveis pela imagem topográfica são de curto alcance (<20 nm). Assim, fazendo-se a sonda percorrer a superfície da amostra a cerca de 100 nm desta, elimina-se qualquer vestígio de topografia, obtendo-se somente as informações magnéticas. Entretanto, existe um compromisso entre distância sonda-amostra e resolução espacial: quanto maior a distância, pior a resolução. Assim, a MFM apresenta uma resolução da ordem de 10 a 50 nm, pior que AFM-Contato Intermitente por exemplo, que apresenta uma resolução da ordem de 1 nm. A intensidade da interação magnética pode ser monitorada através de diferentes modos. Fazendo-se a sonda oscilar acima da superfície da amostra, uma variação na força magnética provocará variações na amplitude, frequência e fase desta oscilação. Assim, monitorando-se qualquer um destes parâmetros, tem-se uma medida da intensidade da interação magnética. Particularmente, pode-se mostrar que estas variações são proporcionais ao gradiente do campo magnético na amostra [9].

A Fig. 13 mostra um exemplo típico de aplicação da Microscopia de Força Magnética. A Fig.13a mostra a imagem topográfica, feita por AFM-Contato Intermitente, da superfície de uma fita magnética gravada no formato VHS. A imagem mostra um conjunto grande de partículas sub-micrométricas sobre a superfície da fita, que servem como elemento de redução do atrito entre a fita e a cabeça de leitura/gravação. Já a Fig. 13b mostra a imagem de MFM da mesma região, obtida simultaneamente, com a sonda suspensa 100 nm sobre a superfície da amostra. Pode-se ver claramente duas trilhas magnéticas, onde os domínios variam periodicamente (regiões claras e escuras) ao longo da amostra. É interessante observar que a imagem de MFM não apresenta nenhum resquício da imagem topográfica mostrada na Fig. 13a.

Figura 13
– Imagens da superfície de uma fita de vídeo VHS. a) Imagem topográfica obtida por AFM-Contato Intermitente. b) Imagem de MFM da mesma região revelando duas trilhas de gravação e suas estruturas magnéticas.

OUTRAS TÉCNICAS

Existem ainda uma série de técnicas que compõem a família SPM, embora elas ainda não estejam tão largamente aplicadas como as que foram apresentadas. Cabe aqui fazer uma descrição resumida de três técnicas que vêm sendo bastante difundidas:

Microscopia de Força Elétrica: A Microscopia de Força Eletrica (EFM – Eletric Force Microscopy) é completamente análoga à técnica de MFM descrita acima. Utiliza-se uma sonda condutora para se monitorar cargas e potenciais eletrostáticos na superfície de uma amostra. Tal como na MFM, a EFM se utiliza do fato de as interações elétricas também serem de longo alcance. Portanto, os seus modos de operação são bastante semelhantes.

Microscopia de Varredura Térmica: A Microscopia de Varredura Térmica (SThM – Scanning Thermal Microscopy) talvez seja das técnicas mais recentes da família SPM. Basicamente, a sonda é um sensor térmico de dimensões micrométricas que monitora propriedades térmicas da superfície da amostra, tais como temperatura e condutividade térmica. Porém, por causa das dimensões físicas da sonda, a resolução espacial conseguida na técnica de SThM é da ordem de 100 a 200 nm.

Microscopia de Varredura de Campo Próximo: A Microscopia de Varredura de Campo Próximo (SNOM ou NSOM – Near-field Scanning Optical Microscopy) pode ser considerada quase como um híbrido das microscopias de varredura por sonda com a microscopia ótica. A sonda, neste caso é formada por uma fibra óptica finíssima, que por isto é capaz de enviar sinais óticos à superfície da amostra. Como a área excitada é da ordem da abertura da fibra óptica, consegue-se estudar propriedades ópticas de materiais com resolução espacial da ordem de 50 a 100 nm.

Várias outras técnicas poderiam ainda ser descritas aqui, tais como SCM (Scanning Capacitance Microscopy), IFM (Indentation Force Microscopy) e EC-SPM (Electrochemical Scanning Probe Microscopy). Entretanto, uma exposição detalhada de todas as técnicas que compõem a família SPM escapa aos objetivos deste artigo.

Uma característica comum a toda Microscopia de Varredura por Sonda, que faz aumentar ainda mais a sua versatilidade, é o fato de todos os modos poderem ser operados em diversas condições ambientes. Isto é, pode-se utillizar as diversas técnicas de SPM em meios líquidos, gasosos, como o ambiente, e até em ultra-alto-vácuo. Esta característica permite, por exemplo, o estudo de material biológico "in vivo" e a análise "in situ" de fenômenos de corrosão de materiais em meio aquoso. Deve-se ressaltar ainda a facilidade de preparação das amostras para a análise: normalmente, só se requer que a superfície da amostra seja suficientemente limpa e relativamente plana. Isto faz com que, em boa parte dos casos, não seja necessário fazer absolutamente nenhum processo de preparação das amostras a serem analisadas por SPM.

AGRADECIMENTOS

À Fundação de Amparo à Pesquisa do Estado de Minas Gerais - FAPEMIG - pelo apoio financeiro.

(Rec. 07/98, Ac. 07/98)

  • [1] R. Howland, L. Benatar, A Practical Guide to Scanning Probe Microscopy, Park Scientific Instruments (1996).
  • [2] G. Binnig, H. Rohrer, Ch. Gerber, E. Weibel, Phys. Rev. Lett. 49 (1982) 57.
  • [3] J. Frenkel, Phys. Rev. 36 (1930) 1604.
  • [4] A. Dias, R. L. Moreira, N. D. S. Mohallem, J. M. C. Vilela, M. S. Andrade J. Mater. Res. 13 (1998) 223.
  • [5] V. T. L. Buono, B. M. Gonzalez, T. M. Lima, M. S. Andrade, J. Mater. Sci. 32 (1997) 1005.
  • [6] J. M. C. Vilela, M. S. Andrade, B. R. A. Neves, A. C. C. Reis, J. A. Sluss, C. R. Peter, Acta Microscopica 6A (1997) 252.
  • [7] B. R. A. Neves, L. O. Faria, R. L. Moreira, M. S. Andrade, Acta Microscopica 6A (1997) 268.
  • [8] J. M. C. Vilela, M. S. Andrade, B. R. A. Neves, A. C. C. Reis, J. A. Sluss, C. R. Peter, Acta Microscopica 6A (1997) 250.
  • [9] D. Sarid, Scanning Force Microscopy with applications to Electric, Magnetic, and Atomic Forces, Oxford University Press, New York (1991).

Datas de Publicação

  • Publicação nesta coleção
    05 Jun 2000
  • Data do Fascículo
    Dez 1998

Histórico

  • Aceito
    Jul 1998
  • Recebido
    Jul 1998
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