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Bauxitas refratárias: composição química, fases e propriedades - Parte I

Refractory bauxites: chemical composition, phases and properties - Part I

Resumos

A bauxita apresenta uma ampla faixa de aplicações industriais, de acordo com sua composição química e mineralógica. No setor de refratários, esta matéria-prima tem adquirido grande importância, uma vez que pode substituir parcial ou totalmente agregados de alumina eletrofundida em formados e monolíticos, devido a sua alta refratariedade e custo inferior. Entre os maiores produtores mundiais encontram-se a China, a Guiana e o Brasil. Embora seja um dos maiores produtores mundiais de bauxita refratária, no Brasil pouco se conhece de suas características químicas e mineralógicas, bem como suas propriedades em serviço a altas temperaturas. Esta seqüência de artigos apresenta uma revisão sobre as aplicações, fases cristalinas, características e propriedades a alta temperatura de bauxitas refratárias chinesas e sul-americanas. Nesta primeira parte serão consideradas as aplicações da matéria-prima, as transformações que ocorrem durante a calcinação das bauxitas e a formação de fases cristalinas.

Bauxitas; refrátarios; matérias-primas; propriedades


Bauxite shows a wide range of applications, according to its chemical and mineralogical composition. In the refractory industry, this raw material has partially or totally substituted fused alumina in bricks and castables, due to its high refractoriness and low cost. The major producers of refractory grade bauxite are, in this order, China, Guyana and Brazil. Although Brazil is one of the major suppliers of this raw material, very few studies have been carried out to understand its chemical, mineralogical and high-temperature properties. These papers present a review regarding the applications of South American and Chinese refractory grade bauxites, including the microchemistry of their crystalline phases and their hot properties. This first part will focus the applications of this raw material, the changes that occur during calcination of the crude mineral, and the formation of the crystalline phases.

bauxites; refractories; raw materials; properties


Bauxitas refratárias: Composição química, fases e propriedades - Parte I

(Refractory bauxites: Chemical composition, phases and properties - Part I)

C. Pascoal, V. C. Pandolfelli

Universidade Federal de S. Carlos, DEMa

Rod. Washington Luiz, km 235, S. Carlos, SP, Brasil, 13565-905

email: pclap@iris.ufscar.br

Resumo

A bauxita apresenta uma ampla faixa de aplicações industriais, de acordo com sua composição química e mineralógica. No setor de refratários, esta matéria-prima tem adquirido grande importância, uma vez que pode substituir parcial ou totalmente agregados de alumina eletrofundida em formados e monolíticos, devido a sua alta refratariedade e custo inferior. Entre os maiores produtores mundiais encontram-se a China, a Guiana e o Brasil. Embora seja um dos maiores produtores mundiais de bauxita refratária, no Brasil pouco se conhece de suas características químicas e mineralógicas, bem como suas propriedades em serviço a altas temperaturas. Esta seqüência de artigos apresenta uma revisão sobre as aplicações, fases cristalinas, características e propriedades a alta temperatura de bauxitas refratárias chinesas e sul-americanas. Nesta primeira parte serão consideradas as aplicações da matéria-prima, as transformações que ocorrem durante a calcinação das bauxitas e a formação de fases cristalinas.

Palavras-chave: Bauxitas, refrátarios, matérias-primas, propriedades

Abstract

Bauxite shows a wide range of applications, according to its chemical and mineralogical composition. In the refractory industry, this raw material has partially or totally substituted fused alumina in bricks and castables, due to its high refractoriness and low cost. The major producers of refractory grade bauxite are, in this order, China, Guyana and Brazil. Although Brazil is one of the major suppliers of this raw material, very few studies have been carried out to understand its chemical, mineralogical and high-temperature properties. These papers present a review regarding the applications of South American and Chinese refractory grade bauxites, including the microchemistry of their crystalline phases and their hot properties. This first part will focus the applications of this raw material, the changes that occur during calcination of the crude mineral, and the formation of the crystalline phases.

Keywords: bauxites, refractories, raw materials, properties.

MATERIAIS REFRATÁRIOS

Desde a Antigüidade o homem utiliza-se da resistência e ductilidade do ferro, entre outros metais, para a fabricação de suas armas, ferramentas e jóias [1]. Mas a produção destes objetos só tornou-se possível graças à utilização de materiais refratários em sua confecção. Existem registros de que desde a Idade do Bronze os refratários são utilizados, permitindo a transformação de metais pelo calor [2].

A partir da Revolução Industrial, em pouco mais de um século, o homem conseguiu elevar a produção de aço de menos de 1 milhão para os atuais 780 milhões de toneladas/ano. Este aumento na produção do aço está diretamente relacionado ao desenvolvimento da tecnologia siderúrgica. No Brasil, esta atividade, após o plano de privatizações iniciado em 1990, vem sofrendo rápidas transformações, na tentativa de adequar-se aos padrões mundiais de qualidade e produtividade. No panorama geral, a siderurgia brasileira é fortemente internacionalizada, sendo o maior exportador mundial de minério de ferro e comercializando com o mercado exterior cerca de 40% dos produtos siderúrgicos aqui fabricados [1]. Este aprimoramento do setor, que é responsável por 70% do consumo de refratários no Brasil, vem proporcionando extraordinária evolução tecnológica das indústrias de refratários [3].

A força motriz para o desenvolvimento tecnológico do setor de refratários veio da necessidade de fabricar aços de alta qualidade e de baixo custo de produção [2]. Tal esforço vem exigindo volume considerável de investimentos por parte das indústrias de refratários, para obtenção de produtos de maior vida útil e melhor desempenho. Nota-se uma tendência de aumento no consumo dos refratários mais nobres. Mais recentemente, com a implantação de normas internacionais de qualidade, outros fatores tornaram-se também importantes no desenvolvimento tecnológico dos refratários, como a necessidade de proteção ao meio ambiente e a melhoria das condições insalubres de trabalho.

Verifica-se hoje que as indústrias refrataristas geram produtos de tecnologia avançada e superior desempenho [3]. Tal avanço resultou em 1998 na obtenção da marca de 10,5 kg de refratários por tonelada de aço produzido na indústria siderúrgica brasileira. Apesar do consumo de refratários apresentar uma tendência decrescente, o valor agregado destes produtos tende a crescer significativamente, mantendo desta maneira o faturamento das empresas do setor em sintonia com as diretrizes do mercado.

No Brasil e no mundo, a produção de não moldados tem crescido gradativamente, atingindo a proporção de 40% sobre o total de refratários fabricados [1]. Este aumento é decorrente das vantagens que estes materiais apresentam quando comparados aos refratários moldados convencionais: 1. Processamento rápido, sem necessidade de conformação prévia; 2. Eliminação da etapa de pré-queima, reduzindo o consumo de energia; 3. Instalação rápida, com custo de mão-de-obra reduzido, e 4. Capacidade de revestir geometrias complexas com maior facilidade.

BAUXITA

O mineral bauxita, matéria-prima heterogênea composta principalmente de um ou mais tipos de hidróxido de alumínio (gibsita, boemita, diásporo), acrescido de uma mistura de compostos contendo sílica, óxido de ferro, titânia e aluminossilicatos, apresenta uma ampla faixa de aplicações industriais, de acordo com sua composição química e mineralógica [4]. Mais de 90% da produção mundial de bauxita é utilizada na obtenção de alumina, visando principalmente a redução ao alumínio metálico (85%). O restante da produção é dividido entre os setores de refratários, abrasivos, cimentos e químicos, sendo que a indústria de refratários responde pela maior fatia do mercado de bauxitas de uso não metalúrgico, como pode ser observado na Figura 1 [5].


Esta matéria-prima, quando utilizada na produção de abrasivos, refratários e químicos, deve satisfazer especificações de composição bastante rígidas (Tabela 1), baseadas em necessidades do processo e em propriedades especiais do produto final [6]. Para satisfazer as condições de alta temperatura a que estarão sujeitos os produtos refratários, bauxitas utilizadas nesta aplicação devem possuir alto teor de alumina (mínimo 86,5% após calcinação) e baixo teor de óxido de ferro (máximo 2,5% após calcinação). Para evitar a formação de eutéticos de baixo ponto de fusão, elementos alcalinos e alcalino-terrosos são permitidos somente em baixas concentrações .

A presença excessiva de titânia (acima de 4%) deteriora as propriedades a quente do material pela formação de titanatos de baixo ponto de fusão, tal como a ferro-tialita. O teor de sílica livre deve ser baixo, sendo o SiO2 apenas desejado quando se encontra formando mulita.

Durante a calcinação da bauxita crua a 1600 ou 1700 ºC, várias são as modificações físicas e químicas que ocorrem no material [6]. Inicialmente, verifica-se a perda de umidade e água estrutural presente nos hidróxidos, principalmente, e nos argilominerais. Esta transformação, particularmente no caso de bauxitas gibsíticas, deve ser efetuada a taxas lentas e controladas, para evitar o surgimento de trincas devido à grande concentração de hidroxilas de sua fase principal, a gibsita (Al(OH)3).

Na etapa seguinte, ocorre a formação de mulita a partir da decomposição dos argilominerais presentes na bauxita, via reação no estado sólido, e liberação de sílica. Esta sílica reage com alumina, gerando uma quantidade adicional de mulita. Em paralelo, os hidróxidos de alumínio sofrem uma série de transformações entre fases metaestáveis até a formação da alumina-alfa. Estas reações levam à densificação do material, a qual deve ser a maior possível, a fim de se evitarem variações dimensionais durante sua utilização a altas temperaturas.

PRODUTORES DE BAUXITA

Atualmente existem cinco países produtores de bauxita refratária. São eles: Guiana (com início de produção nos anos 20), China (anos 70), Brasil (anos 80), Rússia e Índia, sendo que os dois últimos não apresentam uma participação expressiva no mercado mundial. O consumo da matéria-prima chega a quase 1 milhão de toneladas/ano, volume que permanece relativamente constante desde 1985 (Tabela II) [7]. As reservas de bauxita chegam a bilhões de toneladas na Guiana e China, e cerca de 100 milhões de toneladas no Brasil, assegurando às indústrias de refratários matéria-prima para mais 100 anos de consumo.

Hoje, na China, existem duas províncias principais que exploram e exportam bauxitas do tipo refratária (cuja capacidade produtiva chega a 650 mil toneladas/ano): Shanxi e Guizhou, sendo que a província de Shanxi responde por dois terços da exportação total [7]. A província de Henan também é produtora de bauxitas refratárias, mas atende principalmente ao mercado interno chinês.

As características das matérias-primas de ambas as províncias são semelhantes, e o hidróxido de alumínio predominante é o diásporo, de maior dureza e portanto maior dificuldade de processamento. Contudo, a bauxita da região de Guizhou apresenta maior teor de TiO2 em relação à matéria-prima Shanxi (tipicamente 4,2 contra 3,7%) e de álcalis (tipicamente 0,6 contra 0,2%). O alto teor de álcalis presente nestas matérias-primas, comparado às bauxitas sul-americanas, implica em maiores teores de fase líquida a altas temperaturas, o que é prejudicial às propriedades mecânicas do refratário [6].

Na China, a bauxita crua, dependendo da província, pode ser calcinada em diferentes tipos de fornos: shaft (50% da produção), circular (25%) ou rotativo (25%), fornecendo produtos de características e propriedades distintas [5]. Bauxitas calcinadas através de fornos shaft (província de Shanxi) e circular (província de Guizhou) apresentam alta heterogeneidade em suas características, devido ao tipo de calcinação. Maior uniformidade é conseguida através do uso de fornos rotativos, que já foram instalados em ambas as províncias, melhorando significativamente a qualidade das bauxitas chinesas. O produto mais conhecido desta nova geração de produtos é a bauxita Alpha Star, comercializado pela CE Minerals.

No Brasil, a MSL Minerais, através do grupo CAEMI, é o mais novo fornecedor de bauxitas refratárias gibsíticas, com capacidade produtiva de 150 mil toneladas ano [7]. O alto teor de sílica presente na bauxita brasileira, junto à pequena quantidade de álcalis, contribuem para a maior quantidade de mulita, fator que propiciou a abertura do mercado de refratários para este produto brasileiro. No Brasil, a bauxita crua é calcinada em fornos rotativos a temperaturas acima de 1650 ºC e as concentrações de TiO2 e tialita (Al2TiO5) obtidas no produto são baixas, 3,0 e 0-2,0%, respectivamente.

Até o final da década de 70, a Guiana era responsável pela produção de 85% da bauxita refratária (de origem gibsítica com alguma quantidade de boemita) consumida no mundo, e seu produto RASC é ainda considerado padrão para comparação entre as diferentes bauxitas disponíveis no mercado. A entrada dos produtos chineses a preços menores, além de outros fatores de mercado, contribuíram para uma alteração deste cenário. Hoje a China detém cerca de 65% do consumo mundial, enquanto a Guiana responde por 20% da produção e o Brasil por 15%.

Vários estudos têm sido realizados entre as principais matérias-primas de cada país [8, 9]. Comparando-se o produto Shanxi (China), RASC (Guiana) e MSL (Brasil), foram observadas as principais características físicas e químicas de cada bauxita, apresentadas na Tabela III. A maior presença de sílica, em conjunto com o menor teor de álcalis, fornecem uma maior quantidade de mulita e inferior concentração de fase vítrea para a amostra MSL. A maior eficiência do forno rotativo, no caso da amostra brasileira, favorece a diminuição da porosidade para cerca de 10%, contra 15% dos outros fornecedores.

TRANSFORMAÇÕES DURANTE A CALCINAÇÃO

Bauxitas Sul-Americanas

Bauxitas refratárias de origem sul-americana são predominantemente gibsíticas, possuindo um comportamento durante a queima distinto da matéria-prima chinesa, predominantemente diaspórica.

Caballero e Aza [10], em um estudo sobre o processamento de bauxitas sul-americanas, caracterizaram a matéria-prima crua química e mineralogicamente, observando a presença das fases cristalinas gibsita (entre 85 e 90%), caulinita (de 5 a 10%) e anatásio (em quantidades abaixo de 5%). Na análise térmica-diferencial (Fig.2), foram observados dois picos endotérmicos referentes a gibsita e boemita às temperaturas de 350 e 530 ºC e um pico exotérmico a 980 ºC referente à caulinita.


Schneider e Majdic [11] estudaram os processos de transformação durante a calcinação de bauxitas refratárias. A temperaturas abaixo de 1000 ºC, as fases cristalinas citadas por Caballero e Aza [10] passam por várias modificações. A fase principal, gibsita, perde hidroxilas na forma de água a aproximadamente 350 ºC, originando óxidos de alumínio metaestáveis, como pode ser observado na Fig. 3.


A temperaturas um pouco mais baixas (cerca de 300 ºC), uma pequena quantidade de gibsita transforma-se em boemita, que por sua vez também contribui para a formação de óxidos metaestáveis a partir de 530 ºC. Em temperaturas entre 900-1000 ºC, começa a transformação destes óxidos de transição em alumina-alfa através de reações via estado sólido que se completam somente acima de 1100 ºC.

A pequena quantidade de caulinita presente transforma-se em metacaulinita entre 580 e 610 ºC. À medida que a temperatura aumenta para cerca de 900 ºC, esta fase desaparece pela seqüência de reações indicada na fig.4.


O teor de TiO2 na amostra crua apresenta-se na forma de anatásio, o qual transforma-se lentamente em rutilo a temperaturas acima de 400 ºC, processo finalizado apenas a 1100 ºC.

Acima de 1000 ºC, começa a ocorrer interação entre as fases cristalinas e amorfas presentes. A fase líquida, rica em SiO2, TiO2 e Fe2O3, começa a formar-se a 1100 ºC. A fase alfa da alumina atinge seu máximo teor (75% em peso) a 1200 ºC. Com o contínuo aumento da temperatura, mais e mais Al2O3 difunde-se da fase alfa para o líquido. Quando o mesmo encontra-se saturado de Al2O3, a mulita inicia sua cristalização, alcançando seu nível máximo (20 a 30%) a 1500 ºC, ao mesmo tempo em que o teor de alumina-alfa decresce, chegando a 60-65% a 1580 ºC. Esta correlação inversa (Fig. 5) indica que a maior proporção de mulita formada é resultado da reação de dissolução/precipitação entre os óxidos Al2O3 e SiO2. Uma parcela menor da mulita formada deve-se às transformações decorrentes da caulinita.


Após a precipitação de mulita, o líquido continua rico em Al2O3 e TiO2, além de algumas impurezas. A presença destas impurezas diminui consideravelmente o ponto de fusão da fase tialita, quer seja pela sua presença em solução sólida, quer seja através da formação de fases. Quantidades próximas a 7,5% em mol de Fe2TiO5 promovem o decréscimo do ponto de fusão da tialita de 1850 ºC para algo em torno de 1300-1350 ºC. Portanto, mesmo se o líquido estiver em seu limite de saturação para os óxidos Al2O3 e TiO2, a precipitação de tialita não ocorre para temperaturas acima de 1300 ºC. Esta fase somente irá cristalizar-se no resfriamento do material, e o líquido residual, a temperaturas mais baixas, transforma-se em vidro.

Bauxitas Chinesas

Mineralogicamente, as bauxitas chinesas podem ser classificadas em dois tipos: diásporo-caulinita (DK) e diásporo-pirofilita (DP). Zhong e Li [12] realizaram extensa caracterização das várias classes de bauxita tipo DK existentes. As principais fases cristalinas presentes na amostra crua são: diásporo, principalmente, e anatásio, caulinita e mica como minerais acessórios [11]. A análise térmica-diferencial das bauxitas chinesas tipo DK pode ser observada na Fig. 6, onde o primeiro pico endotérmico, a 565 ºC, é característico do diásporo, indicando a perda de hidroxilas na forma de água e sua transformação em alumina-alfa.


O alargamento e a mudança de posição do mínimo endotérmico, com o aumento do teor de caulinita nas amostras, para temperaturas próximas a 600 ºC sugerem o início da série de reações por que passa este argilomineral, na sua transformação para a fase estável mulita (fig. 4). À medida que o teor de caulinita presente na bauxita aumenta, nota-se também o crescimento proporcional nos picos referentes às transformações desta fase, de tal maneira que, na bauxita 5 (Fig. 6), de maior quantidade de caulinita, o pico de diásporo é sobreposto pelo do argilomineral a temperaturas próximas a 600 ºC.

De acordo com Zhong e Li [12], a sinterabilidade das bauxitas é dependente do teor de Al2O3, sendo que a dificuldade aumenta para teores próximos a 70%. A relação pode ser observada na Figura 7, que ilustra a dependência da formação de fases com o teor de Al2O3. A partir desta figura observa-se que a máxima formação de mulita ocorre para teores de Al2O3 entre 65-68%, composição esta que apresenta a maior dificuldade de densificação, provavelmente pelo fenômeno de mulitização secundária. Considerando-se as bauxitas utilizadas no setor de refratários, que apresentam teores de Al2O3 normalmente acima de 85%, pode-se esperar pouca formação de mulita para as matérias-primas chinesas.


Como nestas bauxitas a alumina-alfa é cristalizada a aproximadamente 550 ºC a partir do diásporo, em temperaturas superiores a 1000 ºC os grãos desta fase já cresceram o suficiente para dificultar sua redissolução na fase líquida presente para posterior precipitação de mulita [11]. No entanto a formação de mulita é principalmente prejudicada pela ação inibidora dos óxidos alcalinos provenientes da decomposição da mica. A altas temperaturas e altos teores de Al2O3 (ver Figura 7) a presença destas impurezas inibe a formação de mulita em favor da formação de alumina-alfa e fase líquida. Durante o resfriamento do material, ocorre a precipitação da fase tialita entre os grãos de alumina-alfa e formação de vidro a partir do líquido residual.

FORMAÇÃO DE FASES CRISTALINAS

Como descrito anteriormente, bauxitas sul-americanas e chinesas diferem grandemente quanto a sua composição química e mineralógica. Enquanto a sul-americana contém gibsita como a principal fonte de alumina-alfa, amostras chinesas são compostas principalmente por diásporo. Alguns estudos sistemáticos encontrados em literatura mostram a variação na composição química das principais fases presentes após a calcinação da bauxita crua: alumina, mulita, tialita e fase vítrea, na tentativa de descrever as reações que ocorrem durante o tratamento térmico.

Knudsen e Thaulow [13] foram pioneiros neste estudo, determinando a composição das fases mulita e tialita, considerando a presença de TiO2 e Fe2O3 em solução sólida, respectivamente. Para a fase mulita das amostras de bauxita sul-americana estes autores determinaram a fórmula molecular nominal 2Al2O3(Si1-xO2-2x,TixO2x), onde x é igual a 0,15. A fórmula indica uma fase de estequiometria 2:1, com substituição parcial de SiO2 por TiO2 e manutenção do teor de alumina. A morfologia dos grãos, em forma de agulhas, reforça a idéia de formação da mulita secundária, por precipitação a partir da fase líquida. Para a fase tialita ocorre fenômeno semelhante, com substituição de Al2O3 por Fe2O3, mantendo-se constante o teor de TiO2, como indica sua fórmula molecular TiO2(Al2-2xO3-3x,Fe2xO3x), com x variando entre 0 e 0,1. A fase vítrea é formada basicamente por SiO2 (cerca de 50%) e Al2O3 (» 22%), contendo ainda óxidos alcalinos, alcalino-terrosos, titânio e ferro.

Schneider et al. [14], em um estudo envolvendo amostras chinesas e sul-americanas, observaram o aspecto químico das várias fases presentes em bauxitas calcinadas. De acordo com os autores, a alumina-alfa, principal constituinte das bauxitas, apresenta Fe3+ como principal componente incorporado à sua rede cristalina, em concentrações máximas de 1,5%, embora em alguns agregados escuros das matérias-primas (de alto teor de Fe2O3) esta concentração tenha chegado a 6%. A fase apresenta ainda traços de TiO2 incorporados à sua estrutura.

A partir de grãos de alumina alfa com diferentes concentrações de Fe2O3, sugerem-se duas possíveis origens para esta fase: 1. alumina alfa primária, com baixo teor de ferro, originada a partir da gibsita e do diásporo e 2. alumina alfa secundária, com alta concentração de ferro, formada a partir de um líquido rico em ferro a altas temperaturas. A formação de alumina secundária é confirmada pelo gradiente de concentração de Fe3+ ao longo de alguns grãos, com concentração máxima do íon no centro destes.

A fase tialita apresenta grande incorporação de ferro, que entra na estrutura substituindo o íon Al3+, conforme observado por Knudsen e Thaulow [13]. A Figura 8 ilustra o comportamento do íon ferro incorporado à estrutura da fase. À medida em que o teor de ferro em solução sólida aumenta, a concentração de Al2O3 na tialita é proporcionalmente menor, o que confirma o mecanismo de substituição mencionado acima. A presença de um gradiente de concentração de ferro ao longo da fase (o centro do grão apresenta menor quantidade de ferro) indica a cristalização da fase durante o resfriamento da matéria-prima, a temperaturas abaixo de 1300 ºC.


A fase mulita pode apresentar grandes incorporações de TiO2 e Fe2O3, variando de 3,0 a 4,7% e de 0,5 a 4,4%, respectivamente. A grande incorporação de titânio à sua estrutura cristalina pode ser devido a alta temperatura de calcinação, que permite o estabelecimento de um equilíbrio metaestável do íon entre a fase e o seu ambiente. Schneider et al. [14] propõem para a fase mulita uma fórmula distinta àquela proposta por Knudsen [13], que considera somente a presença de titânio incorporado, além de assumir que os íons Ti4+ substituem exclusivamente sítios tetraedrais. O modelo N2[(M-N)2+2xSi2-2x]O10-x (sendo N a soma dos átomos de Al, Ti e Fe com número de coordenação igual a seis e M a soma dos átomos de Al, Fe e Ti de coordenação seis mais os átomos de Al de coordenação quatro) assume que ferro e titânio estão predominantemente substituindo alumínio, em sítios octaedrais. A cristalização da fase ocorre por precipitação a partir da fase líquida, em uma estequiometria típica 2:1, embora o processo de formação por reação no estado sólido não possa ser negligenciado.

A capacidade da mulita de incorporar grandes quantidades de ferro e titânio em solução sólida levou ao estudo aprofundado das características desta fase [15, 16]. Schneider e Wohlleben [15] encontraram uma nítida dependência entre a cor dos fragmentos de bauxita e o teor de ferro e titânio incorporados à mulita: fragmentos claros, de cor bege, apresentam baixas concentrações de ferro (0,5%) e titânio (2%), enquanto fragmentos de cor cinza claro a cinza escuro apresentam baixo teor de ferro (1%) e alto teor de titânio (5%) em solução sólida na mulita. Fragmentos com alto teor de ferro (3%) apresentam coloração marrom.

Como pode ser observado, a composição da fase muda de fragmento para fragmento em uma mesma amostra de bauxita, variando ainda em diferentes regiões do mesmo fragmento. Grãos de mulita próximos à superfície do agregado de bauxita apresentam maiores teores de Fe2O3 e TiO2 em solução sólida quando comparados a grãos do interior do agregado, além de maior tamanho médio de grão. O fato ocorre provavelmente devido a uma somatória de fatores: (a) temperaturas de calcinação mais altas na superfície do agregado, o que facilita a incorporação de íons à rede cristalina; e (b) o processo de mistura do material, que promove durante a calcinação uma reação periférica entre fragmentos com alto teor de impurezas e fragmentos com baixo teor de impurezas.

Uma relação próxima à linear pode ser obtida entre os teores de Fe2O3 e TiO2 presentes na análise química elementar da bauxita e a concentração destes óxidos em solução sólida na fase mulita, como pode ser observado nas figs. 9 e 10. No caso do ferro, podem ser obtidas duas curvas, dependendo da atmosfera de calcinação a que foi submetida a matéria-prima (a utilização de uma atmosfera oxidante resulta em maior incorporação de ferro). A atmosfera oxidante propicia a formação do íon Fe3+, de menor raio iônico e portanto maior solubilidade na fase mulita. A utilização de uma atmosfera de calcinação redutora favorece a formação de Fe2+, íon de maior raio iônico e menor solubilidade na mulita. A maior solubilidade do íon ferro indica a maior incorporação do mesmo na estrutura da mulita, inibindo sua ação fundente junto à fase líquida.



Schneider e Wohlleben [15] obtiveram importantes correlações lineares (Fig. 11) entre a quantidade de impurezas presentes na mulita e os parâmetros de rede da fase, permitindo a estimativa do teor de Fe2O3 e TiO2 em solução sólida a partir dos parâmetros de rede. A fase mulita presente em fragmentos de cor clara (baixo teor de impurezas) apresentam dimensões de rede próximas à configuração da mulita 3:2. Aumentando-se o teor de impurezas (e consequentemente diminuindo-se o teor de SiO2), os parâmetros de rede expandem-se e a configuração aproxima-se da razão estequiométrica 2:1.


CONCLUSÕES

A utilização de bauxitas vem aumentando no setor de refratários em função de seu custo inferior, somado a alta refratariedade e boa resistência ao choque térmico.

Bauxitas cruas de origem sul-americana apresentam como fases principais gibsita, caulinita e anatásio. A gibsita (Al(OH)3) transforma-se em alumina alfa a temperaturas acima de 1000 ºC, depois de passar por uma série de reações em estado sólido. A caulinita promove a formação de mulita primária e liberação de sílica, a aproximadamente 1000 ºC. A formação de mulita secundária ocorre por precipitação a partir da fase líquida em temperaturas entre 1200 e 1600 ºC. Parte do anatásio é transformado em rutilo em reações somente completas acima de 1100 ºC, sendo o restante dissolvido na fase líquida, formando a fase tialita (Al2TiO5) durante o resfriamento.

As amostras cruas chinesas apresentam como fases principais: diásporo, anatásio, caulinita e mica. Ao contrário da gibsita, que passa por uma série de reações entre fases metaestáveis antes de alcançar o equilíbrio, o diásporo transforma-se diretamente em alumina alfa a 550 ºC, apresentando grãos bastante desenvolvidos a temperatura de 1100 ºC. As transformações por que passam o anatásio e a formação de tialita são semelhantes às bauxitas sul-americanas, excetuando-se o teor de TiO2, que é maior para as amostras chinesas. A concentração de mulita é pequena, devido à ação inibidora de óxidos alcalinos e alcalino-terrosos sobre a precipitação da fase. A formação de mulita secundária nas bauxitas chinesas é suprimida por dois fatores: 1. os grãos de alumina alfa, bastante desenvolvidos, têm dificuldade para se dissolverem no líquido, e 2. a presença de álcalis, provenientes da decomposição da mica, facilita a dissolução da mulita na fase líquida, impedindo a precipitação da fase.

As principais fases cristalinas presentes nas bauxitas sul-americanas e chinesas, alumina alfa, mulita e tialita, possuem grande capacidade de incorporação dos íons Ti4+ e Fe3+. A fase alumina alfa pode incorporar Fe2O3 em solução sólida em concentrações de até 1,5%, com o íon Fe3+ substituindo o Al3+ na estrutura. A tialita por sua vez, pode também apresentar grandes concentrações de Fe2O3, no mesmo mecanismo de substituição citado para a alumina alfa. A mulita pode apresentar incorporações de Fe2O3 e TiO2, com os íons substituindo preferencialmente Al3+ em sítios octaedrais. A atmosfera do forno durante a calcinação da bauxita influencia decisivamente a composição química das fases, visto que os íons Fe2+ e Ti3+, predominantes em atmosfera redutora, não apresentam solubilidade tão acentuada, devido ao seu maior raio iônico.

AGRADECIMENTOS

Os autores agradecem a CAPES, FAPESP, e CNPq pelo auxílio na realização deste trabalho e a A. R. Studart e M. D. M. Inocentinni, pelo auxilio prestado durante a correção deste artigo.

(Rec. 20/05/99, Rev.02/2000, Ac. 31/03/00)

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Datas de Publicação

  • Publicação nesta coleção
    15 Set 2000
  • Data do Fascículo
    Jun 2000

Histórico

  • Aceito
    31 Mar 2000
  • Revisado
    Fev 2000
  • Recebido
    20 Maio 1999
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