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Refratários de alumina contendo agregado de mulita-zircônia: aspectos microestruturais

Alumina refractory containing mullite-zirconia aggregate: microstructural features

Resumos

O desempenho dos materiais refratários, os quais são freqüentemente submetidos a elevadas temperaturas e altos esforços mecânicos, está intimamente relacionado com a evolução microestrutural durante a sua vida em serviço. Neste contexto, foi realizado um estudo da evolução microestrutural de refratários de alumina contendo diferentes teores de agregado mulita-zircônia, submetidos à tratamentos térmicos de 2, 6 e 18 dias, à 1400 ºC e 1500 ºC. Foram formulados ainda, alguns tijolos contendo microssílica afim de induzir a formação de mulita. Para comparação, esses tijolos foram submetidos ao tratamento térmico de 6 dias à 1500 ºC. Os tratamentos térmicos aplicados permitiram aproximar-se do uso do refratário considerando apenas o efeito do tempo e da temperatura. Neste trabalho, foram utilizadas a microscopia eletrônica de varredura e a difração de raios X para identificação e caracterização das fases presentes. Aplicou-se o método de Rietveld para a análise quantitativa das fases. Reações de interface entre a alumina e o agregado e entre a alumina e a microssílica, ativadas pela temperatura, puderam ocorrer, resultando na mulitização do sistema em questão. O efeito da mulitização foi especialmente notado nos resultados de módulo de ruptura para os materiais que continham microssílica.

Refratários; microestrutura; tratamento térmico; agregado; rietveld


Due to the application of refractories, these materials are frequently submitted to high temperatures and loads. The performance under such hard conditions is closely related to the microstructural changes during use. This work is focused on microstructural evolution of high-alumina refractories containing mullite-zirconia aggregate in various concentrations. The materials were submitted to heat treatments at 1400 ºC and 1500 ºC, for periods of 2, 6 and 18 days to bring the characteristics of refractories in use. Some formulations incorporated microssilica, in order to induce mullitization, though reaction with alumina. These compositions were heat treated at 1500 ºC for 6 days. Scanning electronic microscopy and X-ray diffraction were applied to phase characterization. For the quantitative phase analyses Rietveld technique was used. Reaction in the interface between alumina and aggregate as well as between alumina and microsilica took place as a result of heat treatments, causing mullitization. This effect was mainly noted for results of modulus of rupture for compositions containing microsilica.

Refractories; microstructure; heat treatment; aggregate; rietveld


Refratários de alumina contendo agregado de mulita-zircônia : aspectos microestruturais

(Alumina refractory containing mullite-zirconia aggregate: microstructural features)

C. R. Ferrari, J. A. Rodrigues

Universidade Federal de S. Carlos, DEMa, Grupo de Engenharia de Microestrutura de Materiais

Rod. Washington Luiz, Km 235, S. Carlos, SP, Brasil, 13565-905

e-mail: cr.ferrari@eudoramail.com, josear@power.ufscar.br

Resumo

O desempenho dos materiais refratários, os quais são freqüentemente submetidos a elevadas temperaturas e altos esforços mecânicos, está intimamente relacionado com a evolução microestrutural durante a sua vida em serviço. Neste contexto, foi realizado um estudo da evolução microestrutural de refratários de alumina contendo diferentes teores de agregado mulita-zircônia, submetidos à tratamentos térmicos de 2, 6 e 18 dias, à 1400 oC e 1500 oC. Foram formulados ainda, alguns tijolos contendo microssílica afim de induzir a formação de mulita. Para comparação, esses tijolos foram submetidos ao tratamento térmico de 6 dias à 1500 oC. Os tratamentos térmicos aplicados permitiram aproximar-se do uso do refratário considerando apenas o efeito do tempo e da temperatura. Neste trabalho, foram utilizadas a microscopia eletrônica de varredura e a difração de raios X para identificação e caracterização das fases presentes. Aplicou-se o método de Rietveld para a análise quantitativa das fases. Reações de interface entre a alumina e o agregado e entre a alumina e a microssílica, ativadas pela temperatura, puderam ocorrer, resultando na mulitização do sistema em questão. O efeito da mulitização foi especialmente notado nos resultados de módulo de ruptura para os materiais que continham microssílica.

Palavras-chave: Refratários, microestrutura, tratamento térmico, agregado, rietveld.

Abstract

Due to the application of refractories, these materials are frequently submitted to high temperatures and loads. The performance under such hard conditions is closely related to the microstructural changes during use. This work is focused on microstructural evolution of high-alumina refractories containing mullite-zirconia aggregate in various concentrations. The materials were submitted to heat treatments at 1400 oC and 1500 oC, for periods of 2, 6 and 18 days to bring the characteristics of refractories in use. Some formulations incorporated microssilica, in order to induce mullitization, though reaction with alumina. These compositions were heat treated at 1500 oC for 6 days. Scanning electronic microscopy and X-ray diffraction were applied to phase characterization. For the quantitative phase analyses Rietveld technique was used. Reaction in the interface between alumina and aggregate as well as between alumina and microsilica took place as a result of heat treatments, causing mullitization. This effect was mainly noted for results of modulus of rupture for compositions containing microsilica.

Keywords: Refractories, microstructure, heat treatment, aggregate, rietveld.

INTRODUÇÃO

Entre os diversos segmentos industriais, a siderurgia tem sido o principal consumidor de refratários. Estudando-se a demanda de refratários por esse setor, verifica-se que as mudanças nos processos siderúrgicos influenciaram o perfil da demanda desses produtos. A tendência observada passou a ser para refratários de melhor qualidade, exigindo-se maior conteúdo tecnológico. Nesse contexto, o projeto da microestrutura tem um papel relevante.

Dentre os refratários especiais que têm sido desenvolvidos para atender às solicitações severas na siderurgia, destacam-se os refratários de alta alumina ligado a carbono com adição de agregado eletrofundido de mulita-zircônia utilizados para confecção das placas de válvula gaveta [1]. O intuito de se utilizar o agregado mulita-zircônia substituindo uma parte da fração grossa da alumina, é o de promover uma maior interação da trinca com a microestrutura do material, uma vez que a adição de partículas finas de zircônia não surtem o efeito de tenacificação por microtrincamento em refratários, pois esses materiais já possuem uma microestrutura altamente microtrincada ou porosa.

Diversas rotas de processamento tem sido propostas na literatura [2-8] para a obtenção de cerâmicas de mulita-zircônia e alumina-mulita-zircônia. Entretanto, devido a utilização de materiais de partida facilmente disponíveis, e portanto, ao baixo custo de obtenção, as rotas mais utilizadas são as de sinterização com reação [4-6] e reação no estado sólido entre os óxidos precursores [7, 8]. No entanto, qualquer que seja a rota de processamento escolhida, o controle da microestrutura final é um passo fundamental para manter a homogeneidade da microestrutura e limitar a severidade dos defeitos críticos. Ainda, a microestrutura final deve ser capaz de acomodar transformações e microtrincamento [9].

Foi observado [7] em estudos de refratários de alta alumina contendo agregado de mulita-zircônia que a microestrutrua resultante logo após a sinterização não é ainda uma microestrutura de equilíbrio. O mais importante é que a transformação em direção ao equilíbrio durante a operação do refratário em alta temperatura, em função do tempo, promove uma melhoria significativa da resistência à fluência, que combinada com o aumento da resistência ao dano por choque térmico devido à presença do agregado, coloca sobre esses refratários boas perspectivas de aplicação tecnológica. Observou-se naquele agregado usado [7, 10], que na sua composição após o resfriamento da eletrofusão, havia pequena quantidade de fase vítrea a qual foi um dos fatores que causaram a degradação da resistência à fluência dos tijolos refratários estudados. Após tratamento térmico de 10 dias à 1400 oC a formação de mulita promoveu um aumento da resistência mecânica desses materiais. Isto foi explicado através de transformações de fase que se processam ao longo do tempo, na busca pelo equilíbrio entre a matriz de alumina e as partículas de agregado.

Dessa forma, para uma melhor compreensão dos comportamentos mecânico e termomecânico desses materiais, o objetivo deste trabalho foi o estudo da evolução microestrutrural para os refratários de alta alumina contendo diferentes teores de agregado mulita-zircônia tratados termicamente a diferentes temperaturas durante diferentes períodos de tempo.

Sabe-se que durante a reação no estado solido ativada pela temperatura, pode ocorrer formação de fase vítrea resultante de impurezas ou da presença de gradientes de composição como conseqüência da baixa difusividade apresentada. Esta fase vítrea pode ser responsável pela degradação mecânica do material em altas temperaturas.

Assim, no presente trabalho, foi utilizado um agregado com uma nova composição, a qual resulta em um caminho de cristalização diferente daquele que ocorre com os agregados utilizados nos estudos anteriores [7, 10] e que assim, não contém fase vítrea. Dessa forma, optou-se pela utilização de um agregado mais refratário com a intenção de se obter um tijolo mais resistente à fluência.

MATERIAIS E MÉTODOS

Materiais e preparação dos tijolos refratários

Os refratários foram obtidos a partir da mistura de: alumina tabular Alcoa T-60, alumina calcinada Alcoa APC-2011SG, agregado mulita-zircônia Elfusa TP-35 e microssílica Elkem 971D.

As matérias-primas foram misturadas em um misturador planetário com a adição de 2%-p (porcento em peso) de água e 2%-p de um aditivo de conformação (dextrina), conforme a Tabela I. Com relação a granulometria, foram preparados dois tipos de materiais: um com granulometria considerada fina (GF), para facilitar mudanças microestruturais, através de reações de interface, durante os tratamentos térmicos. Neste, a distribuição do tamanho de partículas variou entre menor que 45 mm até 297 mm, sendo que, neste caso, o agregado mulita-zircônia forma a parte "grosseira" do tijolo refratário (tamanho de partícula <297 mm). O outro tipo foi de granulometria considerada grosseira (GG), o qual foi feito para simular os efeitos de tempo e temperatura dos refratários que são efetivamente utilizados na prática. Neste caso, a distribuição do tamanho de partículas, para este material variou entre menor que 45 mm até 6300 mm, sendo que a alumina tabular formou a parte grosseira do tijolo refratário (tamanho de partícula <6300 mm).

Em termos de distribuição granulométrica utilizada, o material GG foi projetado para apresentar a maior compactação possível entre as partículas.

Após a mistura, as composições foram compactadas na forma de paralelepípedos de 40x40x160 mm3 e sinterizados à 1510 ° C por 12 horas. Os tratamentos térmicos, para se promover as mudanças microestruturais foram realizados em duas temperaturas e três tempos de duração diferentes: 1400 ° C e 1500 ° C por 2, 6 e 18 dias. A notação que será utilizada daqui em diante para a denominação dos tijolos refratários, conterá além da indicação da composição química (Tabela I), também indicará o tratamento térmico aplicado e a granulometria, ou seja: n%(x/y)-z, onde, n% indica a concentração de agregado utilizado na preparação; x a duração do tratamento térmico; y a temperatura do tratamento térmico e z a granulometria. Por exemplo: 20%(6/1500)-GG.

Materiais e preparação das amostras de controle para a técnica de Rietveld

Amostras de controle foram preparadas com o objetivo de serem utilizadas no auxílio e controle dos resultados da análise quantitativa de fases por difração de raios X empregando-se o método de Rietveld. Com os resultados destas amostras pretendeu-se avaliar principalmente a confiabilidade do programa de cálculo do método de Rietveld.

As matérias-primas utilizadas foram: alumina tabular Alcoa T-60 (<45mm), zircônia Elfusa ZNE (zircônia não estabilizada) (<45mm) e quartzo. Os pós foram misturados e moídos em almofariz de ágata nas proporções apresentadas na Tabela II.

Como não se esperava encontrar concentrações altas de sílica cristalina nos tijolos retratários estudados, a adição de apenas 1%-p de quartzo numa das amostras de contrôle foi utilizado para se analisar a sensibilidade do programa de Rietveld frente a uma concentração pequena deste componente nos materiais.

Caracterizações

Para a caracterização microestrutural, as amostras foram cortadas e polidas usando-se pasta de diamante com granulometria sucessivamente menor, até 1mm e observadas em microscópio eletrônico de varredura Cambridge Stereoscan S400. Para a análise quantitativa de fases, foi empregada a técnica de difração de raios X com o auxílio do método de Rietveld. Os difratogramas foram obtidos passo a passo em um difratômetro Siemens D5000, com radiação Ka do Cu, num intervalo de varredura 2q entre 15o e 60o com incremento D2q = 0.033o e tempo de contagem, por ponto, de 3 segundos. O programa DBWS-9411 [11], o qual é um aplicativo do método de Rietveld, foi utilizado para a análise quantitativa das fases.

Para a caracterização mecânica foram realizadas as medidas de módulo de ruptura (MOR ou sf) à temperatura ambiente para os materiais com granulometria grosseira, com e sem tratamento térmico. Para o cálculo dos valores desta propriedade, foi utilizada a carga máxima de um ensaio de flexão a três pontos em corpos de prova sem entalhe, fraturados catastroficamente.

Para a caracterização física foram realizadas, nos materiais com granulometria fina e grosseira, com e sem tratamento térmico, medidas de porosidade aparente (P.A.) através do método de imersão em água (método de Arquimedes) e medidas de intrusão de mercúrio pela técnica de porosimetria de mercúrio empregando-se um equipamento da Micromeritics, modelo Porosizer 9320.

RESULTADOS E DISCUSSÃO

Confiabilidade dos resultados da análise quantitativa de fases

A reprodutibilidade dos resultados da análise de fases foi estudada obtendo-se difratogramas de três diferentes amostras da mesma composição. Foi utilizada a composição 40%(18/1500)-GF. Os resultados mostraram que o espalhamento nos valores de concentração das fases é menor que 8%.

Na Tabela III são apresentados os resultados das análises quantitativas de fase das amostras de controle. Nessa tabela pode-se ver os valores da concentração das fases e os valores do desvio percentual em relação aos valores nominais das concentrações das fases (Tabela II), apresentados entre colchetes. Os sinais "-" e "+" dos desvios representam o sentido do desvio. Apresenta-se também na Tabela III, entre parênteses, os índices de R-Bragg.

Como pode ser visto, a porcentagem de erro variou entre 2,0 e 15,8% em relação ao nominal, com exceção da sílica que apresentou um erro de até 60% demostrando a dificuldade de se medir uma concentração de fase tão pequena. Os valores de R-Bragg variaram de amostra para amostra, demostrando melhor ajuste para algumas amostras do que para outras. No entanto, de um modo geral, os valores apresentados estão dentro do aceitável. Um fato a se notar é que a concentração medida da alumina sempre é maior do que o valor nominal. O contrário se observa para a zircônia (ver desvios na Tabela III).

Análise quantitativa de fases do agregado mulita-zircônia

Foi realizada a análise quantitativa de fases pelo método de Rietveld do agregado de mulita-zircônia, em separado, da qual obteve-se 70,3%-p de mulita; 26,1%-p de zircônia e ainda 3,5%-p de alumina.

Esta composição (representada pela letra A) foi introduzida no diagrama de fases apresentado na Fig. 1, juntamente com a composição obtida no catálogo do fornecedor que é de 60%-p de mulita, 38%-p de zircônia e 2%-p de impurezas (desconsiderado na plotagem) e está representada pela letra B na mesma figura. Apresenta-se também a composição utilizada nos refratários da ref. 1, a qual está representada pela letra C e é constituído basicamente de 67%-p de mulita e 33%-p de zircônia, mais uma concentração muito pequena de SiO2-livre.


O provável caminho de cristalização do agregado utilizado neste trabalho, a partir da fusão durante a sua fabricação, baseado nos resultados obtidos por difração de raios X (letra A na Fig. 1), é que o sistema poderia ir direto para a solidificação eutética, de caráter binário, através do vale liquidus que sai do quase-binário ZrO2-mulita. Finalmente o líquido remanescente poderia alcançar o ponto da reação eutética ternária do triângulo de compatibilidade ZrO2-mulita-alumina com formação dessas três fases sendo a alumina formada em pequena concentração. No entanto, nas micrografias obtidas em microscópio eletrônico de varredura, a Fig. 2 mostra a presença de zircônia primária (Fig. 2b). Dessa forma, conclui-se que durante a solidificação, a primeira fase a se formar poderia ser a zircônia, formada entre 1850 oC e 1710 °C, mas em pequena concentração. Logo em seguida o sistema poderia então alcançar a reação eutética de caráter binário e finalmente, o ponto de reação eutética ternária. Há também que se considerar a grande heterogeneidade microestrutural dessa matéria-prima.


Diferente caminho de cristalização deve ocorrer para a composição C, a qual pode alcançar o vale líquidus da reação eutética de caráter binário ZrO2-mulita e em seguida o ponto de reação eutética ternária no triângulo de compatibilidade ZrO2-mulita-SiO2 com formação dessas três fases, sendo pequena a concentração da sílica resultante, já que a concentração de líquido no início da reação ternária será pequena.

A morfologia eutética do agregado mulita-zircônia pode ser vista em detalhes nas Figs. 2a à 2c, obtidas em microscópio eletrônico de varredura. As Figs. 2a e 2c mostram detalhes de partículas do agregado. A Fig. 2b mostra o refratário completo, no qual aparecem diversas partículas de agregado. Em todas essas micrografias, a fase bem clara (branca) é a zircônia.

Na Fig. 3 pode ser visto o difratograma refinado do agregado mulita-zircônia, o qual mostra um bom ajuste entre os difratogramas observado (linha com ruído) e o calculado (linha cheia mais escura e sem ruído). Nesta figura pode ser visto ainda a posição teórica das linhas de difração das fases (pequenos traços abaixo do difratograma) e a diferença entre os difratogramas observado e calculado (gráfico na parte inferior da figura).


Análise quantitativa de fases dos refratários completos, sem microssílica

A partir da composição do agregado mulita-zircônia obtida através do método de Rietveld, foram calculadas as composições esperadas, em termos de fases, dos tijolos refratários utilizados neste trabalho, as quais estão mostrados na Tabela IV. Nas Tabelas V e VI são apresentados os valores das análises quantitativas de fases de alguns tijolos para o grupo das composições contendo 20% e 40% de agregado, respectivamente. Além do R-Bragg, estas tabelas apresentam, entre colchetes, os valores percentuais da diferença entre as concentrações obtidas pelo método de Rietveld em relação ao que era esperado (tabela IV), indicando, dessa forma, além da precisão do programa, os desvios devido às matérias-primas e ao processamento. Pode-se notar nas tabelas V e VI, que novamente os valores medidos da concentração de alumina é sempre superior aos valores esperados. Nesses materiais as concentrações medidas de mulita é sempre inferior ao previsto.

Os dados da estrutura cristalina da sílica foram introduzidos, no processamento pelo método de Rietveld, durante as análises quantitativas de fase, pois poderia estar ocorrendo em todos os materiais. No entanto, dos resultados obtidos não se pode afirmar sua presença, pois mostram concentrações muito baixas, e como visto nas análises das amostras de controle (Tabela III), estes valores podem estar dentro do erro experimental. Além disso, os valores de R-Bragg obtidos para esta fase são muito elevados, chegando a quase 40.

Com relação aos tratamentos térmicos, as Tabelas V e VI mostram, da esquerda para a direita, o aumento do tempo e da temperatura de tratamento térmico, após a sinterização, (S). Não se nota nenhuma tendência clara de aumento de mulita e diminuição de alumina. Portanto, ou não houve realmente a formação adicional de mulita ou o método não está sendo sensível para detectar essa variação.

Assim, é deduzido que se no agregado utilizado estivesse presente a sílica, esta poderia facilmente reagir com alumina (com tamanho pequeno de partícula), ativada pela temperatura, para formar mulita, o que não fica claro através dos resultados obtidos. Além disso, se a reação entre a sílica livre e a alumina não pudesse ocorrer devido à uma não homogeneidade de distribuição de tamanhos de partículas, a sílica amorfa deveria então se cristalizar durante os tratamentos térmicos prolongados, o que também não se pode afirmar através dos resultados obtidos. Dessa forma, conclui-se que não ocorreram reações entre as diferentes fases presentes inicialmente e que realmente o agregado utilizado não possui sílica livre na sua constituição, confirmando a análise aqui feita, indicando que esse agregado pertence ao triângulo de compatibilidade zircônia-mulita-alumina.

Análise quantitativa de fases dos refratários completos, contendo microssílica

Na composição com 20%-p de agregado, granulometria grosseira–GG, foi adicionado 5%-p de microssílica, amorfa, para se promover a formação de mulita.

A Tabela VII apresenta a composição inicialmente misturada e calculada a partir da composição química do agregado, da mistura com alumina e da adição de microssílica e a composição esperada no caso de toda a microssílica reagir para formar mulita. A Tabela VIII apresenta os resultados da análise quantitativa de fases pelo método de Rietveld e as porcentagens da diferença entre o obtido e o esperado, para esse material.

Comparando-se as Tabelas VII e VIII, conclui-se que houve uma diminuição da quantidade de alumina em relação à composição inicial calculada e um aumento da quantidade de mulita, indicando assim, uma proválvel reação com formação de mulita, como era desejado. As composições obtidas pelo método de Rietveld na Tabela VIII, estão entre os extremos da Tabela VII, mostrando coerência nos resultados.

Observa-se também na Tabela VIII, que considerando os erros experimentais, o tratamento térmico de 6 dias a 1500 oC não fez aumentar a concentração de mulita além do que já havia sido formada durante a sinterização. Como pode ser visto ainda, nesta Tabela, uma parte da microssílica adicionada sobrou e cristalizou-se, indicando provavelmente, que localmente não havia suficiente alumina fina para a reação.

Caracterização mecânica

Medidas de módulo de ruptura à temperatura ambiente foram realizadas nos materiais com granulometria grosseira contendo 0% e 20% de agregado mulita-zircônia sinterizados e tratados termicamente por 2, 6 e 18 dias à 1400 oC e 1500 oC.

Para o estudo do efeito da mulitização do sistema sobre esta propriedade mecânica, foram ensaiados ainda os corpos contendo 5%-p de microssílica [(20+5)%(S)-GG e (20+5)%(6/1500)-GG] com granulometria grosseira.

Esses resultados são apresentados na Fig. 4. Nessa figura, foram introduzidos, para efeito de comparação, os resultados de módulo de ruptura para os materiais contendo 0% e 20% de agregado mulita-zircônia apenas sinterizados, com distribuição granulometrica entre < 10 mm e 2000 mm, obtidos da referência 7.


Afim de se comparar o MOR dos materiais com diferentes valores de porosidade, aplicou-se uma correção ocupando-se os valores de porosidade da Fig. 5. Os valores do MOR (Fig. 4) foram normalizados em relação ao refratário menos poroso, o refratário (20+5)%(S)-GG e estão apresentados na Fig. 6. A correção antes referida foi feita ocupando-se a seguinte equação:

(A)



Na equação (A), P é a porosidade e b uma constante adimensional. Neste caso foi utilizado o valor de b = 4[12,13].

Como pode ser observado na figura 6, a adição de 20% de agregado mulita-zircônia na matriz de alumina teve um efeito benéfico para o material da ref. 7, promovendo um aumento na resistência mecânica. No entanto, para os materiais aqui estudados esta adição apresentou um efeito deletério. Esta comparação pode ser feita uma vez que os materiais contendo apenas alumina, de ambos os trabalhos, apresentaram valores de MOR normalizados próximos, pouco acima de 14MPa (Fig. 6).

Aparentemente, a distribuição do tamanho de partícula das matérias-primas dos materiais deste trabalho limitou a resistência mecânica pela geração de grandes falhas como pode ser deduzido dos resultados de porosimetria de Hg apresentados na Tabela IX. Os poros formados entre os grãos destes materiais possuem diâmetro equivalente dentro da faixa de 20a 30 mm (composição 20%-GG). Para o material contendo apenas alumina de granulometria grosseira (0%-GG), os poros formados possuem diâmetro equivalente na faixa de 2-3 mm. Considerando-se a equação de Griffith,

(B)

onde Y é um fator geométrico, g eff é a energia efetiva de superfície; E é o módulo elástico e a é a metade do comprimento do defeito crítico, e assumindo os poros como os defeitos críticos chega-se à conclusão que sf do refratário completo é uma fração 0,3 do sf do material contendo somente alumina, o que concorda com os valores plotados na Fig. 6.

A adição de 5% em peso de microssílica, no entanto, acarretou um aumento significativo no MOR (74,7%) quando comparado com o refratário completo sem microssílica e sinterizado (ver Fig. 6). Um aumento de 64,3% foi observado para o material desta mesma composição, tratado termicamente por 6 dias à 1500 0C quando comparado com o refratário completo sem microssílica que sofreu o mesmo tratamento térmico, quando o efeito da porosidade é considerado. Acredita-se que a adição de microssílica contribuiu no processo de coesão da microestrutura através da formação de mulita, promovendo o surgimento de interligações entre os grãos. Esse fato corrobora com a determinação de fases apresentada na Tabela VIII.

As Figs 7a e 7b mostram imagens de MEV da composição com microssílica [(20+5)%(6/1500)-GG] e sem microssílica [20%(18/1500)-GG], respectivamente. Na Fig. 7a podem ser observados grandes grãos do agregado mulita-zircônica e grandes grãos da alumina tabular envoltos em uma matriz fina de alumina (alumina tabular + alumina calcinada) mais microssílica. Na Fig. 7b, da composição sem microssílica, a matriz fina de alumina foi "perdida" durante o processo de corte e polimento da superfície o que demonstra a fraca ligação entre os grãos grandes e a matriz.


Dessa forma, comparando-se esses dois materiais entre si (Fig. 7), pode-se observar uma microestrutura mais interligada e portanto mais resistente dos materiais contendo microssílica. Assim, a utilização deste agregado, embora sendo mais refratário por causa do eutético de maior temperatura do triângulo de compatibilidade zircônia-mulita-alumina do que o agregado utilizado em trabalhos anteriores [7, 10], promoveu pouca resistência mecânica devido à formação de uma microestrutura onde há falta de ligação matriz/agregado. Uma maior coesão da microestrutura é favorecida com a adição de uma pequena quantidade de microssílica, a qual auxilia, durante a sinterização e tratramentos térmicos, a formação de mulita, promovendo assim uma microestrutura mais interligada e portanto mais resistente mecanicamente. A reação completa da microssílica não permitiria a formação de fases vítreas e portanto não comprometeria a resistência à fluência.

CONCLUSÕES

(i) Os refratários formulados com granulometria grosseira, embora projetados para serem densos, possuem resistência mecânica baixa devido principalmente à uma microestrutura na qual ocorre a falta de ligação entre a matriz fina e os grandes grãos do agregado e da alumina tabular;

(ii) Os resultados de análise quantitativa de fases empregando-se o método de Rietveld mostram que o agregado utilizado neste trabalho apresenta as fases mulita, zircônia e uma pequena quantidade de alumina. Sem a presença de fase vítrea e pertencendo ao triângulo de compatibilidade zircônia-mulita-alumina, este agregado é mais refratário do que se pertencesse ao triângulo zircônia-mulita-sílica. Também não foi observada a ocorrência de nenhum tipo de reação com formação de novas fases entre os constituintes inicialmente presentes, mesmo após a aplicação de tratamentos térmicos prolongados.

(iii) Os resultados de MOR mostraram a importância da adição, de uma pequena quantidade de microsílica nestes refratários, pois a formação de mulita promove uma microestrutura, na qual há maior interligação entre os grandes grãos de alumina tabular e do agregado com a matriz fina de alumina, resultando em maior resistência mecânica ao refratário.

AGRADECIMENTOS

Os autores agradecem à FAPESP pelo apoio financeiro e por uma bolsa de mestrado e ao CNPq pela bolsa de produtividade em pesquisa. Ao Prof. Dr. C. O. Paiva-Santos, da UNESP-Araraquara, agradecemos pela orientação nas análises quantitativas de fases utilizando-se o Método de Rietveld.

(Rec. 17/01/00, Ac. 11/02/00)

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Datas de Publicação

  • Publicação nesta coleção
    15 Set 2000
  • Data do Fascículo
    Jun 2000

Histórico

  • Recebido
    17 Jan 2000
  • Aceito
    11 Fev 2000
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