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Resistência mecânica a quente de concretos refratários aluminosos zero-cimento auto-escoantes contendo adições de microssílica e microssílica coloidal

High temperature mechanical strength of self-flow zero-cement high-alumina castables containing microsilica and microsilica with coloidal silica additions

Resumos

Concretos refratários aluminosos contendo microssílica apresentam um grande potencial de aplicação tecnológica pela possibilidade de formação da fase mulita através da reação entre Al2O3 e SiO2. Porém, segundo o diagrama Al2O3 - SiO2 - CaO, seu uso é limitado a temperaturas próximas a 1300 ºC uma vez que a presença do CaO, contido no cimento de aluminato de cálcio, leva a formação de fases líquidas que prejudicam fortemente a sua resistência mecânica a altas temperaturas. Recentemente foi mostrado a possível presença de uma fase metaestável de baixo ponto de fusão inerente ao diagrama Al2O3- SiO2 que poderia ser a responsável pela redução na resistência mecânica a quente, mesmo para um concreto isento de CaO. A fim de se analisar essa hipótese, foram formulados concretos refratários aluminosos com diferentes teores de microssílica e totalmente isentos de cimento, aluminas de transição (ro-Al2O3) ou de qualquer ligante hidráulico. Os resultados obtidos confirmaram a formação dessa fase metaestável. Com intuito de melhorar o empacotamento do concreto e a reatividade de sua matriz, favorecendo a formação de mulita, foram adicionalmente preparados concretos contendo sílica coloidal e microssílica. O potencial para aplicações tecnológicas dos concretos refratários obtidos são apresentados e discutidos.

Concreto refratário; auto-escoante; microssílica; mulita; sílica coloidal


High alumina castables containing microsilica exhibit a great potential for technological applications due to mullite formation resulting from the reaction of Al2O3 and SiO2. However, their use has been limited up to temperatures of approximately 1300 ºC, due to reductions in the castable's strength. This has been attributed to CaO present in cement that leads to liquid formation at high temperatures, in accordance with the Al2O3-SiO2-CaO phase diagram. Recently, it has been shown that a metastable phase in the Al2O3-SiO2 system could be responsible for strength decrease even in the absence of CaO. In order to confirm this, high alumina castables were prepared containing various amounts of microsilica; the castables were free of cement, transition aluminas (rho -Al2O3) or any hydraulic binder. In addition, castable compositions containing colloidal silica and microsilica, as a means to increase the packing density and the matrix reactivity to assist mullite formation, were prepared. Castables viability for technological uses are discussed.

castable refractory; self-flow; microsilica; mullite; colloidal silica


Resistência mecânica a quente de concretos refratários aluminosos zero-cimento auto-escoantes contendo adições de microssílica e microssílica coloidal

(High temperature mechanical strength of self-flow zero-cement high-alumina castables containing microsilica and microsilica with coloidal silica additions)

M. V. Gerotto, R. G. Pileggi,V. C. Pandolfelli

Departamento de Engenharia de Materiais - DEMa

Universidade Federal de S. Carlos - UFSCar

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tel.: 0XX-16-260-8250 r. 2067, fax: 0XX-16-261-5404

e-mail: gerotto@iris.ufscar.br ou vicpando@power.ufscar.br

Resumo

Concretos refratários aluminosos contendo microssílica apresentam um grande potencial de aplicação tecnológica pela possibilidade de formação da fase mulita através da reação entre Al2O3 e SiO2. Porém, segundo o diagrama Al2O3 - SiO2 - CaO, seu uso é limitado a temperaturas próximas a 1300 ºC uma vez que a presença do CaO, contido no cimento de aluminato de cálcio, leva a formação de fases líquidas que prejudicam fortemente a sua resistência mecânica a altas temperaturas. Recentemente foi mostrado a possível presença de uma fase metaestável de baixo ponto de fusão inerente ao diagrama Al2O3- SiO2 que poderia ser a responsável pela redução na resistência mecânica a quente, mesmo para um concreto isento de CaO. A fim de se analisar essa hipótese, foram formulados concretos refratários aluminosos com diferentes teores de microssílica e totalmente isentos de cimento, aluminas de transição (r -Al2O3) ou de qualquer ligante hidráulico. Os resultados obtidos confirmaram a formação dessa fase metaestável. Com intuito de melhorar o empacotamento do concreto e a reatividade de sua matriz, favorecendo a formação de mulita, foram adicionalmente preparados concretos contendo sílica coloidal e microssílica. O potencial para aplicações tecnológicas dos concretos refratários obtidos são apresentados e discutidos.

Palavras-chave: Concreto refratário, auto-escoante, microssílica, mulita, sílica coloidal.

Abstract

High alumina castables containing microsilica exhibit a great potential for technological applications due to mullite formation resulting from the reaction of Al2O3 and SiO2. However, their use has been limited up to temperatures of approximately 1300 ºC, due to reductions in the castable's strength. This has been attributed to CaO present in cement that leads to liquid formation at high temperatures, in accordance with the Al2O3-SiO2-CaO phase diagram. Recently, it has been shown that a metastable phase in the Al2O3-SiO2 system could be responsible for strength decrease even in the absence of CaO. In order to confirm this, high alumina castables were prepared containing various amounts of microsilica; the castables were free of cement, transition aluminas (r -Al2O3) or any hydraulic binder. In addition, castable compositions containing colloidal silica and microsilica, as a means to increase the packing density and the matrix reactivity to assist mullite formation, were prepared. Castables viability for technological uses are discussed.

Keywords: castable refractory, self-flow, microsilica, mullite, colloidal silica.

INTRODUÇÃO

Durante as últimas décadas tem havido um grande desenvolvimento científico e tecnológico no campo dos concretos refratários estimulado pelas superiores características que estes em geral apresentam em relação aos tijolos convencionais. Atualmente os concretos podem ser considerados como compósitos de alta tecnologia nos quais as etapas mistura, moldagem, secagem e suas propriedades na temperatura de trabalho tem despertado profundo interesse.

Com o advento do uso de matérias-primas de tamanho sub-micrométrico (< 1 mm) como a microssílica e aluminas calcinadas, puderam ser desenvolvidos os concretos com teor reduzido de cimento de aluminato de cálcio (CAC), como os baixo (BTC) e ultra-baixo teor de cimento (UBTC). A presença de partículas nessa faixa de tamanho melhora a densidade de empacotamento do concreto aumentando sua resistência a verde e, assim, possibilitando a redução nos teores de cimento e também de água para sua fluidez. Essa redução é desejável uma vez que o CaO, presente no cimento, reage com a Al2O3 e SiO2 formando fases com baixo ponto de fusão (~ 1345 ºC) tais como anortita e guelenita que prejudicam fortemente a resistência a quente dessa classe de concretos.

O uso da microssílica tem sido muito freqüente nos concretos refratários aluminosos pela eficácia que apresenta no empacotamento, no aumento da fluidez da massa após mistura devido a sua forma arredondada e ainda pela possível formação de mulita in situ através da reação com alumina [1].

A mulita quando formada in situ proporciona superior resistência à fluência e excelente resistência ao dano por choque térmico em concretos refratários [2]. Diversos estudos tem sido realizados no sentido de compreender os fatores que afetam sua formação, tal como a presença de impurezas, tamanho e reatividade dos precursores, tratamentos térmicos, entre outros [1-4]. Um aspecto de interesse tecnológico é a obtenção de mulita em temperaturas inferiores às normalmente observadas, ~ 1400 ºC, pelo uso de precursores com partículas nanométricas, e portanto mais reativas.

No trabalho de Myhre [3] observou-se que é possível ter um considerável incremento na resistência à quente de concretos aluminosos pela adição de microssílica (Fig. 1). No entanto próximo a 1300 ºC essa resistência é prejudicada pela presença de uma fase líquida. Normalmente se associa este efeito à presença do cimento, porém nos concretos avaliados neste trabalho a quantia de cimento utilizada foi de 0,5 %-peso que corresponde a ~ 0,1 % de CaO, teor este muito baixo para justificar a formação de líquido em grandes proporções. Baseado nisto foi proposto que a causa deste comportamento poderia estar associada à uma fase metaestável de baixo ponto de fusão (~ 1260 ºC), existente no diagrama Al2O3- SiO2, Fig. 2, que se desenvolveria previamente à formação da mulita.



Com o intuito de explorar a existência dessa fase metaestável, foram produzidos nesse trabalho concretos aluminosos zero-cimento [5], auto-escoantes e com diferentes teores de microssílica, sendo posteriormente avaliado seu comportamento com relação a resistência mecânica a quente na região de formação de fase líquida e na de mulitização. A característica de ser um concreto zero-cimento, que não possui CAC ou qualquer outro ligante hidráulico, garante a inexistência de CaO decorrente do cimento e portanto a inibição da formação de fases líquidas definidas no sistema Al2O3-SiO2-CaO. O uso de partículas micronizadas nesses concretos permite a obtenção de características auto-escoantes as quais resultam em menor quantidade e tamanho de defeitos, facilidade na moldagem e a não necessidade de vibração na aplicação.

Foram ainda formulados concretos zero-cimento com microssílica contendo adições de sílica coloidal. Esta é uma sílica sintética com tamanho médio de partícula próximo a 20 nm e área superficial de ~ 200 m2/g. Com o uso desse precursor de alta reatividade tentou-se favorecer a mulitização em temperaturas inferiores a 1300 ºC e, assim, obter superior resistência mecânica na região de temperatura em que se atribui à formação da fase líquida metaestável.

A técnica utilizada para caracterização dos concretos foi o módulo de ruptura a quente (M.R.Q.) em conjunto com a difração de raios X. O ensaio de M.R.Q. em elevadas temperaturas simula a condição real de trabalho do concreto fornecendo indicativos de seu comportamento em tais situações e também de sua microestrutura.

MATERIAIS E MÉTODOS

Foram formulados concretos aluminosos zero-cimento auto-escoantes utilizando o modelo de empacotamento de partículas de Andreasen com coeficiente de distribuição, q = 0,21 e diâmetro máximo, DMáx.= 4750 mm. Utilizou-se para tal o software de formulações granulométricas PSDesigner [7]. Foram variados o teor de microssílica, MS, (2, 4, 6 e 8 %-peso) e o de sílica coloidal, SC, (1 e 2 %-peso), conforme Tabela I. Também foi formulado um concreto contendo somente alumina, utilizado como referência. As curvas de distribuição granulométrica resultantes dos concretos são apresentadas na Fig. 3, em comparação à curva teórica do modelo de Andreasen para q = 0,21. Os concretos com sílica coloidal foram formulados de forma a substituir parte da microssílica da composição MS 6. As curvas de distribuição granulométrica para estes concretos, MS4-SC2 e MS5-SC1, são muito similares à do concreto MS 6.


As matérias-primas e aditivos foram pesados, misturados a seco e posteriormente adicionados a um misturador planetário no qual se fez a adição gradativa de água (~ 10 min.). Como aditivo defloculante foi utilizado o ácido cítrico.

Corpos-de-prova, com dimensões 25x25x150 mm3, foram moldados com o menor teor de água possível para se obter um concreto auto-escoante. A seguir foram secos a 75 ° C por 24 horas e sinterizados por 12 horas nas temperaturas de 1200, 1300, 1400 e 1500 ° C.

O módulo de ruptura a quente foi realizado nas temperaturas de sinterização, com exceção daqueles tratados por 12 horas a 1500 ºC em que o ensaio foi realizado a 1470 ºC. Os testes, com 5 corpos-de-prova para cada composição e temperatura, foram realizados em flexão a 3 pontos, segundo norma ASTM C583, em um equipamento com alimentação contínua de corpos-de-prova da NETZSCH modelo MOR 422 D/3.

A difração de raios X foi realizada após cominuição dos corpos-de-prova em moinho rotativo revestido carbeto de tungstênio (WC) até que todas as partículas fossem inferiores a 100 mm (325 mesh).

A porosidade aparente foi avaliada através do método de Archimedes, e a auto-fluência (free-flow) segundo a norma ASTM C-680, em que se considera auto-escoante concretos com fluidez na faixa de 80 a 110%.

RESULTADOS E DISCUSSÕES

Auto-fluência (Free-flow) e porosidade aparente

Para o caso dos concretos zero-cimento com microssílica (MS2 a MS8) e no de referência (MS0), a utilização de distribuição granulométrica segundo o modelo de Andreasen, Fig. 3, forneceu valores satisfatórios de fluidez gerando concretos auto-escoantes com teores muito baixos de água para moldagem, Tabela I, com exceção para a composição MS 8 o qual ficou muito próximo ao limite de auto-escoabilidade, 74,7%.

O concreto MS0 apresentou certa dilatância após mistura, contrário aos concretos com microssílica. Este fato em geral está associado à forma das partículas que, no caso da microssílica são totalmente esféricas reduzindo assim a interferência entre as partículas do concreto durante seu escoamento.

Com o aumento do teor de microssílica, 2 para 8%, a curva de distribuição granulométrica aproximou-se mais da curva teórica proporcionando melhor empacotamento e portanto menor porosidade como pode ser observado na Fig. 4.


Nos concretos com microssílica a porosidade foi substancialmente reduzida. A forma e tamanho da microssílica certamente favoreceram o empacotamento do concreto com relação às aluminas calcinadas, que embora possuam dimensões próximas diferem na morfologia. Também a formação de líquido, como será mostrado adiante, favoreceu a sinterização e fechamento de poros nas composições contendo microssílica.

Para a composição MS5-SC1 contendo sílica coloidal a quantidade de água para moldagem teve que ser aumentada para se obter auto-fluência (Tabela I). Para a composição MS4-SC2 optou-se por manter o teor de água (14,5%-v) próximo ao da MS5-SC1 (14,0%-v) para evitar grandes diferenças na porosidade, mesmo que este tivesse sua fluidez prejudicada. A sílica coloidal utilizada promove a formação de um gel quando em contato com a água [8] aumentando sua viscosidade, fato este que prejudica a fluidez do concreto. Esse foi o principal fator que impossibilitou a produção de um concreto auto-escoante com superiores adições de sílica coloidal.

Difração de raios X

As Figs. 5 e 6 mostram o desenvolvimento de fases de dois dos concretos com microssílica, MS8 e MS4, nas diferentes temperaturas de tratamento térmico.



Para a composição MS8 os difratogramas após tratamento térmico a 1200 e 1300 ºC indicam a presença de alumina e cristobalita (Fig. 5). Segundo Chakravorty et. al. [9] o uso de precursores sintéticos amorfos tais como Al2O3 e SiO2 para obtenção de mulita, em geral tendem a se transformar, em temperaturas elevadas, em suas fases cristalinas estáveis previamente à formação da mulita. Esse fenômeno pôde ser observado no caso dos concretos em estudo, uma vez que a microssílica amorfa se transformou previamente em cristobalita, presente no concreto até 1300 ºC. Chakravorty mostra em seus estudos que a sílica amorfa passa para cristobalita-b a 1075 ºC permanecendo nesta forma até 1200- 1300 ºC, conforme também observado nos concretos em estudo. Com o desaparecimento da cristobalita a ~ 1400 ºC surge a fase mulita, indicativo de que a cristobalita foi consumida, juntamente com a alumina, para a formação da mulita.

Para a composição MS4, Fig. 6, o desenvolvimento de fases é muito similar ao MS8 com diferença principalmente na intensidade da fase cristobalita e posteriormente da mulita, devido a inferior quantidade de microssílica adicionada ao concreto, 4%-p.

Módulo de ruptura à quente

Os valores de módulo de ruptura a quente para os diferentes concretos zero-cimento contendo microssílica são apresentados na Fig. 7. Como se observa, os valores e o perfil de resistência mecânica foram muito próximos aos obtidos por Myhre [1] (Fig. 1).


Na temperatura de 1200 ° C, Fig. 7, os concretos zero-cimento apresentaram valores de resistência mecânica na faixa de 24 a 35 MPa, sendo superiores nos concretos contendo microssílica. Como nesta temperatura não ocorreu a formação de mulita (Figs. 5 e 6), a maior resistência está associada à menor porosidade observada para estes concretos com microssílica, Fig. 4. Como explicado anteriormente a microssílica tem forma e tamanho favoráveis ao superior empacotamento do concreto.

A 1300 ° C a resistência mecânica foi reduzida consideravelmente para as composições contendo microssílica, atingindo valores próximos a 14 MPa, como também já observado na literatura [3]. Myhre pela análise do diagrama de equilíbrio [6] (Fig. 2) propôs que a queda de resistência mecânica a 1300 ºC é função da fase metaestável existente nesse sistema, a qual prejudica a refratariedade do material. Porém em seus concretos é verificada a presença de pequena porção de cimento, 0,5%-p, o qual também poderia ser fonte de CaO, responsável juntamente com Al2O3 e SiO2 pelas fases de baixa refratariedade.

O trabalho de Pask [6] no diagrama Al2O3- SiO2 mostra que mesmo utilizando-se matérias-primas de alta pureza pode-se ter a formação dessa fase metaestável, a qual se funde em torno de 1260 ºC, devido à baixa cinética de reação por difusão em estado sólido. Na região de contato entre alumina e sílica ocorre a interdifusão de ambos os constituintes Al e Si, destruindo a estrutura cristalina e por consequência amorfizando-a e tornando-a susceptível à fusão e formação de líquido. Ressalta também que em diversos outros trabalhos tem sido observada essa ocorrência de fase amorfa em reações de estado sólido entre cristobalita e alumina.

Como nos concretos zero-cimento aqui produzidos verificou-se a queda de resistência a 1300 ºC, sendo estes totalmente isentos de cimento (CaO) e contendo baixo nível de impurezas provenientes das matérias-primas, pode-se confirmar a formação da fase metaestável proposta por Myhre. Adicionalmente, os difratogramas de raios X, Figs. 5 e 6, mostram a redução do pico de cristobalita a ~ 1300 ºC, já que é consumida na formação do líquido metaestável com ponto de fusão de 1260 ºC. Assim, parece ser inerente ao processo de formação da mulita, através de microssílica e aluminas finas, a prévia formação de um líquido metaestável.

Numa breve análise do diagrama proposto por Pask (Fig. 2) verifica-se que para ocorrer a formação da fase metaestável a porção reativa dos concretos; sua matriz com tamanho de partículas abaixo de 100 mm; deveria ser a principal responsável pela formação da mulita e portanto ter sua estequiometria na região A deste diagrama. Porém, baseando-se na Tabela II a estequiometria da matriz estaria mais próxima da região B, onde não é formado nenhum líquido transiente. Uma provável explicação seria a de que a microssílica não estando completamente dispersa na matriz formaria aglomerados e próximo a estes a concentração de sílica em relação a alumina se torna grande o suficiente a ponto de levar localmente a uma composição na região A, favorecendo a formação de líquido nessas regiões

Os concretos contendo pouca quantidade de microssílica, MS 2 e 4, tiveram sua resistência mecânica prejudicada em todo o perfil de temperatura acima de 1200 ºC. Segundo Myhre et. al. [1, 3, 4] para pequenas porções de microssílica ocorre a formação de líquido porém com pouca precipitação de mulita. Analisando a porosidade desses concretos, Fig. 4, verifica-se que houve considerável aumento na densificação dos corpos, indicativo de presença de fase líquida, porém a pequena quantidade de mulita formada, Fig. 6, quando comparado com o caso do concreto MS8, Fig. 5, não contribuiu para o aumento da resistência mecânica a quente. Parece existir um valor mínimo (ou crítico) de microssílica a ser adicionada ao concreto para que a quantidade de mulita formada possa gerar considerável incremento na resistência mecânica desses concretos zero-cimento, conforme também já observado por Myhre [1, 4].

A presença de certa quantidade de microssílica acima do valor crítico formaria um estrutura mulítica na matriz do concreto ampla o suficiente para dificultar o cisalhamento entre a matriz e os agregados.

A 1400 ° C os concretos com 6 e 8% de microssílica apresentaram aumento na resistência a quente, fato esse que está associado à formação de mulita, Fig. 5, e também a densificação do sistema. O processo de mulitização parece depender da formação do líquido metaestável silico-aluminoso formado a ~1300 ºC a partir do qual ocorre sua posterior precipitação (³ 1400 ºC), conforme observado pela redução dos picos de cristobalita e alumina, Figs. 5 e 6.

Apesar do aumento a 1400 ºC, os concretos tiveram valores de resistência inferiores ao de Myhre, Fig. 1. Esperava-se melhores propriedades já que os zero-cimento, com distribuição de Andreasen com q = 0,21, contém uma maior porção de partículas finas, porém a ausência de óxidos que associados a alumina e sílica podem gerar fase líquida, como o CaO, podem estar limitando a sinterização do sistema.

Com o aumento da temperatura de ensaio para 1470 ° C somente o concreto com 8% de microssílica apresentou aumento na resistência devido a continuidade do processo de mulitização e densificação. Nos concretos do estudo de Myhre, por outro lado, ocorre queda em ambos os casos MB6 e MB 8, certamente pela redução da refratariedade pela pequena presença do CaO.

A Fig. 8 apresenta o comportamento a quente para os concretos contendo sílica coloidal em comparação ao concreto MS 6, uma vez que todos contém 6% de SiO2. Ambos com sílica coloidal apresentaram pior ou igual desempenho em praticamente toda a faixa de temperatura analisada em relação a aquele contendo somente microssílica, sendo mais notório para o caso com 2% de sílica coloidal. A maior porosidade observada nesses concretos, Fig. 4, certamente foi um dos fatores prejudiciais a resistência. As pequenas quantidades adicionadas, 1 e 2%-p, podem ter sido insuficientes para gerar uma estrutura mulítica na matriz do concreto favorável ao aumento de resistência.


Na faixa de 1300 a 1500 ºC o concreto MS5-SC1 apresentou valores de resistência próximos ao do MS 6 enquanto que os da composição MS4-SC2 foram muito inferiores. No caso MS5-SC1 a resistência certamente está associada ao teor de microssílica ser suficiente para formar uma estrutura mulítica na matriz de forma a melhorá-la, como explicado anteriormente, podendo ou não ter sido influenciado pela sílica coloidal. Já para o caso MS4-SC2 o teor de microssílica é abaixo do crítico como no caso do MS 4, Fig. 7, e portanto gerando o mesmo perfil de resistência mecânica a quente. Isto é um indicativo de que a sílica coloidal não está diretamente adicionando-se à porção de microssílica, totalizando os 6% de SiO2 previstos.

Analisando-se o comportamento a quente do concreto contendo somente alumina, MS 0, (Fig. 7) pode-se notar que este teve um excelente desempenho com relação a resistência mecânica na faixa de temperatura analisada, compatível com os concretos com microssílica. Esta composição não apresentou alterações significativas na resistência mecânica a quente como nos concretos contendo microssílica, devido a sua maior refratariedade e a ausência de fases metaestáveis. A redução da resistência mecânica com o aumento da temperatura está associada à presença de impurezas como o sódio, normalmente encontrada em aluminas calcinadas. Os valores superiores de resistência quando comparados com o concreto aluminoso de Myhre (MB0) com 0,5 de cimento, Fig. 1, estão associados ao fato do concreto deste estudo possuir maiores quantidades de partículas finas e portanto de superior compacidade e sinterabilidade.

CONCLUSÕES

A formulação de um concreto aluminoso contendo microssílica e isento de fontes de CaO (zero-cimento) permitiu uma melhor interpretação da fase metaestável que se forma a ~ 1260 ºC, a qual prejudica fortemente a resistência mecânica desses concretos. O processo de formação da mulita por precursores micrométricos como microssílica e aluminas calcinadas é precedido pela formação de um líquido metaestável no qual ocorre a difusão dos componentes Al2O3 e SiO2, com posterior precipitação da mulita.

A utilização do modelo de distribuição granulométrica de Andreasen, através do software PSDesigner, permitiu a obtenção de concretos auto-escoantes com baixos teores de água para moldagem e elevada compactação, gerando concretos com baixa porosidade aparente e excelente desempenho mecânico a altas temperaturas.

O uso de um precursor amorfo como a microssílica resulta primeiramente em sua transformação para a fase cristalina estável cristobalita em temperaturas próximas a 1100 ºC, com posterior reação da cristobalita com a alumina formando mulita.

A utilização até 1300 ºC de concretos contendo microssílica em produtos não pré-queimados acima de 1400 ºC para a formação da mulita, terão sua resistência mecânica afetada fortemente pela formação do líquido metaestável e ainda possivelmente prejudicados com relação a resistência ao choque térmico devido a ausência de mulita.

A utilização de uma sílica altamente reativa como a sílica coloidal, nesse estudo, não se mostrou viável para a classe dos concretos auto-escoantes. A etapa de mistura foi fortemente prejudicada uma vez que a sílica coloidal gelifica quando em contato com a água reduzindo consideravelmente a fluidez do concreto. A adição de uma maior quantidade de água, resultará no aumento da porosidade residual.

A correta seleção de aluminas micronizadas em conjunto com o adequado controle da distribuição granulométrica e aditivos defloculantes gerou um concreto zero-cimento com elevada densidade de empacotamento, baixa porosidade e resistência mecânica a quente muito similar aos concretos contendo microssílica.

AGRADECIMENTOS

Os autores agradecem a FAPESP, CNPq e a ALCOA Alumínio S.A. pelo suporte a execução deste trabalho.

REFERÊNCIAS

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(Rec. 28/06/99, Ac. 18/02/00)

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Datas de Publicação

  • Publicação nesta coleção
    15 Set 2000
  • Data do Fascículo
    Jun 2000

Histórico

  • Recebido
    28 Jun 1999
  • Aceito
    18 Fev 2000
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