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Estudo da estabilidade de dispersões de SnO2 utilizando L-Arginina ou quitosana como dispersantes

Stability of SnO2 dispersions containing L-Arginine or chitosan

Resumos

O estudo da estabilidade de dispersões cerâmicas se faz cada vez mais necessário para o controle dos processos de conformação. Pouco se conhece a respeito das dispersões de SnO2 em meio aquoso e da sua estabilização com diferentes dispersantes. A utilização de moléculas com cargas positivas em pH próximo ao do ponto isoelétrico do SnO2 , como a L-Arginina e a Quitosana, mostrou-se efetiva para a formação de potenciais zeta positivos em dispersões aquosas deste pó. Medidas de potencial zeta através do sinal eletroacústico mostraram que é possível obter-se dispersões estáveis com potencial zeta de + 30 mV para dispersões aquosas de SnO2 contendo Quitosana.

dispersões cerâmicas; óxido de estanho


The study of the stability of ceramic dispersions becomes more and more important for the control of conformation processes. There is not enough information on aqueous dispersions of SnO2 and their stability with different dispersants. Positively charged molecules in pH near the SnO2 isoelectric point, as L-arginine and chitosan, were successfully tested for raising the zeta potential of aqueous dispersions of this powder. Measurements of the zeta potential from electroacoustic signals showed that it is possible to obtain stable suspensions and zeta potential of +30 mV for aqueous dispersions of SnO2.

ceramic dispersions; tin oxide


Estudo da estabilidade de dispersões de SnO2 utilizando L-Arginina ou quitosana como dispersantes

(Stability of SnO2 dispersions containing L-Arginine or chitosan)

R. H. R. de Castro, D. Gouvêa

Departamento de Engenharia Metalúrgica e de Materiais

Escola Politécnica da Universidade de S. Paulo

Av. Prof. Mello Moraes, 2463 Cidade Universitária, S, Paulo, SP

dgouvea@usp.br

Resumo

O estudo da estabilidade de dispersões cerâmicas se faz cada vez mais necessário para o controle dos processos de conformação. Pouco se conhece a respeito das dispersões de SnO2 em meio aquoso e da sua estabilização com diferentes dispersantes. A utilização de moléculas com cargas positivas em pH próximo ao do ponto isoelétrico do SnO2 , como a L-Arginina e a Quitosana, mostrou-se efetiva para a formação de potenciais zeta positivos em dispersões aquosas deste pó. Medidas de potencial zeta através do sinal eletroacústico mostraram que é possível obter-se dispersões estáveis com potencial zeta de + 30 mV para dispersões aquosas de SnO2 contendo Quitosana.

Palavras-chave: dispersões cerâmicas, óxido de estanho.

Abstract

The study of the stability of ceramic dispersions becomes more and more important for the control of conformation processes. There is not enough information on aqueous dispersions of SnO2 and their stability with different dispersants. Positively charged molecules in pH near the SnO2 isoelectric point, as L-arginine and chitosan, were successfully tested for raising the zeta potential of aqueous dispersions of this powder. Measurements of the zeta potential from electroacoustic signals showed that it is possible to obtain stable suspensions and zeta potential of +30 mV for aqueous dispersions of SnO2.

Keywords: ceramic dispersions, tin oxide.

INTRODUÇÃO

A maioria dos processos cerâmicos envolve uma etapa de conformação (prensagem, colagem, eletroforese, etc.). Esta, por sua vez, passa, em geral, pela preparação de uma dispersão do pó cerâmico em um solvente, como no caso da etapa de atomização, pré-etapa da prensagem. O solvente mais utilizado é a água, mas é possível, em alguns processos, a utilização de solventes orgânicos.

É especialmente relevante para o processo de conformação o estudo da floculação da dispersão, pois tal característico define muito das propriedades da peça final. A floculação está diretamente ligada às propriedades físico-químicas da suspensão, que por sua vez dependem das interações da superfície do pó cerâmico com as moléculas do solvente. Tais interações variam com a polaridade do solvente e o caráter de superfície.

A superfície das partículas pode ser definida como uma região de transição entre o interior do material e uma fase provida apenas de organização de curto alcance. Nesta superfície podem existir camadas não estequiométricas com desequilíbrio de cargas. Quando em contato com um solvente, estas cargas interagem com as moléculas do solvente ou íons solúveis e podem dar origem a cargas elétricas adsorvidas.

Os principais íons capazes de interagir com a superfície dos óxidos e determinar a carga superficial são H+ e OH- (íons determinantes de potencial), ou seja, uma variação no pH da suspensão é de relevante importância para a modificação das cargas superficiais. Os modelos de adsorção de prótons em óxidos são geralmente baseados na combinação de modelos de ligação de sítios e modelos eletrostáticos [1].

Geralmente a presença de outros eletrólitos além dos íons determinantes de potencial não altera o potencial de superfície. Entretanto, a presença de íons de cargas opostas à da superfície (contra-íons) pode alterar a distribuição de cargas nas proximidades da superfície levando à formação da Dupla Camada Elétrica (DCE).

O ponto de carga zero (pcz) é uma característica básica da superfície de óxidos. Neste pH, na ausência de íons de adsorção específica, a soma da carga elétrica total superficial é zero. A determinação deste ponto serve de referência para especificar parâmetros da DCE, tais como a carga superficial e a energia livre, e a natureza química da interface [2, 3].

A estabilidade de uma dispersão está relacionada com a força de repulsão entre as partículas. Em sistemas onde forças atrativas dominam, o sistema se torna instável, e as partículas sedimentam, aumentando a viscosidade. Em casos onde as forças repulsivas são fortes, uma suspensão relativamente estável e defloculada é obtida.

A variação do pH é um dos métodos aplicados na defloculação de sistemas óxidos, mas existem algumas inconveniências: alguns óxidos necessitam de pH extremamente baixo ou alto para atingir um ponto ideal de dispersão, ou seja, potencial zeta de aproximadamente 30 mV. Nestas condições a continuação do processo de fabricação da peça pode se tornar inviável. Outro inconveniente é a grande influência da força iônica do meio.

Se a variação do pH é desvantajosa na obtenção de certas dispersões estáveis, pode-se utilizar os dispersantes. Dispersantes são moléculas, geralmente poliméricas, adicionadas à suspensão para modificar a superfície do sólido, adsorvendo-se a ela, a fim de gerar impedimento estérico, e em alguns casos cargas elétricas, que determinam as forças de repulsão entre as partículas e tornando o sistema defloculado.

Existem dois tipos básicos de dispersantes: os dispersantes por efeitos estéricos e por efeito eletrostáticos [4]. Este último trata de moléculas ou íons capazes de adsorver¾se às partículas e elevar o potencial elétrico de superfície estendendo sua camada difusa. Quanto maior a espessura da DCE maior será a interação entre elas e, em conseqüência, maior a repulsão. Os dispersantes estéricos são moléculas com elevado peso molecular (geralmente polímeros) que estabilizam o sistema basicamente por impedimento estérico. As moléculas se ligam às partículas por alguns sítios "âncoras" que têm alta afinidade com a superfície, e as porções restantes das moléculas poliméricas se projetam para a solução, permanecendo solvatadas pelo líquido, sendo responsáveis pela estabilização.

A eficácia de um dispersante estérico tem relação com as afinidades molécula - líquido e molécula - partícula, isto é, se houver alta solvatação do polímero pelo líquido, as moléculas do líquido tenderão a permanecer ao redor das cadeias poliméricas e, quando da aproximação das partículas, a interpenetração das cadeias é dificultada, aumentando a repulsão. Ao mesmo tempo, as moléculas poliméricas devem estar ligadas à superfície com energia suficientemente alta para que resistam às tensões resultantes das colisões entre partículas [4].

Existe uma terceira forma de estabilização que esta relacionada aos dois princípios descritos acima (estérico e eletrostático). Este dispersante é chamado eletro-estérico e basicamente se apresenta como um polímero carregado. Isto é, além de apresentar sítios "âncora" para sua fixação na superfície, as porções solvatadas também são carregadas, gerando uma dupla repulsão eletrostática e estérica.

Os sítios "âncora" mencionados acima são porções das moléculas que interagem com os átomos da superfície das partículas e fixam a molécula. Esta interação pode ser através de pontes de hidrogênio, atração eletrostática, interações hidrofóbicas, formação de complexos entre outras formas. Depende também do caráter superficial e do comportamento da molécula do dispersante em solução, isto é, a presença de caráter ácido e básico nos dois materiais.

A acidez de moléculas pode ser determinada por seu pKa no conceito de acidez de Brönsted. Substâncias com pKa < 0 (Ka > 1) são classificadas como ácidos fortes, no sentido que o equilíbrio da transferência de prótons em solução aquosa está deslocado em favor da doação para água. Inversamente substâncias com pKa > 0 são classificadas como ácidos fracos. As bases conjugadas de ácidos fortes são bases fracas pois é termodinamicamente desfavorável a reação com o próton, e as bases conjugadas de ácidos fracos são bases fortes.

No caso de polieletrólitos como a Quitosana (polissacarídeo), as constantes de dissociação não são verdadeiramente constantes, mas dependem do grau de dissociação no qual elas são determinadas. Com ácidos carboxílicos poliméricos, o poliânion irá atrair íons H+, fazendo a dissociação mais difícil, enquanto que com poli(aminas), a facilidade de dissociação de grupos conjugados de ácidos, -NH3+, aumentará pela presença de grupos -NH3+ adjacentes.

O caráter ácido ou básico da superfície de óxidos também pode ser analisado de forma semelhante. Segue o modelo de reações [5]:

-SOH (superfície) + H2O Û -SO-(superfície) + H3O+ (Kas1) (1)

-SOH (superfície) + H2O Û -SOH+2 (superfície) + OH- (Kas2) (2)

Se a densidade de elétrons do átomo de oxigênio no ¾SOH for baixa, a ionização se dará conforme a reação (1). Isto é, a superfície se comporta como um ácido de Brönsted mais forte que água (pKas1 < pKw na reação (1), ou melhor pKas1 < 14). Se o caráter de superfície for básico a reação (2) tem preferência de modo que pKas1 > pKw. O modelo de dissociação de grupos ácidos e básicos superficiais para óxidos possui algumas fraquezas. As constantes de equilíbrio são macroscópicas e diferenciam das constantes de acidez intrínsecas verdadeiras, pois em se tratando de estruturas cristalinas, cada perda de próton reduz a carga na superfície poliácida. Assim como na Quitosana, a acidez de grupos vizinhos será afetada em alguma extensão. Mas apesar disto, o modelo é bem aplicável à maioria dos óxidos.

O dióxido de estanho (SnO2) é um importante material de base para uma variedade de sensores de gás. O SnO2 é um semicondutor do tipo n, com gap de 3,6 eV, e estrutura cristalina do rutílio (TiO2). A superfície (110) do SnO2 é energeticamente a mais estável e, portanto, a face cristalina predominante em amostras policristalinas [9].

As dispersões de SnO2 são pouco estudadas e, por isso, existe uma grande dificuldade em se obter informações sobre suspensões estáveis deste material. Em trabalhos anteriores verificou-se que a adsorção de polímeros derivados de ácidos poliacrílicos a superfície do SnO2 é limitada pela competição com grupos OH- [6]. O SnO2 apresenta ponto isoelétrico ácido de aproximadamente 4 e grande afinidade por grupos OH-, que quando adsorvidos conferem à superfície um aumento de cargas e no potencial zeta. Portanto devido à repulsão eletrostática, há dificuldade na adsorção das moléculas de polímeros acrílicos, que se apresentam negativamente ionizados em pH básico.

Os resultados obtidos por Gouvêa e Murad [6] mostraram a influência do pH na adsorção de um dispersante derivado de um ácido poliacrílico. Mudanças significativas no módulo do potencial zeta das partículas foram observadas na adição do dispersante a dispersões de SnO2. Porém a variação do potencial estava intimamente ligada à variação do pH da suspensão.

Nos óxidos em geral, a interação da superfície com as moléculas de água ocorre de forma que haja adsorção ou dessorção de prótons nos grupos hidroxilas da superfície segundo as reações nas equações 1 e 2 [5].

A menor energia superficial para o SnO2 está associada com a face (110) deste cristal. Na tendência em minimizar a energia superficial, o cristal não deve, ainda, terminar deixando uma unidade repetida de modo a formar momentos de dipolo perpendiculares à superfície [9]. Isto implica que deve haver uma seqüência de terminação de planos iônicos [(1XO) (2XO+2XSn) (1XO)] que possui não um dipolo, mas um quadripolo [(2-)(4+)(2-)]. A coluna de íons de oxigênio mais externa deve formar uma ponte entre íons de estanho adjacentes a fim de completar a coordenação 6 de metade dos íons na superfície Sn2O2 [9]. A forma esquemática do plano cristalino mais estável no cristal de SnO2 seco (110) é mostrada na Fig. 2.


Devido à presença significativa de vacâncias de oxigênio na superfície do óxido de estanho há um desequilíbrio no sistema. Desta forma os planos catiônicos têm sua coordenação prejudicada aumentando as cargas superficiais positivas.

Na interação da superfície com moléculas de água as pontes de estabilização dão lugar a hidroxilas que têm maior força de estabilização de coordenação do cátion Sn. Esta adsorção de hidroxilas deve ser responsável pela queda representativa do pH da suspensão. Ainda com alguma tendência aniônica, a superfície é ligeiramente protonada para equilibrar cargas livres dos íons O. Portanto o pH da dispersão é ácido (~4,0) e o potencial zeta ligeiramente negativo (~ -9 mV).

O PMAA (polimetacrilato de amônio) é uma molécula ácida que se encontra desprotonada em pH 7,0, usada na dispersão de pós como alumina de característica de superfície básica. Quando uma solução de PMAA é adicionada à suspensão de SnO2, tais moléculas tendem a competir com íons hidroxilas, também carregados negativamente, pela adsorção na superfície do óxido. Como os íons hidroxilas são menores, tem maior mobilidade e são íons determinantes de potencial em óxidos se adsorvem preferencialmente às moléculas de PMAA. Estas últimas tendem a ficar na fase líquida da suspensão, não afetando o potencial superficial. Além deste fenômeno de competição, as cargas negativas formadas na superfície tendem a repelir as moléculas poliméricas evitando qualquer possibilidade de formação de pontes de hidrogênio entre o polímero e a superfície [6].

Desta forma, selecionou-se moléculas que pudessem adsorver a superfície do SnO2 em pH próximo a 4. Estas substâncias devem apresentar grupos que possam ser adsorvidos à superfície do óxido por pontes de hidrogênio e ao mesmo tempo apresentar carga elétrica. Duas substâncias foram utilizadas: a L-Arginina (um aminoácido) e a Quitosana (um polissacarídeo).

A L-Arginina é um aminoácido básico apresentando, portanto, sítios ácidos e básicos (Fig. 1a). Os pKa dos grupos presentes na L-Arginina estão listados na Tabela I [7].


Note que em pH 4, de acordo com os pKs apresentados na tabela, o grupo guanidino se apresenta carregado positivamente (protonado), pois seu pK3 é bastante básico (Fig. 1a). Este fenômeno se dá ao fato de que cargas positivas neste grupo são estabilizadas por ressonância com os dois nitrogênios primários mais o secundário. O segundo grupo nitrogenado também se apresenta carregado, pois o pH da suspensão é menor que seu pK2. Neste pH o grupo carboxílico está carregado negativamente, neutralizando a molécula, mas ainda permitindo um balanço total positivo concentrado no grupo guanidino.

A Quitosana é um polissacarídeo obtido do produto da desacetilação da Quitina - encontrada no exoesqueleto de crustáceos, moluscos e insetos [8], sendo, portanto, as possibilidades de produção do material no litoral brasileiro economicamente bastante viáveis. Moléculas de Quitosana (Fig. 1b) também apresentam caráter básico, tendo grupos nitrogenados ao longo de sua cadeia que podem facilmente ser protonados em pH na faixa entre 3 e 5, garantindo boa solubilidade em água. Como vimos anteriormente para polieletrólitos, o pKa da Quitosana dependerá da densidade de carga do polímero, da neutralização dos grupos carregados e do grau de N-acetilação para amostras tendo a mesma fração de grupos -NH3+ neutralizada. O pKa para o monômero da Quitosana, Dglucosamina, foi estabelecido como 7,5 [10], mas para a Quitosana foram obtidos valores muitos menores, atribuídos à forte interação eletrostática entre grupos -NH3+ adjacentes. Estudos de viscosidade específica, Park et al. [11], de uma solução de Quitina com 36% de desacetilação, sugerem que o grupo C(2)-NHCOCH3 de Quitina se torna protonado a pH menor que 3,5.

Dificilmente a reação de desacetilação da Quitina é completa, de modo que o polímero que trabalharemos apresenta 50% de desacetilação (Quitosana [0,50]), isto é, a cadeia polimérica apresentará grupos nitrogenados da Quitosana e acetilados provenientes da Quitina [8].

O objetivo deste trabalho foi verificar a possibilidade da utilização de moléculas com carga positiva em pH ácido como dispersantes para o SnO2. Para isso foram realizados medidas de potencial zeta, pH e condutividade durante a adição de soluções de L-Arginina e Quitosana através do equipamento ESA-8000 da Matec que possibilita a medida do efeito eletro-acústico (ESA, Electrokinetic Sonic Amplitude) simultaneamente o pH, condutividade e temperatura durante a adição de uma solução. Através do sinal ESA foi possível calcular o potencial zeta.

MATERIAIS E MÉTODOS

Foi utilizado o pó cerâmico Dióxido de Estanho proveniente da Minasolo - 99,9% mínimo, de área de superfície específica 7,3 m2/g. O solvente foi água deionizada. As substâncias utilizadas foram: L-Arginina (Ajinomoto Interamericana - lote No. Z002J001) e Quitosana (código 22741) proveniente da Fluka (99% - Basel Suiça) de massa molar média nominal de 150.000 g/mol devidamente purificada pelo processo abaixo discriminado. Nos testes também utilizamos o Ácido Nítrico (PA - Synth) em concentração 2N e Ácido Acético Glacial (P.A. - Nuclear).

Foi utilizado o equipamento MATEC ESA-8000, que utiliza técnica ESA (Electrokinetic Sonic Amplitude), para medições de potencial zeta. [12-14]

Determinação do potencial zeta

L-Arginina

Foram preparadas dispersões 3% em volume de SnO2 em H2O (pHinicial=4,0) e soluções de L-Arginina com concentrações 0,1 M, 0,5 M e 1,0 M em água deionizada. O pH das soluções de L-Arginina foi corrigido para 4,0 pela adição de HNO3. Este procedimento foi realizado para evitar mudanças no potencial zeta resultantes da variação do pH da suspensão quando da adição do dispersante. As curvas de potencial das partículas versus volume de L-Arginina seguiram os procedimentos: para solução 0,1 M de L-Arginina utilizou-se taxa de adição volumétrica de 0,05 mL a cada 30 s; para 0,5 M taxa de 0,05 mL para cada 30 s, para 1,0 M, 0,5 mL a cada 30 s e 0,05 mL a cada 5 min.

Para a curva de cinética de adsorção da L-Arginina à superfície do SnO2 foram preparados 10 mL de solução aquosa de L-Arginina 0,5 M, com pH ajustado a 4,0 pela adição de ácido nítrico. Quando estabilizado o potencial zeta de uma suspensão 3% em volume de SnO2, adicionou-se rapidamente os 10ml da solução de L-Arginina e observou-se a variação do potencial z em função do tempo.

A curva de condutividade foi apresentada pelo mesmo equipamento ESA-8000 quando do experimento de curva de potencial zeta da suspensão de SnO2 com adição volumétrica de solução de L-Arginina 1,0M (0,05 mL a cada 5 min). As medidas foram realizadas a 25 oC.

Purificação da Quitosana

A Quitosana passou por um processo de purificação para eliminação de partículas sólidas e possíveis impurezas, segundo procedimento descrito por Roberts [8]. Dissolveu-se 5 g de Quitosana em 500 mL de solução 0,1 M de ácido acético (HAc) com agitação constante por 72 horas. Filtrou-se a solução e precipitou-se a Quitosana com NaOH 2 M até pH 11,74. Neutralizou-se com HAc 0,1M até pH 7,09 e foi feita centrifugação por 7 min a 3000 rpm, seguida de secagem em estufa a 70 oC.

Estudos de IR mostraram que o processo de purificação não influencia o grau de N-acetilação da Quitosana. Também não foi verificada mudança na estrutura do composto independentemente do processo de secagem utilizado.

Para a análise de variação do potencial zeta da suspensão de SnO2 com adição de Quitosana foram preparadas suspensão 1% em volume de SnO2 em água e adicionada uma solução 1 g/L de Quitosana em HAc 0,1 M (pHinicial@3,4). As medidas foram realizadas com a adição de 0,05 mL a cada 30 s da solução de Quitosana.

RESULTADOS E DISCUSSÃO

L-Arginina

Curvas de potencial zeta da dispersão de óxido de estanho com adição volumétrica de solução aquosa de L-Arginina em diversas concentrações estão apresentadas na Fig. 3. O potencial zeta teve uma variação significativa com a adição de uma pequena quantidade de solução, ocorrendo inversão de seu sinal de carga para potenciais positivos, que indica ocorrência de adsorção das moléculas positivas. O comportamento observado nas curvas com concentrações mais elevadas 0,5 M e 1,0 M não é o mesmo. As variações de potencial zeta são menores e há estabilização do potencial na faixa de 10 mV. Valor este, abaixo do esperado pela projeção inicial da curva de concentração 0,1 M. A analise da curva de cinética de adsorção da L-Arginina e a curva de condutividade da suspensão de óxido de estanho com adição de L-Arginina parecem explicar o motivo deste comportamento.


Deve haver um fator cinético relevante na adsorção da L-Arginina (Fig. 4). A estabilização do potencial se dá apenas cerca de 7 minutos após a adição da solução à suspensão de SnO2. Este fator interfere na inclinação das curvas da Fig. 3 de forma que, soluções de grandes concentrações adicionadas em intervalos volumétricos relativamente baixos fazem com que moléculas de L-Arginina sejam injetadas no sistema antes de todas as moléculas anteriormente adicionadas tenham se ligado à superfície, ou melhor, antes que o sistema tenha atingido o equilíbrio. Para concentrações baixas com grandes intervalos de adição volumétrica ocorre uma variação bastante significativa do potencial. Neste caso poucas moléculas estão suspensas no sistema e a probabilidade de que elas interajam com a superfície é maior que a interação entre si.


A modificação de condutividade elétrica pode ser responsável pelos baixos valores de potencial zeta obtidos durante a adição de L-arginina. A curva da Fig. 5 mostra que a condutividade elétrica da suspensão aumenta com a adição de L-Arginina para a amostra ARG 1M-0,05 mL/30s. A partir de aproximadamente 10 mg de L-Arginina por grama de SnO2 a variação pode ser considerada linear sem modificações significativas de pH. Esse aumento da condutividade pode levar a compressão da dupla camada elétrica e a redução do potencial zeta final medido.


O aumento da condutividade observado deve ocorrer provavelmente devido aos íons nitrato que são adicionados através do ácido nítrico para acerto do pH da solução de L-arginina em pH próximo de 4.

Quitosana

A curva de potencial zeta de uma suspensão 1% de SnO2 com adição volumétrica de solução 1 g/L de Quitosana é apresentada na Fig. 6.


Durante a adição da solução de Quitosana observa-se inicialmente um decréscimo em módulo do valor de potencial zeta que atinge zero a uma concentração de aproximadamente 0,2 mg de Quitosana por grama de SnO2. A partir desse ponto o z torna-se positivo e, com o aumento da concentração de Quitosana, o potencial zeta aumenta atingindo um valor máximo de +30 mV para uma concentração de 0,14 mg/g de SnO2. Note que o pH da suspensão permanece praticamente constante durante a adição de Quitosana, mostrando que a variação do potencial zeta se deve unicamente a adsorção do polímero à superfície do SnO2. De forma diferente ao observado para o SnO2 com dispersantes derivados de ácidos poliacrílicos [6], aqui não ocorre competição entre a adsorção da Quitosana e os grupos OH- uma vez que o pH da dispersão é idêntico ao da solução de Quitosana e portanto os íons são adicionados na mesma proporção da suspensão. Desta forma, as moléculas de Quitosana, que se encontram protonadas devido ao pH, ao se adsorverem à superfície do SnO2 levam a um aumento significativo da carga superficial das partículas e, em conseqüência, da mobilidade eletroforética e do potencial zeta. O valor elevado de potencial zeta obtido garante a formação de suspensões estáveis de SnO2 devido à geração de força de repulsão eletrostática entre as DCE. A condutividade elétrica da dispersão aumenta ligeiramente com a adição de Quitosana, mas muito menos quando comparada com a adição de L-Arginina.

Um modelo esquemático do mecanismo de adsorção das moléculas de Quitosana pode ser representado pela Fig. 7. Os pontos da cadeia de Quitosana onde se encontram grupos -OH devem participar na formação de ligações tipo pontes de hidrogênio à superfície do óxido. Ao mesmo tempo existem grupos com cargas positivas do tipo -NH3+ levando ao aumento da carga superficial e do potencial zeta.


A adsorção pode ainda estar relacionada a sítios acetilados presentes no monômero Quitina. Existem neste monômero, ligações duplas com oxigênio que possui par de elétrons livres necessário para formação de pontes de hidrogênio com hidroxilas adsorvidas à superfície. A presença de tais sítios acetilados é resultado do baixo rendimento na desacetilação da Quitina.

CONCLUSÕES

A adsorção da L-Arginina à superfície do óxido de estanho ocorreu com mudanças significativas no potencial zeta da superfície das partículas, alcançando valor positivo de 10 mV. As limitações ficaram por conta do aumento da condutividade do meio, que provoca compressão da dupla camada elétrica, e do fato de estarmos lidando com moléculas simples (não poliméricas). Moléculas não poliméricas levam a um aumento limitado do módulo de cargas superficiais, pois quando adsorvida à superfície, o número de moléculas por área superficial é limitado e é este número, neste caso, que define a carga particular pois a razão de sítios âncora e cargas moleculares é unitária. No caso de polímeros carregados, como a Quitosana, as cargas são majoradas, isto é, quando de sua adsorção, há sítios âncora que fixam a molécula à superfície mas boa parte das cargas na extensão da molécula ficam solvatadas pelo líquido, que são responsáveis pela geração de cargas e estabilização do sistema.

A Quitosana mostrou-se bastante eficaz na geração de cargas em partículas de SnO2, elevando o potencial zeta à +30 mV, valor suficiente para manter a suspensão estável. As cargas positivas geradas são provenientes dos sítios nitrogenados do polímero que se encontram carregados em pH = 4.

AGRADECIMENTOS

FAPESP - Proc. 97/06152-2; Bolsa de Iniciação Científica CNPq PIBIC; à Profª. Denise Petri do Instituto de Química da USP, à Ajinomoto Interamericana pela doação da L-Arginina.

(Rec. 03/08/00, Rev. 08/11/00, Ac. 10/11/00)

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Datas de Publicação

  • Publicação nesta coleção
    28 Mar 2001
  • Data do Fascículo
    Dez 2000

Histórico

  • Recebido
    03 Ago 2000
  • Revisado
    08 Nov 2000
  • Aceito
    10 Nov 2000
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