Acessibilidade / Reportar erro

Cerâmicas eletrônicas à base de SnO2 e TiO2

SnO2 and TiO2 based electronic ceramics

Resumos

Este trabalho mostra o avanço de pesquisas realizadas em cerâmicas eletrônicas à base de SnO2 e TiO2. A adição de diferentes dopantes, bem como a realização de tratamentos térmicos em atmosfera oxidante e redutora, influenciam na densificação, tamanho médio de grãos e nas propriedades elétricas da cerâmica varistora à base de SnO2. Resultados obtidos por medidas de espectroscopia de impedância mostram as variações de altura e largura da barreira de potencial em função da atmosfera de tratamento térmico. Altos valores de coeficiente de não-linearidade foram obtidos para os sistemas à base de SnO2, característicos de varistores de alta tensão tal como os varistores comerciais de ZnO. Neste trabalho, também serão apresentados estudos de cerâmicas policristalinas à base de TiO2 e (Sn,Ti)O2, as quais apresentam resposta elétrica I-V não linear típica de sistemas varistores de baixa tensão. Todos estes sistemas são potencialmente promissores à aplicação como varistor.

varistores; SnO2; TiO2; sistemas não lineares; barreira de Schottky


The development of the research work on SnO2- and TiO2-based electronic ceramics is reported. The doping with different materials as well as the thermal treatments at oxidizing and reducing atmospheres influence the densification, the average grain size and the varistor performance of the tin oxide ceramics. The impedance spectroscopy results show the differences in height and width of the potential barriers depending on the atmosphere during thermal annealing. High non linear coefficients were obtained for SnO2-based systems, similar to the ones obtained for commercial ZnO high voltage varistors. Results on TiO2 and (Sn,Ti)O2 polycrystalline ceramics, with non-linear I-V characteristics typical for low voltage varistor systems, are also reported. All these ceramic systems are potential candidates for varistor devices.

varistors; SnO2; TiO2; non-linear systems; Schottky barrier


Cerâmicas eletrônicas à base de SnO2 e TiO2

(SnO2 and TiO2 based electronic ceramics)

M. R. Cassia-Santos1, V. C. Sousa, 1 M. M. Oliveira 1, P. R. Bueno, W. K. Bacelar1, M. O. Orlandi1, C. M. Barrado1, J. W. Gomes1, E. Longo1, E. R. Leite1, J. A. Varela2

1LIEC ¾ Departamento de Química, UFSCar. C. P. 676, S. Carlos, SP, Brasil, 13565-905

pmrcs@iris.ufscar.br ou liec@power.ufscar.br

2LIEC ¾ Instituto de Química, UNESP, C. P. 355, Araraquara, SP, Brasil, 14801-970

Resumo

Este trabalho mostra o avanço de pesquisas realizadas em cerâmicas eletrônicas à base de SnO2 e TiO2. A adição de diferentes dopantes, bem como a realização de tratamentos térmicos em atmosfera oxidante e redutora, influenciam na densificação, tamanho médio de grãos e nas propriedades elétricas da cerâmica varistora à base de SnO2. Resultados obtidos por medidas de espectroscopia de impedância mostram as variações de altura e largura da barreira de potencial em função da atmosfera de tratamento térmico. Altos valores de coeficiente de não-linearidade foram obtidos para os sistemas à base de SnO2, característicos de varistores de alta tensão tal como os varistores comerciais de ZnO. Neste trabalho, também serão apresentados estudos de cerâmicas policristalinas à base de TiO2 e (Sn,Ti)O2, as quais apresentam resposta elétrica I-V não linear típica de sistemas varistores de baixa tensão. Todos estes sistemas são potencialmente promissores à aplicação como varistor.

Palavras-chave: varistores, SnO2, TiO2, sistemas não lineares, barreira de Schottky.

Abstract

The development of the research work on SnO2- and TiO2-based electronic ceramics is reported. The doping with different materials as well as the thermal treatments at oxidizing and reducing atmospheres influence the densification, the average grain size and the varistor performance of the tin oxide ceramics. The impedance spectroscopy results show the differences in height and width of the potential barriers depending on the atmosphere during thermal annealing. High non linear coefficients were obtained for SnO2-based systems, similar to the ones obtained for commercial ZnO high voltage varistors. Results on TiO2 and (Sn,Ti)O2 polycrystalline ceramics, with non-linear I-V characteristics typical for low voltage varistor systems, are also reported. All these ceramic systems are potential candidates for varistor devices.

Keywords: varistors, SnO2, TiO2, non-linear systems, Schottky barrier.

INTRODUÇÃO

Nos últimos anos, o estudo de materiais cerâmicos vem evoluindo muito rapidamente, principalmente nas pesquisas relacionadas com cerâmicas avançadas. As diversas aplicações envolvendo estes materiais justificam cada vez mais a necessidade de uma melhor compreensão dos mecanismos responsáveis pelos fenômenos de interface, que são os principais responsáveis pelas propriedades destas cerâmicas na maioria das aplicações. Alguns exemplos destas aplicações são: em células solares, catalisadores, termistores, capacitores, sistemas de proteção contra surtos de energia (varistores) e sistemas sensores à gases (tóxicos, poluentes, combustíveis e de umidade). Alguns dos óxidos utilizados são o ZnO, o SnO2 e o TiO2.

O óxido de zinco possui uma grande importância na indústria eletrônica assim como nos estudos dos fenômenos de interface, tendo sido um dos primeiros sistemas cerâmicos policristalinos dopados com óxidos de metais de transição, desenvolvido para aplicação em sistemas de proteção de alta e baixa voltagem. Este sistema é conhecido como sistema multicomponente sendo, até o momento, o mais comercializado. Outros sistemas varistores que são apresentados na literatura, são os sistemas à base de SrTiO3 [2], TiO2[3-7] e mais recentemente varistores à base de WO3 [8]. O coeficiente de não linearidade (a) destes sistemas são muito baixos (2 £ a £ 12), quando comparados com os dos varistores à base de ZnO.

O SnO2 é particularmente interessante em aplicações como sensor devido aos seus elevados valores de área superficial (mesmo após sinterização), o que permite uma elevada sensibilidade à adsorção de gases, os quais podem ser obtidos em temperaturas de operações relativamente baixas [9-10]. Foi proposta a adição de dopantes ao SnO2 com a finalidade de aumentar a concentração de defeitos intrínsecos ao dióxido de estanho, como vacâncias de oxigênio, provocando um aumento no coeficiente de difusão dos íons, promovendo assim, a sinterização antes que a pressão de vapor seja elevada [11]. Estes pesquisadores obtiveram cerâmicas à base de SnO2 dopadas com CoO ou MnO2, com valores de densidade superiores a 99% em relação à teórica. Recentemente, foi obtido um dispositivo eletrocerâmico à base de SnO2 dopado com CoO, Nb2O5 e Cr2O3, com alta densidade, altos valores de campo elétrico de ruptura e de coeficientes de não-linearidade [12, 13]. Contrário aos sistemas à base de ZnO.Bi2O3, as cerâmicas à base de SnO2.CoO apresentam, dentro do limite de detecção da técnica de DRX, uma única fase, a cassiterita (SnO2). Em cerâmicas policristalinas à base de SnO2, observou-se a presença de uma fase de CoSnO3 segregada na região de contorno de grão, a qual somente pôde ser determinada utilizando-se microscopia eletrônica de transmissão de alta resolução acoplada a análises de EDS [14]. Uma contribuição significativa com as pesquisas sobre as cerâmicas varistoras à base de SnO2 foi feita ao se demonstrar o efeito da adição de dopantes como o Nb2O5, Ta2O5 e o Cr2O3 [12, 13, 15]. Foi proposto que o Cr3+ segregava na região de contorno de grão ao promover o aumento da resistividade dos sistemas e da não-linearidade do sistema varistor. Foi obtido um sistema com coeficiente de não-linearidade 8 na ausência do Cr3+ e o 41 para o sistema dopado com apenas 0,05% em mol deste óxido. Foi também demonstrado que a adição de Nb2O5 poderia ser substituída por Ta2O5 sem causar alterações substanciais nas propriedades elétricas (Equação A). O efeito da concentração de Cr3+ na formação da barreira de potencial observada no sistema varistor à base de SnO2, equações B-G [42] foi analisado e demonstrado por espectroscopia de impedância. Foi mostrado, para sistemas varistores à base de SnO2.CoO dopado com Nb2O5/Ta2O5 e Cr2O3, a influência de tratamentos térmicos em atmosfera oxidante e redutora, após a sinterização [17, 18]. Observaram que tratamentos térmicos em atmosfera redutora (N2) promove a diminuição dos valores de coeficiente de não linearidade. Efeito este, que é reversível ao se realizar tratamentos térmicos em atmosfera rica em O2. Todos estes estudos mostraram a importância destes aditivos de estado de oxidação 5+, 3+ e 2+, os quais contribuem fortemente para o aumento da condutividade eletrônica na rede do SnO2, criação de sítios ativos para a adsorção das espécies de oxigênio e consequentemente mudanças na barreira de potencial, levando a melhores características varistoras.

Os sistemas à base de SnO2 apresentam coeficientes de não linearidade superiores a 40, alta resistência à degradação, e campo elétrico de ruptura tão alto quanto os exibidos pelos sistemas multicomponentes à base de ZnO [12-19, 39, 41-43]. Científica e tecnologicamente, as características eletrônicas e microestruturais observadas para as cerâmicas à base de SnO2 o torna um forte candidato a substituir os varistores multicomponentes, ZnO, justificando cada vez mais a importância do estudo das propriedades elétricas destes sistemas.

O TiO2 tem despertado grande interesse por apresentar propriedades muito semelhantes às do SnO2 quando sinterizado, possuindo aplicações como varistores de baixa voltagem [3-7], sensores à gases e de umidade [20-24], em dispositivos óticos [25], em células solares e catalisadores [26]. Yan e Rhodes [3] foram os primeiros a apresentar o dióxido de titânio como uma cerâmica eletrônica com propriedades varistoras. Utilizando este sistema, dopado com óxidos de Nb e Ba, conseguiram obter varistores de baixa voltagem e com coeficiente de não linearidade entre 3 e 4. Na tentativa de obter uma cerâmica eletrônica à base de TiO2, com características varistoras tão promissoras quantos as obtidas pelos demais trabalhos citados na literatura, foi analisada a adição de nióbio e cromo na cerâmica à base de TiO2, sendo verificado que a presença de Nb2O5 promove o aumento da condutividade eletrônica, devido à substituição de Ti4+ por Nb5+ na rede [6]. Fenômeno inverso, é a presença de Cr3+ na rede do TiO2, que leva à formação de uma pequena segregação no contorno de grão proporcionando o aumento na resistividade do sistema. Estes dopantes introduzem defeitos na rede cristalina sendo responsáveis pelas propriedades varistoras do TiO2, o que pode ser explicado pela formação de uma barreira de potencial do tipo Schottky no contorno de grão. Os defeitos gerados por estes dopantes são condições necessárias para se obter um sistema com propriedades varistoras. Em estudos recentes, verificou-se a influência da concentração de dopantes como Ta2O5 e Cr2O3 nas propriedades elétricas da cerâmica varistora à base de TiO2.MnO2, sendo estes dopantes fundamentais ao comportamento não-ôhmico deste sistema [7]. Uma microestrutura típica dos varistores de TiO2 dopados com Ta2O5, MnO2 e Cr2O3 pode ser observado na Fig. 1.


A boa estabilidade das propriedades sensoras do SnO2 para gases redutores, combinada com a boa estabilidade química do TiO2 a baixas temperaturas, estimulam os estudos de soluções sólidas de SnO2-TiO2 para aplicações como cerâmica sensora [20, 21]. No entanto, estudos prévios realizados no CMDMC/LIEC/UFSCar, apresentam evidências de que sistemas binários tais como SnO2-TiO2, além das propriedades sensoras, também podem apresentar um comportamento varistor. A utilização de alguns aditivos (como dopantes) com a finalidade de controlar as propriedades elétricas, sensoras e a sinterabilidade em alguns óxidos semicondutores são os principais responsáveis pelas modificações das propriedades destas cerâmicas semicondutoras. Este controle é importante para obtenção de materiais com alto desempenho, seja como cerâmica varistora, resistora, capacitora ou sensora. O TiO2, assim como o SnO2, possui estrutura tetragonal do tipo rutilo, sendo um semicondutor do tipo-n, ambos formam solução sólida em grande extensão. O TiO2 diferencia-se do SnO2 no seu comportamento durante a sinterização, apresentando, posteriormente a esta, altos níveis de densificação mesmo na ausência de aditivos, contrário às cerâmicas à base de SnO2, as quais, sem a presença de aditivos, apresentam mínima ou nenhuma densificação após sinterização, independente da temperatura e atmosfera de tratamento [11]. A adição de pequenas concentrações de TiO2 ao SnO2 proporciona um aumento na densificação, em que a substituição de Sn4+ por Ti4+ na estrutura, forma solução sólida diminuindo o efeito dos mecanismos não densificantes e permitindo, portanto, a densificação. A cerâmica com um alto nível de densificação é um dos pré-requisitos para que esta venha a apresentar propriedades elétricas características de um sistema varistor, uma vez que os fenômenos envolvidos na obtenção destas propriedades não lineares ocorrem na região de contorno de grão do material. Portanto, ao analisar os poucos estudos realizados até o momento sobre este sistema binário (SnO2-TiO2), pode-se afirmar que esta também é, sem dúvida, uma nova e promissora cerâmica com potencial tecnológico a diversas e importantes aplicações, tal como em sistemas varistores.

Os sistemas cerâmicos com características varistoras, são utilizados em dispositivos eletrônicos para proteção contra sobrecarga de tensão em circuitos eletrônicos ou como dispositivos de descarga elétrica na rede de distribuição de energia. Um conceito essencial para se compreender a ação dos varistores cerâmicos policristalinos é o da não-linearidade entre a corrente-tensão (I-V), o qual é controlado pela existência de uma barreira eletrostática no contorno de grão, conhecida por barreira de potencial. A relação entre a corrente e a tensão para um varistor é governada pela relação:

Sendo K uma constante dependente da microestrutura, relacionada com a resistência elétrica do material e a é um número adimensional que exprime o grau de não-linearidade, J é a densidade de corrente (mA.cm-2) e E o campo elétrico aplicado (V.cm-2). O valor de a é obtido pela regressão linear, em escala logarítmica, dos pontos obtidos a partir de 1 mA.cm-2.

Para compreender e explicar o comportamento elétrico do material e sua ação como uma cerâmica varistora é essencial o estudo da barreira de potencial no contorno de grão. A origem desta barreira foi estudada por alguns autores [28-30], na tentativa de elucidar os mecanismos responsáveis pelas características elétricas apresentadas pela cerâmica varistora à base de ZnO. Recentemente foi apresentado um modelo sobre a origem da barreira de potencial em varistores de SnO2 [19]. Em todos estes modelos propostos têm-se que a barreira de potencial é caracterizada por uma região extremamente rica em defeitos. A presença destes defeitos altera significativamente a energia do "band gap". Em conseqüência, o contorno de grão possuirá um nível de Fermi diferente do exibido pelos grãos e, portanto, uma densidade de estados eletrônicos, diferente dos grãos. Os defeitos eletrônicos e as vacâncias de oxigênio presentes na superfície do SnO2 estão relacionados entre si [31, 32] e têm sido exaustivamente estudados [33, 34]. O oxigênio desempenha um importante papel no contorno de grão [31] em varistores à base de ZnO [32] e SrTiO3 [2], uma vez que ele indica que a química do contorno de grão determina a natureza elétrica deste material (não linearidade). Um filme de bismuto com espessura ao redor de ~5Å em varistores à base de ZnO.Bi2O3 é necessário para criar barreiras de potencial nos contornos de grão, sendo que a altura destas barreiras apresenta uma grande dependência do excesso de oxigênio presente na interface entre os grãos de ZnO [32]. Resultados similares têm sido obtidos em nosso laboratório para varistores à base de SnO2, indicando que a quantidade de oxigênio presente na interface entre os grãos determina a formação de uma barreira de potencial. Destes resultados têm-se que os varistores à base de SnO 2 e ZnO apresentam similaridades em suas propriedades físicas e químicas. Assim, a origem física da barreira de potencial formada em varistores de SnO2 é a mesma observada nos varistores de ZnO, sendo ambas de natureza Schottky [19]. O que foi demonstrado utilizando medidas das características de capacitância-voltagem (C-V) aliadas à análise no plano complexo. Uma significante dispersão da admitância com a freqüência ac é tipicamente observada em varistores, dando origem a uma resposta Mott-Schottky complexa [35-38]. Observa-se na Fig. 2, o modelo da barreira de potencial proposto para os varistores à base de SnO2.


DOPANTES E O EFEITO DA ATMOSFERA

Nosso grupo de pesquisadores vem trabalhando no desenvolvimento de varistores à base de SnO2 desde o início da década de 90. As características varistoras observada nestas cerâmicas à base de SnO2, até o presente momento, têm despertado um grande interesse na comunidade científica e tecnológica. Trabalhos recentemente publicados [12-19, 39, 43], mostraram não só a origem física da barreira de potencial e a sua relação com a dos varistores à base de ZnO (Schottky), amplamente explorada na literatura, bem como a importância das espécies de oxigênio na formação desta barreira de potencial observada nos varistores de SnO2. Têm-se, de todos estes estudos, que a formação da barreira de potencial é sensivelmente influenciada por parâmetros de processamento tais como taxa de resfriamento, natureza e quantidade dos dopantes [38]. A presença de dopantes como o CoO é tida como um dos principais fatores responsáveis pelo efeito que a taxa de resfriamento promove nos sistemas varistores à base de SnO2. O que está atribuído ao efeito de oxidação do CoO durante o resfriamento e mudanças de estado de valência do CoO, segundo as equações de J a L :

Desta forma, o óxido de cobalto pode afetar os estados aprisionados no contorno de grão e modificar a barreira de potencial, levando a uma barreira mais rica em espécies de O2, devido a oxigênios de menor coordenação do que aquele presente na rede, tais como: O2, O2/, O// e O/, espécies as quais são tidas como responsáveis pela formação das propriedades não-ôhmicas em cerâmicas policristalinas porosas de SnO2 utilizadas como sensor [40]. Assumindo que a origem da barreira de potencial esteja relacionada a estas espécies, novos estudos foram realizados no nosso grupo de trabalho. Recentemente, foi mostrado o efeito da adição sucessiva de CoO e MnO2 ao sistema varistor à base de SnO2.Cr2O3.Nb 2O5 analisando, posteriormente, a influência da concentração do Cr2O3 ao sistema dopado com CoO e MnO2 [41]. Observou-se neste estudo que a adição sucessiva destes dopantes modifica não só a microestrutura do sistema varistor, como as propriedades elétricas. Na Tabela I, são apresentados os resultados de campo elétrico de ruptura (Er) e coeficiente de não-linearidade (a), para amostras tratadas termicamente em diferentes atmosferas (oxidante e redutora). Os sistemas com maiores concentrações de MnO2 apresentaram uma maior resistividade. Este comportamento pode ser explicado pelo fato de que o manganês além de agir como um agente densificante, também atua como aceitador de elétrons na matriz de estanho, aumentando a densidade de cargas negativas na região de contorno de grão, afetando diretamente a barreira de potencial deste sistema, equações M e N. O óxido de manganês possui processos de redução entre a temperatura de aquecimento e a temperatura de sinterização, promovendo defeitos semelhantes aos defeitos devido a presença do CoO, aumentando a densidade de carga negativa e as vacâncias de oxigênio, de acordo com as equações O e P.

Analisando a Tabela I, observa-se que o aumento da concentração de manganês e a diminuição do teor de cobalto, mantendo fixa a concentração de cromo, conduz ao aumento da fase segregada na região de contorno de grão, possivelmente uma fase de estanato de manganês, conforme estudado anteriormente [14]. O aumento de manganês ao sistema varistor promove o aumento do tamanho médio de grão, do campo elétrico de ruptura e a diminuição do a (49®13), independente da atmosfera de tratamento térmico, mostrando a função deletéria do manganês nas propriedades elétricas dos sistemas varistores à base de SnO2.CoO. Em todos os sistemas deste estudo, ocorre o aumento da não-linearidade após tratamento térmico em atmosfera de O2 [17, 18], sendo observado o decréscimo desta não-linearidade após tratamentos em N2. Observa-se na Fig. 3, medidas elétricas de tensão-corrente para um sistema varistor de SnO2 tratado termicamente em diferentes atmosferas.


O manganês e o cobalto, além de auxiliarem no processo de densificação do SnO2, também atuam como aceitadores de elétrons promovendo a adsorção de espécies de oxigênio (O2, O2/, O// e O/) , as quais são atribuídas como as principais responsáveis pela formação da barreira de potencial observada nos sistemas varistores à base de SnO2, aumentando a não-linearidade do sistema. Um resultado extremamente interessante foi obtido ao analisar os sistemas à base de SnO2 dopados com MnO2 e CoO, sem a presença do Cr2O3 [41]. Na ausência de cromo foi observado um decréscimo da segregação presente na região de contorno de grão, um decréscimo dos valores de a e campo elétrico de ruptura, independentemente da atmosfera de tratamento (O2 e N2). Portanto, novamente se observou a importância da presença do Cr2O3 para as propriedades não-ôhmicas dos sistemas à base de SnO2.

Têm-se dado muita ênfase no nosso grupo, às pesquisas voltadas a melhora da propriedade varistora dos sistemas cerâmicos à base de SnO2, pela presença de espécies de oxigênio situadas na região de contorno de grão [17-19, 42, 43]. Todos os autores evidenciaram este efeito. Foi observado [43] por meio de espectroscopia de impedância, que a resistência total do material variava quando os sistemas foram tratados em diferentes atmosferas (Fig. 4). Os valores da Tabela II, dos valores de altura da barreira de potencial (f), concentração de doadores no grão (Nd), densidade de estados na interface grão-grão (NIS) e largura da barreira (w) para o sistema Sn0,98815Nb0,00035Co0,01 La0,0015 das respostas médias de Mott-Schottky, reforçam este resultado.


Em termos do mecanismo proposto para a formação da barreira de potencial, supõem-se que o metal de transição, precipitado na região de contorno de grão, oxida-se quando tratado em atmosfera de O2 e que as regiões de interface tornam-se ricas em espécies de oxigênio e de elétrons aprisionados, aumentando o valor de NIS. O oxigênio originado da oxidação dos precipitados, mantém o equilíbrio eletrostático na interface, aumentando a concentração de doadores (Nd). Portanto, a densidade de estados aprisionados (NIS) deve aumentar quando a interface do contorno de grão do material é oxidada, aumentando o valor da altura de barreira fb. O tratamento em atmosfera de N2 por outro lado, deve promover o comportamento oposto.

NOVOS MATERIAIS

Dispositivos eletrônicos modernos necessitam de sistemas não-lineares com tensão nominal da ordem de 100 V ou inferiores, para proteção contra sobrecarga de tensão. Desta forma, nosso grupo vem desenvolvendo sistemas cerâmicos à base de SnO2 e/ou TiO2, os quais têm apresentado características varistoras promissoras para aplicação em sistemas eletroeletrônicos que necessitem de um circuito de proteção com baixa tensão nominal.

Assim como nos sistemas cerâmicos à base de ZnO e SnO2, a adição de dopantes ao TiO2 modificam as propriedades elétricas e microestruturais deste sistema. A dopagem com BaO, MnO2, Nb2O5, Cr2O3 e Bi2O3 favorecem o processo de densificação do TiO2, provavelmente pelo aumento de defeitos na rede do TiO2, devido a formação de solução sólida ou pela formação de uma fase líquida [3-7, 18]. Elementos com valência 5+ têm sido utilizados como agentes de densificação do TiO2, pois reduzem a pressão parcial sem modificar a concentração de vacâncias de oxigênio, e ainda atuam no sentido de aumentar a condutividade elétrica do TiO2. A reação de formação de defeitos é tal como descrito na equação A, para a adição de Nb2O5 e Ta2O5 ao SnO2 [3-7, 18].

Em estudos anteriores [7, 9], foram obtidos sistemas varistores de baixa tensão nominal, com valores de coeficiente de não-linearidade da mesma ordem de grandeza dos demais sistemas citados na literatura, para campos elétrico de ruptura abaixo de 100 V.cm-1, com um tamanho médio de grão variando entre 4 e 8 mm, de acordo com a composição molar (Tabela III). Foi observado que o Ta2O5 altera substancialmente o comportamento não linear do sistema varistor a base de TiO2-MnO2 [7]. Para concentrações abaixo de 0,25 % em mol de Ta2O5, o sistema apresenta um comportamento característico de sistema resistivo, porém na adição de 0,25 % em mol, foi observado uma resposta de I-V característica de sistema varistor. Estes sistemas apresentam valores médios de coeficiente de não-linearidade de 2,6 e um campo elétrico de ruptura de 60 V.cm-1. Com o intuito de aumentar o valor do coeficiente de não-linearidade, foi adicionado pequenas concentrações de Cr2O3 a este sistema. A presença do Cr3+ promoveu o aumento do coeficiente de não-linearidade para 8, passando a campo elétrico de ruptura de 30 V.cm-1 (Fig. 5). Estes resultados, tal como observado em [6], mostram a importância da adição de dopantes como o Cr3+ na formação da barreira de potencial nestes sistemas varistores, de baixa e alta voltagem. Os defeitos gerados pela presença do Cr2O3, como Cr ISn (equações de B-G), em analogia com varistores de SnO2, são essenciais na criação de barreira de potencial na região de contorno de grão. Ao se introduzir o Cr2O3 na rede do TiO2 há uma substituição do Ti4+ por Cr3+ . Tanto a adição de Nb5+ [9] quanto a adição de Ta5+ [7], promove o aumento da condutividade nos grãos de TiO2. De um modo geral, observa-se que o Ta2O5/Nb2O5 e o Cr2O3 têm um efeito extremamente importante no comportamento não linear destes sistemas a base TiO2, principalmente quando se requer baixa voltagem. O tratamento térmico destes sistemas em atmosfera oxidante, também tem sido analisado por este grupo de pesquisadores. Tal como para os sistemas varistores à base de SnO2, foi observado o aumento da não-linearidade e do campo elétrico de ruptura dos sistemas à base de TiO2, após tratamentos térmicos em atmosfera oxidante (O2), sem alterar as propriedades características dos varistores de baixa tensão (Tabela III, Fig. 5).


A procura de novos materiais têm sido uma constante preocupação. Recentemente, foram obtidos sistemas à base de (SnxTi1-x)O2, com propriedades não lineares características de varistores de baixa tensão, ao dopar este sistema binário com apenas 0,05 % em mol de Nb2O5 [44]. Este sistema apresenta campo elétrico de ruptura médio de 420 V.cm-1, voltagem média por unidade de barreira de 0,46 V, coeficiente de não-linearidade médio de 9, com um tamanho médio de grãos (TMG) de 11,1 mm. Dados estes, obtidos por medidas I-V a 25 oC, sendo o TMG obtido por MEV. A presença da barreira do tipo Schottky é deduzida da dependência da voltagem com a capacitância [19]. Os valores de fb, Nd, NIS e w, são fornecidos na Tabela IV. Os valores de Nd, e de NIS obtidos para este sistema, são típicos de uma barreira de potencial observada em sistemas varistores de baixa voltagem. O comportamento não linear deste sistema à base de (Sn,Ti)O2 pode estar relacionada à presença de uma fase segregada na região de contorno de grão, a qual não foi detectada por DRX ou (MEV), (Fig. 6). Assumido que a presença desta fase segregada é, possivelmente, atribuída ao início de uma decomposição espinodal, como discutido em [45], o papel de Nb2O5 neste sistema binário é presumivelmente igual a do varistor à base de SnO2. Consequentemente, a adição de Nb2O5 na matriz de (Sn,Ti)O2 conduz ao aumento da condutividade eletrônica na rede, devido à substituição de Sn4+ ou Ti4+ por Nb5+. Estudos para observar e caracterizar esta segregação na região de contorno de grão serão realizados por microscopia eletrônica de transmissão de alta resolução (HRTEM).


CONCLUSÕES

Materiais cerâmicos à base de SnO2 apresentam um potencial promissor em aplicações comerciais na área de cerâmica eletrônica. Estudos para analisar a influência de dopante, óxidos de metais de transição e terras raras, têm sido realizados afim de melhorar as propriedades não ôhmicas destas cerâmicas à base de SnO2 e TiO2. Tratamentos térmicos em atmosfera de O2 proporcionam melhores respostas varistoras, aumentando o coeficiente de não linearidade. Todos estes resultados mostram que os defeitos originados pela presença de dopantes com valência 3+ e as espécies de oxigênio presentes na região de contorno de grão, são os responsáveis pela formação da barreira Schottky e consequentemente pela propriedade varistora do material, tal como observado por medidas de espectroscopia de impedância. Novos materiais com propriedades varistoras de baixa tensão estão sendo estudados. As cerâmicas à base de TiO2 assim como as de (Sn,Ti)O2 apresentam ser sistemas potencialmente promissor a aplicações como sistemas varistores.

AGRADECIMENTOS

Os autores agradecem a FAPESP, CEPID, FINEP/PRONEX, CNPq e CAPES pelo apoio financeiro.

REFERÊNCIAS

(Rec. 04/05/01, Ac. 30/05/01)

  • [1] M. Matsuoka; Jpn. J. Appl. Phys. 10 (1971) 736.
  • [2] N. Yamaoka, M. Masuyama, M. Fukui; Am. Ceram. Soc. Bull. 62 (1983) 698.
  • [3] M. F. Yan, W. W. Rhodes; Appl. Phys. Lett. 40, 6 (1982) 536.
  • [4] J. Pennewiss, B. Hoffmann; Mat. Lett. 9 (1990) 219.
  • [5] S. L. Yang, J. M. Wu; J. Mat. Res. 10 (1995) 345.
  • [6] P. R. Bueno, E. Camargo, E. Longo, E. Leite, S. A. Pianaro, J. A. Varela; J. Mat. Sci. Lett. 15 (1996) 2048.
  • [7] V. C. Sousa, E. R. Leite, E. Longo; J. Eur. Ceram. Soc. (Submetido).
  • [8] V. Makarov, M. Trontelj; J. Mat. Lett. 13 (1994) 937.
  • [9] C. M. Barrado, M. R. Cassia-Santos, P. R. Bueno, E. R. Leite, E. Longo, J. A. Varela; Apresentado na 44a ABC (2000).
  • [10] Z. M. Jarzebski, J. P. Marton; J. Eletrochem. Soc., 123 (1976) 199C.
  • [11] J. A. Cerri, E. R. Leite, D. Gouvêa, E. Longo, J. A. Varela; J. Am. Ceram. Soc. 79, 3 (1996) 799.
  • [12] S. A. Pianaro, P. R. Bueno, E. Longo, J. A. Varela; J. Mat. Sci. Lett. 14 (1995) 692.
  • [13] S. A. Pianaro, P. R. Bueno, P. Olive, E. Longo, J. A. Varela; J. Mat. Sci. Lett. 16 (1997) 634.
  • [14] J. A. Varela, J. A. Cerri, E. R. Leite, E. Longo, M. Shmsuzzoha, R. C. Bradt; Cer. Int. 25 (1999) 253.
  • [15] A. C. Antunes, S. R. M. Antunes, S. A. Pianaro, M. R. Rocha, E. Longo, J. A. Varela; J. Mat. Sci. Lett. 17 (1998) 577.
  • [16] A. C. Antunes, S. R. M. Antunes, S. A. Pianaro, M. R. Rocha, E. Longo, J. A. Varela; J. Mat. Sci. Lett., (2000).
  • [17] E. R. Leite, A. M. Nascimento, P. R. Bueno, E. Longo, J. A. Varela; J. Mat. Sci.: Mat. Electron. 4 (1999) 321.
  • [18] M. R. Cássia-Santos, P. R. Bueno, E. Longo, J. A. Varela; J. Eur. Ceram. Soc. 21 (2001) 161.
  • [19] P. R. Bueno, M. R. Cássia-Santos, E. R. Leite, E. Longo, J. Bisquert, G. Garcia-Belmonte, F. Frabregat-Santiago; J. Appl. Phys. 88, 11 (2000) 6545.
  • [20] K. Zakrzewska, M. Radecka, M. Rekas; Thin Solid Films 310, 1-2 (1997) 161.
  • [21] M. Radecka, K. Zakrzewska, M. Rekas; Sensors and Actuators-B 47 (1998) 194.
  • [22] R. K. Sharma; M. C. Bhatnagar, G. L. Sharma; Sensors and Actuators B-Chem. 46, 3 (1998) 194.
  • [23] J. J. Cheng, J. M. Wu; Mat. Chem. Phys. 48, 2 (1997) 129.
  • [24] M. Z. Atashbar, H. T. Sun, B. Gong, W. Wlodarski, R.Lamb; Thin Solid Films 326, 1-2 (1998) 238.
  • [25] Y. Ye, J. Zhang, P. Gu, X. Liu, J. Tang; Thin Solid Films 298 (1997) 197.
  • [26] I. Kocemba, G. Mielniczak, T. Paryjczak; Przemysl Chemiczny 75, 10 (1996) 385.
  • [27] M. Q. Li ,Y. F. Chen ; Sensors and Actuators B-Chem. 32, 1 (1997) 83.
  • [28] T. K. Gupta, and G. Carlson; J. Mat. Sci. 20, 5 (1985) 3487.
  • [29] E. R. Leite; Tese de doutorado - Centro de Ciências Exatas e de Tecnologia, UFSCar/São Carlos ž São Paulo.
  • [30] G. E. Pike; J. Mat. Sci. Technol 11 (1994) 731.
  • [31] D. R. Clarke; J. Am. Ceram. Soc. 82, 5 (1999) 485.
  • [32] F. Stucki, F. Greuter; Appl. Phys. Lett. 57, 5 (1990) 446.
  • [33] D. F. Cox, T. B. Fryberger, S. Semancik; Phys. Rev. B-38, 3 (1998) 2072.
  • [34] T. Rantala, V. Lantto, T. Rantala; Sensors and Actuator B47 (1998) 59.
  • [35] M. Alim, M. A. Seitz, R. Hirthe; J. Appl. Phys. 63, 7 (1988) 2337.
  • [36] M. Alim; J. Am. Ceram. Soc. 72, 1 (1989) 38.
  • [37] K. Mukae, K. Tsuda, I. Nagaswa; J. Appl. Phys. 50, 6 (1979) 4475.
  • [38] G. Garcia-Belmonte, J. Bisquert; Academic Press, San Diego (a ser publicado).
  • [39] P. R. Bueno, M. M. Oliveira, M. R. Cassia-Santos, E. Longo, S. M. Tebcherani, J. A. Varela; Cerâmica 46, 299 (2000) 124.
  • [40] M. Egashira, Y. Shimizu, Y. Takao, S. Sako; Sensors and Actuators B35, 36 (1996) 62.
  • [41] W. K. Bacelar; Dissertação de mestrado (2000) ž UFSCar / São Carlos, São Paulo.
  • [42] P. R. Bueno, S. A. Pianaro, E. C. Pereira, L. O. S. Bulhões, E. Longo and J. A. Varela; J Appl. Phys. 84, 7 (1998) 3700.
  • [43] M. M. Oliveira, P. R. Bueno, M. R. Cassia-Santos, E. Longo, J. A. Varela; J. Eur. Ceram. Soc. (Submited).
  • [44] M. R. Cassia-Santos, P. R. Bueno, E. Longo, J. A. Varela; J. Am. Ceram. Soc. (submetido).
  • [45] P. R. Bueno, L. O. S. Bulhões, E. Longo, C. O. Paiva-Santos, J. Appl. Phys. 88 (2001) 6545.

Datas de Publicação

  • Publicação nesta coleção
    04 Dez 2001
  • Data do Fascículo
    Set 2001

Histórico

  • Recebido
    04 Maio 2001
  • Aceito
    30 Maio 2001
Associação Brasileira de Cerâmica Av. Prof. Almeida Prado, 532 - IPT - Prédio 36 - 2º Andar - Sala 03 , Cidade Universitária - 05508-901 - São Paulo/SP -Brazil, Tel./Fax: +55 (11) 3768-7101 / +55 (11) 3768-4284 - São Paulo - SP - Brazil
E-mail: ceram.abc@gmail.com