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Influência do defloculante na deposição de alumina por eletroforese

The influence of deflocullant on alumina deposition by electrophoresis

Resumos

A conformação de materiais cerâmicos por eletroforese é conhecida por ser de baixo custo e necessitar de pouca infra-estrutura para fabricação de recobrimentos e laminados cerâmicos. O método é simples, mas o principal problema é a toxicidade associada aos solventes orgânicos usualmente utilizados como meio de dispersão. Este trabalho visa obter corpos cerâmicos de alumina através do processo de eletroforese, utilizando barbotinas aquosas. Para determinar a estabilidade das barbotinas, contendo diferentes tipos de defloculantes, medidas qualitativas de viscosidade através do método de Pitot e pH foram realizadas. Estes parâmetros foram acompanhados em suspensões contendo entre 0,5 e 4,0% em massa de defloculantes como poli-acrilato de amônio (DREW), ácido para-amino benzóico (PABA) e quitosana. O maior valor de densidade a verde (37,5% da teórica) e taxa de deposição (33,2 mg/min) foi obtido para corpos cerâmicos depositados a 6,0 V/mm dispersados com DREW.

eletroforese; dispersante; defloculação


Electrophoresis forming is an economical and reliable method for the fabrication of coatings and laminate ceramics. The process is simple, but a major problem is the toxicity and environmental problem associated with the organic solvents usually employed as vehicle media. This work aims to obtain bodies of Al2O3 by electrophoretic deposition using aqueous slips. The stability of the slips was studied, as a function of the different dispersants, by qualitative measures of viscosity by the Pitot and pH method. These processing parameters were accomplished in suspensions containing between 0.5 to 4.0wt.% of dispersants as the poli(ammonium acrylate) (DREW), para-aminobenzoic acid (PABA) and quitosan. The largest value of green density, 37.5% of the theoretical density and deposition rate, 33.2 mg/min, was obtained for bodies deposited in 6.0 V/cm with DREW.

electrophoresis; dispersant; deflocculation


Influência do defloculante na deposição de alumina por eletroforese

The influence of deflocullant on alumina deposition by electrophoresis

M. V. Gelfuso; F. S. Pereira Júnior; D. Thomazini

Laboratório de Materiais e Instrumentação Eletrônica, Universidade de Fortaleza, Av. Washington Soares, 1321, C.P. 1258, Fortaleza, CE, 60811-905, thomazini@unifor.br

RESUMO

A conformação de materiais cerâmicos por eletroforese é conhecida por ser de baixo custo e necessitar de pouca infra-estrutura para fabricação de recobrimentos e laminados cerâmicos. O método é simples, mas o principal problema é a toxicidade associada aos solventes orgânicos usualmente utilizados como meio de dispersão. Este trabalho visa obter corpos cerâmicos de alumina através do processo de eletroforese, utilizando barbotinas aquosas. Para determinar a estabilidade das barbotinas, contendo diferentes tipos de defloculantes, medidas qualitativas de viscosidade através do método de Pitot e pH foram realizadas. Estes parâmetros foram acompanhados em suspensões contendo entre 0,5 e 4,0% em massa de defloculantes como poli-acrilato de amônio (DREW), ácido para-amino benzóico (PABA) e quitosana. O maior valor de densidade a verde (37,5% da teórica) e taxa de deposição (33,2 mg/min) foi obtido para corpos cerâmicos depositados a 6,0 V/mm dispersados com DREW.

Palavras-chave: eletroforese, dispersante, defloculação.

ABSTRACT

Electrophoresis forming is an economical and reliable method for the fabrication of coatings and laminate ceramics. The process is simple, but a major problem is the toxicity and environmental problem associated with the organic solvents usually employed as vehicle media. This work aims to obtain bodies of Al2O3 by electrophoretic deposition using aqueous slips. The stability of the slips was studied, as a function of the different dispersants, by qualitative measures of viscosity by the Pitot and pH method. These processing parameters were accomplished in suspensions containing between 0.5 to 4.0wt.% of dispersants as the poli(ammonium acrylate) (DREW), para-aminobenzoic acid (PABA) and quitosan. The largest value of green density, 37.5% of the theoretical density and deposition rate, 33.2 mg/min, was obtained for bodies deposited in 6.0 V/cm with DREW.

Keywords: electrophoresis, dispersant, deflocculation.

INTRODUÇÃO

O processamento de materiais cerâmicos por eletroforese (EPD - Electrophoretic Deposition) é conhecido por sua versatilidade na obtenção de corpos cerâmicos [1, 2], ou na produção de corpos laminados baseados em compósitos cerâmicos [3, 4]. Este processo é caracterizado pelo movimento de partículas cerâmicas eletricamente carregadas em um meio líquido. Sob a influência de um campo elétrico, as partículas se movem entre os eletrodos, depositando na superfície de um deles, ou seja, se a partícula tem carga superficial positiva, depositará no ânodo. O carregamento elétrico das partículas pode ser causado pela adsorção seletiva de íons ou componentes iônicos na superfície da partícula sólida, criando uma dupla camada elétrica que pode manter as partículas defloculadas.

Uma suspensão é considerada estável quando as forças de repulsão entre as partículas dominam o sistema partículas e solução. Quando as forças de repulsão são reprimidas, ocorre a sedimentação das partículas, tornando o processo de EPD inviável. O controle do pH auxilia na defloculação do sistema de partículas óxidas, tornando alguns de caráter extremamente ácido ou básico para poder manter o sistema disperso.

A adsorção dos íons relativo aos dispersantes é causada pela substituição dos íons de hidroxila presentes na superfície da partícula, pelo carboxilato do dispersante [5]. Os íons carboxilato têm grande afinidade pelos íons metálicos, Al3+ para alumina, originalmente ligados aos grupos hidroxila, o que favorece sua fixação. Os valores de pH influenciam o potencial de dissociação dos íons do dispersante, assim como a densidade de carga da superfície das partículas, influenciando na quantidade de moléculas adsorvidas à superfície das partículas, e consequentemente na eficiência do mecanismo de defloculação e movimentação eletroforética.

O processo de EPD tem algumas importantes vantagens sobre os outros métodos de conformação coloidal. A taxa de deposição é claramente independente do tamanho de partículas e da camada depositada [6]. Em comparação com o processo de colagem, praticamente não há movimento do meio líquido através do material depositado. Desta forma, altas taxas de deposição podem ser alcançadas para partículas muito finas, obtendo corpos com camadas espessas.

A estabilização eletrostática é facilmente obtida em suspensões aquosas [7], mas a EPD neste meio pode promover a hidrólise se forem utilizados potenciais elétricos acima de 4 V [6]. Sem o uso adicional de eletrodos reativos [8] ou membranas intermediárias [9], as bolhas resultantes dos gases da hidrólise podem ser incorporadas ao material consolidado, reduzindo sua densidade e homogeneidade microestrutural. Tais problemas podem ser evitados utilizando meios orgânicos como álcool etílico ou isopropílico. Assim, alguns trabalhos [5, 14] sobre EPD têm sido realizados, buscando obter corpos cerâmicos densos em diferentes meios e usando diferentes defloculantes.

Foram realizados estudos [10] de EPD para conformação de placas e tubos com zircônia parcialmente estabilizada com ítria. Diferentes ácidos orgânicos como defloculante foram testados em meio alcoólico. Os autores obtiveram amostras com densidade a verde de 58% e sinterizada a 99% da densidade teórica, mostrando a viabilidade do processo. Entretanto, o encarecimento e a toxicidade do processo inerentes à utilização destes compostos, têm motivado a otimização do processo para suspensões aquosas.

Monólitos de cordierita foram obtidos [2] através da EPD para serem utilizados como substrato de catalizadores em escapamentos de automóveis. Os autores utilizaram silicato de sódio como defloculante em meio aquoso e produziram corpos cerâmicos com porosidade aparente de 44%. Embora seja um excelente defloculante em meios aquosos, o silicato de sódio é inadequado para deflocular soluções que visem a conformação de corpos destinados à aplicação eletro-eletrônica.

Este trabalho tem como objetivo estudar as condições de deposição de corpos cerâmicos de alumina por eletroforese em função da viscosidade da suspensão, taxa de deposição e densidade a verde dos corpos obtidos utilizando DREW [11, 12], PABA e quitosana como defloculantes, em meio aquoso. Os defloculantes DREW [13, 14], PABA [15] e quitosana [16] foram selecionados pois são utilizados na dispersão de alumina.

PROCEDIMENTO EXPERIMENTAL

Suspensões aquosas foram preparadas com 5 % em massa de alumina (99,9%), com tamanho médio de partículas de aproximadamente 0,7 mm, medido em um analisador de tamanho de partículas. A mistura foi realizada em um moinho de bolas, utilizando frascos de polietileno contendo água e cilindros de zircônia com diâmetro de 3 mm, durante duas horas para a completa dispersão e desagregação do pó; este tempo foi definido após não haver significativa redução do tamanho das partículas.

A determinação da quantidade ideal de dispersante foi baseada em medidas de pH e viscosidade. O comportamento qualitativo da viscosidade foi obtido através do método de Pitot, onde o tempo de escoamento da suspensão é medido através de uma bureta. As medidas foram realizadas em suspensões contendo defloculante entre 0,5% até 4,0% em massa, previamente homogeneizadas no moinho de bolas por dez minutos. Através dos ensaios de Pitot foram selecionadas as suspensões menos viscosas para cada defloculante. Frações destas suspensões foram depositadas por EPD sob campos elétricos DC que variaram de 2,0 V/cm até 8,0 V/cm, durante 30 min; este tempo foi padronizado para realizar comparações entre as amostras. Durante a deposição, a suspensão era mantida sob pequena agitação para evitar a sedimentação das possíveis partículas maiores. Placas polidas de alumínio foram utilizadas como eletrodos. A Fig.1 representa o esquema utilizado na EPD.


Após a deposição, os corpos cerâmicos foram secos ao ar por 24 h e posteriormente foram mantidos em mufla a 100 oC por 2 h. A taxa média de deposição e densidade a verde foram medidas a partir da massa, largura, espessura e comprimento dos corpos.

RESULTADOS E DISCUSSÃO

A Fig. 2 mostra a curva de pH em função da concentração de defloculante em suspensões de alumina.


Um ponto de mínimo pode ser observado na curva apresentada, para a suspensão contendo 2% de DREW, próximo ao valor de pH referente ao ponto isoelétrico da alumina (~8,8) [7]. As suspensões deste sistema promoveram deposições sob o eletrodo negativo, indicando que as partículas possuíam carga superficial negativa, gerando uma dupla camada elétrica positiva, o que pode ser comprovado pelos altos valores de pH.

A adição do PABA causou uma pequena influência sobre os grupos hidroxila, o que não alterou de forma significativa o pH da suspensão. Nos ensaios de EPD utilizando este sistema, as partículas foram depositadas sobre o eletrodo positivo indicando que sua superfície estava carregada positivamente, gerando uma dupla camada elétrica negativa, o que pode ser evidenciado pelos baixos valores de pH da suspensão.

A quitosana possui grupos hidroxila que podem influenciar o balanço dos grupos iônicos da água na suspensão, alterando o pH. Entretanto, através deste tipo de caracterização não foi possível determinar a quantidade ideal de defloculante capaz de estabilizar a suspensão.

Para as suspensões contendo PABA e quitosana, as curvas de pH não apresentaram valor mínimo, indicando que estes compostos podem atuar principalmente como estabilizante estérico [7].

Baseado no método de Pitot, a concentração de defloculante usado nas suspensões para EPD foi indicada pelo menor tempo de escoamento da suspensão. Pode ser observado na Fig. 3 que o menor tempo de escoamento foi obtido para as suspensões contendo 1,5% de PABA, 2,0% de DREW e 2,5% de quitosana. A concentração de 2% de DREW apresentou ponto de mínimo nas Figs. 2 e 3, indicando a concentração de maior defloculação da suspensão.


A Fig. 4 mostra como a taxa de deposição da alumina é influenciada pelo campo elétrico aplicado na suspensão. As maiores taxas de deposição para suspensões contendo PABA e DREW foram verificadas para campos elétricos de 5,0 V/cm e 6,0 V/cm, respectivamente. Para campos elétricos inferiores a 3,0 V/cm, a deposição do material cerâmico no eletrodo não foi observada, provavelmente devido à baixa força eletromotriz aplicada às partículas suspensas [2], mostrando que o equilíbrio entre as energias potenciais de atração e repulsão, de acordo com a "Teoria da Estabilidade de Colóides Liofóbicos" ou teoria DLVO, foi mantido. Para campos elétricos superiores a 7,0 V/cm, foi observada a liberação de gases da suspensão próxima ao eletrodo, resultante da eletrólise da água. Este efeito reduziu fortemente a densidade dos corpos cerâmicos devido à incorporação de bolhas no corpo cerâmico consolidado.


Nas deposições das suspensões defloculadas com quitosana, não ocorreu a consolidadação do corpo cerâmico, provavelmente devido ao fato deste dispersante atuar fortemente como estabilizador estérico. Este tipo de estabilização não promove o carregamento elétrico das partículas, inviabilizando seu movimento sob um campo elétrico.

O gráfico da Fig. 5 mostra a densidade a verde de corpos cerâmicos em função do campo elétrico aplicado. Os maiores valores de densidade foram obtidos para amostras depositadas sob campo elétrico de 5,0 V/cm e 6,0 V/cm para PABA e DREW, respectivamente.


Embora a taxa de deposição para as suspensões com PABA fosse inferior para as amostras contendo DREW, as densificações foram semelhantes em ambos os os casos. Este efeito pode ser atribuído ao fato do PABA ser um ligante, aumentando a coesão entre as partículas durante a deposição e reduzindo o efeito de trincamento durante o processo de secagem do corpo depositado.

CONCLUSÕES

Por meio de medidas de Pitot em função da concentração de defloculante, foram obtidos os pontos ideais de defloculação em 1,5%, 2,0% e 2,5% em massa respecti-vamente de PABA, DREW e quitosana, respectivamente.

A concentração de defloculante para as amostras de DREW pode ser confirmada através de medidas de pH.

Suspensões aquosas de alumina, defloculadas com quitosana, se mostraram inviáveis para produzirem corpos cerâmicos pelo método de EPD. Como este composto é um polissacarídeo, atua predominantemente como um estabilizador estérico, impossibilitando o movimento das partículas sob a ação de um campo elétrico.

Campos elétricos inferiores a 3,0 V/cm não promoveram a deposição das partículas de alumina no eletrodo, devido a este campo produzir uma pequena força eletromotriz inviabilizando o processo. Campos elétricos superiores a 7,0 V/cm promoveram

o processo de hidrólise, prejudicando a conformação de corpos densos devido à formação de bolhas durante o processo de deposição das partículas sobre o eletrodo.

Os defloculantes estudados neste trabalho promoveram a dispersão da alumina em meio aquoso. Porém, a suspensão estabilizada com DREW mostrou a maior taxa de deposição e densificação do corpo cerâmico a verde, provavelmente devido este sistema estar estabilizado próximo ao ponto isoelétrico da alumina, o que pode ser comprovado através das medidas de pH. Desta forma, este sistema se mostrou o mais eficiente para a conformação por eletroforese de corpos cerâmicos de alumina.

Rec. 05/11/02, Rev. 14/07/03, Ac. 18/07/03

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Datas de Publicação

  • Publicação nesta coleção
    01 Abr 2004
  • Data do Fascículo
    Dez 2003

Histórico

  • Aceito
    18 Jul 2003
  • Revisado
    14 Jul 2003
  • Recebido
    05 Nov 2002
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