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Efeito do Pr2O3 nas propriedades elétricas de varistores à base de SnO2

Effect of Pr2O3 on the electrical properties of SnO2-based varistors

Resumos

A proposta deste trabalho foi o estudo e a obtenção de uma cerâmica densa à base de SnO2 dopada com CoO, Ta2O5 e diferentes concentrações de Pr2O3. Os sistemas apresentaram elevados valores de densidade relativa, e propriedades não ôhmicas. A adição de Pr2O3 proporcionou um aumento no número de barreiras efetivas dos sistemas melhorando o valor do coeficiente de não-linearidade e aumentando o do campo de ruptura. Pelas medidas de espectroscopia de impedância, calculou-se a altura e a largura da barreira de potencial para os sistemas, mostrando que os resultados estão de acordo com a resposta em corrente contínua.

varistor; SnO2; impedância; terra rara


The purpose of this work was to study and prepare SnO2-based dense ceramics doped with CoO and Ta2O5 and different concentrations of Pr2O3. The systems displayed high values of relative density and nonohmic properties. The addition of Pr2O3 caused the number of effective barriers of the systems to increase, improving the value of the nonlinear coefficient, and increasing the breakdown electric field. The height and the width of the potential barriers, which were determined by impedance spectroscopy measurements, indicated that the results are in agreement with the direct current response.

varistor; SnO2; impedance; rare earth


Efeito do Pr2O3 nas propriedades elétricas de varistores à base de SnO2

Effect of Pr2O3 on the electrical properties of SnO2-based varistors

L. G .P. SimõesI; M. O. OrlandiI; A. L. AraujoI; M. R. D. BomioI; E. R. LeiteI; E. LongoI; J. A. VarelaII

ICMDMC-LIEC, Departamento de Química, Universidade Federal de S. Carlos, UFSCar, C.P. 676, S. Carlos, SP, 13565-905, simoes@polvo.ufscar.br

IICMDMC–LIEC, Instituto de Química, UNESP, C.P. 355, Araraquara, SP, 14801-970

RESUMO

A proposta deste trabalho foi o estudo e a obtenção de uma cerâmica densa à base de SnO2 dopada com CoO, Ta2O5 e diferentes concentrações de Pr2O3. Os sistemas apresentaram elevados valores de densidade relativa, e propriedades não ôhmicas. A adição de Pr2O3 proporcionou um aumento no número de barreiras efetivas dos sistemas melhorando o valor do coeficiente de não-linearidade e aumentando o do campo de ruptura. Pelas medidas de espectroscopia de impedância, calculou-se a altura e a largura da barreira de potencial para os sistemas, mostrando que os resultados estão de acordo com a resposta em corrente contínua.

Palavras-chave: varistor, SnO2, impedância, terra rara.

ABSTRACT

The purpose of this work was to study and prepare SnO2-based dense ceramics doped with CoO and Ta2O5 and different concentrations of Pr2O3. The systems displayed high values of relative density and nonohmic properties. The addition of Pr2O3 caused the number of effective barriers of the systems to increase, improving the value of the nonlinear coefficient, and increasing the breakdown electric field. The height and the width of the potential barriers, which were determined by impedance spectroscopy measurements, indicated that the results are in agreement with the direct current response.

Keywords: varistor, SnO2, impedance, rare earth.

INTRODUÇÃO

O SnO2 é um semicondutor do tipo n, com estrutura tetragonal do tipo rutilo. Os materiais à base do dióxido de estanho são altamente dependentes do processamento utilizado, condições de sinterização e pureza dos óxidos utilizados. Estes fatores influenciam tanto na densificação quanto nas propriedades elétricas dos sistemas.

O SnO2 sinterizado na ausência de dopantes não atinge alta densificação devido a predominância de mecanismos não densificantes como evaporação-condensação e difusão pela superfície durante o processo de sinterização. Tais mecanismos são responsáveis somente pelo crescimento de grãos e formação de pescoço entre as partículas durante a sinterização e, portanto, não promovem a densificação [1]. O SnO2 poroso possui muitas aplicações tecnológicas, como sensores, catalisadores, equipamentos eletroópticos e células fotovoltaicas [1-4], mas não serve para ser utilizado como varistor devido a baixa resistência mecânica que esses materiais porosos apresentam.

Estudos mostraram que a adição de pequenas concentrações de dopantes como CoO e MnO2 aumenta a quantidade de defeitos intrínsecos ao dióxido de estanho, como vacâncias de oxigênio, que promovem a densificação do sistema antes que os mecanismos não densificantes sejam dominantes [5].

Uma cerâmica densa e com propriedades varistoras em sistemas à base de SnO2 foi obtida pela primeira vez em 1995 [6]. Para isso, partiram da cerâmica densa de SnO2.CoO e adicionaram os dopantes Nb2O5 e Cr2O3 que alteram o número de portadores de carga e a efetividade da barreira de potencial respectivamente. A elevada densidade é sinônimo de resistência mecânica, que é fundamental para um bom desempenho na propriedade varistora. Quando substituído na mesma concentração, o Ta2O5 age da mesma maneira que o Nb2O5 no sistema à base de SnO2.CoO, sem provocar grandes alterações nos valores do coeficiente de não linearidade (a) e do campo elétrico de ruptura (Er) [7].

Para um material ser um bom varistor, essa barreira de potencial formada na região do contorno de grão deve ser alta e efetiva, de modo que os elétrons (portadores de carga) sejam "impedidos" de atravessar a região do contorno de grão quando um campo elétrico menor que o campo de ruptura (Er) for aplicado. Para campos maiores que o campo de ruptura, há uma deformação na barreira de potencial e o material passa a ser um bom condutor elétrico. Quando esse campo elétrico for retirado, as barreiras de potencial tornam-se novamente efetivas e o material volta a ser um isolante.

Para se caracterizar a barreira de potencial utilizamos a técnica de espectroscopia de impedância. Para barreiras do tipo Schottky uma significativa alteração na capacitância em função da freqüência geralmente ocorre. Aplicando um potencial contínuo (bias) sobreposto ao potencial alternado e analisando as características C-V (capacitância-voltagem) utilizando-se aproximações [8] e as equações A e B [9, 10], consegue-se calcular a altura e a largura da barreira de potencial. Na equação (A), C0 e CV são as capacitâncias do contorno de grão em zero e V "bias" respectivamente, p é o número de barreiras de potencial, q a carga do elétron, em a permissividade do grão do material, Nd a densidade de portadores por unidade de volume, A a área da barreira, f a altura da barreira e V o potencial "bias" aplicado. Na equação (B), w é a largura da barreira de potencial e NIS a densidade de estados interfaciais.

Os mecanismos de formação da barreira de potencial no sistema SnO2.CoO dopado com Nb2O5 e La2O3 foram estudados [11] e observado que a barreira formada é do tipo Schottky. Foi observado ainda que a densidade de doadores (Nd) e os estados negativos na interface entre grãos de SnO2 (NIS) variam de acordo com atmosfera de tratamento. Quando o sistema SnO2.CoO.Nb2O5.La 2O3 foi submetido a tratamento térmico em atmosfera de N2, houve uma diminuição no NIS e na altura da barreira de potencial. Em posterior tratamento térmico em atmosfera de oxigênio, houve um aumento no NIS e no Nd e, portanto, uma melhoria na propriedade varistora desse sistema.

MATERIAIS E MÉTODOS

Neste trabalho estudou-se o efeito da adição de Pr2O3 (X = 0,05; 0,15 e 0,30%) no sistema (98,95–X)%SnO2-1%CoO-0,05%Ta2 O5, todas porcentagens molar. Os pós foram preparados utilizando-se o método convencional de mistura de óxidos. Neste método os óxidos foram homogeneizados, em moinho de bolas, via úmida. Posteriormente à homogeneização, os pós foram secos em uma estufa por 4 horas à 100 ºC. Em seguida, foram desaglomerados em peneira Tyler 100, para então serem conformados uniaxial e isostaticamente na forma de pastilhas. As pastilhas foram sinterizadas à 1300 ºC por 2 horas, com taxa de aquecimento e resfriamento de 10 ºC/minuto.

Foi realizado um estudo microestrutural nos sistemas, sendo utilizado Microscopia Eletrônica de Varredura, Zeiss DSM –modelo 940 A. A composição do contorno de grão foi analisada por EDS acoplado ao MEV. Por intermédio das fotomicrografias obtidas, realizou-se o cálculo de tamanho médio de grão (TMG), pelo método dos interceptos linear. Para as amostras sinterizadas de cada sistema, calculou-se a densidade utilizando o princípio de Arquimedes.

Após a sinterização as amostras foram lixadas, e sobre as faces paralelas foram colocados eletrodos de prata por serigrafia. Para a fixação do eletrodo, fez-se um tratamento térmico a 300 ºC por 10 min. As medidas de campo elétrico em função de densidade de corrente foram realizadas com uma fonte de tensão estabilizada (Keiyhley modelo 237).

As medidas de impedância foram realizadas à temperatura ambiente em um impedancímetro HP 4194 A, numa faixa de freqüência de 100 Hz a 15 MHz e uma amplitude de oscilação de 0,5 V. Um potencial contínuo (bias) foi sobreposto ao potencial alternado, de 2 a 38 V, com o intuito de se calcular a variação da capacitância do contorno de grão em função do potencial contínuo aplicado e então calcular os valores de altura e largura da barreira de potencial.

RESULTADOS E DISCUSSÃO

Na Tabela I são apresentados os valores de densidade geométrica, por Arquimedes e o tamanho médio de grão dos sistemas SCTPr005, SCTPr015 e SCTPr03.

Observa-se na Tabela I que os valores de densidade são elevados. A diferença entre os valores de densidade geométrica e a obtida pela técnica de Arquimedes dos sistemas SCTPr005 e SCTPr015, ilustradas na Tabela I, é devida a presença de poros abertos nestes sistemas, pois em caso contrário a diferença entre as densidades seria pequena. O sistema SCTPr03 possui os valores de densidade geométrica e por Arquimedes muito próximos, o que indica que este sistema possui uma menor quantidade de poros abertos, o que é confirmado por MEV (Fig. 1-3). Observa-se também na Tabela I que o tamanho médio de grão dos sistemas SCTPr005, SCTPr015 e SCTPr03 diminui com o aumento da concentração de Pr2O3, o que deve estar relacionado com uma maior quantidade de defeitos criados na matriz de SnO2 com uma maior concentração de Pr2O3.


Nas Figs. 1 a 3 são apresentadas as fotomicrografias obtidas por MEV para os sistemas em estudo. Observa-se pelas figuras de MEV que os sistemas são densos, confirmando as medidas de densidades relativas. É também observado que os sistemas SCTPr015 e SCTPr030 apresentam uma quantidade de precipitados (segunda fase) muito maior que o sistema SCTPr005. Esses precipitados não estão homogeneamente distribuídos pela amostra, mas sim localizados preferencialmente em alguns pontos da microestrutura. Esse tipo de comportamento já foi observado por outros autores para sistemas varistores à base de SnO2 [12].

A Fig. 4 ilustra a medida de campo elétrico em função da densidade de corrente para os sistemas SCTPr005, SCTPr015 e SCTPr03. Observa-se na Fig. 4 e Tabela II que os sistemas SCTPr005 e SCTPr015 apresentam propriedades varistoras com valores de coeficiente de não linearidade (a) de 14 e 17 e campo de ruptura de 5000 e 6500 Vcm-1 respectivamente. O sistema SCTPr015 apresenta valores de a e campo de ruptura maior que o sistema SCTPr005, isto é, o aumento na concentração de Pr2O3 promoveu um aumento na resistividade do sistema. O aumento no a e no campo de ruptura do sistema SCTPr015 comparado com o sistema SCTPr005 deve estar associado ao aumento do número de barreiras efetivas no material e a uma diminuição do tamanho médio de grão. Esta diminuição no tamanho médio de grão proporciona um número maior de barreiras de potencial e conseqüentemente aumenta o valor do campo de ruptura. Para o sistema SCTPr03 não foi possível atingir o campo de ruptura devido aos limites do equipamento. O aumento na concentração de Pr2O3 deve ter aumentado ainda mais a resistividade do sistema devido, provavelmente, a um aumento na altura da barreira de potencial. A Fig. 5 ilustra o gráfico J x E para este sistema, em que se observa que o sistema possui características não ôhmicas, mas como está muito resistivo não é possível obter os valores de a e Er.



A Tabela II apresenta os valores de corrente de fuga, altura e largura da barreira de potencial para os sistemas estudados. O sistema SCTPr005 possui uma corrente de fuga maior que o sistema SCTPr015. Esta diminuição na corrente de fuga com o aumento na concentração de Pr2O3 está associada a um aumento na efetividade da barreira de potencial do sistema SCTPr015 em relação ao sistema SCTPr005 causada pela adição de Pr2O3.

Para se calcular os valores de capacitância em função do "bias" aplicado, utilizamos o método descrito em [8]. A Fig. 6 ilustra os diagramas de capacitância para todos os sistemas estudados. Observa-se pelas Figs. 6a e 6b que nos sistemas SCTPr005 e SCTPr015 há um processo de relaxação, enquanto no sistema SCTPr030 (Fig. 6c) esse processo não está bem definido, o que impossibilita o cálculo da altura e largura da barreira de potencial. Esse comportamento no sistema SCTPr030 já era esperado uma vez que esse sistema se apresentou muito resistivo.




Os cálculos de altura e largura de barreira de potencial apresentados na Tabela II foram realizados considerando uma barreira de potencial do tipo Schottky back-to-back [10,11,13]. O sistema SCTPr015 possui um campo de ruptura maior que o sistema SCTPr005 o que está de acordo com os valores de altura de barreira calculados. O fato de esses sistemas possuírem elevados valores de altura de barreira de potencial e baixo coeficiente de não linearidade deve estar associado às barreiras efetivas do sistema. Mesmo com o Pr2O3 atuando de forma a aumentar o número de barreiras efetivas nos sistemas, deve estar havendo ainda a ocorrência de algumas barreiras não efetivas.

CONCLUSÕES

Os sistemas SCTPr005, SCTPr015 e SCTPr03 apresentam elevados valores de densidade relativa, mas não são sistemas monofásicos como ilustram as micrografias obtidas por MEV.

Os sistemas SCTPr005 e SCTPr015 apresentam propriedades varistoras. A corrente de fuga diminui em função da concentração de Pr2O3, ou seja, com aumento da concentração de Pr2O3 deve aumentar a fase segregada na região do contorno de grão diminuindo a corrente de fuga dos materiais varistores.

O sistema SCTPr015 possui um valor de altura de barreira de potencial de 2,7 V e w de 16 mm. Os valores de altura e largura da barreira de potencial para este sistema são superiores aos do sistema SCTPr005, ilustrando que o aumento na concentração de Pr2O3 aumentou o coeficiente de não linearidade, campo de ruptura e os valores de altura e largura da barreira de potencial.

AGRADECIMENTOS

Os autores agradecem ao CNPq, CEPID e FAPESP pelo auxílio financeiro na realização deste trabalho.

Rec. 12/03/03, Rev. 18/07/03, Ac. 18/07/03

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Datas de Publicação

  • Publicação nesta coleção
    01 Abr 2004
  • Data do Fascículo
    Dez 2003

Histórico

  • Aceito
    18 Jul 2003
  • Recebido
    12 Mar 2003
  • Revisado
    18 Jul 2003
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