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Potencial de argila caulinítica de Campos dos Goytacazes, RJ, na produção de pozolana para concreto de alta resistência

Potential of kaolinitic clay from Campos dos Goytacazes, RJ, in the production of pozzolan for high-strength concrete

Resumos

Este trabalho descreve as etapas de produção e caracterização de uma pozolana a partir de uma argila do município de Campos dos Goytacazes, RJ. A influência de diferentes temperaturas de queima em forno resistivo na atividade pozolânica da argila calcinada foi avaliada no intuito de obter uma pozolana de elevado desempenho. Além disso, quatro concretos foram confeccionados com 0, 5, 10 e 15% de substituição (em massa) de cimento Portland por uma argila calcinada selecionada (produzida a 650 ºC). Para essas misturas, ensaios de resistência à compressão foram realizados. Os resultados indicaram que argilas calcinadas pozolânicas podem ser produzidas com a argila estudada. Para todos os teores de substituição, especialmente 15%, a resistência à compressão dos concretos com a argila calcinada a 650 ºC alcançou um desempenho superior ao observado para o concreto de referência.

argila calcinada; metacaulinita; pozolana; concreto


This work describes the process of production and characterization of a pozzolan from a clay of Campos dos Goytacazes, RJ, Brazil. The influence of different calcination temperatures in an aired electric oven on the pozzolanic activity of the calcined clay was studied, in order to improve the calcined clay's performance. Moreover, four concretes were produced with 0, 5, 10 e 15% of the Portland cement (in mass) replaced by a selected calcined clay, produced at 650 ºC. For these mixtures, compressive strength tests were performed. The results indicated that pozzolanic calcined clays can be produced from the used clay. For all levels of cement replacement, especially for the 15% replacement level, the concretes containing 650 ºC calcined clay achieved superior performance in the compressive strength tests compared with the reference mixture.

calcined clay; metakaolinite; pozzolan; concrete


Potencial de argila caulinítica de Campos dos Goytacazes, RJ, na produção de pozolana para concreto de alta resistência

Potential of kaolinitic clay from Campos dos Goytacazes, RJ, in the production of pozzolan for high-strength concrete

G. C. CordeiroI; J. M. DésirII

ILaboratório de Engenharia Civil, Universidade Estadual do Norte Fluminense Darcy Ribeiro, Av. Alberto Lamego, 2000, Campos dos Goytacazes, RJ 28013-602

IIDepartamento de Engenharia Civil, Universidade Federal do Rio Grande do Sul, Av. Osvaldo Aranha, 99 Porto Alegre, RS 90135-190

RESUMO

Este trabalho descreve as etapas de produção e caracterização de uma pozolana a partir de uma argila do município de Campos dos Goytacazes, RJ. A influência de diferentes temperaturas de queima em forno resistivo na atividade pozolânica da argila calcinada foi avaliada no intuito de obter uma pozolana de elevado desempenho. Além disso, quatro concretos foram confeccionados com 0, 5, 10 e 15% de substituição (em massa) de cimento Portland por uma argila calcinada selecionada (produzida a 650 ºC). Para essas misturas, ensaios de resistência à compressão foram realizados. Os resultados indicaram que argilas calcinadas pozolânicas podem ser produzidas com a argila estudada. Para todos os teores de substituição, especialmente 15%, a resistência à compressão dos concretos com a argila calcinada a 650 ºC alcançou um desempenho superior ao observado para o concreto de referência.

Palavras-chave: argila calcinada, metacaulinita, pozolana, concreto.

ABSTRACT

This work describes the process of production and characterization of a pozzolan from a clay of Campos dos Goytacazes, RJ, Brazil. The influence of different calcination temperatures in an aired electric oven on the pozzolanic activity of the calcined clay was studied, in order to improve the calcined clay's performance. Moreover, four concretes were produced with 0, 5, 10 e 15% of the Portland cement (in mass) replaced by a selected calcined clay, produced at 650 ºC. For these mixtures, compressive strength tests were performed. The results indicated that pozzolanic calcined clays can be produced from the used clay. For all levels of cement replacement, especially for the 15% replacement level, the concretes containing 650 ºC calcined clay achieved superior performance in the compressive strength tests compared with the reference mixture.

Keywords: calcined clay, metakaolinite, pozzolan, concrete.

INTRODUÇÃO

Os materiais pozolânicos são compostos silicosos ou sílico-aluminosos que isoladamente possuem pouca ou nenhuma propriedade aglomerante. Entretanto, quando finamente moídos e em presença de água, reagem com o hidróxido de cálcio à temperatura ambiente para formar compostos com propriedades aglomerantes [1]. Durante as reações de hidratação do cimento Portland ocorre a liberação do hidróxido de cálcio (Ca[OH]2) em grande quantidade (em torno de 20% da massa dos compostos hidratados). A reação entre compostos amorfos presentes na pozolana, como sílica e alumina, e o hidróxido de cálcio produz silicatos/aluminatos de cálcio hidratado, similares aos produzidos na hidratação do cimento. Essas reações são denominadas de pozolânicas. O hidróxido de cálcio, ao contrário dos silicatos e aluminatos de cálcio hidratados, contribui muito pouco para a resistência da pasta de cimento hidratada e é, dentre os produtos da hidratação, o primeiro a ser solubilizado e lixiviado pela água. Assim, o seu consumo pela pozolana produz benefícios para a resistência mecânica e a durabilidade de concretos e argamassas. Os efeitos benéficos da utilização de pozolanas em concretos não se limitam à reação pozolânica. Há também o efeito físico proveniente da capacidade das partículas destes materiais, que em geral apresentam tamanho micrométrico, posicionarem-se nos interstícios entre partículas de cimentos e na interface agregado-pasta. Este efeito é conhecido como efeito fíler [1, 2]. O emprego de pozolanas como material cimentício é muito antigo, com inúmeros registros de emprego em edificações do Império Romano [3]. Atualmente, inúmeros materiais são utilizados como pozolanas, tais como cinza volante, sílica ativa, cinza da casca de arroz e cinza do bagaço de cana-de-açúcar [1-4]. Além dos materiais citados, um solo argiloso pode adquirir propriedades pozolânicas quando submetido a processos adequados de ativação térmica e moagem mecânica. Neste caso, as matérias-primas devem conter elevado percentual de argila em sua composição, uma vez que a atividade pozolânica aumenta com o teor de argilominerais [5, 6]. As argilas utilizáveis como matéria-prima podem ser cauliníticos ou montmoriloníticos [7], muito embora, outros argilominerais utilizados, como ilita, sepiolita e mica, apresentem resultados satisfatórios como adições ativas em concretos e argamassas [8]. As argilas calcinadas apresentam atividade pozolânica distintas em função das características físico-químicas do material e das condições de queima adotadas [6].

Neste escopo, o presente trabalho visa avaliar a potencialidade de uma argila caulinítica do município de Campos dos Goytacazes, RJ, para produção de pozolana a partir de queima controlada. Inicialmente, a temperatura ideal de queima é determinada por meio de ensaios de atividade pozolânica [9] com argilas calcinadas entre 550 e 950 ºC. Em seguida, após a moagem mecânica das partículas, o desempenho da argila calcinada de maior atividade pozolânica é investigado por meio de ensaios de resistência à compressão após 3, 7, 28, 91 e 176 dias de cura em concretos de alta resistência. A possibilidade de produção de pozolana por meio do processamento da argila visa gerar uma alternativa à cerâmica vermelha na região norte do Estado do Rio de Janeiro.

MATERIAIS E MÉTODOS

Materiais

A argila utilizada como matéria-prima neste trabalho foi coletada em uma jazida do pólo de cerâmica vermelha do município de Campos dos Goytacazes, RJ. Campos dos Goytacazes ocupa uma área de aproximadamente 4000 km2, dos quais cerca de 50% são constituídos por espessas camadas argilosas provenientes da migração do leito do Rio Paraíba do Sul [10]. O solo argiloso (argila) é composto por caulinita, ilita e quartzo, como pode ser observado no difratograma de raios X (Fig. 1), e apresenta tamanho médio e massa específica [11] de 2 µm e 2530 kg/m3, respectivamente. A Tabela I apresenta a composição química da argila, na qual se destacam os teores de Al2O3 e SiO2.


Na confecção das argamassas utilizadas para avaliação da atividade pozolânica das argilas calcinadas foram empregados cimento Portland CP II-E 32 [12] e areia normalizada [13]. Para a produção dos concretos foram utilizados, além do cimento CP II-E 32, areia quartzosa do rio Paraíba do Sul (módulo de finura 3,23 e massa específica 2604 kg/m3), brita granítica de 19 mm (módulo de finura 6,82 e massa específica 2648 kg/m3) e aditivo superplastificante a base de condensados sulfonados de melamina-formaldeído com 20% de sólidos (em massa) e massa específica 1120 kg/m3.

Produção de argila calcinada

Após coleta, a argila foi submetida a secagem em estufa a 110 ºC por 24 h. Em seguida, a amostra foi homogeneizada e dividida em 6 partes, que foram calcinadas em forno resistivo (mufla). As condições de queima adotadas foram: taxa de aquecimento 10 ºC/min, tempo de residência 3 h, temperatura no patamar entre 550 e 950 ºC, com variação de 100 ºC, resfriamento não controlado. Após queima, as amostras foram submetidas à moagem a seco por 40 min em moinho rotativo (Sonnex) com velocidade de 30 rpm e volume da carcaça de aço de 50 L. A carga moedora de aço foi composta por 800 esferas de 20 mm de diâmetro, 100 de 25 mm, 225 de 30 mm e 20 de 38 mm.

A difração de raios X das amostras foi efetuada em difratômetro Seifert URD 65 com tubo de Cu-kα (35 kV/40 mA), com coleta entre 8 e 60º (2θ), velocidade do goniômetro de 0,05º/passo e tempo de contagem de 1 s/passo. A distribuição de tamanho foi obtida via analisador de partículas a laser Cilas 1064. As amostras foram dispersas em álcool etílico P.A. e mantidas sob agitação (2000 rpm) por 30 min. A composição química foi determinada por espectroscopia de fluorescência de raios X (Shimadzu EDX-700) com tubo de 3 kW e alvo de ródio.

O índice de atividade pozolânica [9] foi utilizado como parâmetro de avaliação da argila calcinada de maior reatividade. Nesse método, o índice de atividade pozolânica é calculado pela relação entre as resistências médias à compressão, aos 28 dias, de cilindros (50 mm de diâmetro e 100 mm de altura) de argamassa com argila calcinada e de argamassa composta apenas por cimento, areia e água (referência). Relações mássicas entre areia-cimento e água-cimento equivalentes a 3,00 e 0,61, respectivamente, foram empregadas na argamassa de referência. Nas argamassas com argila calcinada, 35% do volume absoluto de cimento foram substituídos por cada uma das argilas calcinadas e a relação água-material cimentício foi aumentada para 0,70 de modo a manter a consistência das argamassas na faixa prescrita pela norma. Após mistura e moldagem em cilindros metálicos, os corpos-de-prova foram mantidos nos moldes durante as primeiras 24 h. Em seguida, os corpos-de-prova foram desmoldados, selados com filme plástico e mantidos em recipientes hermeticamente fechados a 38 ± 2 ºC até 28 dias. Ao final do período de cura das argamassas, os corpos-de-prova (4 por mistura) foram submetidos à ruptura em prensa hidráulica de compressão Soiltest.

A argila calcinada selecionada, de acordo com os ensaios citados anteriormente, foi caracterizada pelo método de atividade pozolânica Chapelle modificado [14] e superfície específica BET. Pelo método de Chapelle modificado a atividade pozolânica é determinada com base na capacidade do material de fixar hidróxido de cálcio quando mantido em solução aquosa com óxido de cálcio. De forma simplificada, esse método consiste em manter em aquecimento (90 ºC) sob agitação, durante 16 h, uma solução com 1,0 g de óxido de cálcio, 1,0 g de cinza e 250,0 g de água isenta de dióxido de carbono. Ao final do ensaio, o teor de CaO livre é medido, por meio de titulação de cerca de 50 mL da solução com HCl 0,1 N e fenolftaleína (1 g/L), e estima-se a quantidade de CaO que foi combinada com a pozolana. O resultado é expresso pela quantidade de óxido de cálcio fixado por grama de cinza. A superfície específica da amostra foi obtida por adsorção de nitrogênio (método BET) em equipamento Gemini 2375 V5.

Aplicação em concreto de alta resistência

Um concreto de referência foi dosado de acordo com o método de O'Reilly [15], que propõe uma seqüência específica de procedimentos para a dosagem de concretos de alto desempenho. Os parâmetros de dosagem utilizados foram: (1) resistência à compressão aos 28 dias de aproximadamente 50 MPa; (2) consistência, medida pelo abatimento do tronco de cone, de 60 mm ± 10 mm. A relação água-cimento obtida foi de 0,40, com consumo de cimento Portland igual a 375 kg/m3. As quantidades de areia e brita foram estabelecidas em 848 kg/m3 e 1036 kg/m3, respectivamente. A incorporação da argila calcinada foi realizada com a substituição de 5, 10 e 15% de cimento, em massa. A dosagem de aditivo superplastificante foi de 7,5 kg/m3 para todos os concretos estudados.

Os concretos foram misturados em betoneira de eixo inclinado de 145 L, com a seguinte seqüência de mistura: brita e 50% da água foram misturados por 1 min; adição de cimento e argila calcinada (exceto na mistura de referência) e mistura por 1 min; adição da areia e mistura 3 min; adição do superplastificante e do restante da água e mistura por 4 min adicionais. Foram moldados cilindros com 100 mm de diâmetro e 200 mm de altura para os ensaios de resistência. Os concretos foram adensados em camada única com vibrador de imersão com agulha de 25 mm de diâmetro. Os corpos-de-prova permaneceram nos moldes por 24 h, com as faces cobertas por placas de vidro. Em seguida, foram desmoldados e mantidos imersos em água saturada de cal até as idades dos ensaios de compressão, realizados aos 3, 7, 28, 91 e 176 dias. A resistência à compressão foi calculada pela média de 3 corpos-de-prova por idade, submetidos à compressão em prensa hidráulica Soiltest, com taxa de carregamento de 0,5 MPa/s. Os resultados de resistência à compressão dos concretos foram validados por análise de variância (ANOVA) e teste de médias de Duncan [16] (probabilidade p < 0,05).

RESULTADOS E DISCUSSÃO

Caracterização da argila calcinada pozolânica

Para a determinação da temperatura ideal de queima é importante que as granulometrias das argilas calcinadas estudadas sejam similares pois, desta forma, o efeito físico proporcionado pela substituição de cimento pela pozolana será o mesmo [2]. Além disso, as pozolanas produzidas a partir de argilas calcinadas normalmente necessitam de moagem mecânica até finura suficiente para desenvolverem mais satisfatoriamente a atividade pozolânica [7]. As condições de moagem adotadas foram adequadas à equiparação das granulometrias das diferentes argilas calcinadas, como pode ser observado na Fig. 2. Os diferentes produtos de moagem apresentam granulometria não uniforme e tamanho médio de partículas (D50) em torno de 8 µm, o que confere às argilas calcinadas granulometria mais refinada que a do cimento Portland utilizado neste trabalho.


A faixa de temperatura adotada para a queima da argila, entre 550 e 950 ºC, foi estabelecida em função da análise térmica diferencial da argila, realizada em equipamento Rigaku Thermoflex. Ou seja, optou-se pela faixa de temperatura onde há exclusivamente metacaulinita em detrimento das fases cristalinas. Pela Fig. 3 é possível observar que o pico endotérmico da argila in natura em 491 ºC representa a desidroxilação da caulinita, enquanto o pico exotérmico a 970 ºC é indicativo do início da recristalização da argila.


Os resultados de difração de raios X são apresentados na Fig. 1, onde podem ser observadas as alterações microestruturais da argila quando submetida aos diferentes tratamentos térmicos. A comparação entre os difratogramas da argila in natura e da argila calcinada a 550 ºC indica a desidroxilação da caulinita em função da queima. O mesmo comportamento pode ser observado para as argilas calcinadas a 650, 750 e 850 ºC. Para a argila calcinada a 950 ºC há uma mudança no padrão difratométrico, que revela o início da recristalização da caulinita. As análises de difração de raios X estão de acordo com a análise térmica diferencial da argila in natura, ilustrada na Fig. 3.

Os resultados de índice de atividade pozolânica, observados na Fig. 4, indicam que a temperatura de queima tem influência na reatividade das argilas calcinadas, em função do diferente grau de desordem cristalina do material. Para a argila estudada, o maior valor de índice de atividade (94%) é alcançado para a temperatura de 650 ºC. Contudo, em todos os tratamentos são produzidas argilas calcinadas com valores de atividade pozolânica superiores ao limite mínimo de 75%, estabelecido pela NBR 12653 [17] para a classificação de um material como pozolana. Como esperado, o menor valor de índice de atividade (77%) é observado para a argila calcinada a 950 ºC, o que pode ser atribuído ao início da transição entre as fases metacaulinita e espinélio Al/Si, que é uma fase precursora da mulita (3Al2O3.2SiO2) [18].


Cabe ressaltar que para a determinação dos valores de índice de atividade pozolânica, a NBR 5752 [9] propõe que a consistência constante das argamassas seja alcançada com quantidades específicas de água. Com isso, misturas com diferentes relações água-material cimentício são normalmente observadas. Para os materiais estudados neste trabalho, as relações água-material cimentício para as argamassas de referência e com as argilas calcinadas são iguais a 0,61 e 0,70, respectivamente. É de se esperar que se a consistência e a dosagem de água fossem mantidas constantes através da incorporação à mistura de pequenas quantidades de aditivo superplastificante, conforme procedimento adotado [19], os valores de índice de atividade das argilas calcinadas seriam significativamente superiores.

Com base nos resultados e na metodologia apresentados, a temperatura de 650 ºC possibilita a produção da argila calcinada de maior índice de atividade pozolânica. A Tabela II apresenta as principais características físico-químicas da argila calcinada. SiO2 e Al2O3 são os principais compostos da argila calcinada e representam 88,3% da massa da amostra. Impurezas são encontradas na forma de Fe2O3, com 3,7%, e K2O, MgO, SO3 e CaO, com teores inferiores a 1%. Com relação às características físicas, destaca-se o elevado valor de superfície específica da argila calcinada. Essa característica contribui para o valor de atividade pozolânica, avaliada pelo método de Chapelle modificado [14]. Neste caso, a argila calcinada a 650 ºC apresenta valor de fixação igual a 535 mg/g (mg de CaO por g de pozolana), que é expressivamente superior (62%) ao valor mínimo apresentado por materiais pozolânicos (330 mg/g) [14, 19]. A análise térmica diferencial da amostra calcinada a 650 ºC, Fig. 3, não apresenta o pico endotérmico da caulinita, o que comprova a eficiência das condições de queima adotadas e que, certamente, contribui para a elevada atividade pozolânica da amostra.

Resistência à compressão de concretos com argila calcinada a 650 ºC

A Fig. 5 apresenta os resultados dos ensaios de resistência à compressão dos concretos confeccionados com 5, 10 e 15% de substituição de cimento Portland por argila calcinada (a 650 ºC), além da mistura de referência. É possível observar que o emprego da argila calcinada contribui expressivamente para o aumento de resistência à compressão desde o início do período de cura dos concretos, sobretudo para os teores de 10 e 15%.


Aos 3 dias de cura não há diferença significativa entre o concreto de referência e o concreto com 5% de argila calcinada (C05%), de acordo com a análise de variância (p < 0,05). Nessa idade, os concretos com 10% (C10%) e com 15% (C15%) apresentam valores de resistência superiores ao de referência em cerca de 20 e 40%, respectivamente. Este comportamento pode ser atribuído à ação conjunta de reações pozolânicas, efeito fíler e aceleração das reações de hidratação do cimento Portland, promovida pela incorporação da argila calcinada de elevada reatividade. Em estudo sobre a hidratação de pastas com argila calcinada, foi observada a fase C2ASH8 (de acordo com notação utilizada na química do cimento: C - CaO; A - Al2O3; S - SiO2; H - H2O) após 3 dias de cura [20]. C2ASH8 e C-S-H são as principais fases formadas nas reações pozolânicas de argilas calcinadas [6, 20]. A mesma tendência pode ser observada aos 7 e 28 dias de cura dos concretos. Após 91 e 176 dias, a mistura C05% apresenta resistência à compressão superior ao valor de resistência do concreto de referência em cerca de 10%. Para as demais misturas, nessas mesmas idades, os incrementos de resistência foram de 27 e 43% para os teores de substituição de 10% e 15%, respectivamente. O aumento da resistência à compressão dos concretos com a pozolana pode ser atribuído à elevada atividade pozolânica da argila calcinada em virtude da presença da fase metacaulinita (amorfa) [21]. A argila calcinada estudada neste trabalho apresenta atividade pozolânica elevada, como pode ser observado no resultado do ensaio de Chapelle modificado (Tabela II). Foram observados aumentos de resistência em argamassas com argila calcinada (15% de substituição de cimento, em massa) de cerca de 30%, em relação à argamassa de referência, após 7 dias de cura [22]. Resultados similares foram também observados [23], no estudo do uso de argila caulinítica calcinada em concreto com relação água-material cimentício igual a 0,45.

CONCLUSÕES

A argila do pólo cerâmico de Campos dos Goytacazes, RJ, é adequada para a produção de argila calcinada pozolânica. A elevada atividade pozolânica da argila calcinada é função da presença de metacaulinita e apresenta máximo valor para a queima a 650 ºC em forno resistivo, de acordo com os requisitos da NBR 12653 [17]. O uso da argila calcinada a 650 ºC possibilita aumentos significativos nos valores de resistência a compressão do concreto, verificados em idades jovens e em períodos de cura de até 176 dias. Os maiores incrementos de resistência foram verificados para o concreto com 15% de substituição de cimento Portland por argila calcinada.

AGRADECIMENTOS

À Universidade Estadual do Norte Fluminense Darcy Ribeiro pelo auxílio financeiro, à Associação Brasileira de Cimento Portland (ABCP) pela realização dos ensaios de granulometria a laser e ao Instituto Nacional de Tecnologia (INT) pelo ensaio de superfície específica BET.

(Rec. 21/01/2009, Rev. 15/04/2009, Ac. 03/08/2009)

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Datas de Publicação

  • Publicação nesta coleção
    17 Maio 2010
  • Data do Fascículo
    Mar 2010

Histórico

  • Revisado
    15 Abr 2009
  • Recebido
    21 Jan 2009
  • Aceito
    03 Ago 2009
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