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Evolução da resistência mecânica e dos produtos de hidratação de um cimento de aluminato de cálcio, visando sua aplicação em endodontia

Mechanical strength and hydrate products evolution of calcium aluminate cement for endodontic applications

Resumos

Atualmente o agregado trióxido mineral (MTA) é o cimento mais utilizado para retrobturação em endodontia. Porém, apesar de sua composição ser semelhante a do cimento Portland convencional, seu elevado custo, longo tempo de endurecimento e baixa resistência mecânica tem motivado a busca por materiais alternativos para esta aplicação. Baseado nisto, neste trabalho foi avaliado a evolução da resistência mecânica e das fases cristalinas durante a hidratação de um cimento de aluminato de cálcio (CAC), visando seu uso em tratamentos endodônticos. Para isto, amostras do cimento Secar 71 foram preparadas e mantidas em contato com água ou SBF (simulated body fluid) ao longo de 15 dias a 37 ºC. Ensaios de compressão uniaxial, porosidade aparente, difração de raios X e termogravimetria foram utilizados na avaliação dos corpos de prova após 1, 3, 7 e 15 dias de cura. Verificou-se que as principais fases formadas foram CAH10, C2AH8, C3AH6 e AH3. Quando em presença de SBF, devido ao seu efeito retardador algumas mudanças na quantidade dos produtos de hidratação do CAC foram observadas, causando efeitos na resistência mecânica do mesmo. Além disso, o presente estudo aponta que a antecipação ou retardamento da formação de algumas fases pode induzir alterações nas propriedades dos cimentos.

cimento de aluminato de cálcio (CAC); hidratação; resistência mecânica; endodontia


Mineral trioxide aggregate (MTA) is the most used retrograde filling cement in the endodontic area. Nevertheless, although its composition is similar to the conventional Portland cement, its high cost, long setting time and low mechanical strength have led to a continuous search for new alternative materials. Considering these aspects, the mechanical strength and crystalline phase evolution of calcium aluminate cement (CAC), during its hydration process, have been evaluated in this work aiming to apply such material for endodontic treatments. Secar 71 cement samples were prepared and kept in contact with water or SBF (simulated body fluid) for 15 days at 37 ºC. Compressive strength, apparent porosity, X ray diffraction and thermogravimetric tests were carried out for the samples evaluation after 1, 3, 7 and 15 days. The main identified phases were CAH10, C2AH8, C3AH6 and AH3. When in the presence of SBF, due to its delaying effect, some changes in the amount of the hydrates in the CAC samples were observed, which affected the mechanical behavior of the cement. Additionally, this study pointed out that the earliness or delaying formation of some phases can induce changes in the cement properties.

calcium aluminate cement (CAC); hydration; mechanical strength; endodontic


Evolução da resistência mecânica e dos produtos de hidratação de um cimento de aluminato de cálcio, visando sua aplicação em endodontia

Mechanical strength and hydrate products evolution of calcium aluminate cement for endodontic applications

A. P. Luz; N. Z. Borba; V. C. Pandolfelli

Departamento de Engenharia de Materiais, Universidade Federal de S. Carlos -UFSCar, Rod. Washington Luiz, km 235, C. P. 676, S. Carlos, SP, 13565-905, anapaula.light@gmail.com, vicpando@power.ufscar.br

RESUMO

Atualmente o agregado trióxido mineral (MTA) é o cimento mais utilizado para retrobturação em endodontia. Porém, apesar de sua composição ser semelhante a do cimento Portland convencional, seu elevado custo, longo tempo de endurecimento e baixa resistência mecânica tem motivado a busca por materiais alternativos para esta aplicação. Baseado nisto, neste trabalho foi avaliado a evolução da resistência mecânica e das fases cristalinas durante a hidratação de um cimento de aluminato de cálcio (CAC), visando seu uso em tratamentos endodônticos. Para isto, amostras do cimento Secar 71 foram preparadas e mantidas em contato com água ou SBF (simulated body fluid) ao longo de 15 dias a 37 ºC. Ensaios de compressão uniaxial, porosidade aparente, difração de raios X e termogravimetria foram utilizados na avaliação dos corpos de prova após 1, 3, 7 e 15 dias de cura. Verificou-se que as principais fases formadas foram CAH10, C2AH8, C3AH6 e AH3. Quando em presença de SBF, devido ao seu efeito retardador algumas mudanças na quantidade dos produtos de hidratação do CAC foram observadas, causando efeitos na resistência mecânica do mesmo. Além disso, o presente estudo aponta que a antecipação ou retardamento da formação de algumas fases pode induzir alterações nas propriedades dos cimentos.

Palavras-chave: cimento de aluminato de cálcio (CAC), hidratação, resistência mecânica, endodontia.

ABSTRACT

Mineral trioxide aggregate (MTA) is the most used retrograde filling cement in the endodontic area. Nevertheless, although its composition is similar to the conventional Portland cement, its high cost, long setting time and low mechanical strength have led to a continuous search for new alternative materials. Considering these aspects, the mechanical strength and crystalline phase evolution of calcium aluminate cement (CAC), during its hydration process, have been evaluated in this work aiming to apply such material for endodontic treatments. Secar 71 cement samples were prepared and kept in contact with water or SBF (simulated body fluid) for 15 days at 37 ºC. Compressive strength, apparent porosity, X ray diffraction and thermogravimetric tests were carried out for the samples evaluation after 1, 3, 7 and 15 days. The main identified phases were CAH10, C2AH8, C3AH6 and AH3. When in the presence of SBF, due to its delaying effect, some changes in the amount of the hydrates in the CAC samples were observed, which affected the mechanical behavior of the cement. Additionally, this study pointed out that the earliness or delaying formation of some phases can induce changes in the cement properties.

Keywords: calcium aluminate cement (CAC), hydration, mechanical strength, endodontic.

INTRODUÇÃO

A endodontia é a especialidade da odontologia responsável pelo estudo da polpa dentária de todo o sistema de canais radiculares e dos tecidos periapicais, bem como das doenças que os afligem. Uma das principais finalidades da terapia endodôntica é a anti-sepsia e eliminação de agentes irritantes como bactérias e restos necróticos presentes no interior do sistema de canais radiculares, seguida da obturação deste sistema da forma mais hermética possível (Fig. 1) [1].


Os materiais convencionalmente utilizados como obturadores no tratamento endodôntico são: a guta-percha, amalgama, cimentos resinosos, os cimentos à base de óxido de zinco e eugenol, e os cimentos contendo hidróxido de cálcio. Porém, nos anos 90 o MTA (Agregado de Trióxido Mineral) foi apresentado com a finalidade de ser utilizado como um novo material reparador. O cimento MTA é constituído principalmente por óxidos de cálcio, de alumínio e de ferro (entre outros em menor quantidade), dióxido de silício, sulfato de cálcio e óxido de bismuto, cuja finalidade deste último é conferir ao material algum grau de radiopacidade [2].

Ao longo dos últimos anos vários estudos foram realizados para a avaliação das propriedades físico-químicas do MTA [3-5]. Nestes trabalhos foi evidenciado que as principais vantagens de sua aplicação são [6, 7]: (1) menor microinfiltração, (2) biocompatibilidade com indução da produção de citocinas e osteocalcina, permitindo a aderência das células ao material, e (3) capacidade antibacteriana. Por outro lado, clinicamente este cimento ainda apresenta dificuldades durante sua manipulação e inserção à cavidade retrógrada. Adicionalmente, seu tempo de pega é considerado muito longo, possui baixa resistência mecânica à compressão (< 30 MPa) e sua especificidade eleva seu preço de mercado, inviabilizando seu uso rotineiro para a maioria da população [8]. Em virtude desses fatores negativos, no momento há uma busca contínua para o desenvolvimento de um material que se aproxime ao máximo de todas as propriedades almejadas a essa finalidade. Estudos recentes atestaram a capacidade do cimento de aluminato de cálcio (CAC) em prevenir a microinfiltração da bactéria Enterococcus faecalis quando este foi aplicado como retrobturador de canais radiculares em um estudo in vitro, evidenciando sua característica de propiciar a biocompatibilidade [9]. Além disso, cimentos aluminosos vêm sendo utilizados na reparação de defeitos ósseos, já que sua composição e seu coeficiente de expansão são bastante semelhantes ao do dente e osso humano [10, 11].

Até o momento são poucos os trabalhos encontrados na literatura que avaliam a resistência mecânica de cimentos de aluminato de cálcio, quando estes são expostos as condições existentes em tratamentos endodônticos (em contato com fluidos corporais e a temperatura de 37 ºC) [6, 11]. Com este intuito, este trabalho aborda a investigação das propriedades mecânicas e da evolução das fases geradas durante a hidratação de um CAC. As amostras obtidas após imersão em água destilada ou SBF (simulated body fluid) foram analisadas por meio das técnicas de compressão uniaxial, porosidade aparente, difração de raios X (DRX) e termogravimetria (TG). Atualmente, o CAC é um biomaterial bastante promissor e, por meio de novos estudos, espera-se aperfeiçoar e expandir seu uso como um material reparador no campo da endodontia.

MATERIAIS E MÉTODOS

O cimento Secar 71 (Kerneos, França -Tabela I) foi preparado para as avaliações deste trabalho utilizando-se a razão água/cimento (A/C) de 0,3. Corpos de prova cilíndricos (D = 11 mm x H = 22 mm) foram moldados sob leve vibração e mantidos em ambiente úmido (umidade relativa ~ 100%) durante 20 h.

Após este período, as amostras foram desmoldadas, mergulhadas em recipiente contendo H2O destilada ou SBF (Tabela II) e armazenadas dentro de uma estufa (Nova Ética, modelo 403/D) a 37 ºC ± 1 ºC. Ao completar 1, 3, 7 e 15 dias de cura, cerca de 5 amostras do cimento hidratado foram submetidas a ensaios de compressão uniaxial (procedimento baseado na norma ISO 9917-1) em uma máquina de ensaios mecânicos MTS 810 com taxa de deslocamento de 0,5 mm/min e célula de carga de 50 kN. Os corpos de prova recolhidos após o ensaio mecânico foram macerados e submetidos a secagem em forno microondas (Brastemp, modelo BMS25), usando a potência máxima deste equipamento durante o tempo de 6 min (foi verificado previamente que nesta condição houve a remoção da água livre do cimento, obtendo-se um valor constante para a massa do material analisado).

Após a interrupção da hidratação os cimentos ainda foram comínuidos (dp < 45 µm) usando equipamento AMEF (modelo AMP1-M) e analisados por meio das técnicas de DRX (equipamento Bruker, modelo D8 focus, com radiação CuKα [λ = 1,5418 Å] e filtro de níquel, empregando-se 40 mA, 40mV e passo = 0,02) e TG (equipamento NETZSCH STA 449, taxa de aquecimento de 10 ºC/min em fluxo de ar sintético (80%N2 -20%O2) de 50 cm3/min e usando α-Al2O3 como padrão de correção). A partir das curvas de TG e DTG, os teores de alguns hidratos ainda foram estimados utilizando-se o procedimento descrito no trabalho de Dweck et al. [12], o qual considera as perdas de massa das curvas de TG entre as temperaturas inicial e final dos picos obtidos por DTG e compara tais informações com as reações de decomposição das fases e as perdas de massa teóricas previstas pela estequiometria. Os resultados de DRX também foram avaliados por meio do método de Rietveld (programa Topas 4.2), sendo estimada a quantidade dos hidratos contidos nas amostras coletadas nos diversos intervalos de tempo escolhidos. Devido a ausência de informações detalhadas sobre a estrutura e simetria das fases CAH10 e C2AH8, optou-se por efetuar uma avaliação semi-quantitativa destes hidratos (programa EVA). Para isto foi realizada a medida da área dos picos mais intensos dos hidratos CAH10 e C2AH8, seguida pela comparação destes valores com as áreas dos picos dos hidratos C3AH6 e Al(OH)3 e normalização dos dados para posterior análise. Além disso, a medida da porosidade aparente das amostras do CAC (antes da interrupção da hidratação) foi realizada usando o método de Archimedes (ASTM C380-00), sendo empregado querosene como meio líquido.

RESULTADOS E DISCUSSÃO

A propriedade mecânica mais amplamente utilizada no estudo de cimentos é a resistência à compressão. Neste tipo de ensaio a resistência do corpo de prova irá variar de acordo com a distribuição de tamanhos e a localização dos poros no material [10]. Portanto, é muito importante minimizar o tamanho e a quantidade de poros no material para alcançar elevada resistência e durabilidade. Um número elevado de parâmetros influenciam a porosidade, sendo os dois mais importantes a razão água/cimento e o ar aprisionado na pasta cimentícia. O valor de A/C = 0,3 utilizado neste trabalho e a prática de moldagem sob vibração tendem a favorecer a obtenção de corpos de prova com menor porosidade e elevada resistência mecânica, como apresentado na Fig. 2.


Naturalmente a hidratação do cimento aluminoso consiste em um processo dinâmico onde após o contato inicial com a água de mistura verifica-se: (1) a hidroxilação da superfície das partículas do cimento, seguida pela dissolução e liberação dos íons Ca2+, Al(OH)4- e OH-, (2) formação de uma pequena quantidade de hidratos em forma de gel, se a concentração da solução atingir o limite de supersaturação dos hidratos C2AH8 e AH3 (onde C = CaO, A = Al2O3 e H = H2O), (3) dissolução do sólido até ser atingido o ponto de saturação, (4) período de indução onde os núcleos formados atingirão tamanho e quantidade críticos, (5) precipitação massiva dos hidratos, levando a queda na concentração dos íons da solução e retorno do processo para a situação encontrada na etapa (1) [13].

Pensando somente no aspecto físico, o crescimento dos hidratos e o intertravamento e ligação entre as fases promove o aumento da resistência mecânica [11, 13]. Além disso, devido ao reduzido teor de água utilizado na etapa de mistura e moldagem das amostras, ainda haverá uma quantidade significativa de fases anidras contidas no cimento, que em contato com a água ou SBF (líquidos utilizados no armazenamento dos corpos de prova durante a cura), estas poderão reagir e dar continuidade ao processo de hidratação, resultando no aumento contínuo da resistência mecânica e redução da porosidade entre 1-15 dias (Fig. 2). Por outro lado, a temperatura a que o cimento é exposto modifica significativamente os hidratos resultantes (Tabela III) devido a mudança em suas solubilidades, sendo que a 37 ºC (temperatura corporal) há o favorecimento da precipitação das fases C3AH6 e AH3 no cimento Secar 71 (Fig. 3).



Observou-se que, quando em presença de SBF houve a queda na resistência mecânica do cimento no 3º dia, sendo esta seguida por um aumento significativo (valor máximo = 45,7 MPa) até o 7º dia de cura. Vale destacar também que a reprodutibilidade destes dados foi confirmada por meio da realização de ensaios mecânicos adicionais. No entanto, após 15 dias as amostras mantidas em H2O destilada ou SBF apresentaram resultados muito similares para as duas propriedades avaliadas -resistência mecânica e porosidade aparente.

As mudanças no comportamento do Secar 71 quando em contato com o SBF podem estar relacionadas a presença dos íons PO43-, HPO42- e CO32- que alteram o equilíbrio e induzem algumas mudanças na composição dos produtos finais, especialmente na superfície dos corpos de prova. Alguns trabalhos sugerem que baseados na solubilidade e pH desenvolvidos no meio líquido, a mistura das fases Al(OH)3 e C3AH6 podem ser convertidas em Al(OH)3 e apatita quando em contato com SBF (Eq. A) [2, 10].

Além disso, a presença dos íons CO32- também pode promover a precipitação de CaCO3, quando em um ambiente com elevado pH. Assim, quando o CAC é colocado em contato com soluções corporais, acredita-se que uma zona interfacial contendo uma mistura de diversos produtos precipitados será criada próxima ao local de contato com o líquido. Por outro lado, ao mover-se para o interior da amostra, C3AH6 e Al(OH)3 são as fases dominantes, como verificado nos resultados de DRX (Fig. 3b).

Acredita-se que não foi possível identificar a presença das fases Ca3(PO4)3(OH) e CaCO3 nas amostras do cimento Secar 71, por estas não se encontrarem em suas formas cristalinas ou seus teores estarem abaixo do limite de detecção da técnica de DRX (±5%). Novas investigações ainda são necessárias para compreender e comprovar se tais transformações podem afetar o comportamento mecânico do cimento ao longo dos 15 dias de cura.

De acordo com os resultados de DRX (qualitativo -Fig. 3 e quantitativo -Tabela IV), os principais hidratos identificados foram C3AH6 e AH3, porém outros compostos como CAH10 e C2AH8 estavam presentes em menores quantidades nas condições avaliadas (água ou SBF). Sabe-se que o limite de detecção desta técnica é de ±5% e que, apesar de terem sido identificados, os picos do hidrato C2AH8 apresentaram reduzidos valores de intensidade e área quando comparados com as demais fases presentes. Além disso, os cálculos para a determinação dos teores das fases (análise quantitativa) realizados no programa Topas 4.2 apresentam um desvio médio de ± 1% e, por sua vez, os valores mostrados na Tabela IV para o C2AH8 (entre 0,5 – 2,9%-p) encontram-se próximos da faixa de erro deste procedimento. Contudo, apesar destas observações, optou-se por apresentar aqui tais informações sobre este hidrato, uma vez que seus picos são detectados nos difratogramas da Fig. 3.

Quando em presença de H2O, CAH10 somente foi identificado no 1º e 15º dia de cura. Este fato indica que a ausência deste hidrato no 3º e 7º pode estar relacionada a conversão desta fase, dando origem à C3AH6 e Al(OH)3 que são mais estáveis. Já no 15º dia o re-aparecimento do CAH10 deve ser ocasionado pela hidratação das fases anidras que ainda se encontravam presentes nas amostras ou pelo excesso de água contido no meio. Além disso, pequenos picos do hidrato C2AH8 também puderam ser encontrados nos difratogramas deste cimento, comprovando que mesmo a 37 ºC (condição onde é favorecida a geração das fases C3AH6 e AH3) a formação dos hidratos menos estáveis ainda pode ocorrer devido a grande disponibilidade de água presente no ambiente de cura. O contínuo aumento dos teores das fases C3AH6 e Al(OH)3 ao longo do tempo ocorre em virtude da hidratação do CA e CA2 e/ou pela conversão dos hidratos menos estáveis, conforme esquema mostrado na Fig. 4. No entanto, a presença destes hidratos de maior densidade parece afetar positivamente o comportamento do CAC, promovendo o aumento da resistência mecânica das amostras entre 1-15 dias.


Algumas mudanças significativas foram observadas na evolução das fases do cimento quando em contato com SBF. Por exemplo, CAH10 e C2AH8 aparecem de maneira mais expressiva e, conseqüentemente, menores teores dos demais hidratos estão presentes nesta condição.

Uma hipótese levantada é que a presença dos íons contidos na solução SBF pode estar deslocando o equilíbrio do sistema, atuando como um retardador do processo de hidratação. Por exemplo, sais como o CaCl2, MgCl2 e NaCl (que estão presentes no SBF) são conhecidos por alterarem a seqüência das reações, retardando o tempo de pega do cimento de aluminato de cálcio quando estes são adicionados a este ligante [11]. Estas mudanças devem ser as principais responsáveis pelas alterações verificadas no comportamento do CAC quando comparado com os testes do material mantido em água.

De acordo com os resultados obtidos pela técnica de termogravimetria (curvas de DTG mostradas na Fig. 5), foi confirmada a presença das fases C3AH6 e Al(OH)3 devido ao principal pico de decomposição identificado a ~300 ºC. A temperatura característica onde ocorre a decomposição das fases Al(OH)3 e C3AH6 é mais precisamente em 285 ºC e 300 ºC, respectivamente [11, 14], no entanto estas transformações encontram-se muito próximas e por esta razão apenas um pico principal pode ser observado, considerando a taxa de aquecimento utilizada (10 ºC/min). Além disso, entre 180-240 ºC também pode haver a decomposição do composto C2AH8. Assim, foram encontradas algumas dificuldades com o uso desta técnica para definir e isolar a contribuição de cada hidrato no aumento da taxa de perda de massa entre 180-300 ºC. Água livre e/ou AHx gel e CAH10 também foram identificadas devido a presença de picos próximos a 90 e 160 ºC.


Baseando-se no procedimento descrito no trabalho de Dweck et al. [12] foram realizados alguns cálculos para estimar (de forma indireta, ou seja, pela perda de massa resultante da eliminação da água) as quantidades dos hidratos presentes nos cimentos, a partir das curvas de TG e DTG. A Tabela V apresenta tais resultados e, assim como nas análises dos difratogramas, a presença de C3AH6 e Al(OH)3 parece ser mais intensa nas amostras mantidas em água. A maior perda total de massa das amostras mantidas em SBF decorre da presença mais acentuada dos hidratos CAH10 e C2AH8, uma vez que estas fases contem maiores teores de H2O em suas estruturas.

CONCLUSÕES

De acordo com esta investigação o cimento de aluminato de cálcio Secar 71 apresenta resistência à compressão acima de 30 MPa (ou seja, melhor desempenho quando comparado ao MTA) logo ao primeiro dia de cura. Além disso, até o 15º dia de cura ainda há um contínuo aumento no valor do módulo de ruptura, alcançando valores próximos a 40 MPa para as duas condições testadas, em água ou SBF. As principais fases formadas na estrutura do cimento durante a cura foram C3AH6 e AH3, porém pequenos teores de CAH10, C2AH8 também foram detectados. Quando em contato com SBF, algumas mudanças na quantidade dos produtos de hidratação foram observadas, e estas indicam que possivelmente os íons contidos na solução SBF atuam retardando o processo de hidratação, resultando na variação da resistência mecânica das amostras ao longo dos 15 dias de cura. Baseado nos resultados obtidos pode-se afirmar que o CAC avaliado apresenta um bom comportamento mecânico, atendendo os requisitos mínimos para ser aplicado como um material reparador para tratamentos endodônticos. Além disso, o presente estudo aponta quais as fases presentes que quando associadas à resistência mecânica, indicam rotas para induzir alterações nas propriedades dos cimentos conforme o interesse tecnológico.

AGRADECIMENTOS

Ao Conselho Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecnológico (CNPq) pelo apoio a este trabalho.

Rec. 10/05/2011

Ac. 03/09/2011

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Datas de Publicação

  • Publicação nesta coleção
    21 Jul 2014
  • Data do Fascículo
    Jun 2014

Histórico

  • Aceito
    03 Set 2011
  • Recebido
    10 Maio 2011
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