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Biocerâmicas aditivadas com nióbio (V): avaliação da rota hidrotérmica modificada com ácido cítrico e ureia para obtenção de hidroxiapatitas modificadas

(Niobium (V) doped bioceramics: evaluation of the hydrothermal route modified with citric acid and urea to obtain modified hydroxiapatites)

Resumo

A hidroxiapatita sintética (Ca10(PO4)6(OH)2; HA) devido à propriedade de biocompatibilidade com o tecido ósseo tornou-se um material cerâmico amplamente utilizado na reconstrução óssea. A biocompatibilidade assim como outras propriedades físico-químicas da hidroxiapatita podem ser modificadas por meio da adição de diferentes íons na sua estrutura. O íon nióbio (V) não tem sido empregado comumente na síntese de hidroxiapatitas. O objetivo deste trabalho foi verificar o emprego da rota hidrotérmica na síntese de hidroxiapatita dopada com íon nióbio (V). A rota empregada utiliza o complexo di-hidrogeno tris(oxalato) oxiniobato (V) de amônio trihidratado (NH4H2[NbO(C2O4)3].3H2O), como precursor de íon nióbio (V). A adição de ácido cítrico e ureia na rota hidrotérmica é usada para o controle do pH da síntese e da taxa de precipitação. Amostras pura e aditivada com 5,3 ppm de íon nióbio (V) foram obtidas. A coexistência de outras fases além da hidroxiapatita não foi observada em ambas amostras por meio dos empregos das técnicas de difração de raios X e espectroscopia no infravermelho. Por meio da técnica de FTIR observou-se a presença de grupos funcionais característicos da hidroxiapatita. Na análise por microscopia eletrônica de varredura, verificou-se a formação de aglomerados compostos por partículas arredondadas confirmadas pela técnica de microscopia eletrônica de transmissão. A análise espectroscópica de fluorescência de raios X detectou a presença de nióbio na amostra aditivada obtida. Os resultados apontam que podem ser sintetizadas hidroxiapatitas aditivadas com íon nióbio (V) por meio da rota hidrotérmica, podendo ser considerado como enorme o potencial para a aplicação em biocerâmicas.

Palavras-chave:
biomateriais; hidrotérmica; hidroxiapatita; nióbio

Abstract

Synthetic hydroxyapatite (Ca10(PO4)6(OH)2; HA) has become a widely used ceramic material for bone reconstruction due to its biocompatibility with the bone tissue. This biocompatibility as well as other physical and chemical properties of the hydroxyapatite can be modified by the addition of different ions to its structure. Niobium (V) ion has not been commonly used in the hydroxyapatite synthesis. The objective of this study was to evaluate the use of hydrothermal route in the niobium (V) doped hydroxyapatite synthesis. The route used the niobium ammonium oxalate (NH4H2[NbO(C2O4)3].3H2O) complex as a niobium (V) ion precursor. The addition of citric acid and urea in the hydrothermal route is used for the control of synthesis pH and precipitation rate. Pure sample and sample added with 5.3 ppm of niobium (V) ion were prepared. The coexistence of other phases besides the hydroxyapatite was not observed in any of the samples through the use of X-ray diffraction and infrared spectroscopy (FTIR) techniques. The FTIR technique revealed the presence of hydroxyapatite characteristic functional groups. The scanning electron microscopy analysis showed the formation of agglomerates composed of round particles, confirmed by the transmission electron microscopy technique. The X-ray fluorescence spectroscopic analysis detected the presence of niobium in the doped sample. The results showed that niobium (V) doped hydroxyapatite can be synthesized by means of hydrothermal route, which may be considered as huge potential for future application in bioceramics.

Keywords:
biomaterials; hydrothermal; hydroxyapatite; niobium

INTRODUÇÃO

A hidroxiapatita sintética Ca10(PO4)6(OH)2 é um material que pertence à classe dos ortofosfatos de cálcio. A estrutura cristalina é normalmente hexagonal ou monoclínica com uma razão molar de Ca/P igual a 1,67, a qual se aproxima do valor da hidroxiapatita de origem biológica, por exemplo, a que está presente nos ossos do corpo humano11 G. Ma, X.Y. Liu, Cryst. Growth Des. 9, 7 (2009) 2991.. A aplicabilidade de hidroxiapatitas sintéticas na área de biomateriais é amplamente conhecida e utilizada devido a sua excelente biocompatibilidade, bioatividade, atoxicidade e propriedades não-mutagênicas22 E.C.C. Reis, Braz. Arch. Biol. Technol. 53, 4 (2010) 817.. A estrutura da hidroxiapatita sintética permite que ocorram substituições catiônicas e aniônicas, sendo as substituições dos íons Ca2+ e dos grupos PO4 3- as mais comuns. Essas substituições podem afetar as propriedades físicas, químicas e biológicas, como a cristalinidade, tamanho do cristalito, porosidade, solubilidade, resistência mecânica, biocompatibilidade, entre outras33 D.M. Ibrahim, A.A. Mostafa, S.I. Korowash, Chem. Cent. J. 5 (2011) 74.. A utilização de compostos de nióbio como elementos de substituição na estrutura da hidroxiapatita sintética é ainda bastante incomum e os seus efeitos sobre as propriedades do material formado ainda pouco esclarecidos. O nióbio na forma de seu principal óxido, o pentóxido de nióbio, Nb2O5, tem apresentado na literatura propriedades bioativas, possibilitando seu uso em revestimentos antialérgicos de endopróteses e também como carga de preenchimento em adesivos para dentística44 V.C. Leitune, F.M. Collares, A. Takimi, G.B. Lima, C.L. Petzhold, C.P. Bergmann, S.M. Samuel, J. Dent. 41, 2 (2013) 106.. A adição do pentóxido de nióbio em hidroxiapatita através de moagem e sinterização tem resultado em compósitos com boa sinterabilidade e propriedades mecânicas com uma estrutura densificada com poros interconectados55 W.J. Nascimento, T.G.M. Bonadio, V.F. Freitas, W.R. Weinand, M.L. Baesso, M.W. Lima, Mater. Chem. Phys. 130 (2011) 84..

A morfologia da partícula obtida, a distribuição do tamanho de partícula, a composição química e o estado de aglomeração podem ser requisitos para uma determinada aplicação como biomaterial, devido à influência da composição dos precursores, pH, pressão e temperatura na obtenção de ortofosfatos de cálcio66 J. Liu, X. Ye, H. Wang, Ceram. Int. 29, 6 (2003) 629.. Dentre os processos químicos, a síntese hidrotérmica pode ser uma alternativa para a obtenção de biocerâmicas aditivadas77 X.Y. Zhao, Y.J. Zhu, F. Chen, B.Q. Lu, C. Qi, J. Zhao, J. Wua, Cryst. Eng. Comm. 15 (2013) 7926.. A síntese hidrotermal ou hidrotérmica ocorre com o uso de um solvente e de íons precursores submetidos a aquecimento em uma temperatura normalmente acima da temperatura de ebulição do solvente em uma autoclave fechada com uma pressão interna maior que a atmosférica. Nesta síntese, os mecanismos de nucleação, crescimento e envelhecimento podem ser controlados ajustando-se as necessidades requisitadas. O processo de complexação dos cátions precursores na síntese hidrotérmica com agentes quelantes como EDTA, ácido tartárico e cítrico são bastante comuns, conduzindo a uma maior homogeneidade na formação dos cristais devido ao controle na liberação de íons e possibilitando a obtenção de fases cristalinas e compostos monofásicos88 A.K. Nayak, Int. J. Chem. Tech. Res. 2, 2 (2010) 903.. Devido à influência do pH na formação de ortofosfatos de cálcio, é possível a utilização de agentes de regulação de pH na síntese99 I.Y. Kim, K. Kikuta, C. Ohtsuki, Mater. Sci. Eng. C 31, 7 (2011) 1383..

Este trabalho tem por objetivo verificar a síntese de hidroxiapatita dopada com íon nióbio (V) utilizada para biomateriais utilizando a rota hidrotérmica. Para isso, foi elaborada uma rota hidrotérmica modificada com ácido cítrico para regular o pH inicial da síntese em meio ácido e também provocar a complexação de íons cálcio (II) presentes na solução hidrotermal inicial, enquanto a ureia foi empregada para promover a elevação do pH para meio básico durante a síntese hidrotérmica e, consequentemente, promover a precipitação da hidroxiapatita. Com a intenção de testar o uso de íon nióbio (V) em hidroxiapatitas, o complexo dihidrogeno tris(oxalato) oxiniobato (V) de amônio trihidratado foi introduzido em baixa concentração visando a possibilidade de se sintetizar hidroxiapatitas modificadas com este íon.

MATERIAIS E MÉTODOS

Preparo das amostras: amostra de hidroxiapatita sintética pura, HA, foi preparada utilizando-se solução aquosa de etanoato de cálcio monohidratado (Ca(CH3COO)2, Vetec) com concentração de 0,0835 mol/L e solução aquosa 0,0501 mol/L de monofosfato de amônio anidro - MAP (NH4H2PO4, Ecibra-Cetus). A amostra aditivada com o recursor de nióbio, HA-Nb, foi preparada a partir de solução aquosa do complexo di-hidrogeno tris(oxalato) oxiniobato (V) de amônio trihidratado - CAN (NH4H2[NbO(C2O4)3].3H2O, CBMM) com concentração de 57,6 mg/L do precursor correspondente a 5,3 mg/L de íon nióbio (V).

Rota da síntese utilizada: para o preparo da solução hidrotérmica, 50 mL da solução do precursor de cálcio foi acidificado até pH 4,0 com a adição do ácido 2-hidroxi-1,2,3 propanotricarboxílico monohidratado (C6H8O7.H2O, Vetec), que também serviu como agente de complexação. Em seguida, adicionou-se lentamente 50 mL da solução do precursor de fósforo, com e sem a adição dos íons de nióbio (V). Adicionou-se a ureia como agente de controle do pH e transferiu-se a solução final obtida a uma autoclave de teflon, que foi levada a estufa pelo período de 24 h a 165 °C. Ao final deste período, foi medido o pH final da solução hidrotermal obtida, situando-se na faixa entre 9 a 10, e procedeu-se em seguida à lavagem com água deionizada até pH 7, seguido de filtração simples e secagem do pó obtido em estufa de circulação de ar quente a 110 °C. As soluções resultantes da filtração simples foram rotuladas e armazenadas em frascode vidro âmbar para posterior descarte.

Caracterizações físico-químicas: os pós obtidos foram caracterizados através da análise por difração de raios X (DRX) utilizando-se um difratômetro de raios X Shimadzu XRD-6000, a fim de determinar as fases cristalinas presentes. Os difratogramas obtidos foram comparados com dados encontrados nos bancos de dados do Crystallography Open Database (COD)1010 COD, Crystallographic Open Database, URL:<http://sdpd.univ-lemans.fr/cod/>.
http://sdpd.univ-lemans.fr/cod/...
. Foram realizadas medidas de espectroscopia de absorção na região do infravermelho por transformada de Fourier (FTIR) utilizando um espectrofotômetro FTIR Shimadzu IR Prestigie 21 em uma faixa de leitura de 400 a 4000 cm−1 para se determinar os grupos funcionais presentes nas amostras. A análise da morfologia dos pós obtidos foi realizada utilizando um microscópio eletrônico de varredura Shimadzu - SS 550 com sonda EDX. As amostras foram dispersas em álcool isopropílico e depositadas nos porta-amostras e depois de secas foram metalizadas em evaporadora Shimadzu para deposição de ouro para facilitar a análise microscópica e visualização do formato das partículas. A análise de microscopia eletrônica de transmissão foi realizada utilizando um microscópio eletrônico de transmissão Phillips C-20 com constante de câmera de 1224 pixel x angstrom (Å). As amostras foram submetidas à secagem em estufa por 24 h a 110 °C, acondicionadas em eppendorf e armazenadas em dessecador até ser encaminhada para a análise. As micrografias foram analisadas com o programa ImageJ e, para indexação dos planos cristalinos, os raios dos halos (em pixels) foram medidos por três vezes com o programa Diffraction Ring Profiler for Windows v.1.7, sendo que a distância interplanar (dhkl) foi calculada usando-se a Equação A:

O pó aditivado foi caracterizado por espectroscopia de fluorescência de raios X. Os teores dos elementos foram determinados por análise sem padrões (standarless) de elementos químicos do flúor até o urânio em espectrômetro de fluorescência de raios X PANalytical Axios Advanced. Os resultados foram expressos em % de óxido em base calcinada normalizada a 100%.

RESULTADOS E DISCUSSÃO

Através da técnica de difração de raios X foram obtidos difratogramas apresentados na Fig. 1; em todas as amostras nota-se a concordância e predominância da fase de hidroxiapatita, segundo a comparação com o padrão do banco de dados COD 1011242 (pontilhado no difratograma da amostra HA).

Figura 1
Difratogramas de raios X das amostras HA e HANb obtidas por síntese hidrotérmica. As linhas verticais (|) correspondem ao padrão de hidroxiapatita COD 1011242. [Figure 1: X-ray diffraction patterns of the samples HA and HA-Nb after hydrothermal synthesis. The vertical lines (|) are from COD 1011242 pattern of hydroxyapatite.]

Para a amostra sem aditivação (HA), considerando-se os precursores de cálcio e fósforo empregados e os resultados obtidos, tem-se possivelmente a reação da síntese segundo a Equação B:

Esta possível reação química mantém a razão atômica Ca/P igual a 1,67, justificando a concordância da fase cristalina da amostra HA com o padrão COD 1011242. Na amostra HA-Nb que teve a dopagem de 5,76 ppm do complexo amoniacal de nióbio (CAN) é plausível que íons de Nb (V) possam se incorporar na estrutura da hidroxiapatita sem a formação de outras fases, permanecendo na estrutura da hidroxiapatita sem a formação de fases contendo nióbio, conforme visto nos resultados da difração de raios X.

Tem sido sugerido que o monômero aniônico H4NbO6 3- é mais favorável à incorporação substitucional na hidroxiapatita nas posições do grupo PO4 3-, devido à semelhança nos raios iônicos e à estabilidade eletrônica1111 M. Tamai, K.J. Isama, J. Kazuo, J. Artif. Organs 10 (2007) 22.. Levando-se em conta o pH da síntese utilizado neste trabalho e a literatura citada, as espécies trivalentes como o ânion [NbO2(OH)4]3- e H4NbO6 3- e até espécies monovalentes como o oxoaníon NbO3 - poderiam estar presentes e ocasionar uma possível substituição em sítios da hidroxila, sendo uma explicação plausível para a possibilidade de substituição, assim como ocorre nas substituições amplamente conhecidas de grupos fosfatos com grupos carbonatos.

A complexidade química em solução aquosa do CAN, com a possibilidade de surgimento de diversas espécies químicas durante o processo hidrotérmico que induz a hidrólise de seus componentes, dificulta a avaliação inicial dos resultados. Uma possível e suposta reação substitucional na amostra aditivada com 5,76 ppm do precursor de nióbio nos sítios de grupos fosfatos PO4 3- poderia ser proposta como a reação da Equação C:

A incógnita x é um valor estequiométrico que varia de acordo com o grau de substituição dos grupos fosfatos. Para uma substituição nos sítios de hidroxila OH-, tem-se a possível reação da Equação D:

No entanto, é possível até a ocorrência de ambas as substituições nos grupos fosfato e hidroxila, assim como ocorre nas substituições dos grupos carbonatos1212 T. Toru, T. Ikoma, T. Yoshioka, H. Nobutaka, T. Junzo, J. Mater. Sci. 45 (2010) 2419., como também o aparecimento de outras espécies contendo nióbio, o que leva a necessidade de estudos posteriores para elucidação do mecanismo de formação dos compostos nesta rota hidrotérmica.

Analisando os dois difratogramas das duas amostras não foi encontrada correlação com outras fases cristalinas de ortofosfatos de cálcio plausíveis de se formarem durante a síntese, como o fosfato de cálcio hidratado (Ca3(PO4)2.xH2O), fosfato de cálcio pentahidratado, (Ca8H2(PO4)6.5H2O), fosfato tetracálcico (Ca4P2O9) e fosfato dicálcio dihidratado (CaHPO4·2H2O), e pode-se creditar ao uso da rota hidrotérmica modificada com controle da faixa de pH de precipitação que possibilita a precipitação preferencial da hidroxiapatita.

A análise espectroscópica FTIR foi feita com objetivo de confirmar as fases identificadas na análise por DRX sendo que os espectros de absorção na região do infravermelho estão apresentados na Fig. 2. A amostra HA apresentou os principais modos de absorção característicos da hidroxiapatita, representados pelas bandas com número de onda em 3568, 3416, 1572, 1454, 1422, 1034, 960,6, 873,8, 603,7, 567,1 e 347,2 cm-1. A banda em 3568 cm-1 foi atribuída ao grupo hidroxila OH- estrutural, 3416 cm-1 à presença de H2O, 1572 cm-1 à substituição do grupo OH- por um grupo CO3 2-, e as bandas em 1454, 1422 e 873,8 cm-1 atribuídas ao grupo carbonato CO3 2-, que está provavelmente substituindo grupos fosfatos PO4 3-, enquanto a banda em 1034 cm-1 foi atribuída ao grupo PO4 3- no modo dobramento ν3, em 960,6 cm-1 ao grupo PO4 3- em estiramento ν1, em 603,7 cm-1 ao grupo PO4 3- em modo dobramento ν4, em 567,1 cm-1 ao grupo PO4 3- em modo dobramento ν4 e a 347,2 cm-1 ao grupo hidroxila.

Figura 2
Espectros de infravermelho das amostras HA e HA-Nb entre 400-4000 cm-1. [Figure 2: Infrared spectra of the samples HA and HA-Nb between 400-4000 cm-1.]

A amostra aditivada com 5,76 ppm do CAN mostrou os principais modos de absorção característicos da hidroxiapatita e praticamente o mesmo resultado que a amostra não aditivada, provavelmente devido à baixa quantidade de aditivação. Observaram-se as bandas com número de onda em 3566, 3424, 1568, 1454, 1418, 1045, 1028, 960,6, 873,8, 603,7, 567,1 e 468,7 cm-1, sendo a banda em 3566 cm-1 assinalada ao grupo hidroxila OH- estrutural, 3424 cm-1 à presença de H2O, 1454 e 1418 cm-1 atribuídas à substituição tipo B do grupo carbonato CO3 2-, 1045 e 1028 cm-1 ao grupo PO4 3- no modo dobramento ν3, em 960,6 cm-1 ao grupo PO4 3- em estiramento ν1, em 603,7 cm-1 ao grupo PO4 3- no modo dobramento ν4, em 567,1 cm-1 ao grupo PO4 3- no modo dobramento ν4 e uma banda em 472,6 cm-1 ao dobramento ν2 do grupo PO4 3-. Uma banda em 1568 cm-1 indica a substituição do grupo hidroxila OH- pelo grupo carbonato CO3 2-, de modo que provavelmente tenha ocorrido uma substituição do tipo AB na rede cristalina das amostras. A substituição do tipo AB provoca uma diminuição da cristalinidade das amostras e alterações nos parâmetros cristalinos da amostra.

Os resultados da caracterização por espectroscopia de absorção do infravermelho concordaram com os valores encontrados na literatura1313 A.F. Khan, M. Awais, A.S. Khan, S. Tabassum, A.A. Chaudhry, I.Ur Rehman, Appl. Spectrosc. Rev. 48, 4 (2013) 329.. No estudo de hidroxiapatitas nanocarbonatadas obtidas por síntese hidrotérmica, foi creditado ao íon carbonato CO3 2- o aumento do parâmetro de rede a e a diminuição do parâmetro de rede c, quando ocorre a substituição do tipo A, e a diminuição do parâmetro de rede a e o aumento do parâmetro de rede c, quando da substituição do tipo B, pelo fato do comprimento da ligação P-O ser menor que o comprimento da ligação C-O1414 X. Xiao, R. Liu, Q. Huang, X. Ding, J. Mater. Sci. - Matter. Med. 20, 12 (2012) 2375.. O uso do MAP como precursor de fósforo poderia originar fosfatos de cálcio, como a hidroxiapatita deficiente em cálcio (CDHA), devido à dissociação do sal em solução aquosa que libera os íons de HPO4 2-, assim como a formação do fosfato de octacálcio (OCP, Ca8(HPO4)2(PO4)4.5H2O). Em estudo de decomposição da ureia para precipitação da hidroxiapatita, são citadas reações de transformação do OCP em hidroxiapatita, como apresentadas nas Equações E e F 1515 W. Xia, C. Lindahl, C. Persson, P. Thomsen, J. Lausmaa, H. Engovist, J. Biomater. Nanobiotechnol. 1 (2010) 7.:

Isto sugere uma possível formação de compostos metaestáveis durante a síntese hidrotérmica, que poderiam ocasionar a formação de outros ortofosfatos de cálcio como o OCP e CDHA, mas, segundo a análise da difração de raios X e espectroscopia no infravermelho, mesmo que tenha ocorrida a formação de outros compostos, a transformação em função do tempo de síntese hidrotérmica (24 h) foi completa para a fase de hidroxiapatita, em função da estabilidade desta fase no pH final da síntese, atingido após a decomposição da ureia.

Através da análise de espectroscopia por fluorescência de raios X (FRX), confirmou-se definitivamente a presença de nióbio na amostra HA-Nb. A análise química obtida através da fluorescência de raios X para esta amostra está apresentada na Tabela I. A análise foi realizada de forma semiquantitativa devido à pouca quantidade de amostra disponível e foi realizada sem padrões o que torna possível apenas a confirmação da presença do nióbio na amostra. É possível uma verificação que a razão atômica entre Ca/ (Nb+P) está próxima a 2,0, o que pode indicar a formação de uma hidroxiapatita modificada em relação à razão atômica de 1,67 da hidroxiapatita pura.

Tabela I
Análise elementar obtida por frx da amostra HA-Nb. [Table I - Elemental analysis from FRX of sample HA-Nb.]

A Fig. 3 apresenta os resultados morfológicos das amostras obtidas pela técnica de microscopia eletrônica de varredura. A amostra HA apresentou uma morfologia com predominância de aglomerados formados por placas irregulares (Figs. 3A e 3B), enquanto na amostra HANb a morfologia dominante é a formação de aglomerados arredondados (Figs. 3C e 3D). Examinando a morfologia da amostra HA-Nb por microscopia eletrônica de transmissão (Figs. 4C e 4D), nota-se que o aglomerado é composto pela união de outros aglomerados menores. O aglomerado da Fig. 4C apresentou um diâmetro médio equivalente de 190 nm. Estes aglomerados (Fig. 4D) são formados por partículas de tamanho nanométrico com diâmetro médio de 17 nm com formato predominante de bastonete (rod). As análises no programa ImageJ forneceram para o aglomerado da Fig. 4C uma circularidade de 0,893 devido à irregularidade da forma e uma convexidade de 0,926, o que indica um sólido compacto e relativamente regular com algum espaçamento superficial. Segundo resultados reportados1515 W. Xia, C. Lindahl, C. Persson, P. Thomsen, J. Lausmaa, H. Engovist, J. Biomater. Nanobiotechnol. 1 (2010) 7., as partículas de hidroxiapatita com formatos de placas, bastões e fibras possuem maior área superficial e melhor adsorção molecular que outros materiais como sílica, quantum dots e nanotubos de carbono, sendo citado que estes formatos potencializam o seu uso em compósitos de biomateriais como cimentos ósseos, que exigem melhor resistência mecânica, e desta forma há uma clara potencialidade de aplicações em biomateriais para o material obtido neste trabalho com a aditivação de íon nióbio.

Figura 3
Micrografias obtidas por microscopia eletrônica de varredura das amostras: (A, B) HA; e (C, D) HA-Nb. [Figure 3: SEM micrographs of the samples: (A, B) HA; and (C, D) HA-Nb.]

Figura 4
Micrografias obtidas em microscópio eletrônico de transmissão da amostra HA-Nb: (A) padrão de difração de elétrons de área selecionada; (B) indexação do padrão de difração de elétrons; (C) aglomerado arredondado formado; e (D) partículas não-aglomeradas da amostra. [Figure 4: TEM micrographs of the sample HA-Nb: (A) selected area electron diffraction pattern; (B) indexing of electron diffraction pattern; (C) rounded agglomerated of particles; and (D) non-agglomerated particles of sample.]

Aditivos, como citrato de sódio, polietileno glicol, EDTA, PVA e dendrímeros, têm sido bastante empregados para controle da morfologia, originando micro e nanofibras, hastes, elipsoides e outras morfologias. O EDTA, por exemplo, atua como um agente quelante para os íons de cálcio (II) e evita a formação de DCPD e OCP, resultando em uma diminuição da nucleação da hidroxiapatita e o crescimento ao longo do eixo "c", o que provoca um alongamento da partícula e leva à formação de partículas tipo whisker1616 Z. Qinfu, Appl. Surf. Sci. 257, 23 (2011) 10126.. A presença nesta rota hidrotérmica de elementos capazes de promover uma maior complexação dos íons Ca(II) e Nb(V) pode ter influenciado na morfologia arredondada e aglomerada das partículas, resultando em uma maior organização morfológica nas amostras com nióbio (V) do que na amostra não aditivada HA.

O padrão de difração de elétrons obtido por microscopia eletrônica de transmissão (Fig. 4A) mostra a formação de halos que indicam a policristalinidade da amostra HANb. Os resultados da indexação destes halos podem ser observados na Fig. 4B e na Tabela II.

Tabela II
Indexação dos halos do padrão de difração de elétrons da amostra HA-Nb. [Table II - Indexing SAED pattern of HA-Nb sample.]

Observa-se a correlação dos valores de distância interplanar (dhkl) calculados a partir dos raios medidos dos halos de difração com os da hidroxiapatita, conforme dados da base cristalográfica Crystmet 501568, e a identificação dos respectivos planos cristalográficos (hkl). A distância interplanar de 2,817 Å é relacionada aos planos (121) e (211), sendo este plano o de maior intensidade (I=100); o mesmo ocorre com a distância interplanar de 2,152 Å, em que o plano de maior intensidade é o plano (311) de intensidade igual a 8. Levando-se em conta a solubilidade de fosfatos de cálcio e as condições da síntese ao qual partiu de um meio ácido, onde a fase de hidroxiapatita é instável, a tendência inicial seria a possível formação de fosfato de cálcio amorfo com posterior transformação para a fase de hidroxiapatita durante a realização da síntese. Portanto, pode-se averiguar pelo resultado que o uso de um tempo longo de síntese (24 h) e o pH final adotado permitiu que uma possível formação de fosfato de cálcio amorfo proporcionasse a transformação na fase cristalina de hidroxiapatita, o que demonstra a concordância com os resultados da difração de raios X.

CONCLUSÃO

A adição de nióbio na síntese hidrotérmica de hidroxiapatita sintética na proporção de 5,2825 ppm de íon nióbio (V) aparentemente não resultou na formação de outras fases, como óxidos de nióbio e niobatos de cálcio. O desempenho das hidroxiapatitas modificadas ou não está muito relacionada à morfologia, ao tamanho da partícula e a estruturação dimensional1717 C. Chen, Z. Huang, W. Yuan, J. Li, C. Xiaokun, C. Ruan, Cryst. Eng. Comm. 13 (2011) 1632. e neste trabalho pode-se verificar estas influências. O uso de um precursor de íon nióbio (V) para obtenção de hidroxiapatita modificada foi possível com o uso da rota hidrotérmica alterada com aditivos para controle da taxa de precipitação e pH final da síntese. Trabalhos futuros atentam para o estudo de concentrações mais elevadas e estudos de citocompatibilidade que caracterizem a amostra obtida como um material bioativo para uso em reparo e regeneração óssea, com estruturas esféricas e porosas que favorecem o carregamento e liberação de fármacos e genes.

AGRADECIMENTOS

Os autores agradecem ao apoio financeiro da CAPES/PNPD, CNPq, Fundação Araucária e às análises realizadas pelos laboratórios: Complexo de Laboratórios Multiusuários (C-LABMU) da UEPG, Laboratório Interdisciplinar de Microscopia do curso de Engenharia de Materiais da UEPG, Grupo de Física Aplicada a Solos e Ciências Ambientais do Departamento de Física da UEPG e Laboratórios de Microscopia do Instituto de Química - UNESP Araraquara - SP.

REFERÊNCIAS

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Datas de Publicação

  • Publicação nesta coleção
    Jan-Mar 2016

Histórico

  • Recebido
    03 Out 2014
  • Revisado
    22 Set 2015
  • Aceito
    02 Out 2015
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