Acessibilidade / Reportar erro

Processamento e caracterizações estruturais, microestruturais e ferroelétricas do composto magnetoelétrico BiFeO3-PbTiO3 obtido pelo método de Pechini

Processing and structural, microstructural and ferroelectric characterizations of the magnetoelectric BiFeO3-PbTiO3 compound obtained by Pechini method

Resumo

Neste trabalho uma rota alternativa de síntese, o método de Pechini modificado, foi utilizada para obter nanopartículas do composto BiFeO3-PbTiO3 (BFPT). As imagens obtidas por microscopia eletrônica de varredura revelaram tamanhos de partículas inferiores a 120 nm. Análises estruturais apontaram a organização estrutural do composto (formação de estruturas com simetria tetragonal) como função da temperatura de síntese. Cálculos da polarização espontânea indicaram a intensidade alcançada no composto BFPT. As análises de densidade eletrônica obtidas pelo método da máxima entropia indicaram a configuração das ligações químicas presentes no composto.

Palavras-chave:
piezoelétrico; ferroelétrico; magnetoelétrico; BiFeO3-PbTiO3

Abstract

In this work an alternative synthesis route, the modified Pechini method, was used to obtain nanoparticles of the BiFeO3-PbTiO3 (BFPT) compound. The scanning electron microscopy images revealed particle sizes below 120 nm. Structural analysis showed the structural organization of the compound (structure formation with tetragonal symmetry) as function of synthesis temperature. Calculations indicate spontaneous polarization intensity achieved in the BFPT compound. The analysis of electron density obtained by the maximum entropy method indicated the configuration of the chemical bonds present in the compound.

Keywords:
piezoelectric; ferroelectric; magnetoelectric; BiFeO3-PbTiO3

INTRODUÇÃO

Nas últimas décadas, a busca por novas tecnologias tem movido a comunidade científica, acadêmica e industrial 11 L.H. VanVlack, Propriedades dos Materiais Cerâmicos, Edgar Blücher Ltda, S. Paulo, Brasil (1973) 12.. Tal busca se concentra na inovação de dispositivos do dia a dia das pessoas, pensados para proporcionar-lhes maior conforto e comodidade. No entanto, para continuar avançando, tornou-se necessário o desenvolvimento primário de materiais com propriedades específicas que possam ser utilizados para melhorar o desempenho, miniaturizar e, principalmente, reduzir os custos de tais dispositivos. Neste sentido, os materiais multifuncionais têm surgido como potenciais candidatos para suprir boa parte dessas necessidades. Materiais multifuncionais apresentam duas propriedades, ou mais, as quais podem ser aplicadas, separadamente ou simultaneamente, na confecção de um mesmo dispositivo, o que deve reduzir seus custos, melhorar seu desempenho e diminuir suas dimensões 22 N.A. Spaldin, M. Fiebig, Science 309 (2005) 391.. Dentre a classe de materiais multifuncionais encontram-se aqueles que possuem duas ou mais ordens ferróicas, denominados multiferróicos. As ordens ferróicas que um material multiferróico pode possuir são: a ferroeletricidade, o fraco-antiferromagnetismo e/ou a ferroelasticidade 33 R. Ramesh, N.A. Spaldin, Nat. Mater. 6 (2007) 21.. Um material que apresente ordenamento ferroelétrico acoplado a ordens magnéticas e/ou vice-versa é chamado de magnetoelétrico 44 W. Eerenstein, N.D. Mathur, J.F. Scott, Nature 442 (2006) 759.. Esse material, por sua vez, pode ser utilizado para confeccionar avançados dispositivos de armazenamento de dados (como as memórias para computadores), no qual ambas as ordens são utilizadas 55 M. Bibes, A. Barthélémy, Nat. Mater. 7 (2008) 425.. Tais dispositivos, construídos a partir de materiais magnetoelétricos, teriam velocidades de comunicação maiores que os dispositivos convencionais. Além disso, a capacidade de armazenamento de dados pode ser ampliada nesses dispositivos devido ao armazenamento de dados magnéticos e elétricos em um mesmo cluster (local de armazenamento). De fato, nos materiais em que o acoplamento magnetoelétrico ocorre, um campo magnético ou um campo elétrico, aplicado externamente, pode reorientar ordens magnéticas e elétricas simultaneamente e ambas as ordens podem ser alocadas em um mesmo espaço físico.

Os materiais compostos por BiFeO3 estão sendo apontados como possíveis candidatos para as aplicações magnetoelétricas, tornando-se foco de inúmeras pesquisas dessa área 66 G. Catalan, J.F. Scott, Adv. Mater. 21 (2009) 1.. No entanto, suas respostas magnéticas, elétricas e, consequentemente, magnetoelétricas ainda são limitadas para seu uso nos dispositivos citados. Um candidato promissor para essas aplicações é o composto BiFeO3-PbTiO3 (BFPT), o qual apresenta boas perspectivas para a confecção dos dispositivos magnetoelétricos 77 A. Sigh, A. Grupta, R. Chatterjee, App. Phys. Lett. 93 (2008) 022902.), (88 N. Wang, J. Cheng, A. Pyatakov, A.K. Zvezdin, J.F. Li, L.E. Cross, D. Viehland, Phys. Rev. B 72 (2008) 104434.. De fato, o composto BFPT apresenta propriedades ferroelétricas 99 V.F. Freitas, L.F. Cótica, I.A. Santos, D. Garcia, J.A. Eiras, J. Eur. Ceram. Soc. 31 (2011) 1965., piezelétricas 1010 V.F. Freitas, I.A. Santos, E.R. Botero, B.M. Fraygola, D. Garcia, J.A. Eiras, J. Am. Ceram. Soc. 94 (2010) 754., elétricas e magnéticas (ordens antiferromagnética e ferromagnética fracas) 1111 L.F. Cótica, F.R. Estrada, V.F. Freitas, G.S. Dias, I.A. Santos, J.A. Eiras, D. Garcia, J. Appl. Phys. 111 (2012) 114105., todas estáveis a altas temperaturas e completamente controláveis/ajustáveis como, por exemplo, a adição de La. No entanto, as respostas magnetoelétricas do composto BFPT ainda precisam ser melhoradas para que este se torne competitivo frente a materiais compósitos 1212 C.-W. Nana, M.I. Bichurin, S. Dongb, D. Viehland, G. Srinivasan, J. Appl. Phys. 103 (2008) 031101.. Neste contexto, os atuais esforços de pesquisa nessa área estão sendo empregados com o intuito de se maximizar as respostas elétricas, magnéticas e/ou magnetoelétricas dos compostos para que esses materiais possam ser utilizados em dispositivos comerciais competitivos. Uma rota alternativa, na maximização das ordens ferróicas desses sistemas, pode ser obtida reduzindo significantemente, para a escala nanométrica, o tamanho das partículas dos compostos e, consequentemente, dos grãos que compõem as cerâmicas e/ou filmes finos magnetoelétricos. De fato, sua nanoestruturação deve diminuir a quantidade de energia necessária para reorientar domínios ferroelétricos e magnéticos e, com isso, simultaneamente diminuir o tempo de reorientação e aumentar a resposta magnetoelétrica. Algumas teorias, bastante aceitas, indicam ainda a possibilidade da mudança das respostas magnéticas em sistemas nanoestruturados, como é o caso do comportamento superparamagnético no qual nanodomínios magnéticos se comportam como um paramagnético com altíssima resposta magnética 1313 C.P. Bean, J.D. Livingston, J. Appl. Phys. 30 (1939) 120S.)-(1515 M. Knobel, Rev. Bras. Ensino Física 22 (2000) 387.. O principal desafio encontrado para os estudos das respostas propriedades-nanoestrutura desses materiais está, justamente, na produção das nanopartículas de materiais magnetoelétricos.

Os compostos, possíveis magnetoelétricos, com base na ferrita de bismuto como o PbTiO3-BiFeO3, podem ser obtidos por diferentes rotas de sínteses; as mais comuns são a mistura convencional de pó 1616 V. Kothai, A. Senyshyn, R. Ranjan, J. App. Phys. 113 (2013) 084102 e a moagem em altas energias 1717 V.F. Freitas, L.F. Cótica, I.A. Santos, D. Garcia, J.A. Eiras, J. Eur. Cer. Soc. 31 (2011) 2965.. Essas rotas, no entanto, comumente processam materiais com tamanhos micrométricos de partículas (mistura) ou uma larga distribuição de tamanhos (moagem). Síntese de monocristais também são relatadas para a produção desses materiais, no entanto essas rotas são conhecidas pela dificuldade e custo de produção 1818 T.L. Burnett, T.P. Comyn, A.J. Bell, J. Crys. Grow. 285 (2005) 156.. Recentemente, a sinterização por spark plasma foi apontada como alternativa para inibir crescimento de grãos 1919 V. Trombini, E.M.J.A. Pallone, Z.A. Munir, R. Tomasi1, Cerâmica 53 (2007) 62.), (2020 Q. Jiang, D. Wang, F. Liu, Proc. Eng. 27 (2012) 598.. No entanto, ela ainda está condicionada a matérias nanométricas de partida e a processos de oxidação pós-sinterização, necessários ao aumento de resistividade das amostras reduzidas que são formadas. Alguns poucos trabalhos apresentando resultados para nanopartículas de BiFeO3-PbTiO3 obtidas pelas técnicas de moagem mecânica em altas energias 2121 M.A. Khan, T.P. Comyn, A.J. Bell, J. Am. Ceram. Soc. 88 (2005) 2608. e por coprecipitação 2222 T.P. Comyn, D.F. Kanguwe, J. He, A.J. Bell, J. Eur. Cer. Soc. 28 (2008) 2233. são encontrados. Nesses trabalhos a rota química por coprecipitação se mostrou mais eficiente para obtenção de nanopartículas (20-75 nm) e com menor distribuição do que por moagem (40-600 nm). Alternativamente, o método de Pechini modificado pode ser utilizado para sintetização de compostos nanométricos, com tamanhos controlados, com baixa dispersão e tamanhos bastante reduzidos. De fato, o refreamento ou interrupção da reação química de polimerização no método de Pechini pode ser usada para controlar os tamanhos de partículas e obter compostos com tamanhos extremamente pequenos. Neste trabalho, uma rota alternativa à síntese das nanopartículas foi adotada com o intuito de maximizar as respostas multiferróicas e magnetoelétricas do composto BFPT, tornando-o mais promissor às aplicações magnetoelétricas. Assim, o método de Pechini modificado (MPM) foi utilizado para obter nanopartículas do composto BFPT, as quais foram posteriormente caracterizadas objetivando revelar seu potencial em aplicações. Por fim, investigações abrangendo suas ligações químicas por meio do estudo das densidades eletrônicas e caracterizações estruturais, microestruturais e ferroelétricas indicaram o potencial do composto BFPT nanoestruturado para as aplicações magnetoelétricas.

MATERIAIS E MÉTODOS

O composto (0,6)BiFeO3-(0,4)PbTiO3 (BFPT) foi sintetizado por MPM 2323 C.A. Oliveira, E. Longo, J.A. Varela, M.A. Zaghete, Ceram. Int. 40 (2014) 1717.. Reagentes de pureza analítica Bi(NO3)3.5H2O (Sigma-Aldrich), Pb(NO3)2 (Sigma-Aldrich), Fe(NO3)3.9H2O (Sigma-Aldrich), Ti(OC3H9)4 (Sigma-Aldrich) foram misturados em ácido cítrico na proporção 1:4 sob agitação térmica. Em seguida, a solução com concentração específica (60/40) foi homogeneizada em agitação constante em 90 ºC. Por fim, foi adicionado etileno glicol na proporção de 1:16 (solução/etileno) para formar um composto de poliéster, na qual os íons são aprisionados. A solução permaneceu sob agitação até o fim da reação de polimerização, verificada pela mudança de coloração. Em seguida, a solução foi seca em estufa por 12 h a 70 ºC. Para remover o polímero, a solução foi calcinada em forno resistivo (atmosfera de ar) por 3 h a 400 ºC. Na sequência, os pós foram tratados termicamente a 800 e 1000 ºC por 10 h em ar.

Inicialmente foi realizada análise térmica (DTA) do composto obtido, em um analisador da TA Instruments, SDT-Q600, até a temperatura de 1200 ºC, com taxa de aquecimento e resfriamento de 10 ºC/min, com atmosfera de Ar em um fluxo de 100 mL/min. Análises microestruturais foram realizadas por meio de microscopia eletrônica de varredura (MEV) em um microscópio da Shimadzu SS-550 Super-Scan. Nessa análise, aglomerados de partículas com diferentes tamanhos foram separados por meio da diluição em acetona. O sobrenadante, contendo apenas os aglomerados menores, foi transferido diretamente para um cilindro polido (porta mostra) do microscópio. Uma refinada filtragem das imagens obtidas por MEV foi realizada usando técnicas de equalização de contraste por meio de histogramas adaptativos limitados (CLAHE) 2424 K. Zuiderveld, Contrast limited adaptive histogram equalization: Graphics gems IV, Academic Press Professional, Inc. San Diego - CA, USA (1994) 474.. Os padrões de difração de raios X (DRX) foram obtidos usando um difratômetro Shimadzu XRD-7000 X-ray (radiação Cu Kα, λ = 1,54056 Å). Os dados de DRX foram analisados pelo método de refinamento estrutural Rietveld usando o software FullProf 2525 J. Rodriguez-Carvajal, Physica B 192 (1993) 55.. Os cálculos de polarização espontânea foram obtidos por meio do novo modelo geométrico de polarização ferroelétrica, do inglês GFP 2626 V.F. Freitas, D. Maschio, R.Y. Miyahara, J.A. Eiras, D. Garcia, L.F. Cótica, R. Guo, A.S. Bhalla, I.A. Santos, J. Phys.: Condens. Matter, sob publicação.. Por este método, os parâmetros estruturais, como parâmetros de rede, ângulos, posições atômicas de cátions e aníons, são obtidos por refinamento Rietveld e o dipolo elétrico é obtido "classicamente" a partir do centro de cargas positivas e negativas. Os mapas de densidade eletrônica foram calculados usando os mapas de Fourier e suas transformadas através do método da máxima entropia no software VESTA (Visualization for Electronic and Structural Analysis - 3.0.7) 2727 F. Izumi, K. Momma, Sol. St. Phenom. 130 (2007) 15.), (2828 M. Yashima, N. Sirikanda, T.J. Ishihara, Am. Chem. Soc. 132 (2010) 2385..

RESULTADOS E DISCUSSÃO

Uma análise estrutural prévia via DRX do composto BFPT sintetizado por MPM é apresentada na Fig. 1. O padrão de difração obtido apresenta picos alargados característicos de estruturas que não proporcionam um espalhamento de longo alcance, como por exemplo estruturas nanométricas. Resultados semelhantes foram observados em outros trabalhos 2121 M.A. Khan, T.P. Comyn, A.J. Bell, J. Am. Ceram. Soc. 88 (2005) 2608.), (2222 T.P. Comyn, D.F. Kanguwe, J. He, A.J. Bell, J. Eur. Cer. Soc. 28 (2008) 2233.. Os picos foram todos indexados com o padrão de difração da estrutura perovskita do grupo espacial P4mm com simetria tetragonal. A imagem obtida por MEV para o composto BFPT sintetizado por MPM (400 ºC/3 h) é apresentada no quadro inserido (i) na Fig. 1. No limite da capacidade do microscópio, partículas com tamanhos inferiores a 200 nm foram observadas em um aglomerado, característicos do método de síntese utilizado (MPM). As partículas foram observadas com formas preferencialmente esféricas e estavam bastante aglomeradas, comum não somente ao tipo de síntese, mas também para esse tamanho de partículas. Além disso, um histograma de tamanhos de partículas (Fig. 1 - inserção (ii)) indica uma distribuição de tamanhos centrada em 100 nm em um intervalo que se inicia em 40 nm e ultrapassa os 200 nm. Esses tamanhos de partículas são muito interessantes para as propriedades ferroelétricas e magnéticas. Isso porque a diminuição dos tamanhos de partículas pode acarretar na diminuição da energia necessária para se chavear/orientar dipolos ferroelétricos e magnéticos. De fato, é esperado que a nanoestruturação possa diminuir o tamanho dos domínios ou ainda transformá-los em monodomínios. Dessa forma, os campos elétrico e/ou magnético necessários para chavear tais domínios seriam menores e isso acarretaria em uma gama de novos dispositivos mais rápidos e econômicos.

Figura 1:
Difratograma de raios X para o composto (0,6)BiFeO3- (0,4)PbTiO3 sintetizado pelo método de Pechini modificado. (i) Imagem de microscopia eletrônica de varredura do composto BFPT obtido pelo método de Pechini modificado. (ii) Histograma de tamanhos de partículas.
Figure 1:
X-ray diffraction pattern for (0.6)BiFeO3-(0.4)PbTiO3 compound synthesized by the modified Pechini method. (i) Scanning electron microscopy image of the BFPT compound obtained by modified Pechini method. (ii) Histogram of particle sizes.

A análise térmica diferencial (DTA) do composto BFPT foi utilizada para se determinar as temperaturas de possíveis transições estruturais. Estas análises são de especial interesse para se encontrar uma possível temperatura para a sinterização do composto e são apresentadas na Fig. 2. Foram identificadas algumas temperaturas: TiC é a temperatura inicial de cristalização, a partir da qual, possivelmente, as partículas nanométricas começam a absorver energia para crescer, formando cristalitos com cristalinidade de longo alcance; TfC é a temperatura final de cristalização, na qual os cristalitos já crescidos se cristalizam totalmente na simetria tetragonal; TF é a temperatura de fusão (inferido da forma final da amostra) onde o composto muda do estado sólido para o líquido (destacada no quadro inserido (i)) e TS é a temperatura de solidificação, quando o composto no estado líquido é resfriado e retorna ao estado sólido. Outra constatação bastante relevante é o fato de que a transição ferroelétrica-paraelétrica, que envolve uma transição estrutural da simetria tetragonal para cúbica, não foi observada. Essa transição, bastante conhecida, ocorre por meio de uma reação endotérmica e é inteiramente reversível, tendo sido observada ao redor de 650 ºC 2929 V.F. Freitas, T.G.M. Bonadio, G.S. Dias, O.A. Protzek, A.N. Medina, L.F. Cotica, I.A. Santos, D. Garcia, J.A. Eiras, J. Appl. Phys. 113 (2013) 114105.. Isso pode ser decorrente do tamanho reduzido de partículas, o qual pode ter reduzido a energia necessária para fusão e mantido a estrutura com simetria tetragonal estável durante a análise. De fato, o aumento do tamanho de partículas pode ter utilizado toda a energia aplicada ao composto, na análise rápida (10 ºC/min) por DTA, e a estrutura tetragonal manteve-se estável em todo a faixa de temperatura. No entanto, outras análises, como difração de raios X em função da temperatura, serão necessárias para o melhor entendimento da termodinâmica do sistema em análise. À parte isso, duas temperaturas foram investigadas, TiC e TfC, nas quais o composto, produto da reação por MPM, foi calcinado. Os resultados são apresentados na sequência.

Figura 2:
Análise térmica diferencial do composto (0,6)BiFeO3-(0,4)PbTiO3 obtido pelo método de Pechini modificado em 400 ºC/3 h. (i) Destaque no quadro inserido para a transição de fusão no composto.
Figure 2:
Differential thermal analysis of the (0.6)BiFeO3-(0.4) PbTiO3 compound obtained by modified Pechini method at 400 °C/3 h. (i) Inset: highlighted melting transition.

Os resultados das análises por DRX do composto BFPT são apresentados na Fig. 3, nos quais é possível ver a organização estrutural resultante das diferentes temperaturas de calcinação. À baixa temperatura, 400 ºC/3 h, os resultados de DRX obtidos revelam picos de difração alargados, característicos de compostos com cristalitos bastante reduzidos (< 100 nm). A formação estrutural, juntamente com o crescimento dos cristalitos, torna-se mais pronunciado no padrão de difração obtido do composto calcinado a 800 ºC/10 h. Uma completa organização estrutural tornou-se evidente no padrão de difração obtido do composto calcinado a 1000 ºC/10 h. Nesse composto, um padrão de DRX característico da estrutura perovskita com simetria tetragonal do BFPT, grupo espacial P4mm, foi identificado. Além disso, uma segunda estrutura em menor quantidade também foi observada, com um padrão similar ao da estrutura pseudobrookita de composição Fe2TiO5, com simetria ortorrômbica (grupo espacial Ccmm). Essa estrutura pode ser de resíduos de elementos que seguiram uma rota diferente de síntese do composto BFPT e pode ser eliminada controlando tempo e temperatura de calcinação, haja visto que ela não é observada no composto calcinado a 800 ºC/10 h. Outra hipótese é uma possível volatilização de bismuto e chumbo, decorrentes da variação de pressão e temperatura no processo de calcinação, ou a segregação de fase líquida heterogênea desses precursores durante a síntese. A perda de estequiometria pode acarretar em condutividade elétrica por desequilibrar a estrutura e comprometer propriedades ferroelétricas/piezoelétricas das cerâmicas. No entanto, perdas estequiométricas são facilmente corrigidas com a adição de excesso do precursor que volatiliza. Todavia, essa estrutura não atrapalha as análises de polarização espontânea, objetivo deste trabalho, pois essas são realizadas considerando somente a estrutura tetragonal do BFPT. De fato, as análises aqui propostas para a polarização ferroelétrica consideram somente os dados obtidos por difração de raios X para a estrutura tetragonal, descartando quaisquer fases espúrias.

Figura 3:
Difratogramas de raios X obtidos do composto (0,6)BiFeO3-(0,4)PbTiO3 calcinados a diferentes temperaturas.
Figure 3:
XRD patterns for (0.6)BiFeO3-(0.4)PbTiO3 compound calcined at different temperatures.

As imagens obtidas por MEV para o composto BFPT sintetizado por MPM a 800 ºC/10 h e 1000 ºC/10 h são apresentadas na Fig. 4. O processo de preparação de amostras para o MEV, desenvolvido durante essas análises, permitiu separar alguns pequenos aglomerados para uma análise mais precisa e confiável. As imagens obtidas para o composto que foi submetido a tratamento térmico de calcinação a 800 ºC/10 h são apresentadas na Fig. 4a. Com o tratamento térmico, as partículas cresceram substancialmente, atingindo tamanhos superiores a 500 nm. Todavia, as partículas mantiveram o formato preferencialmente esférico sem grandes dispersões em sua distribuição de tamanhos. Da mesma forma, as partículas do composto obtido por calcinação a 1000 ºC/10 h cresceram, obtendo tamanhos superiores a 1 μm (Fig. 4b). Nessas amostras, análises quanto ao fator de tetragonalidade, polarização espontânea e comportamento das ligações químicas foram realizadas a fim de estudar seu caráter ferroelétrico. Esses resultados são apresentados na sequência.

Figura 4:
Imagens obtidas por microscopia eletrônica de varredura do composto (0,6)BiFeO3-(0,4)PbTiO3 sintetizado pelo método de Pechini calcinado a 800 ºC/10 h (a) e 1000 ºC/10 h (b).
Figure 4:
SEM images of the (0.6)BiFeO3-(0.4)PbTiO3 compound synthesized by modified Pechini method calcined at 800 °C/10 h (a) and 1000 °C/10 h (b).

Um mapa de densidade eletrônica em 3 dimensões do composto BFPT, que foi calculado por MEM sobreposto a uma representação da estrutura perovskita com simetria tetragonal, é apresentada na Fig. 5. Os resultados revelam uma forte ligação entre o íon de oxigênio da base da estrutura e o átomo de ferro, ao centro. Essa ligação é característica das ligações covalentes, possivelmente oriunda de uma ligação hibridizada entre as camadas eletrônicas dos íons O2- ( 2p) -Ti4+ ( 3d)3030 R.E. Cohen, Nature 358 (1992) 136., as quais promovem uma distorção estrutural na direção [001] da estrutura tetragonal. De fato, a ligação covalente deve ser a responsável pela distorção estrutural do composto quando resfriado de altas temperaturas que promove a mudança da simetria cúbica (em altas temperaturas) para a tetragonal (em temperatura ambiente). Consequentemente, ela também deve ser a responsável pela formação do dipolo ferroelétrico no composto, onde diferentes centros de cargas positiva e negativa são causados pela distorção estrutural.

Figura 5:
Mapa tridimensional da densidade eletrônica obtida pelo método da máxima entropia para o composto (0,6)BiFeO3-(0,4)PbTiO3 sintetizado pelo método de Pechini modificado a 400 ºC/3 h. Os átomos do sítio A, Bi e Pb, são representados em amarelo, os átomos do sítio B, Fe e Ti, em vermelho e em azul os átomos de oxigênio.
Figure 5:
Three-dimensional electron density map obtained by the maximum entropy method for (0.6)BiFeO3-(0.4)PbTiO3 compound synthesized by the modified Pechini method at 400 °C/3 h. The A site atoms, Bi and Pb, are represented in yellow, B site atoms, Fe and Ti, in red and oxygen atoms in blue.

Cálculos da polarização espontânea, por meio do modelo geométrico de polarização 2525 J. Rodriguez-Carvajal, Physica B 192 (1993) 55., e do fator de tetragonalidade para o composto (0,6)BiFeO3-(0,4)PbTiO3 obtido por MPM e sintetizado a 1000 ºC/10 h (para uma completa formação estrutural) foram realizados e estão listados na Tabela I. Os resultados revelaram um composto com grande fator de tetragonalidade (7,72%) indicando uma estrutura bastante distorcida e possivelmente com grande polarização ferroelétrica. De fato, os resultados obtidos indicam que o composto BFPT apresenta alta polarização espontânea, com valor de aproximadamente 60 μC/cm2. Esses resultados potencializam as aplicações desse composto nas áreas de tecnologia (ferroelétricos, piezoeléctricos, multiferróicos, etc.) onde a polarização ferroelétrica é utilizada individualmente e/ou simultaneamente a outras propriedades dos materiais para a composição de novos/melhores dispositivos.

Tabela I
Parâmetros de polarização ferroelétrica do composto (0,6)BiFeO3-(0,4)PbTiO3 sintetizado pelo MPM: fator de tetragonalidade (σ), carga efetiva (qeff ), posição dos cátions (d), momento de dipolo (μ), volume da cela unitária (VC ) e polarização espontânea (Psp ).), distância de dipolo (), vetor de polarização () e ânions (
Table I
Parameters of ferroelectric polarization of the (0.6)BiFeO3-(0.4)PbTiO3 compound synthesized by MPM: tetragonality factor (σ) effective charge (qeff ), cation (d), dipole moment (μ), unit cell volume (VC ) and spontaneous polarization (Psp ).) and anion (), dipole distance () positions, polarization vector (

Assim, a rota de síntese de nanopartículas de BFPT por MPM se mostrou bastante interessante, pois permitiu a obtenção dos compostos com tamanhos reduzidos (nanométricos) e com baixa distribuição de tamanhos. A síntese do BFPT por MPM obteve nanopartículas (40-220 nm) com distribuição de tamanhos mais estreita que a moagem mecânica em altas energias (40-600 nm) 2121 M.A. Khan, T.P. Comyn, A.J. Bell, J. Am. Ceram. Soc. 88 (2005) 2608., a qual é bem conhecida por produzir largas distribuições de partículas. Por outro lado, o MPM produziu partículas maiores que as obtidas por coprecipitação (20-75 nm) 2222 T.P. Comyn, D.F. Kanguwe, J. He, A.J. Bell, J. Eur. Cer. Soc. 28 (2008) 2233.. Todavia, menos fases espúrias foram produzidas por MPM quando comparado com as demais técnicas. As densidades eletrônicas obtidos para o composto BFPT revelam a ligação hibridizada entre os íons O2- ( 2p) -Ti4+ ( 3d) como o mecanismo responsável pela distorção da estrutura perovskita com simetria tetragonal e pelo surgimento da alta polarização ferroelétrica, listada na Tabela I. Finalmente, os resultados obtidos do composto BFPT obtido por MPM potencializam-no para as aplicações ferroelétricas/piezelétricas. No entanto, apesar dos indicativos de melhoras frente aos tamanhos nanométricos, as análises magnéticas e magnetoelétricas são necessárias para indicar o potencial do BFPT obtido por MPM para essas aplicações.

CONCLUSÕES

O composto BFPT foi sintetizado pelo método Pechini modificado com tamanhos de partículas em escala nanométrica, como era desejado. A estrutura do composto se organiza com o aumento da temperatura de calcinação, formando estrutura perovskita com simetria tetragonal altamente distorcida. Porém, os tratamentos de calcinação a diferentes temperaturas provocam o crescimento das partículas. Esse crescimento poderá ser evitado com rotas alternativas, como a sinterização por spark-plasma. Ainda assim, os resultados obtidos para o fator de tetragonalidade e de polarização ferroelétrica espontânea são bastante satisfatórios. Com a inibição do crescimento de partículas, a polarização poderá atingir valores ainda mais expressivos. Além disso, o fato do composto ser nanoestruturado implicará na confecção de dispositivos mais econômicos e rápidos, pois estes atingirão a polarização de saturação com uso de campos menos intensos. Dessa forma, os esforços para obter compostos ferroelétricos nanoestruturados ainda são justificados.

AGRADECIMENTOS

Os autores agradecem às agências de fomento CNPq (proc. 308622/2013-8, 474554/2013-9 e 446565/2014-8), CAPES (PVE 88881.030465/2013-01 e PROCAD 88881.068509/2014-01) e Fundação Araucária de Apoio ao Desenvolvimento Científico do Paraná.

REFERÊNCIAS

  • 1
    L.H. VanVlack, Propriedades dos Materiais Cerâmicos, Edgar Blücher Ltda, S. Paulo, Brasil (1973) 12.
  • 2
    N.A. Spaldin, M. Fiebig, Science 309 (2005) 391.
  • 3
    R. Ramesh, N.A. Spaldin, Nat. Mater. 6 (2007) 21.
  • 4
    W. Eerenstein, N.D. Mathur, J.F. Scott, Nature 442 (2006) 759.
  • 5
    M. Bibes, A. Barthélémy, Nat. Mater. 7 (2008) 425.
  • 6
    G. Catalan, J.F. Scott, Adv. Mater. 21 (2009) 1.
  • 7
    A. Sigh, A. Grupta, R. Chatterjee, App. Phys. Lett. 93 (2008) 022902.
  • 8
    N. Wang, J. Cheng, A. Pyatakov, A.K. Zvezdin, J.F. Li, L.E. Cross, D. Viehland, Phys. Rev. B 72 (2008) 104434.
  • 9
    V.F. Freitas, L.F. Cótica, I.A. Santos, D. Garcia, J.A. Eiras, J. Eur. Ceram. Soc. 31 (2011) 1965.
  • 10
    V.F. Freitas, I.A. Santos, E.R. Botero, B.M. Fraygola, D. Garcia, J.A. Eiras, J. Am. Ceram. Soc. 94 (2010) 754.
  • 11
    L.F. Cótica, F.R. Estrada, V.F. Freitas, G.S. Dias, I.A. Santos, J.A. Eiras, D. Garcia, J. Appl. Phys. 111 (2012) 114105.
  • 12
    C.-W. Nana, M.I. Bichurin, S. Dongb, D. Viehland, G. Srinivasan, J. Appl. Phys. 103 (2008) 031101.
  • 13
    C.P. Bean, J.D. Livingston, J. Appl. Phys. 30 (1939) 120S.
  • 14
    C. Kittel, Phys. Rev. 70 (1946) 965.
  • 15
    M. Knobel, Rev. Bras. Ensino Física 22 (2000) 387.
  • 16
    V. Kothai, A. Senyshyn, R. Ranjan, J. App. Phys. 113 (2013) 084102
  • 17
    V.F. Freitas, L.F. Cótica, I.A. Santos, D. Garcia, J.A. Eiras, J. Eur. Cer. Soc. 31 (2011) 2965.
  • 18
    T.L. Burnett, T.P. Comyn, A.J. Bell, J. Crys. Grow. 285 (2005) 156.
  • 19
    V. Trombini, E.M.J.A. Pallone, Z.A. Munir, R. Tomasi1, Cerâmica 53 (2007) 62.
  • 20
    Q. Jiang, D. Wang, F. Liu, Proc. Eng. 27 (2012) 598.
  • 21
    M.A. Khan, T.P. Comyn, A.J. Bell, J. Am. Ceram. Soc. 88 (2005) 2608.
  • 22
    T.P. Comyn, D.F. Kanguwe, J. He, A.J. Bell, J. Eur. Cer. Soc. 28 (2008) 2233.
  • 23
    C.A. Oliveira, E. Longo, J.A. Varela, M.A. Zaghete, Ceram. Int. 40 (2014) 1717.
  • 24
    K. Zuiderveld, Contrast limited adaptive histogram equalization: Graphics gems IV, Academic Press Professional, Inc. San Diego - CA, USA (1994) 474.
  • 25
    J. Rodriguez-Carvajal, Physica B 192 (1993) 55.
  • 26
    V.F. Freitas, D. Maschio, R.Y. Miyahara, J.A. Eiras, D. Garcia, L.F. Cótica, R. Guo, A.S. Bhalla, I.A. Santos, J. Phys.: Condens. Matter, sob publicação.
  • 27
    F. Izumi, K. Momma, Sol. St. Phenom. 130 (2007) 15.
  • 28
    M. Yashima, N. Sirikanda, T.J. Ishihara, Am. Chem. Soc. 132 (2010) 2385.
  • 29
    V.F. Freitas, T.G.M. Bonadio, G.S. Dias, O.A. Protzek, A.N. Medina, L.F. Cotica, I.A. Santos, D. Garcia, J.A. Eiras, J. Appl. Phys. 113 (2013) 114105.
  • 30
    R.E. Cohen, Nature 358 (1992) 136.

Datas de Publicação

  • Publicação nesta coleção
    Apr-Jun 2016

Histórico

  • Recebido
    10 Jun 2015
  • Revisado
    26 Out 2015
  • Aceito
    16 Nov 2015
Associação Brasileira de Cerâmica Av. Prof. Almeida Prado, 532 - IPT - Prédio 36 - 2º Andar - Sala 03 , Cidade Universitária - 05508-901 - São Paulo/SP -Brazil, Tel./Fax: +55 (11) 3768-7101 / +55 (11) 3768-4284 - São Paulo - SP - Brazil
E-mail: ceram.abc@gmail.com