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Estudo do reaproveitamento do cimento Portland de alta resistência inicial

Study of recycling Portland cement of high initial strength

Resumo

Devido aos impactos ambientais gerados pela construção civil, muitos pesquisadores têm estudado os resíduos de construção e demolição. É possível encontrar na literatura científica trabalhos focados na pasta de cimento endurecido. Neste estudo, pasta de cimento Portland hidratada (PCH) preparada a partir de cimento Portland CP V-ARI (CP-V) foi desidratada via tratamento térmico a 700 °C (700-PCD) e a 900 °C (900-PCD), sendo em seguida reidratada. A estrutura e microestrutura durante hidratação, desidratação e reidratação foram investigadas. Para a caracterização das mudanças morfológicas, difração de raios X, espectroscopia no infravermelho com transformada de Fourier e microscopia eletrônica de varredura foram utilizadas. A análise termogravimétrica foi utilizada para estudar as etapas de desidratação da pasta de cimento hidratada original. O estudo de desidratação da PCH mostrou que a 700 e 900 °C os novos nesossilicatos e CaO estão claramente presentes nas amostras. Durante a reidratação das amostras de 700-PCD e o 900-PCD, ocorreram reidratação parcial e carbonatação. Corpos de prova a partir de CP-V e 0%, 2%, 10%, 40% e 60% de pó de cimento desidratado (PCD) foram preparados. Corpos de prova preparados com até 40% de PCD apresentaram propriedades semelhantes, quando comparado com corpos de prova de pasta de cimento puro preparados com CP-V, enquanto adições de 60% de PCD resultaram em um decréscimo da resistência à compressão.

Palavras-chave:
pasta de cimento; pasta de cimento desidratado; reidratação; resistência à compressão; porosidade

Abstract

Because of the environmental impacts generated by civil construction, many researchers have studied the wastes of construction and demolition. It is possible to find in the scientific literature works focused on hardened cement paste. In this study, hydrated Portland cement paste (PCH) prepared from Portland cement CP V-ARI (CP-V) was dehydrated through heat treatments at 700 °C (700-PCD) and 900 °C (900-PCD) and then rehydrated. The structure and microstructure during hydration, dehydration and rehydration were investigated. For characterization of the morphological changes, X-ray diffraction analysis, Fourier transform infrared spectroscopy, and scanning electron microscopy were used. Thermogravimetric analysis was used to study the stages of dehydration of the original hydrated cement paste. The study of dehydration of PCH showed that at 700 and 900 °C new nesosilicates and CaO were clearly present in the samples. During the rehydration of the samples 700-PCD and 900-PCD partial rehydration and carbonation occurred. Specimens from CP-V and 0%, 2%, 10%, 40% and 60% of dehydrated cement powder (PCD) were prepared. Specimens prepared with up to 40% of PCD showed similar properties when compared to the pure cement paste prepared from CP-V, while additions of 60% PCD resulted in a decrease of the compressive strength.

Keywords:
cement paste; dehydrated cement paste; rehydration; compressive strength; porosity

INTRODUÇÃO

A indústria da construção é uma das grandes geradoras de resíduos sólidos do mundo e é responsável por uma série de impactos ambientais 11 C. Ulsen, H. Kahn, G. Hawlitschek, E.A. Masini, S.C. Ângulo, Waste Manage. 33 (2013) 656.), (22 C. Leiva, J. Solís-Guzmám, M. Marrero, C.G. Arenas, Waste Manage. 33 (2013) 663.), (33 A. Abbas, G. Fathifazl, B. Fournier, O.B. Isgor, R. Zavadil, A.G. Razaqpur, S. Foo, Mater. Charact. 60 (2009) 716.), (44 E. Benhelal, G. Zahedi, E. Shamsaei, A. Bahadori, J. Clean. Prod. 51 (2013) 142.. Devido à sua heterogeneidade os resíduos de construção e demolição são de difícil reciclagem, sendo assim muitas investigações sobre estes materiais estão focadas na pasta de cimento endurecido presente nestes resíduos 55 H. Ogawa, T. Nawa, J. Adv. Concr. Technol. 10 (2012) 395.), (66 K. Shi-Cong, P. Chi-Sun, M. Etxeberria, Cem. Concr. Compos 33 (2011) 286.), (77 C. Lima, A. Caggiano, C. Faella, E. Martinelli, M. Pepe, R. Realfonzo, Constr. Build. Mater. 47 (2013) 547.), (88 R. Yu, Z. Shui. Constr. Build. Mater. 49 (2013) 841.. Sabe-se que a pasta de cimento hidratado (PCH) submetida a ambientes de altas temperaturas (cerca de 400 a 800 °C), pode recuperar sua capacidade de hidratação 99 P.C. Hewlett, Lea´s Chemistry of Cement and Concrete, 4th ed., Elsevier, Amsterdam (1998) 247.), (1010 L. Black, C. Breen, J. Yarwood, C.S. Deng, J. Phipps, G. Maitland, J. Mater. Chem. 16 (2006) 1263.), (1111 Q. Zhang, G. Ye, E. Koenders. Constr. Build. Mater. 38 (2013) 1040.), (1212 M. Castellote, C. Alonso, C. Andrade, X. Turrillas, J. Campo, Cem. Concr. Res. 34 (2004) 1633.), (1313 S.K. Handoo, S. Agarwal, S.K. Agarwal. Cem. Concr. Res. 32 (2002) 1009.), (1414 Z.H. Shui, D.X. Xuan, W. Chen, R. Yu, R. Zhang, Constr. Build. Mater. 23 (2009) 531.. Desta forma fases hidratadas como a etringita, C-S-H e Ca(OH)2 podem ser reidratadas após o tratamento térmico de PCH 88 R. Yu, Z. Shui. Constr. Build. Mater. 49 (2013) 841.. Durante o tratamento térmico pesquisadores descrevem as mudanças que ocorrem na PCH em determinadas faixas de temperatura 1212 M. Castellote, C. Alonso, C. Andrade, X. Turrillas, J. Campo, Cem. Concr. Res. 34 (2004) 1633.), (1515 S. Lim, P. Mondal, Mater. Charact. 92 (2014) 15.), (1616 L. Alarcon-Ruiza, G. Platretb, E. Massieub, A. Ehrlachera, Cem. Concr. Res. 35 (2005) 609.), (1717 M.C.R. Farage, J. Sercombe, C. Galle, Cem. Concr. Res. 33 (2003) 1047.), (1818 C. Alonso, L. Fernandez, J. Mater. Sci. 39 (2004) 3015.), (1919 V., Martin, P. Bayer, M. Chroma, P. Rovnanikova, Constr. Build. Mater. 54 (2014) 413.. Contudo a estrutura do C-S-H em nanoescala ainda não é claramente entendida 1010 L. Black, C. Breen, J. Yarwood, C.S. Deng, J. Phipps, G. Maitland, J. Mater. Chem. 16 (2006) 1263.), (2020 E.T. Stepkowska, J.M. Blanes, F. Franco, C. Real, J.L. Pérez. Thermochim. Acta 420 (2004) 79.), (2121 A. Mendes, G.S. Jay, P.G. Will, F. Collins, Cem. Concr. Compos. 34 (2012) 1067.. O processo de reidratação depende da temperatura de obtenção do pó de cimento desidratado (PCD) e das condições de cura adotadas 1919 V., Martin, P. Bayer, M. Chroma, P. Rovnanikova, Constr. Build. Mater. 54 (2014) 413..

Diferentes autores têm estudado a desidratação e reidratação da PCH em diferentes condições 2222 M. Esperanza, A. Carmen, V. Luis, J. Therm. Anal. Calorim. 110 (2012) 443.. Peng e Huang 2323 G.F. Peng, Z.S. Huang. Constr. Build. Mater. 22 (2008) 593. prepararam amostras de PCH e submeteram a 90 dias de cura em água; em seguida estas foram tratadas a diferentes temperaturas durante 8 h. O estudo do difratograma da amostra obtida a 800 °C revelou com clareza que o C-S-H se decompõe em beta silicato dicálcico (β-C2S) nesta temperatura. No trabalho 1212 M. Castellote, C. Alonso, C. Andrade, X. Turrillas, J. Campo, Cem. Concr. Res. 34 (2004) 1633., amostras de PCH em forma de bloco e em forma de pó preparadas a partir de diferentes tipos de cimentos contendo diferentes porcentagens de aluminato tricálcico (C3A) foram tratadas termicamente. A análise termogravimétrica (ATG) da amostra preparada em forma de bloco com cimento-A contendo mais que 9% de C3A apresentou cerca de 7% de perda de massa. Já a ATG da amostra preparada em forma de bloco com cimento-B contendo menos que 1% de C3A apresentou cerca de 14,5% de perda de massa. A amostra preparada em forma de pó com cimento-A também foi submetida a ATG e apresentou em torno de 12,5% de perda de massa. O estudo mostrou que o tipo de cimento e o estado da amostra têm influência no processo de desidratação da PCH. Shui et al.2424 Z. Shui, D. Xuan, H. Wan, B. Cao, Constr. Build. Mater. 22 (2008) 1723. prepararam amostras de PCH com razão água/cimento (a/c) de 0,4, e após 28 dias de cura estas foram tratadas termicamente a várias temperaturas. Os difratogramas das amostras de PCD obtidas a 500 °C apresentaram picos relacionados a fases hidratadas do cimento. A fim de estudar as alterações da microestrutura a alta temperatura, Zhang e Ye 2525 Q. Zhang, G. Ye, Procedia Eng. 14 (2011) 830. aqueceram amostras de PCH a diferentes temperaturas de 100 a 1000 °C com taxa de aquecimento de 5 °C/min. Através da análise dos resultados obtidos a partir de ATG e da caracterização da microestrutura, descobriu-se que o C-S-H e a portlandita foram desidratados quando a temperatura chegou a 1000 °C. No trabalho 1919 V., Martin, P. Bayer, M. Chroma, P. Rovnanikova, Constr. Build. Mater. 54 (2014) 413., corpos de prova de pasta de cimento reidratada (PCR), curados sob 100% de umidade relativa, apresentaram maior resistência à compressão que aqueles curados sob imersão em água. O estudo mostrou que as condições de cura utilizadas na PCR têm influência nas suas propriedades mecânicas. Uma das principais características do PCD é seu elevado pH e sua alta reatividade 88 R. Yu, Z. Shui. Constr. Build. Mater. 49 (2013) 841.), (2626 R. Yu, Z. Shui, R. Yu, J. Cleaner Produc. 78 (2014) 202.. No trabalho 2626 R. Yu, Z. Shui, R. Yu, J. Cleaner Produc. 78 (2014) 202., corpos de prova de PCR curados sob 95% de umidade relativa, preparados a partir de concentrações acima de 5% de PCD em relação ao cimento Portland comum CEM 42.5N, apresentaram aumento em sua viscosidade durante seu preparo levando a pasta a incorporar ar, o que contribuiu com aumento de sua porosidade comprometendo assim suas propriedades mecânicas.

Diante deste cenário de pesquisas profusas, este trabalho teve como objetivo investigar a hidratação, desidratação a 700 e 900 °C e reidratação do cimento Portland de alta resistência inicial CP V-ARI (CP-V), via análise por difração de raios X (DRX), espectroscopia no infravermelho com transformada de Fourier (IVTF) e microscopia eletrônica de varredura (MEV). O presente trabalho também teve como objetivo estudar as propriedades físicas e mecânicas de corpos de prova fabricados partindo de diferentes concentrações de PCD e curados ao ar.

PROCEDIMENTO EXPERIMENTAL

Materiais e métodos

Neste estudo foi utilizado o cimento Portland de alta resistência inicial CP V-ARI (CP-V). De acordo com a NBR 5733 o cimento utilizado tem no máximo 1% de resíduos insolúveis, 4,5% de perda ao fogo (PF) e 4,5% de aluminato tricálcico. O cimento utilizado possui 63,33% de CaO, 19,19% de SiO2, 5,15% de Al2O3, 2,80% de Fe2O3, 0,92% de MgO, 0,77% de K2O, 2,82% de SO3%, 2,78% de CO2 e 3,97% de perda ao fogo. A pasta de cimento hidratada (PCH) foi preparada utilizando uma razão água/cimento (a/c) de 0,5, e adicionada em cilindros de 50 mm de diâmetro e 100 mm de altura sendo nomeada PCH. A PCH foi curada ao ar por 28 dias até a data dos testes.

Para a preparação do pó de cimento desidratado (PCD), a PCH foi triturada até passar por uma peneira com abertura de 4,76 mm. Em seguida a PCH foi submetida a um moinho de rotor tipo ciclone TE 651/2, e passada em uma peneira com abertura de 300 µm. Após esta etapa o pó da PCH foi tratado termicamente em um forno EDG 10P-S a 700 e 900 °C. A taxa de aquecimento utilizada foi de 10 °C/min iniciando da temperatura ambiente e mantendo-se constante por 2,5 h a cada temperatura mencionada, seguido de um resfriamento natural até a temperatura ambiente. Os PCDs obtidos via tratamento térmico da PCH a 700 e 900 °C foram nomeados como 700-PCD e 900-PCD, respectivamente. Então, estes foram cuidadosamente armazenados até a data dos testes.

As pastas de cimento reidratadas (PCRs) preparadas utilizando uma razão a/c de 0,5 a partir de 700-PCD e de 900-PCD foram nomeadas 700-PCR e 900-PCR, respectivamente. As PCRs foram preparadas partindo de 2%, 10%, 40% e 60% em massa de PCD em relação ao CP-V, e adicionadas em cilindros de 50 mm de diâmetro e 100 mm de altura. As PCRs foram curadas ao ar por 28 dias até a data dos testes.

Caracterização, ensaios físicos e mecânicos

Após 28 dias de cura, amostras de PCH, 700-PCR e 900-PCR foram caracterizadas via difração de raios X (DRX) e espectroscopia no infravermelho com transformada de Fourier (IVTF). Após o tratamento térmico, as amostras de 700-PCD e 900-PCD foram acondicionadas de forma a evitar sua reidratação pela umidade do ar, e foram sistematicamente caracterizadas por meio de DRX e IVTF. Foi utilizado um difratômetro de raios X Shimadzu XRD 6000 na caracterização das amostras. Também foi empregado na caracterização das amostras um espectrômetro Spectrum-GX da Perkin-Elmer operando no modo de transmissão entre 4000 e 400 cm-1. A estabilidade térmica da PCH durante o tratamento foi estudada por meio de um equipamento DTG-60H Shimadzu. Amostras de 5 mg foram aquecidas da temperatura ambiente até 900 °C, com taxa de aquecimento de 10 °C/min sob fluxo constante de nitrogênio (50 mL/min). Por meio de ensaios físicos utilizando a norma BS EN ISO 10545-3 adaptada, corpos de prova de PCH e de PCR, fabricados a partir de 2%, 10%, 40% e 60% de 700-PCD e 900-PCD em relação ao CP-V, tiveram a absorção de água e a porosidade aparente determinadas. Em acordo com a NBR 7215 adaptada, corpos de prova de PCH e de PCR foram submetidos a ensaios mecânicos de resistência à compressão após 28 dias de cura. Para tal foi utilizada uma máquina de ensaios mecânicos universal Shimadzu AG-X Plus de capacidade de carga de 100 kN. A análise morfológica das PCRs foi realizada através da observação de suas superfícies em um microscópio eletrônico de varredura Hitachi MEV-TM 3000.

RESULTADOS E DISCUSSÃO

Análise microestrutural

A Fig. 1 apresenta os difratogramas de raios X das amostras de pasta de cimento hidratada (PCH), de pó de cimento desidratado (PCD) e de pasta de cimento reidratada (PCR). No difratograma da amostra de PCH foi possível observar picos em 29,42° e 47,17° (2θ), que se referiram à fase de Ca2CO3 IMG C presente no cimento 2424 Z. Shui, D. Xuan, H. Wan, B. Cao, Constr. Build. Mater. 22 (2008) 1723.. O pico em torno de 32º (2θ) foi relacionado a fases de β-C2S e C3S na PCH proveniente do cimento Portland não hidratado, indicando uma hidratação incompleta deste 2323 G.F. Peng, Z.S. Huang. Constr. Build. Mater. 22 (2008) 593.), (2727 F. Kontoleontosa, P. Tsakiridisb, A. Marinosa, Mater. Res. 16 (2013) 404.. Já o pico em 18° (2θ) correspondeu à fase de portlandita, produto de hidratação de silicatos. Os picos referentes às fases de C3A e C4AF não puderam ser notados neste difratograma, uma vez que estes compostos se apresentaram em pequenas quantidades neste cimento. Por outro lado, a ausência de picos referentes à fase de C-S-H foi relacionada com a natureza amorfa do silicato de cálcio hidratado. Os difratogramas das amostras de PCD obtidas a 700 °C (700-PCD) e 900 °C (900-PCD) não apresentaram picos referente ao Ca(OH)2 e à etringita; esta ausência foi relacionada à decomposição destes produtos de hidratação que ocorreu durante o avanço do tratamento térmico da amostra de PCH. Estes difratogramas também apresentaram picos em torno de 32° e 33° (2θ) relacionados à nova fase de β-C2S. Estes novos nesossilicatos foram produto de decomposição da fase de C-S-H, e foram mais intensos no difratograma da amostra de 900-PCD. Picos relacionados a fases de CaCO3 não puderam ser encontrados nos difratogramas das amostras de PCH tratadas a 700 e 900 °C, uma vez que carbonato de cálcio se decompõe em CO2 e CaO nestas temperaturas. A presença de CaO, produto de decomposição de CH, C-S-H e C na amostra de 700-PCD, pôde ser comprovada pela presença de picos no difratograma desta amostra, e ganharam intensidade no difratograma da amostra de 900-PCD. Os difratogramas das amostras reidratadas de 700-PCD (700-PCR) e de 900-PCD (900-PCR) apresentaram picos relacionados a fases reidratadas e anidras do cimento. O pico em 18° (2θ) relacionado à fase de portlandita foi menos intenso para amostra de 900-PCR; isto pode estar relacionado às reações de carbonatação envolvendo o Ca(OH)2 que ocorreram na amostra de PCR. Também foi possível notar nos difratogramas destas amostras de PCR a presença de um pico em 32° (2θ) atribuído a fases de silicatos não hidratados.

Figura 1
Difratogramas de raios X da amostra de referência (pasta de cimento inicial), das amostras aquecidas e depois das amostras reidratadas.
Figure 1
X-ray diffraction patterns of the reference specimen (initial cement paste), the heated and afterwards rehydrated specimens.

A Fig. 2 apresenta os espectros de infravermelho das amostras de PCH, PCD e PCR. No espectro da amostra de PCH foi possível observar uma banda em 525 cm-1, relacionada a vibrações do íon silicato presente na fase de silicato não hidratado do cimento Portland utilizado 2020 E.T. Stepkowska, J.M. Blanes, F. Franco, C. Real, J.L. Pérez. Thermochim. Acta 420 (2004) 79.. As bandas em 1411 e 875 cm-1 foram atribuídas a vibrações do íon CO3 2-, e foram relacionadas ao CaCO3 presente no cimento. A banda em 1120 cm-1 foi associada a vibrações de estiramento da ligação S-O presente no íon sulfato da gipsita existente no cimento Portland utilizado 2020 E.T. Stepkowska, J.M. Blanes, F. Franco, C. Real, J.L. Pérez. Thermochim. Acta 420 (2004) 79.. A presença da banda em 965 cm-1 foi relacionada a vibrações de estiramento da ligação Si-O presente no gel C-S-H, e confirmou a hidratação do cimento 2020 E.T. Stepkowska, J.M. Blanes, F. Franco, C. Real, J.L. Pérez. Thermochim. Acta 420 (2004) 79.), (2828 A. Hidalgo, S. Peit, C. Domingo, C. Alonso, C. Andrade, Cem. Concr. Res. 37 (2007) 63.. Ainda no espectro da amostra de PCH, a banda em torno de 3450 e 3446 cm-1 pode ser atribuída a vibrações da ligação O-H presente na molécula de água fisicamente combinada, e a banda em 3640 cm-1 foi relacionada com movimentos vibracionais da ligação O-H presente no Ca(OH)22020 E.T. Stepkowska, J.M. Blanes, F. Franco, C. Real, J.L. Pérez. Thermochim. Acta 420 (2004) 79.), (2929 A.E. Lavat, M.A. Trezza, M. Poggi, Waste Manage. 29 (2009) 1666.), (3030 M. Georgeseu, A. Puri, M. Coarna, G. Voicu, D. Voinitchi, Cem. Concr. Res. 32 (2002) 1269., produto de hidratação de C3S e C2S. Nos espetros das amostras de 700-PCD e de 900-PCD foi possível observar a ausência da banda em torno de 3440 e 3450 cm-1, devido à perda de água pelas amostras tratadas nestas temperaturas. A banda em 525 cm-1 ganhou presença nos espectros das amostras desidratadas; isto ocorreu porque o C-S-H se decompõe nestas temperaturas em novos silicatos de cálcio. A banda em 925 cm-1 atribuída ao cimento seco pôde ser observada claramente nos espectros das amostras de 700-PCD e 900-PCD, enquanto as bandas referentes ao íon CO3 2- perderam presença nestes espectros em decorrência da decomposição do CaCO3 que ocorreu nesta faixa de temperatura. A banda intensa em 995 cm-1, que pôde ser observada no espectro da amostra de 900-PCD, foi atribuída à formação de novos nesossilicatos como resultado da desidratação do gel C-S-H. Nos espectros das amostras de PCR, a intensa banda referente a vibrações atribuídas ao íon carbonato foi relacionada a produtos de reações de carbonatação que ocorreram nesta amostra. A banda em 965 cm-1 confirmou a reidratação com formação de C-S-H. A banda em 525 cm-1 presente nos espectros das amostras 700-PCR e de 900-PCR foi relacionada a fases anidras presentes na PCR, e indicou que a reidratação foi incompleta.

Figura 2
Espectros de infravermelho da amostra de referência (pasta de cimento inicial), das amostras aquecidas e depois das amostras reidratadas.
Figure 2
FTIR spectra of the reference specimen (initial cement paste), the heated and afterwards rehydrated specimens.

A Fig. 3 apresenta as micrografias de amostras de PCR preparadas partindo de 40% e 60% de 700-PCD e de 900-PCD em relação ao CP-V. Na micrografia B referente à amostra de PCR preparada partindo de 60% de 700-PCD, é possível observar microfissuras na microestrutura da pasta. Por outro lado, na micrografia A referente à amostra de PCR preparada partindo de 40% de 700-PCD, não é possível observar microfissuras na microestrutura da pasta. A micrografia C referente à amostra de PCR preparada partindo de 40% de 900-PCD também apresenta uma microfissura na microestrutura. A micrografia D referente à amostra de PCR preparada partindo de 60% de 900-PCD apresenta uma microestrutura com espaços vazios em relação às outras apresentadas.,

Figura 3
Micrografias obtidas por microscopia eletrônica de varredura de PCD reidratado: (A) cimento com 40% de 700-PCD; (B) cimento com 60% de 700-PCD; (C) cimento com 40% de 900-PCD; e (D) cimento com 60% de 900-PCD.
Figure 3
SEM micrographs of rehydrated PCD: (A) cement with 40% of 700-PCD; (B) cement with 60% of 700-PCD; (C) cement with 40% of 900-PCD; and (D) cement with 60% of 900-PCD.

Análise termogravimétrica

A estabilidade térmica da amostra de PCH foi estudada via análise termogravimétrica (ATG), Fig. 4. Com a análise da curva obtida foi possível descrever a degradação térmica da amostra de PCH basicamente em três estágios mais acentuados. No primeiro estágio a perda de massa foi acentuada e ocorreu até 170 °C. A perda de massa do primeiro estágio foi relacionada com a liberação de água evaporável, água fisicamente combinada e decomposição da etringita. Com a evolução do tratamento térmico ocorreu uma perda de massa mais suave relacionada à perda de água presente no gel C-S-H 1616 L. Alarcon-Ruiza, G. Platretb, E. Massieub, A. Ehrlachera, Cem. Concr. Res. 35 (2005) 609.), (3131 G. Ye, X. Liu, G. De Schutter, L. Taerwe, P. Vandevelde, Cem. Concr. Res. 37 (2007) 978.. A perda de massa acentuada no segundo estágio ocorreu por volta de 435 °C, e foi associada à desidratação da portlandita 3232 M.J. De Jong, F.-J. Ulm, Cem. Concr. Res. 37 (2007) 1. A terceira e acentuada perda de massa, que ocorreu em torno de 680 °C, foi relacionada à decomposição do CaCO3 em dióxido de carbono e CaO. Ao final do tratamento térmico a amostra de PCH analisada perdeu 36% de sua massa inicial.

Figure 4
Resultados de análise termogravimétrica da amostra de referência (pasta de cimento inicial).
Figure 4
Thermogravimetric analysis results of the reference specimen (initial cement paste).

Propriedades físicas e resistência à compressão

A Fig. 5 apresenta os gráficos da absorção de água e da porosidade aparente dos corpos de prova de pasta de cimento, fabricados partindo de 0%, 2%, 10%, 40% e 60% em massa de 700-PCD e 900-PCD em relação ao CP-V. É possível dizer que estas propriedades não apresentaram aumento significativo para os corpos de prova de PCR fabricados com até 40% de PCD. Por outro lado, foi possível notar que corpos de prova de PCR fabricados partindo de 60% de PCD apresentaram aumento destas propriedades. Enquanto, por exemplo, a porosidade aparente média dos corpos de prova de pasta de cimento hidratada (PCH) foi de 10,19%, a porosidade aparente média dos corpos de prova de PCR fabricados partindo de 60% de 900-PCD foi de 39,39%. Os corpos de prova de PCR fabricados até com 40% de PCD não apresentaram aumento significativo destas propriedades físicas devido à não formação acentuada de poros abertos em sua pasta durante seu preparo. Até esta concentração, o PCD não atuou aumentando a viscosidade da PCR durante seu preparo não formando assim demasiados poros abertos. Por outro lado, corpos de prova de PCR fabricados a partir de 60% de PCD apresentaram formação acentuada de poros abertos, que contribuíram por sua vez com o aumento da absorção de água e porosidade aparente da pasta. Este comportamento se acentuou ao se utilizar o 900-PCD na fabricação de corpos de prova de PCR, já que nestas concentrações o PCD obtido a 900 °C apresentou maior reatividade em relação aos demais pós. Isto ocorreu em função da maior concentração de compostos reativos como novos nesossilicatos e CaO presente no 900-PCD, conforme resultados da análise microestrutural. Estes compostos reativos contribuíram para a maior formação de poros abertos na pasta durante seu preparo.

Figura 5
Propriedades físicas do cimento com diferentes quantidades de PCD em 28 dias: (a) absorção de água e (b) porosidade aparente.
Figure 5
Physical properties of cement with different amounts of PCD at 28 days: (a) water absorption, and (b) apparent porosity.

A Fig. 6 apresenta o gráfico de resistência mecânica à compressão de corpos de prova de pasta de cimento, fabricados partindo de 0 a 60% em massa de 700-PCD e 900-PCD em relação ao CP-V. Foi possível dizer que a resistência à compressão não apresentou diminuição significativa para corpos de prova de PCR fabricados com até 40% de PCD. Por outro lado, foi possível notar que corpos de prova de PCR fabricados partindo de 60% de PCD apresentaram diminuição na resistência à compressão. Os corpos de prova de PCR fabricados partindo de 60% de 700-PCD e 900-PCD apresentaram valores de resistência à compressão média de 73,4% e 99,2% menores que a resistência à compressão média dos corpos de prova de PCH, respectivamente. Os corpos de prova de PCR fabricados com até 40% de PCD não apresentaram diminuição significativa da resistência à compressão devido à não formação acentuada de poros abertos em suas pastas durante seu preparo. Por outro lado, a maior quantidade de poros abertos em corpos de prova de PCR fabricados partindo de 60% PCD resultou em menores propriedades mecânicas.

Figura 6
Resistência à compressão do cimento com diferentes quantidades de PCD em 28 dias.
Figure 6
Compressive strength of cement with different amount of PCD at 28 days.

CONCLUSÕES

O estudo da hidratação, desidratação e reidratação de cimento Portland CP V-ARI com razão água/cimento de 0,5 curado ao ar permitiu dizer que: i) as fases desidratadas estavam presentes na pasta de cimento hidratada (PCH) tratada a 700 °C; as pastas de cimento reidratadas (PCR), preparadas a partir de pó de cimento desidratado (PCD) a 700 e 900 °C, apresentaram intensa carbonatação e limitação na formação de produtos de reidratação durante o período de cura; ii) as propriedades físicas e a resistência à compressão dos corpos de prova de PCR fabricados com até 40% de PCD foram semelhantes; quando utilizado até esta porcentagem, os PCDs não atuaram como acentuados incorporadores de poros abertos na pasta reidratada durante seu preparo; iii) o PCD obtido a 900 °C, utilizado em concentração de 60% na preparação da PCR, apresentou maior potencial em relação ao PCD obtido a 700 °C para atuar como incorporador de poros abertos na pasta de cimento a ser reidratada durante seu preparo.

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Datas de Publicação

  • Publicação nesta coleção
    Jan-Mar 2017

Histórico

  • Recebido
    10 Mar 2016
  • Revisado
    22 Maio 2016
  • Aceito
    20 Jun 2016
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