Acessibilidade / Reportar erro

Obtenção de cerâmicas quimicamente ligadas a partir de resíduos industriais

Obtainment of chemically bonded ceramics from industrial waste

Resumo

Neste trabalho investigaram-se cerâmicas quimicamente ligadas com quatro resíduos industriais: areia de fundição, casca cerâmica, escória de níquel e tijolo refratário MgO-C. O sistema foi composto (% em massa) por 17% de fosfato monopotássico, 12% de magnésia cáustica e 71% de resíduo. Foram empregados três tempos de cura (1, 7 e 28 dias). A fase K-estruvita foi identificada por difratometria de raios X e microscopia eletrônica de varredura. A resistência à compressão aumentou com o tempo de cura, variando entre 7 e 17 MPa. As formulações contendo casca de cerâmica e escória de níquel, no entanto, apresentaram os melhores resultados devido à maior densidade relativa apresentada e aos cristais em forma de placa nas microestruturas obtidas. Os resultados mostraram ser possível a incorporação de resíduos industriais para a obtenção de cerâmicas quimicamente ligadas usando-se a técnica de cimento ácido-base.

Palavras-chave:
incorporação; valorização; resíduos; ceramicrete; reação ácido-base

Abstract

In this work, chemically bonded ceramics were studied from four different industrial waste: foundry sand, ceramic shell, nickel slag and MgO-C refractory brick. The system consisted of 17 wt% of monopotassium phosphate, 12 wt% of caustic magnesia and incorporating 71 wt% of waste. Three curing times were tested (1, 7 and 28 days). K-struvite crystalline phase was identified by X-ray diffraction and scanning electron microscopy. The compressive strength increased with the curing time, ranging from 7 to 17 MPa. The formulations containing ceramic shell and nickel slag, nevertheless, showed the best results because of the higher relative density presented and the plate-type crystals in the microstructures obtained. The results showed that it is possible to incorporate industrial waste to obtain chemically bonded ceramics using the acid-base cement technique.

Keywords:
incorporation; value-added products; waste; ceramicrete; acid-base reaction

INTRODUÇÃO

O desenvolvimento sustentável mundial tem impulsionado uma crescente preocupação por processos industriais mais eficientes, de modo a garantir a eliminação de possíveis impasses ambientais originados pela geração de resíduos sólidos. Assim, pesquisas sobre processos e técnicas para reutilização desses materiais têm sido estimuladas, com o rótulo de valorização de resíduos. Por exemplo, em 11 A.C. Carvalho, F. Raupp-Pereira, J.B. Rodrigues Neto, A.P. Novaes de Oliveira, Cerâmica 61, 359 (2015) 383. foram estudadas as características químicas, físicas e estruturais do resíduo do processo de fundição de precisão por cera perdida conhecido como casca cerâmica e o processamento mais adequado ao seu emprego como cerâmica porosa na filtração de ferro fundido no estado líquido. Portanto, atividades de recuperação de materiais com potencial para reutilização, normalmente de subprodutos industriais, tornaram-se indispensáveis em face da necessidade da proteção ambiental e em termos energéticos. Dentre as formas de reutilizar os resíduos gerados em grandes quantidades e/ou que sejam perigosos para o meio ambiente, destaca-se a utilização em cimentos para inertização/estabilização destes materiais, principalmente em cimentos ácido-base com fosfato de potássio e magnésio (ceramicrete), também denominados de cerâmica quimicamente ligada 22 S.Y. Jeong, A.S. Wagh, “Chemical bonding phosphate ceramics: cementing the gap between ceramics, cements, and polymers”, Argonne Nat. Lab. Rep. (2002)..

Cerâmicas quimicamente ligadas possuem características de cimento e, assim, também podem ser consideradas como tal. São obtidas a partir de uma reação química ácido-base, em uma fase aquosa contendo um cátion metálico e uma fonte de oxiânion (íon poliatômico que contém um óxido). Os cimentos ácido-base pertencem à família das cerâmicas especiais ligadas ao fosfato (CELF), novos tipos de materiais inorgânicos que têm propriedades físicas e químicas especiais e que, em contraste com a maioria das cerâmicas avançadas, são produzidos processando o material em temperatura ambiente 33 D.V. Ribeiro, J.A.M. Agnelli, M.R. Morelli, Mater. Res. 16 (2013) 1113.), (44 Z. Ding, B. Dong, F. Xing, N. Han, Z. Li, Ceram. Int. 38 (2012) 6281.. Quando os fosfatos são usados como matéria-prima do oxiânion, a cerâmica quimicamente ligada torna-se uma cerâmica especial ligada ao fosfato (CELF) e é frequentemente utilizada para estabilizar/encapsular substâncias perigosas, com alto potencial de lixiviação e radioativas 55 A.I. Borzunov, S.V. D’Yakov, P.P. Poluektov, Atom. Energ. 96 (2004) 123.), (66 I. Buj, J. Torras, D. Casellas, M. Rovira, J. Hazard. Mater. 170, 1 (2009) 345.. Além disso, a CELF apresenta tempo de solidificação muito baixo e boas propriedades mecânicas. Por esse motivo, em 77 A. Viani, A.F. Gualtieri, Cem. Conc. Res. 58 (2013) 56. foram sugeridas algumas áreas de aplicações, como: reparação rápida em estruturas de concreto, encapsulamento de resíduos, reparação óssea, compósitos de fibras naturais, entre outras cujas propriedades tornam esse sistema ligante atraente. Outros pesquisadores 77 A. Viani, A.F. Gualtieri, Cem. Conc. Res. 58 (2013) 56.)- (99 L. Yue, C. Bing, Const. Build. Mater. 47 (2013) 977. classificam a CELF como materiais cimentícios baseados no sistema ligante à base de fosfato de magnésio. Esse sistema ligante proporciona alta resistência, com pouca idade de cura, continuando a longo prazo de sua vida útil, insolubilidade à água, afinidade por materiais celulósicos e excelentes propriedades adesivas.

O sistema ligante à base de fosfato ocorre por meio de uma reação ácido-base formada por uma solução aquosa, onde um óxido metálico bivalente ou trivalente reage com um ácido fosfático ou um ácido fosfórico. Nesta reação o óxido metálico dissocia e reage com os íons fosfáticos, gerando o precursor de uma estrutura sólida. A pasta endurece rapidamente à temperatura ambiente. A reação ácido-base em meio aquoso entre o óxido de magnésio (MgO) e o fosfato monopotássico resulta na estrutura cristalina K-estruvita (MgKPO4.6H2O), conhecida como ceramicrete devido ao seu comportamento semelhante ao concreto 22 S.Y. Jeong, A.S. Wagh, “Chemical bonding phosphate ceramics: cementing the gap between ceramics, cements, and polymers”, Argonne Nat. Lab. Rep. (2002).. Em 77 A. Viani, A.F. Gualtieri, Cem. Conc. Res. 58 (2013) 56. também foi empregado fosfato monopotássico (KDP, KH2PO4), ocorrendo a cristalização da fase isomorfa da K-estruvita. O processo da reação ocorre de acordo com as seguintes equações 88 Z. Ding, B. Dong, F. Xing, N. Han, Z. Li, Ceram. Int. 38, 8 (2012) 6281.:

KH 2 PO 4 K + + H 2 PO 4 - (A)

KH 2 PO 4 K + + HPO 4 2 - + H + (B)

KH 2 PO 4 K + + PO 4 3 - + 2 H + (C)

MgO + H 2 O MgOH + + OH - (D)

MgOH + + 2 H 2 O Mg ( OH ) 2 + H 3 O + (E)

Mg ( OH ) 2 Mg 2 + + 2 OH - (F)

Mg 2 + + 6 H 2 O Mg ( H 2 O ) 6 2 + (G)

K + + Mg ( H 2 O ) 6 2 + + PO 4 3 - MgKPO 4 . 6 H 2 O (H)

Esta reação ácido-base é rápida e exotérmica. Seu mecanismo tem sido explicado por meio da dissolução até a saturação de fosfato monopotássico após a adição de água à mistura 1010 E. Soudée, J. Péra, Cem. Conc. Res. 30 (2000) 315.. Diferentes fontes de fosfatos e óxidos metálicos são utilizadas para formação da cerâmica a frio. Alguns exemplos são os fosfatos de amônio e de potássio, óxidos de magnésio, alumínio, zinco e cálcio 1111 A.S. Wagh, S.Y. Jeong, J. Am. Ceram. Soc. 86 (2003) 1838.. Para Wagh e Jeong 1111 A.S. Wagh, S.Y. Jeong, J. Am. Ceram. Soc. 86 (2003) 1838., durante o processo de cura química, os fatores que controlam a formação da CELF são a dissolução e a hidrólise de óxidos metálicos. No entanto, as velocidades das reações podem ser controladas por uma seleção adequada de óxidos.

Entre os diversos processos produtivos, pode-se especialmente destacar as indústrias siderúrgicas, aciarias, metalúrgicas e fundições, por serem geradoras de grandes quantidades de resíduos sólidos. Dados de 2014 do Instituto Aço Brasil 1212 Inst. Aço Brasil, “Relatório de sustentabilidade 2014”, Aço Brasil, “Relatório de sustentabilidade 2014”, http://www.acobrasil.org.br , ac. 14/01/2018.
http://www.acobrasil.org.br...
mostram que para cada tonelada de aço produzida são gerados em torno de 600 kg de resíduos. Dentro desse valor incluem-se as escórias e os materiais refratários que possuem características termomecânicas, químicas e estruturais seguras para o processo. Para o refino do aço, uma quantidade considerável de resíduo de tijolos magnésia-carbono (MgO-C) é gerada. Estudos sobre as características desse resíduo e do seu reaproveitamento em substituição em parte na massa refratária, empregada em reparos de revestimentos, mostram ser possível substituir em até 30% em massa 1313 R.D.S. Da Silva, S.R. Bragança, in: Anais 56° Congr. Bras. Cerâm., Curitiba (2012) 2120.. Esta proposta apresenta uma pequena perda de plasticidade e também de resistência à compressão pela reutilização do material. No campo da indústria de fundição, peças metálicas que necessitam de excelente acabamento superficial e/ou que tenham geometrias complexas são normalmente obtidas pelo processo de fundição de precisão por cera perdida. Este processo gera resíduos sólidos conhecidos como casca cerâmica (CC), material com alto valor agregado pelas suas características e possibilidades de reutilização. A quantidade deste resíduo gerada por mês aproxima-se de 30 a 40 t 11 A.C. Carvalho, F. Raupp-Pereira, J.B. Rodrigues Neto, A.P. Novaes de Oliveira, Cerâmica 61, 359 (2015) 383., variando de acordo com o porte da empresa. Entre as propostas de valorização já investigadas, destaca-se o desenvolvimento de filtros cerâmicos refratários para aplicação na indústria de fundição 11 A.C. Carvalho, F. Raupp-Pereira, J.B. Rodrigues Neto, A.P. Novaes de Oliveira, Cerâmica 61, 359 (2015) 383.. Outro resíduo gerado em grande quantidade por este seguimento industrial é a areia de fundição (RAF), que pode conter substâncias que impedem seu descarte direto ao ambiente. Desta forma, essa areia é reutilizada no próprio processo, porém de forma limitada à exigência de desempenho requerido, tornando-se um resíduo sólido pela sua necessária substituição parcial. O RAF corresponde a aproximadamente 70% do total de resíduos gerados em empresas de fundição 1414 R. Alonso-Santurde, A. Coz , J.R. Viguri, A. Andrés, Const. Build. Mater. 27 (2012) 97.. No Brasil, tal resíduo é classificado de acordo com a NBR 10004 1515 Assoc. Bras. Nor. Técn., NBR 10004 “Resíduos sólidos- classificação”, Rio Janeiro (2004). como um resíduo classe II (não inerte). Inúmeras investigações sobre o impacto ambiental do uso de RAF na fabricação de artefatos de cimento, tais como blocos de alvenaria para paredes, blocos de alvenaria estrutural e blocos de pavimentação, já foram realizadas 1616 M.A. Mastella, E.S. Gislon, F. Pelisser, C. Ricken, L. Silva, E. Angioletto, O.R.K. Montedo, Waste Manag. 34(2014) 1495.. Da mesma forma, aplica-se a escória de níquel, com estudos em concreto e outros materiais cerâmicos 1717 M.T. Carvalho, I. Francklin Junior, J.V. Zampieron, Bol. Técn. Fac. Tecn. S. Paulo 25 (2008) 3.), (1818 M.D.M. Innocentini, F.P.E. Kallas, O.R.K. Montedo, Mater. Sci. Forum 912(2018) 212.), (1919 R.L. Lima, J.V. Zampieron, Ciênc. et Praxis 2(2009) 11.. Grandes volumes deste material, oriundo do processo de refino do níquel, atualmente são depositados em aterros próximos às empresas geradoras e têm levado a uma preocupação ambiental crescente.

As preocupações com o meio ambiente têm estimulado a investigação e o desenvolvimento de novos tipos de materiais cimentícios. Nesta linha, a CELF aparece como um dos candidatos mais promissores, especialmente no campo do reparo rápido de estruturas cimentícias e encapsulamento de resíduos 2020 C.K. Chau, F. Qiao, Z. Li, Const. Build. Mater. 25(2011) 2911.. Além disso, pretende-se empregar a técnica de preparação de CELF para valorizar os resíduos estudados, obtendo-se materiais de baixo custo, e para imobilizar/inertizar possíveis componentes perigosos na matriz cimentícia criada. Portanto, este trabalho apresenta um estudo sobre a valorização de resíduos sólidos industriais no desenvolvimento de CELF de potássio e magnésio como matriz para reutilização destes materiais como fonte alternativa mineral, produzindo amostras densas possibilitando seu uso como material sem finalidade estrutural.

MATERIAIS E MÉTODOS

Materiais empregados: diferentes resíduos industriais foram caracterizados e inseridos no sistema ligante base deste trabalho: 17% de fosfato monopotássico, 12% de magnésia cáustica e 71% de RSI. Entre os resíduos industriais utilizados estão: areia de fundição (ρ = 1535 kg.m-3) proveniente de uma fundição da região de Criciúma (SC); casca cerâmica (ρ = 3020 kg.m-3) do setor de microfundição oriundo de uma empresa da grande Florianópolis (SC); escória de níquel (ρ = 2552 kg.m-3) do refino de níquel metálico e resíduo de tijolo refratário à base de MgO-C (ρ = 3081 kg.m-3) proveniente de revestimentos de fornos de aciaria e panelas de transporte no refino do aço, ambos do estado de Minas Gerais. Para compor o sistema ligante de base reativa ácido-base, foram utilizadas matérias-primas comerciais de elevada pureza como óxido de magnésio cáustico (MgO) e fosfato monopotássico (KDP). Para detectar uma possível interferência dos elementos constituintes dos resíduos na reação ácido-base do sistema ligante, foi utilizada areia padrão (ρ = 1626 kg.m-3) normalizada pelo Instituto de Pesquisas Tecnológicas (IPT). Todos os resíduos foram caracterizados quimicamente por fluorescência de raios X (FRX, Panalytical, Axios Max). Os teores de cloro e SO3 foram determinados, respectivamente, de acordo com as normas ABNT NBR 9917 2121 Assoc. Bras. Nor. Técn., NBR 9917:2009 “Agregados para concreto- determinação de sais, cloretos e sulfatos solúveis”, Rio Janeiro (2009). e NM 16 2222 Assoc. Bras. Nor. Técn., NBR NM 16:2012 “Cimento Portland- análise química- determinação de anidrido sulfúrico”, Rio Janeiro (2012).. Análises de distribuição de tamanhos de partícula por difração a laser (Cilas, 1064) e difração de raios X (DRX, Shimadzu, XRD-6000) também foram realizadas. O mesmo equipamento de DRX utilizando radiação CuKα em um intervalo de ângulo 2θ de 10 a 80º, com passo de 0,02º, foi utilizado para a determinação das fases cristalinas presentes nas misturas cimentícias desenvolvidas.

Preparação das formulações: as composições foram formuladas baseando-se em resultados dos trabalhos 2323 A.K. Duarte, “Encapsulamento cerâmico de resíduos de materiais refratários”, Tese Dout., Un. Fed. Minas Gerais (2005).), (2424 J. Formosa, J.M. Chimenos, A.M. Lacasta, M. Niubó, Ceram. Int. 38(2012) 2483., buscando-se alcançar o máximo de incorporação dos resíduos obtidos para realização deste trabalho. Então utilizaram-se 29% (em massa) para o sistema ligante (17% de KDP + 12% de MgO) e 71% (em massa) para o resíduo incorporado. Porém a adição de água de amassamento citada pelos autores não resultou em uma boa mistura para as condições deste trabalho. Assim, foi necessário realizar testes preliminares para definir o teor de água de amassamento acrescentado à mistura. O melhor resultado entre os testes, para uma boa mistura dos componentes e boa trabalhabilidade, foi o acréscimo de 27% (em massa) para cada formulação. Esse valor foi acrescentado em relação à massa total trabalhada. A nomenclatura das cinco formulações estudadas é apresentada na Tabela I, identificadas de F1 a F5 pela variação do tipo de RSI utilizado. Para padronizar os materiais incorporados, todos foram secos em estufa laboratorial (Cienlab, CE 220/100) a 110±5 °C por 24 h para realização da moagem a seco. A moagem ocorreu em moinho de jarros (Cienlab, CE-500/D) com velocidade de 300 rpm por 24 h, com exceção do resíduo de casca cerâmica, que precisou passar por uma etapa de pré-moagem em um britador de mandíbulas (Marconi, MA4080) para redução do tamanho de partícula. Todos os RSI foram homogeneizados/peneirados em malha de abertura 0,5 mm (32 mesh). O MgO e o KDP foram utilizados na forma de pó como fornecidos por seus fabricantes. Para um tratamento estatístico simples, foram preparados 3 corpos de prova para cada condição de mistura, utilizando-se intervalos de 1, 7 e 28 dias de cura. Foram utilizados moldes cilíndricos de 30 mm de diâmetro e 60 mm de altura produzidos em silicone, adaptados para seguir condições estabelecidas pela norma ABNT NBR 5738 2525 Assoc. Bras. Nor. Técn., NBR 5738:2016 “Concreto- procedimento para moldagem e cura de corpos de prova”, Rio Janeiro (2016)..

Tabela I
Nomenclatura das formulações estudadas.
Table I
Nomenclature of investigated formulations.

Obtenção dos corpos de prova: ensaios de compressão foram realizados para cada tempo de cura (1, 7 e 28 dias) utilizando 3 amostras - 15 para cada formulação. Cada formulação foi preparada a partir de 225 g (balança Marte, BL 3200H, precisão de ±0,1 g) de sólidos, às quais se adicionaram 60,75 g (27% em massa) de água de amassamento. Primeiramente os materiais na forma de pó seco foram pesados e misturados por meio de agitação manual dentro de um recipiente fechado. Após homogeneização, o material foi transferido para um béquer plástico de 600 mL e, com auxílio de uma haste metálica, realizou-se o amassamento adicionando a água (não tratada), misturando-os durante ~30 s. Por se tratar de uma reação que ocorreu em tempos muito curtos, o pH não foi medido. As formulações hidratadas foram rapidamente vertidas em 3 moldes e os corpos de prova desmoldados após 6 h de cura ao ambiente (~24 °C). Para corrigir eventuais irregularidades em suas extremidades, todas amostras passaram por um processo de corte a 350 rpm (cortadora Buehler, IsoMet 1000) para eliminar 2 mm do topo e 2 mm da base.

Caracterizações: após 1, 7 e 28 dias de cura, a resistência mecânica à compressão (Emic, DL10000) foi determinada, utilizando-se célula de carga de 1000 kgf e velocidade de 1 mm.min-1. Para identificação das fases cristalinas formadas após a reação ácido-base utilizou-se o banco de dados JCPDS (Joint Committee on Powder Diffraction Standards). A densidade teórica ou real (ϱreal) foi determinada por picnometria a hélio (Quantachrome, Ultrapyc 1200e), utilizando-se os mesmos pós obtidos após moagem das amostras rompidas no ensaio mecânico de compressão. A densidade aparente (ϱap) foi determinada pelo método geométrico, calculada a partir de medidas de massa e de volume (paquímetro Mitutoyo, precisão de ±0,01 mm) dos corpos de prova após processo de ajustes dimensionais (corte). A densidade relativa (ϱrelativa) foi definida pela razão entre ϱap e ϱreal:

ρ relativa ( % ) = ρ ap ρ real × 100 (I)

A fração de vazios ou porosidade (ε) das amostras produzidas foi calculada utilizando-se a equação:

ε ( % ) = 100 - ρ relativa (J)

A absorção de água (AA%) foi determinada a frio e com tempo de cura de 28 dias ao ambiente. Após este período todas os corpos de prova foram secos para a obtenção da massa (ms). Com isso os corpos cilíndricos foram submersos por 72 h em água à temperatura ambiente, seguindo a norma ABNT NBR 8492 2626 Assoc. Bras. Nor. Técn., NBR 8492 “Tijolo de solo-cimento- análise dimensional, determinação da resistência à compressão e da absorção de água”, Rio Janeiro (2012).. Para pesagem final (mu), foi retirado o excesso de água com um pano umedecido. Os valores de AA% foram calculados aplicando-se a equação:

AA % = m u - m s m s × 100 (K)

A temperatura de reação das diferentes formulações/misturas foi determinada por meio de um termopar tipo K conectado em um multímetro digital portátil, fixando a ponta do termopar no centro do molde no qual foi vertido o material. As temperaturas foram obtidas desde o momento inicial da hidratação até a estabilização à temperatura ambiente (~24 °C). A microestrutura foi avaliada por microscopia eletrônica de varredura (MEV, Zeiss, EVO MA 10) utilizando-se uma região fraturada de cada amostra/formulação, sem deposição de ouro na superfície.

RESULTADOS E DISCUSSÃO

A Tabela II mostra a composição química dos resíduos estudados. O resíduo de casca cerâmica apresentou 59,8% de Al2O3 e 36,3% de SiO2. O resíduo de tijolo MgO-C conteve 56,8% de MgO, 1,5% de SO3 e 3,65% de cloro em sua composição, bem como de grafita, todos inclusos como parte da perda ao fogo, 18,99%. A escória de níquel destacou-se pelo elevado teor de MgO, 34,1%, baixo teor de NiO, 0,04%, o que mostrou a eficiência do processo de obtenção de níquel. A composição química do resíduo de areia de fundição foi majoritariamente composta por sílica e com baixa contaminação metálica.

Tabela II
Análise química dos resíduos estudados (% em massa) por FXR.
Table II
Chemical analysis of the studied waste (wt%) by XRF.

A Fig. 1a mostra que a areia padrão e o resíduo de areia de fundição apresentaram distribuição com tamanho médio de partículas maior que os demais materiais, por se tratar majoritariamente de sílica, material duro e abrasivo. Apresentaram D50= 159 μm para areia padrão e D50= 104 μm para o resíduo de areia de fundição. Os demais materiais apresentaram tamanho médio de partículas bem menores, com as mesmas condições de moagem. A Fig. 1b mostra a distribuição de tamanhos de partículas dos resíduos de casca cerâmica e escória de níquel. Observaram-se D50= 17,3 μm para o resíduo de casca cerâmica e D50= 13,6 μm para a escória de níquel. A Fig. 1c apresenta a distribuição de tamanhos de partículas para o resíduo de tijolo MgO-C passado em peneira 0,5 mm (32 mesh) com D50= 29,5 μm.

Figura 1
Curvas de distribuição de tamanhos de partículas de: a) resíduo de areia de fundição e da areia padrão; b) escória de níquel e do resíduo de casca cerâmica; e c) resíduo de tijolo MgO-C passado em peneira 32 mesh.
Figure 1
Particle size distribution curves of: a) foundry sand waste and the standard sand; b) nickel slag and the ceramic shell waste; and c) MgO-C brick waste sieved in a 32 mesh sieve.

A CELF de potássio e magnésio obtida como matriz para incorporação dos resíduos estudados demonstrou-se densa para todas as formulações. A Fig. 2 mostra as densidades aparente, real e relativa de F1 a F5 de modo a permitir a análise da interação dos componentes de cada uma das misturas realizadas. As densidades reais das formulações estudadas apresentaram, basicamente, as mesmas tendências das densidades dos resíduos, já que o teor de adição foi o mesmo para todas as formulações, isto é ρF1 ≅ρF2 < ρF4 < ρF3 ≅ρF5. A ρap apresentou o mesmo comportamento, exceto para a formulação F5. Esta formulação, contendo resíduo de tijolo MgO-C, apresentou a menor ρap dentre as formulações estudadas e com isso a menor densidade relativa, 63,1%. Durante a reação ácido-base, devido à composição química do resíduo conter SO3, pode ter ocorrido a formação de H2S. Portanto, o tempo em que a reação do sistema ligante levou para neutralizar a acidez foi o tempo em que foi liberado o H2S: quanto maior esse tempo, maior a formação e liberação deste gás. Desta forma, a reação de pega rápida permitiu o aprisionamento de pequenas bolhas deste gás formadas em seu interior. A formulação contendo escória de níquel (F4) apresentou a maior densidade relativa, 72,0%, mesmo contendo alto teor de MgO, podendo este se encontrar estabilizado na forma de silicato. Pode-se relacionar este fato com sua estrutura amorfa, onde há maior área superficial das partículas, propício a uma boa interação com o meio aquoso e com a matriz ligante. Assim, uma maior reatividade com o sistema ligante pode ter ocorrido, causando maior aderência superficial das partículas incorporadas. Observando-se o tamanho médio de partículas, este resíduo foi o que apresentou menor diâmetro, D50= 13,6 μm. Isto pode indicar uma maior densificação dos corpos produzidos. As demais formulações (F1, F2 e F3) resultaram em densidades relativas muito próximas, 69,2%, 70,3% e 68,9%, respectivamente. O desvio-padrão elevado para formulação F1 (padrão) pode ter sido influenciado pelo procedimento de preparação. A sílica é inerte aos componentes do sistema ligante, porém possui caráter ácido, o que pode ter acelerado o início da reação ácido-base e promovido uma pega ultrarrápida, causando possível porosidade durante a moldagem.

Figura 2
Densidades aparente (ρap), real (ρreal) e relativa (ρrelativa) das composições estudadas.
Figure 2
Apparent (ρap), real (ρreal) and relative (ρrelative) densities of the studied compositions.

A Fig. 3 mostra a relação da absorção de água com a porosidade das formulações estudadas. Nota-se que a amostra de menor porosidade (F4) não apresentou a menor absorção de água. A explicação desta constatação pode ser relacionada à microestrutura obtida (mostrada a seguir nas imagens de MEV). Contudo, pode-se propor com os valores de absorção de água obtidos que as CELFs de potássio e magnésio desenvolveram formação de porosidade fechada, sugerindo assim uma possível redução na permeabilidade, visto que este fenômeno de permeabilidade será caso de estudo futuro. O valor mínimo de AA% ficou em 7,2% para a formulação F2 e o máximo em 10,0% para a formulação F5. Todas composições apresentaram valores dentro da faixa estipulada para tijolos solo-cimento da norma ABNT NBR 8492 2626 Assoc. Bras. Nor. Técn., NBR 8492 “Tijolo de solo-cimento- análise dimensional, determinação da resistência à compressão e da absorção de água”, Rio Janeiro (2012).: F1= 8,6%, F3= 7,7% e F4= 7,9%.

Figura 3
Absorção de água em função da porosidade (total ou aberta) das composições estudadas.
Figure 3
Water absorption as a function of porosity of the studied compositions.

O processo de crescimento de cristais durante a hidratação interfere nas propriedades mecânicas do material obtido 2727 A.M. Santos, A.E.M. Paiva, R. Salomão, V.C. Pandolfelli, in: Anais 56º Congr. Bras. Cerâm., Curitiba (2012) 1128.. Quanto maior a velocidade de crescimento do cristal, maior é a temperatura 2828 S. Chatterji, Cem. Conc. Res. 25(1995) 51.), (2929 S. Chatterji, Cem. Conc. Res. 27(1997) 811.. As estruturas dos cristais são particularmente formadas pelas taxas de crescimento e pela dissipação do calor. Taxas de crescimento muito lentas, próximo a um equilíbrio isotérmico, levam a formas de placas assimétricas. Em taxas mais elevadas, formam estruturas aciculares e assimétricas, as quais causam danos significativos à matriz 3030 S. Chatterji, J. Crystal Growth 277(2005) 566.. Os registros de temperatura são mostrados na Fig. 4. Observa-se que todas as formulações tiveram reações exotérmicas iniciais em tempos inferiores a 5 min, confirmando o início da reação de pega rápida causado pelos compostos do sistema ligante altamente reativos, KDP e MgO cáustico. Após o pico de pega rápida, houve uma constante de temperatura seguida de seu aumento devido à cristalização da K-estruvita, sendo F5 a formulação mais exotérmica (maior temperatura), chegando a 52 °C, sugerindo uma cristalização rápida com baixo crescimento de cristais, como pode ser visto nas fractografias mais adiante. Isto pode ser explicado pelo fato de que, além do MgO cáustico, a reação foi alimentada pelo MgO (sinterizado) contido no resíduo de tijolo, saturando o meio rapidamente. Torna-se importante salientar que o crescimento dos cristais de K-estruvita ocorre a partir dos íons Mg2+ dispostos na solução 77 A. Viani, A.F. Gualtieri, Cem. Conc. Res. 58 (2013) 56.), (1010 E. Soudée, J. Péra, Cem. Conc. Res. 30 (2000) 315.), (3030 S. Chatterji, J. Crystal Growth 277(2005) 566.. Muito próxima ficou a formulação F4, que registrou temperatura máxima de 50 °C, sugerindo que a taxa de crescimento dos cristais foi um pouco mais lenta, o suficiente para a formação de estruturas em forma de placas, como é mostrado mais adiante. As demais formulações registraram temperaturas máximas de 44, 43 e 46 °C para as composições F1, F2 e F3, respectivamente. Notou-se que todas as formulações revelaram o mesmo comportamento de reação térmica com uma rápida elevação da temperatura, mantida por alguns minutos, seguida por uma pequena queda e um pico de máxima temperatura, observação que pode ser explicada pela dissociação do MgO em meio ácido 1010 E. Soudée, J. Péra, Cem. Conc. Res. 30 (2000) 315.. O MgO dissocia-se até saturar a solução e equilibrar o pH do meio com íons Mg2+, proporcionando uma reação exotérmica no sistema. Como demonstrado nas Eqs. A a H, os íons Mg2+ dissociados reagem com 6 moléculas de água para formar um complexo Mg(H2O)6 2+. Íons PO4 3- e K+ oriundos do KDP saturados na solução 33 D.V. Ribeiro, J.A.M. Agnelli, M.R. Morelli, Mater. Res. 16 (2013) 1113. podem então reagir com os complexos de Mg(H2O)6 2+, formando os primeiros cristais de K-estruvita 77 A. Viani, A.F. Gualtieri, Cem. Conc. Res. 58 (2013) 56.. Neste caso, quanto maior a velocidade de crescimento do cristal, maior é a temperatura. Este segundo fenômeno pode explicar a segunda elevação de temperatura, onde ocorreu o pico máximo de temperatura da reação. Estudos 2828 S. Chatterji, Cem. Conc. Res. 25(1995) 51.), (2929 S. Chatterji, Cem. Conc. Res. 27(1997) 811. já descreveram que durante a cristalização o cristal em solução supersaturada apresenta temperatura maior do que em solução não concentrada. Esta diferença ocorre pela liberação de calor da cristalização; quanto maior a velocidade de crescimento do cristal, maior é a temperatura.

Figura 4
Temperatura de reação das composições estudadas em função do tempo.
Figure 4
Reaction temperature of the studied compositions as a function of time.

A Fig. 5 mostra as fases cristalinas contidas em cada resíduo estudado. Destaca-se o resíduo de escória de níquel, o qual apresentou caráter amorfo com alguns picos referentes à fase cristalina silicato de magnésio e níquel (MgNiSi2O6, JCPDS 21-0962). Este fato sugere que parte do MgO não estabilizado em silicato possa ser consumido na reação ácido-base dos sistemas ligantes, levando ao desenvolvimento de maiores valores de resistência à compressão. O resíduo de areia de fundição apresentou somente picos da fase quartzo (SiO2, JCPDS 46-1045), chamando a atenção para pouca, ou quase nenhuma, contaminação de metais do processo de fundição. O resíduo de tijolo MgO-C apresentou as fases cristalinas periclásio (MgO, JCPDS 45-0946), corundum (Al2O3, JCPDS 10-0173) e grafita (C, JCPDS 26-1079). O resíduo da casca cerâmica apresentou picos das fases cristalinas mulita (Al6Si2O13, JCPDS 15-0776), quartzo (SiO2, JCPDS 46-1045) e corundum (Al2O3, JCPDS 10-0173), já esperados, por se tratar de um molde cerâmico refratário da indústria de fundição. Nota-se também as fases rutilo (TiO2, JCPDS 12-0754) e hematita (Fe2O3, JCPDS 33-0664), possíveis contaminações dos moldes após a obtenção das peças metálicas pelo processo de microfusão.

Figura 5
Difratogramas de raios X dos resíduos estudados.
Figure 5
XRD patterns of the studied wastes.

Comparando-se os difratogramas dos resíduos (Fig. 5) com os difratogramas das composições obtidas (Fig. 6), destaca-se o aparecimento da estrutura cristalina K-estruvita (KMgPO4.6H2O, JCPDS 20-685), conhecida como ceramicrete devido ao seu comportamento semelhante ao concreto. Esta fase resulta da dissociação do MgO com os íons de KDP em solução. Outra fase cristalina detectada naquelas formulações onde o resíduo não continha nenhum teor de magnésia foi o periclásio (MgO, JCPDS 45-0946). A presença desta fase indicou que parte da adição do MgO cáustico para reação ácido-base não reagiu, solidificando a pasta antes da total dissociação. O excesso de MgO empregado (136%) tinha o objetivo de manter o meio reativo menos ácido, visando reduzir a velocidade de reação 3131 T. Sugama, L.E. Kukacka, Cem. Conc. Res. 13, 3 (1983) 407.), (3232 T. Sugama, L.E. Kukacka, Cem. Conc. Res. 13, 4 (1983) 499. para a formação de K-estruvita. De fato, a Fig. 4 mostra que a temperatura da reação subiu mais do que para as demais formulações no início, reduzindo rapidamente nos instantes seguintes. Assim, a formulação F5 apresentou maior teor de periclásio. As demais fases cristalinas identificadas foram as mesmas contidas nos resíduos, já mostradas anteriormente.

Figura 6
Difratogramas de raios X das formulações estudadas.
Figure 6
XRD patterns of the studied compositions.

As resistências mecânicas à compressão dos corpos de prova estão representadas na Fig. 7 como uma evolução com o tempo de cura. As formulações F1 (padrão) e F2 (com areia de fundição) apresentaram o mesmo comportamento mecânico, com valores próximos a 3 e 8 MPa (1 e 7 dias, respectivamente). Estes valores aumentaram para 10 MPa com 28 dias de cura. As mesmas fases presentes na Fig. 6 ajudam a entender o mesmo comportamento apresentado por estas duas formulações. A formulação F2 apresentou resistência mecânica à compressão um pouco superior possivelmente devido à maior densidade relativa alcançada (Fig. 2). A formulação F5 apresentou resistência mecânica à compressão inferior à formulação padrão F1 em todas as idades. Isto pode ter ocorrido pelo fato da formulação ser composta principalmente pelo resíduo de tijolo MgO-C. Nesta formulação obteve-se menor densidade relativa devido à possível formação de H2S em meio aquoso, aprisionando assim pequenas bolhas de ar que podem ter fragilizado as amostras. Porém, com o tempo de cura, houve uma evolução da resistência de 1,2 MPa no primeiro dia para 6,6 MPa no 28º dia. Os melhores resultados ficaram com as formulações F3 e F4, com valores muito próximos entre si com o tempo de cura. Destaca-se a formulação F4 com resíduo de escória de níquel, que atingiu 17,4 MPa de resistência à compressão com 28 dias de cura. A formulação F4 apresentou duas principais diferenças em relação à formulação F3: maior densidade relativa (72,0% contra 68,9%) e ausência de quartzo e presença da fase cristalina MgNiSi2O6. Possivelmente esta fase cristalina tenha atuado mais significativamente no reforço da estrutura do que o quartzo na formulação F3. Entretanto, a maior densidade relativa deve ser a principal razão para o maior valor da resistência mecânica à compressão desta formulação em relação a F3. Além disso, sua distribuição de tamanhos de partículas deve ter permitido melhor compactação, levando à maior densificação dos corpos de prova (Fig. 2). Assim, tais valores se enquadraram na norma ABNT NBR 8492 2626 Assoc. Bras. Nor. Técn., NBR 8492 “Tijolo de solo-cimento- análise dimensional, determinação da resistência à compressão e da absorção de água”, Rio Janeiro (2012). para o uso das cerâmicas obtidas como tijolos solo-cimento com função não estrutural. Sabe-se que com a utilização de aditivos retardadores de reações químicas de baixa temperatura para obtenção de materiais cerâmicos quimicamente ligados e pela substituição do MgO cáustico por MgO sinterizado, valores de resistência mecânica muito maiores podem ser alcançados. Porém, nas condições trabalhadas, sem uso de quaisquer aditivos, os valores obtidos foram considerados satisfatórios comparados ao trabalho 2424 J. Formosa, J.M. Chimenos, A.M. Lacasta, M. Niubó, Ceram. Int. 38(2012) 2483. (~27 MPa).

Figura 7
Resistência mecânica à compressão das composições estudadas em função do tempo de cura.
Figure 7
Compressive strength of the studied compositions as a function of the curing time.

As micrografias da Fig. 8 mostram a cristalização da fase K-estruvita, fosfato de potássio e magnésio hidratado (KMgPO4.6H2O) presente em todas as formulações. Algumas delas foram mais propícias ao crescimento dos cristais caracterizado na forma de placas, outras na forma de agulhas. Na Fig. 8a observa-se a superfície de fratura, onde se indicam as partículas de areia padrão incorporadas pela CELF de potássio e magnésio, ressaltando nas áreas circuladas o crescimento dos cristais da fase K-estruvita. A Fig. 8b mostra a formulação F2, com destaque para o maior surgimento de placas (áreas circuladas). Também se destaca que o resíduo incorporado continuou inerte em relação à matriz, como indicados nas flechas. Ressalta-se que apesar do surgimento de pequenos vazios com a cristalização, a formulação F2 teve a menor AA%, indicando que não houve intercomunicação entre os poros. A região fraturada da amostra da F3 (Fig. 8c) revela o reduzido crescimento de cristais. O resíduo pode ter interferido no crescimento dos cristais de K-estruvita. Uma hipótese razoável é que o resíduo apresentou elevado caráter hidrofílico, retirando do sistema ligante parte da água disponível e necessária para formações dos complexos Mg(H2O)6 2+, promovendo um baixo crescimento dos cristais, sendo necessário estudos mais aprofundados do ocorrido. Porém, com pouca cristalização, ainda se obteve uma excelente resistência à compressão, se comparada com as demais composições estudadas. As amostras da formulação F4 apresentaram os maiores valores de resistência à compressão. Além das discussões já apresentadas, o crescimento dos cristais e sua distribuição na matriz pode também ter contribuído para este comportamento mecânico. Pode-se observar na Fig. 8d que para esta formulação as condições foram favoráveis para o crescimento de placas. Houve uma distribuição tridimensional dos cristais na matriz, que pode ter favorecido o ancoramento da matriz, dificultando o surgimento e propagação de trincas. Outro ponto a ser destacado é o caráter amorfo da escória de níquel, que possivelmente pode ter interagido com os demais componentes do sistema ligante. Vale lembrar que o resíduo continha alto teor de MgO, grande parte dele sob a forma de silicato e que esta possível interação pode explicar a razão para o desenvolvimento da maior densidade relativa entre as cinco formulações investigadas. A formulação F5, contendo resíduo de tijolo MgO-C, apresentou cristalização, intercalando regiões amorfas e cristalizadas (Fig. 8e). Neste caso, o resíduo pode ter interferido no sistema ligante por meio da saturação de MgO. Sua rápida dissociação pode ter provocado uma reação de cristalização desigual na matriz cerâmica.

Figura 8
Fractografias (MEV) das formulações: a) F1 (com areia padrão); b) F2 (com areia de fundição); c) F3 (com casca cerâmica); d) F4 (com escória de níquel); e e) F5 (com tijolo de MgO-C).
Figure 8
Fractography images (SEM) of the formulations: a) F1 (with standard sand); b) F2 (with foundry sand); c) F3 (with ceramic shell); d) F4 (with nickel slag); and e) F5 (with MgO-C brick).

CONCLUSÕES

Um estudo sobre a obtenção de cerâmicas quimicamente ligadas a partir de resíduos sólidos industriais (areia de fundição, casca cerâmica, escória de níquel e tijolo refratário MgO-C) pelo método de cimento ácido-base foi realizado. As características dos materiais utilizados mostraram que a reatividade da magnésia cáustica é muito alta para ser usada neste sistema ligante, não tendo muito controle da reação com o fosfato monopotássico, gerando tempos de pega inferiores a 5 min. A K-estruvita foi a principal fase cristalina formada, responsável pela formação da matriz cerâmica, confirmada por imagens de microscopia eletrônica de varredura. O método de processamento utilizando algum aditivo retardador de pega e/ou sínter magnesiano seria mais interessante para esse tipo de sistema ligante, pois acarretaria maiores tempos de pega, melhorando a trabalhabilidade do material. As caracterizações mecânicas, mineralógicas e as imagens de microscopia eletrônica de varredura mostraram que alguns fatores interferem na reação, como composição química dos resíduos, elementos não estabilizados, granulometria e caráter ácido ou básico, podendo interagir mecânica e quimicamente na reação ácido-base do sistema ligante, ou seja, afetando na formação da matriz cerâmica obtida. A formulação contendo resíduo de níquel (F4) apresentou a maior densificação, possivelmente por possuir uma distribuição de tamanho de partícula mais favorável, além do resíduo ter caráter amorfo, interagindo com a matriz cerâmica formada pelo sistema ligante. Esta densificação promoveu a obtenção de maior resistência à compressão, possivelmente pelo reforço das partículas exercidas na matriz. Mesmo sem utilização de aditivo retardador de pega, os valores de resistência à compressão variaram entre ~7 MPa (formulação F5) e ~18 MPa (formulação F4). A baixa absorção de água das composições, ficando entre 7% (formulação F2) e 10% (formulação F5), juntamente com valores de suas resistências à compressão, indicou possibilidade de utilização de todas composições em tijolos solo-cimento, blocos de vedação e elementos de decoração, isto é, nenhuma aplicação estrutural. Os resultados mostraram ser perfeitamente possível a valorização destes resíduos, incorporando-os por meio da técnica de cimento ácido-base a partir de um sistema ligante à base de fosfato monopotássico e óxido de magnésio cáustico.

AGRADECIMENTOS

Os autores agradecem à CAPES e ao CNPq pelo apoio financeiro para a realização deste trabalho.

REFERÊNCIAS

  • 1
    A.C. Carvalho, F. Raupp-Pereira, J.B. Rodrigues Neto, A.P. Novaes de Oliveira, Cerâmica 61, 359 (2015) 383.
  • 2
    S.Y. Jeong, A.S. Wagh, “Chemical bonding phosphate ceramics: cementing the gap between ceramics, cements, and polymers”, Argonne Nat. Lab. Rep. (2002).
  • 3
    D.V. Ribeiro, J.A.M. Agnelli, M.R. Morelli, Mater. Res. 16 (2013) 1113.
  • 4
    Z. Ding, B. Dong, F. Xing, N. Han, Z. Li, Ceram. Int. 38 (2012) 6281.
  • 5
    A.I. Borzunov, S.V. D’Yakov, P.P. Poluektov, Atom. Energ. 96 (2004) 123.
  • 6
    I. Buj, J. Torras, D. Casellas, M. Rovira, J. Hazard. Mater. 170, 1 (2009) 345.
  • 7
    A. Viani, A.F. Gualtieri, Cem. Conc. Res. 58 (2013) 56.
  • 8
    Z. Ding, B. Dong, F. Xing, N. Han, Z. Li, Ceram. Int. 38, 8 (2012) 6281.
  • 9
    L. Yue, C. Bing, Const. Build. Mater. 47 (2013) 977.
  • 10
    E. Soudée, J. Péra, Cem. Conc. Res. 30 (2000) 315.
  • 11
    A.S. Wagh, S.Y. Jeong, J. Am. Ceram. Soc. 86 (2003) 1838.
  • 12
    Inst. Aço Brasil, “Relatório de sustentabilidade 2014”, Aço Brasil, “Relatório de sustentabilidade 2014”, http://www.acobrasil.org.br , ac. 14/01/2018.
    » http://www.acobrasil.org.br
  • 13
    R.D.S. Da Silva, S.R. Bragança, in: Anais 56° Congr. Bras. Cerâm., Curitiba (2012) 2120.
  • 14
    R. Alonso-Santurde, A. Coz , J.R. Viguri, A. Andrés, Const. Build. Mater. 27 (2012) 97.
  • 15
    Assoc. Bras. Nor. Técn., NBR 10004 “Resíduos sólidos- classificação”, Rio Janeiro (2004).
  • 16
    M.A. Mastella, E.S. Gislon, F. Pelisser, C. Ricken, L. Silva, E. Angioletto, O.R.K. Montedo, Waste Manag. 34(2014) 1495.
  • 17
    M.T. Carvalho, I. Francklin Junior, J.V. Zampieron, Bol. Técn. Fac. Tecn. S. Paulo 25 (2008) 3.
  • 18
    M.D.M. Innocentini, F.P.E. Kallas, O.R.K. Montedo, Mater. Sci. Forum 912(2018) 212.
  • 19
    R.L. Lima, J.V. Zampieron, Ciênc. et Praxis 2(2009) 11.
  • 20
    C.K. Chau, F. Qiao, Z. Li, Const. Build. Mater. 25(2011) 2911.
  • 21
    Assoc. Bras. Nor. Técn., NBR 9917:2009 “Agregados para concreto- determinação de sais, cloretos e sulfatos solúveis”, Rio Janeiro (2009).
  • 22
    Assoc. Bras. Nor. Técn., NBR NM 16:2012 “Cimento Portland- análise química- determinação de anidrido sulfúrico”, Rio Janeiro (2012).
  • 23
    A.K. Duarte, “Encapsulamento cerâmico de resíduos de materiais refratários”, Tese Dout., Un. Fed. Minas Gerais (2005).
  • 24
    J. Formosa, J.M. Chimenos, A.M. Lacasta, M. Niubó, Ceram. Int. 38(2012) 2483.
  • 25
    Assoc. Bras. Nor. Técn., NBR 5738:2016 “Concreto- procedimento para moldagem e cura de corpos de prova”, Rio Janeiro (2016).
  • 26
    Assoc. Bras. Nor. Técn., NBR 8492 “Tijolo de solo-cimento- análise dimensional, determinação da resistência à compressão e da absorção de água”, Rio Janeiro (2012).
  • 27
    A.M. Santos, A.E.M. Paiva, R. Salomão, V.C. Pandolfelli, in: Anais 56º Congr. Bras. Cerâm., Curitiba (2012) 1128.
  • 28
    S. Chatterji, Cem. Conc. Res. 25(1995) 51.
  • 29
    S. Chatterji, Cem. Conc. Res. 27(1997) 811.
  • 30
    S. Chatterji, J. Crystal Growth 277(2005) 566.
  • 31
    T. Sugama, L.E. Kukacka, Cem. Conc. Res. 13, 3 (1983) 407.
  • 32
    T. Sugama, L.E. Kukacka, Cem. Conc. Res. 13, 4 (1983) 499.

Datas de Publicação

  • Publicação nesta coleção
    Oct-Dec 2018

Histórico

  • Recebido
    25 Ago 2017
  • Revisado
    29 Mar 2018
  • Aceito
    08 Abr 2018
Associação Brasileira de Cerâmica Av. Prof. Almeida Prado, 532 - IPT - Prédio 36 - 2º Andar - Sala 03 , Cidade Universitária - 05508-901 - São Paulo/SP -Brazil, Tel./Fax: +55 (11) 3768-7101 / +55 (11) 3768-4284 - São Paulo - SP - Brazil
E-mail: ceram.abc@gmail.com