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Síntese da perovskita [KNbO3]0,9[BaNi0,5Nb0,5O3-δ]0,1 por combustão em solução

Synthesis of perovskite [KNbO 3 ] 0.9 [BaNi 0.5 Nb 0.5 O 3-δ ] 0.1 by solution combustion

Resumo

O desenvolvimento de perovskitas ferroelétricas capazes de absorver a luz visível, particularmente KBNNO - [KNbO3]0,9[BaNi0,5Nb0,5O3-δ]0,1 (band-gap Eg= 1,39 eV), tem encorajado a aplicação desses materiais na camada ativa de células solares. Em dispositivos fotovoltaicos, esses materiais podem permitir a obtenção de voltagens superiores à magnitude de seus band-gaps e contribuir para uma separação de portadores de cargas mais eficiente. A obtenção de KBNNO na forma de pó de elevada área superficial pode ser uma estratégia para posterior incorporação do óxido em células compostas de materiais processados a baixas temperaturas. Neste trabalho, reporta-se pela primeira vez o uso da rota de combustão em solução como uma alternativa para a síntese de KBNNO. As amostras foram caracterizadas por DRX, MEV, EDS, TG/DSC e espectroscopia UV-vis. As propriedades ópticas confirmaram a contribuição na absorção da luz visível e um band-gap próximo do valor ideal para aplicações fotovoltaicas.

Palavras-chave:
síntese por combustão em solução; perovskita; célula solar; síntese; band-gap; KBNNO

Abstract

The development of visible-light-absorbing ferroelectric perovskite materials, particularly KBNNO - [KNbO3]0.9[BaNi0.5Nb0.5O3-δ]0.1 (band-gap Eg= 1.39 eV), has provided encouragement for the use of such materials in photoactive layers. When applied in photovoltaic devices, these materials might generate above-bandgap photovoltages and a more efficient separation of charge carriers. The synthesis of this oxide as a powder with high surface area might be a strategy to further incorporation in solar cells composed of low-temperature processing materials. This work reports for the first time the application of the solution combustion as an alternative route for the synthesis of KBNNO. Characterization by XRD, SEM, EDS, TG/DSC and diffuse reflectance UV-vis spectroscopy confirmed the success of the synthesis. The optical properties showed the visible-light absorption contribution and band-gap close to the ideal magnitude for solar applications.

Keywords:
solution combustion synthesis; perovskite; solar cells; synthesis; band-gap; KBNNO

INTRODUÇÃO

A luz visível compõe a fração mais relevante da radiação solar. A conversão eficiente da energia solar está pautada prioritariamente em semicondutores fotoativos com valores baixos de band-gap (Eg), próximos do valor ótimo teórico de aproximadamente 1,4 eV, estimado a partir de 11 W. Shockley, H.J. Queisser, J. Appl. Phys. 32 (1961) 510.), (22 C.H. Henry, J. Appl. Phys. 51 (1980) 4494.. Elétrons fotoexcitados podem se recombinar com os buracos criados no semicondutor por meio de mecanismos radiativos ou não radiativos. A minimização desta recombinação é crucial para o desempenho da célula solar e, em dispositivos convencionais, minimiza-se a taxa com a aplicação de um campo elétrico externo em uma junção p-n ou outra interface. Por outro lado, semicondutores ferroelétricos têm sido estudados em aplicações fotovoltaicas pela sua contribuição na separação de portadores de cargas devido à presença da polarização intrínseca presente em tais materiais. Em outras palavras, sob iluminação, materiais ferroelétricos apresentam uma corrente de curto-circuito paralela à direção do eixo de polarização. Além disso, em células solares de semicondutores ferroelétricos é possível obter voltagens superiores à magnitude de seus band-gaps, o que potencialmente pode permitir maiores eficiências de conversão quando comparados àqueles materiais que obedecem ao limite de Shockey-Queisser 11 W. Shockley, H.J. Queisser, J. Appl. Phys. 32 (1961) 510.. Óxidos ferroelétricos geralmente possuem elevados band-gaps (2,7-4 eV) 33 I. Grinberg, D.V. West, M. Torres, G. Gou, D.M. Stein, L. Wu, G. Chen, E.M. Gallo, A.R. Akbashev, P.K. Davies, J.E. Spanie, A.M. Rappe, Nature 503 (2013) 509., o que só permite o aproveitamento de 8-20% do espectro solar. Desta forma ainda que o efeito fotovoltaico em materiais ferroelétricos já tenha sido observado há muito tempo, o desenvolvimento de materiais ferroelétricos de band-gaps reduzidos, capazes de absorver fótons na região visível do espectro solar, tem potencializado as pesquisas no campo de ferroelétricos fotovoltaicos. A chamada ‘engenharia de band-gap’ já foi reportada para diversos ferroelétricos, onde basicamente se aplica um processo de dopagem do óxido original a partir do qual estados energéticos intermediários são criados dentro da banda de valência do material, reduzindo o valor do Eg. Óxidos semicondutores ferroelétricos geralmente apresentam estrutura da perovskita, ABO3, onde A corresponde ao cátion de maior raio e B possui raio iônico menor. A partir dessa estrutura, novos compostos podem ser derivados a partir da coocupação de um ou ambos sítios catiônicos com diferentes cátions. Dentre as perovskitas ferroelétricas de maior destaque em aplicações fotovoltaicas, pode-se citar a ferrita de bismuto, BiFeO3 cujo band-gap de 2,7 eV é baixo comparado aos ferroelétricos convencionais. Por outro lado, ainda que reduzido, esse valor de Eg ainda é distante do valor ótimo de 1,4 eV e faz com que 80% do espectro não seja aproveitado. Outras perovskitas que têm ganhado atenção são as orgânico-inorgânicas, particularmente a CH3NH3PbI3, principalmente devido ao progresso contínuo no aumento de eficiência (de até aproximadamente 20%) e baixas temperaturas de processamento 44 T. Baikie, Y. Fang, J.M. Kadro, M. Schreyer, F. Wei, F.S. Mhaisalkar, M. Graetzel, T.J. White, J. Mater. Chem. A 1 (2013) 5628.), (55 J. You, Z. Hong, Y.M. Yang, Q. Chen, M. Cai, T. Song, ACS Nano 8 (2014) 1674.. No entanto, há uma contínua exploração de alternativas de melhoria na estabilidade dos dispositivos e de substituição do chumbo devido à toxicidade deste elemento.

Em 2013 foi reportada a síntese de uma família de óxidos derivados do niobato de potássio, KNbO3, chamada de KBNNO, cuja fórmula é [KNbO3]1-x[BaNi0,5Nb0,5O3-δ]x33 I. Grinberg, D.V. West, M. Torres, G. Gou, D.M. Stein, L. Wu, G. Chen, E.M. Gallo, A.R. Akbashev, P.K. Davies, J.E. Spanie, A.M. Rappe, Nature 503 (2013) 509.. Ao variar a composição de x= 0 a 0,5, os autores obtiveram o material dopado com band-gaps na faixa de 1,18 a 3,8 eV. Particularmente para x=0,1, obteve-se Eg=1,39, valor próximo do ideal para células solares. No KBNNO, parte dos íons Nb5+ são substituídos por íons Ni2+ (IMG), com compensação de cargas através da combinação da substituição de íons de K+ no sítio A por íons de Ba2+ (IMG) e vacâncias de oxigênio (IMG) 66 F. Wang, A.M. Rappe, Phys. Rev. B 91 (2015) 165124.. Na publicação original 33 I. Grinberg, D.V. West, M. Torres, G. Gou, D.M. Stein, L. Wu, G. Chen, E.M. Gallo, A.R. Akbashev, P.K. Davies, J.E. Spanie, A.M. Rappe, Nature 503 (2013) 509., o KBNNO foi sintetizado via estado sólido a partir de óxidos metálicos, empregando-se longos tempos e temperaturas de calcinação. Posteriormente, alguns trabalhos reportaram a síntese do material por rotas alternativas como deposição por laser pulsado (pulsed layer deposition) 77 W. Zhou, H. Deng, P. Yang, J. Chu, Mater. Lett. 181 (2016) 178., sol-gel 88 J. Lombardi, F. Pearsall, W. Li, S. O’Brien, J. Mater. Chem. C 4 (2016) 7989. e Pechini [9]. Mais recentemente, o KBNNO foi sintetizado por combustão no estado sólido, em temperaturas de 100 a 250 ºC mais baixas do que as empregadas pela reação no estado sólido convencional 1010 S. Sriphan, S. Kiravittaya, T. Bongkarn, Integ. Ferroel. 177 (2017) 112.. A busca por metodologias de síntese simples, com etapas, tempos e temperaturas reduzidas são essenciais para o progresso das pesquisas a respeito das propriedades e aplicação da KBNNO em células solares. Ao contrário das perovskitas orgânico-inorgânicas, que são geralmente obtidas por métodos em solução e a baixas temperaturas (<120 °C) 1111 C.C. Stoumpos, C.D. Malliakas, M.G. Kanatzidis, Inorg. Chem. 52 (2013) 9019., perovskitas como o KBNNO requerem temperaturas de síntese mais elevadas, o que reduz a possibilidade de substratos e eletrodos passíveis de serem utilizados nos dispositivos, incluindo substratos poliméricos flexíveis. Rotas que permitam obter pós de elevada área superficial podem ser uma estratégia para posterior incorporação do óxido em células compostas de materiais sensíveis à temperatura. Além disso, metodologias alternativas à síntese no estado sólido podem eliminar algumas desvantagens associadas a este processo, como a dificuldade no controle composicional, homogeneidade química prejudicada, tamanho de partículas grosseiro e introdução de impurezas durante a etapa de moagem 1212 A.C.F.M. Costa, M.R. Morelli, R.H.G.A. Kiminami, J. Mater. Synt. Proces. 9 (2001) 347..

A síntese por combustão em solução (SCS) é uma rota de síntese autopropagante de alta temperatura (self-propagating high-temperature synthesis) capaz de atingir temperaturas tão altas quanto 3000 °C em tempos muito curtos, da ordem de segundos 1313 A.S. Mukasyan, P. Epstein, P. Dinka, Proc. Combust. Inst. 31, II (2007) 1789.. O processo consiste basicamente em 3 etapas principais. A primeira etapa compreende a obtenção de uma solução homogênea de precursores de íons metálicos, geralmente nitratos (preferencialmente solúveis em água), e um combustível. A solução é então aquecida, desidratada e finalmente ocorre a ignição ao se fornecer o calor através de uma placa aquecida ou um forno, por exemplo. A combustão se autopropaga no meio, resultando ao final em um produto sólido na forma de uma massa porosa ou esponjosa. Etapas adicionais de calcinação podem ser necessárias quando há formação incompleta da fase cristalina desejada 1414 S.T. Aruna, A.S. Mukasyan, Curr. Opin. Solid State Mater. Sci. 12 (2008) 44.. A elevada energia (gerada durante a combustão) é capaz de fornecer o calor necessário para a decomposição dos reagentes e cristalização da fase cerâmica desejada. Além disso, a alta evolução de gases proporcionada pelos combustíveis e natureza dos precursores utilizados é responsável pela obtenção de pós de alta área superficial. Diversos combustíveis são utilizados na SCS, como por exemplo a ureia 1515 A.C.F.M. Costa, M.R. Morelli, R.H.G.A. Kiminami, Cerâmica 49 (2003) 133.)-(1717 A.C.F.M. Costa, E. Tortella, M.R. Morelli, R.H.G.A. Kiminami, J. Magn. Magn. Mater. 256 (2003) 174., glicina 1818 C.-C. Hwang, T.-Y. Wu, J. Wan, J.-S. Tsai, Mater. Sci. Eng. B 111 (2004) 49., carbo-hidrazida 1919 S.T. Aruna, K.C. Patil, Nanostruct. Mater. 10 (1998) 955., ácido cítrico 2020 L.C. Pathak, T.B. Singh, S. Das, A.K. Verma, P. Ramachandrarao, Mater. Lett. 57 (2002) 380., entre outros. A maior parte destes compostos possui nitrogênio e difere entre si com respeito ao poder redutor, à temperatura de combustão e à quantidade de gases gerados durante a decomposição térmica, o que por sua vez tem efeito nas propriedades finais do pó obtido. Estudos 2121 P. Erri, P. Pranda, A. Varma, Ind. Eng. Chem. Res. 43 (2004) 3092.), (2222 F. Li, J. Ran, M. Jaroniec, S.Z. Qiao, Nanoscale 7 (2015) 17590. apontam que a atividade do grupo -NH2 é maior que a do grupo -OH, que por sua vez é maior que a do grupo -COOH. Desta forma, a ureia [CO(NH2)2] e a glicina (NH2CH2COOH) são os compostos mais comumente utilizados devido à alta habilidade de coordenação com nitratos, além de baixo custo e boa disponibilidade. A complexação do combustível com os nitratos é importante, pois, além de aumentar a solubilidade, previne também a precipitação seletiva durante a evaporação da água. Além disso, a ureia apresenta o menor poder redutor (valência total 6+), produz um baixo volume de gases e tende a produzir reações não explosivas. Por outro lado, em misturas ricas em combustível pode ocorrer a sinterização precoce das partículas devido à alta temperatura atingida 1212 A.C.F.M. Costa, M.R. Morelli, R.H.G.A. Kiminami, J. Mater. Synt. Proces. 9 (2001) 347.. Devido à proximidade e facilidade de reação entre os íons metálicos em solução, a síntese por combustão produz óxidos de elevada homogeneidade química, podendo ser aplicada na obtenção de compostos como perovskitas do tipo ABO3, como BiFeO32323 Y.A. Chaudhari, A. Singh, C.M. Mahajan, P.P. Jagtap, E.M. Abuassaj, R. Chatterjee, S.T. Bendre, J. Magn. Magn. Mater. 347 (2013) 153., LaMnO32424 A. Civera, M. Pavese, G. Saracco, V. Specchia, Catal. Today 83 (2003) 199. e SrTiO32525 H. Xue, Z. Li, X. Wang, X. Fu, J. Phys. Chem. Solids 68 (2007) 2326., ou ainda perovskitas do tipo multióxidos, tal como Ba0,5Sr0,5Co0,8Fe0,2O3-δ2626 R.B. Nuernberg, M.R. Morelli, Ceram. Int. 42 (2016) 4204..

Uma vantagem da síntese por combustão em solução, particularmente no âmbito da modificação de semicondutores para aplicações fotovoltaicas, é a facilidade em se modificar (dopar) in situ o material alvo através da alteração da composição química da solução, variando-se a razão entre os precursores ou adicionando novos íons metálicos à solução 2727 Y. Ni, Y. Zhu, X. Ma, Dalton Trans. 40 (2011) 3689.. A SCS abre a possibilidade de sintetizar óxidos de alta pureza, difíceis de serem obtidos em reações no estado sólido devido às estruturas complexas e baixa velocidade de reação, além da possibilidade de obter comportamentos diferenciados visto que novas fases metaestáveis podem ser formadas em um curto espaço de tempo. A temperatura atingida durante a síntese por combustão pode ser aproximadamente estimada por:

T C = T 0 + ΔH r 0 - ΔH p 0 C p (A)

onde, T0 é a temperatura ambiente, IMG e IMG são as entalpias de formação dos reagentes e dos produtos, respectivamente, e Cp é a capacidade calorífica dos produtos à pressão constante. Na prática, TC é geralmente muito menor do que seu valor teórico devido a diversos fatores como a evolução de gases (que consomem calor), combustão incompleta dos combustíveis e perdas de calor por radiação 2222 F. Li, J. Ran, M. Jaroniec, S.Z. Qiao, Nanoscale 7 (2015) 17590.. Este menor valor de temperatura obtido na prática pode ter vantagens e desvantagens. Como desvantagem, é possível que a temperatura atingida não seja suficiente para formação completa da fase pretendida, sendo formadas também fases secundárias que podem prejudicar as propriedades do material. Por outro lado, altas temperaturas podem ocasionar retração dos poros e pré-sinterização das partículas, obtendo-se um pó agregado de menor área superficial. O teor de combustível influencia fortemente na morfologia, tamanho de partícula e área superficial do pó obtido 1313 A.S. Mukasyan, P. Epstein, P. Dinka, Proc. Combust. Inst. 31, II (2007) 1789.), (2828 A.M. Segadães, D.A. Fumo, M.R. Morelli, Mater. Res. Bull. 31 (1996) 1243.)-(3030 R.K. Selvan, C.O. Augustin, L.J. Berchmans, R. Saraswathi, Mater. Res. Bull. 38 (2003) 41.. A quantidade de combustível geralmente é expressa por meio da razão oxidantes/redutores, φ:

ϑ = i = 1 n N i · O i j = 1 m N j · R j (B)

onde, N é o número de mols do elemento oxidante de valência O ou do elemento redutor de valência R. A valência de um composto é igual à soma das valências de seus elementos individuais. Para φ =1 tem-se um sistema estequiométrico, ao passo que φ >1 e φ <1 configuram sistemas pobres e ricos em combustível, respectivamente. A SCS, até onde se tem conhecimento, ainda não tem sido muito explorada na síntese de materiais para aplicações fotovoltaicas e não foram encontradas publicações, até o momento, dessa rota na síntese do KBNNO. Neste trabalho, é mostrada pela primeira vez a síntese por combustão em solução do KBNNO para composição x=0,1, [KNbO3]0,9[BaNi0,5Nb0,5O3-δ]0,1.

EXPERIMENTAL

Materiais: como precursores para síntese do KBNNO foram utilizados o nitrato de potássio (KNO3), nitrato de bário [Ba(NO3)2], nitrato de níquel hexa-hidratado [Ni(NO3)2.6H2O] e oxalato amoniacal de nióbio {NH4[NbO(C2O4)2(H2O)2].nH2O}. Todos os nitratos apresentaram pureza acima de 99% (Sigma Aldrich), enquanto que o oxalato amoniacal de nióbio apresentou pureza >98% (CBMM). Todos os reagentes foram utilizados sem purificação prévia.

Métodos: as fases presentes nos pós sintetizados por combustão foram determinadas por difração de raios X (DRX) em difratômetro (Siemens, D5005), usando radiação CuKα (λ= 0,15418 nm). Os difratogramas foram coletados em um intervalo 2θ de 10 a 70° com passo de 0,02° e tempo de contagem de 2 s. A avaliação dos difratogramas de raios X para identificação de fases presentes nas bases de dados disponíveis foi realizada com o auxílio do software Crystallographica Search-Match. O comportamento térmico dos materiais foi avaliado em SDT Q600 (TA Instruments) a uma taxa de 5 °C/min em atmosfera oxidante. A identificação dos picos e perdas de massa foi realizada com o software TA Universal Analysis (TA Instruments). A caracterização da microestrutura dos pós e pastilhas sinterizadas foi realizada por meio da técnica de microscopia eletrônica de varredura (MEV) utilizando microscópio FEI Inspect S50 e Philips XL-30 FEG, equipado com espectroscopia por dispersão de energia (EDS). Os valores do band-gap das amostras foram obtidos utilizando o espectrômetro Varian Cary 5G, programado no modo de reflectância difusa na faixa de comprimento de onda de 200 a 800 nm. A calibração do equipamento foi realizada com óxido de magnésio, MgO. Para o cálculo dos valores, plotou-se a função de Kubelka-Munk versus hn e foram calculadas as retas tangentes às regiões lineares próximas aos pontos de inflexão nos gráficos obtidos. O valor do band-gap foi determinado pela interceptação desta reta com o eixo das ordenadas 3131 R. Lopez, R.J. Gomez, Sol-Gel Sci. Technol. 61 (2012) 1.. Pastilhas com 10 mm de diâmetro e 3 mm de espessura foram produzidas por prensagem uniaxial de 1 ton seguida de prensagem isostática a 200 MPa em prensa AIP CP360. As amostras de KBNNO foram sinterizadas em forno elétrico convencional a 1085 °C por 4 h, com taxa de aquecimento de 5 °C/min. As pastilhas foram sinterizadas em cadinhos envoltas com pó da mesma composição. Esta cobertura foi necessária para evitar gradientes de composição química decorrentes da volatilização do potássio.

Síntese do KBNNO por combustão em solução: a quantidade de combustível necessária para síntese foi calculada com base na química dos propelentes e valências dos componentes oxidantes e redutores. A partir desses valores, obteve-se o coeficiente φ, dado pela Eq. B. A partir das valências dos elementos individuais, pôde-se calcular a valência de cada composto. Realizando o cálculo para os demais reagentes utilizados na síntese do KBNNO, obtiveram-se as valências mostradas na Tabela I. Os compostos de nitrato possuem valência negativa e, portanto, caráter oxidante, ao passo que o oxalato amoniacal de nióbio (OAN) e a ureia apresentam valência positiva e caráter redutor. Para obtenção do KBNNO de estequiometria K0,9Ba0,1Ni0,05Nb0,95O3, consideraram-se os precursores metálicos na proporção K:Ba:Ni:Nb = 0,9:0,1:0,05:0,95 e, assim, determinou-se o teor de ureia estequiométrico (φ =1) com base no balanço total das valências dos compostos oxidantes e redutores da mistura. Como resultado, obteve-se um valor de -0,11 mol de ureia, o que na prática significaria que a mistura já é redutora o suficiente. Em outras palavras, a mistura já possui excesso de combustível, dispensando o uso de ureia. Desta forma, em teoria, a reação de síntese do KBNNO poderia ocorrer por si só alimentada pelo calor de combustão do OAN. Na prática, no entanto, sabe-se que isto não ocorre. Tendo-se em mente o caráter redutor do OAN, considerou-se no cálculo da quantidade de combustível somente o teor necessário para a combustão dos compostos com caráter oxidante, ou seja, o nitrato de potássio, nitrato de bário e nitrato de níquel. Teve-se então que o teor de ureia necessário, considerando uma razão estequiométrica (φ =1), é de 1 mol de ureia. Esse teor de ureia calculado em teoria deve ser suficiente para completar a decomposição dos compostos, gerar os gases correspondentes e elevar a temperatura de forma a promover a formação da KBNNO segundo a reação abaixo:

9 10 KNO 3 + 1 10 Ba ( NO 3 ) 2 + 1 20 Ni ( NO 3 ) 2 . 6 H 2 O + 19 20 NH 4 [ NbO ( C 2 O 4 ) 2 ( H 2 O ) ] ( H 2 O ) n + ( NH 2 ) 2 CO K 0 , 9 Ba 0 , 1 Ni 0 , 05 Nb 0 , 95 + 5 CO 2 + mH 2 O + 63 20 N 2 (C)

Tabela I
Reagentes utilizados na síntese do KBNNO e respectivas valências.
Table I
Reagents used in the synthesis of KBNNO and respective valences.

Os precursores e a ureia foram pesados e transferidos a um cadinho de sílica vítrea, ao qual foi adicionada água deionizada, mantendo-se a proporção em massa reagentes/água =1/2. A homogeneização foi realizada a 60 °C em placa de aquecimento e com o auxílio de um agitador magnético. Após obtenção de um sistema homogêneo, iniciou-se a evaporação de água sob agitação contínua, inicialmente com agitador magnético até cerca de 100 °C e posteriormente com o auxílio de um bastão de vidro. A temperatura da placa foi aumentada continuamente até 400 °C e, quando o sistema adquiriu uma viscosidade elevada, o cadinho foi transferido para o forno elétrico convencional a 750 °C e mantido nesta temperatura por 15 min após a finalização da reação de combustão.

RESULTADOS E DISCUSSÃO

Para φ =1, foi analisado o aspecto da solução durante a mistura a 60 °C em placa de aquecimento e com o auxílio de um agitador magnético por um período de 2 a 12 h de homogeneização. Nitratos metálicos são comumente utilizados na síntese por combustão em solução por permitirem a obtenção de um sistema homogêneo e com boa estabilidade em solução. Apesar de o OAN ser solúvel em água, notou-se que a homogeneidade da solução de nitratos foi prejudicada ao se adicionar esse composto. Ao invés de se obter uma solução clara e homogênea, para φ =1 e 2 h de homogeneização, observou-se uma mistura esbranquiçada e turva. Essa falta de homogeneidade é prejudicial à reação de combustão, pois pode acarretar na não formação ou formação incompleta da fase desejada. O aspecto da mistura com 2 h de agitação passou de turvo esbranquiçado para uma solução homogênea clara e azulada após 12 h de agitação. Pôde-se observar que para um teor de ureia estequiométrico não houve ignição e o produto final obtido foi somente uma massa de material endurecido, resultado da decomposição térmica simples dos reagentes devido ao aquecimento. O teor estequiométrico de ureia e o caráter redutor do OAN não foram, portanto, suficientes para gerar o calor necessário para ocorrência da combustão propriamente dita. É possível que parte da dificuldade enfrentada esteja relacionada com precipitações observadas durante a evaporação da água e o comportamento particular do OAN em solução, como, por exemplo, a formação de compostos intermediários que prejudicam a reação de combustão. Essas dúvidas requerem um estudo mais profundo dos mecanismos de reação envolvidos durante todo o processo de síntese do KBNNO. Independentemente das justificativas envolvidas, claramente é necessária mais energia para ocorrência da combustão considerando o sistema e compostos utilizados. Desta forma, além do tempo de mistura, foi necessário avaliar a influência do teor de ureia na efetividade da reação de combustão. Os parâmetros avaliados na síntese do KBNNO por combustão em solução encontram-se resumidos na Tabela II. A combustão propriamente dita, conforme Tabela II, foi atingida para 12 h de homogeneização e φ =3. A ignição se mostrou controlada, propagando-se lentamente por todo cadinho por cerca de 30 s até a finalização da reação. Ao final do processo, obtiveram-se flocos de aglomerados fracos de coloração esverdeada, facilmente quebráveis com o auxílio de um pistilo e almofariz. Foi utilizado um pirômetro para acompanhar o aumento de temperatura do sistema durante a combustão. O perfil de temperaturas é interessante de ser medido, pois mostra a rapidez com que ocorre o aumento de temperatura no momento em que a combustão de fato ocorre. Como pode ser visualizado na Fig. 1, em apenas 6 s a temperatura do sistema elevou-se em torno de 200 °C, de aproximadamente 580 para 780 °C. O valor máximo registrado pelo pirômetro na síntese do KBNNO foi de 781 °C.

Tabela II
Parâmetros avaliados na síntese do KBNNO.
Table II
Parameters evaluated in the KBNNO synthesis.

Figura 1
Perfil de temperatura registrado pelo pirômetro durante a síntese do KBNNO por combustão. A temperatura de ignição, Ti, foi de 586 °C e a de combustão, TC, foi de 781 °C.
Figure 1
Temperature profile registered by the pyrometer during KBNNO combustion synthesis. The ignition temperature, Ti, was 586 °C and the combustion temperature, TC, was 781 °C.

À temperatura ambiente, geralmente o KNbO3 apresenta estrutura cristalina ortorrômbica. Por outro lado, os difratogramas do KNbO3 após dopagem com BaNi0,5Nb0,5O3-δ em teores acima de 10% apresentam padrão semelhante à simetria cúbica (grupo espacial Pm3m). O que se observa na transformação da simetria ortorrômbica (KNbO3) para a simetria cúbica (KBNNO) é a junção dos picos (110) e (001) em um único pico (001), e dos picos (220) e (002) no pico (200). À medida que o teor de dopante aumenta, os picos tendem a se tornar ainda mais estreitos, indicando que o grau e a temperatura da transição estrutural (ortorrômbica-cúbica) são suprimidos 33 I. Grinberg, D.V. West, M. Torres, G. Gou, D.M. Stein, L. Wu, G. Chen, E.M. Gallo, A.R. Akbashev, P.K. Davies, J.E. Spanie, A.M. Rappe, Nature 503 (2013) 509.. Como mostrado na Fig. 2, o pó obtido direto da combustão já apresentou um padrão característico da perovskita cúbica, o que se verifica observando a presença dos picos (001) em 2θ ~22° e (200) em 2θ ~45°. As posições dos picos de Bragg para a simetria ortorrômbica estão mostradas pelas barras verticais de coloração vermelha abaixo do difratograma do KBNNO. É possível notar ainda a presença de fase secundária não identificada, sinalizada pelo símbolo ♦. É comum a formação de fases secundárias na síntese por combustão quando os teores de combustível são muito elevados, o que pode ser atribuído à combustão incompleta decorrente de oxigênio insuficiente na atmosfera 2121 P. Erri, P. Pranda, A. Varma, Ind. Eng. Chem. Res. 43 (2004) 3092. e também aos prejuízos na homogeneidade da solução durante a evaporação da água. A não homogeneidade da solução pode ocasionar a formação de géis instáveis e o calor de combustão pode ser dissipado para regiões mais frias ao redor, nas quais a razão combustível/oxidante não são favoráveis, reduzindo a temperatura da chama. Além disso, alterações de pH durante a evaporação da água também podem ocasionar a precipitação de precursores 3232 R.K. Lenka, T. Mahata, P.K. Sinha, A.K. Tyagi, J. Alloys Compd. 466 (2008) 326.. Essas não homogeneidades podem permitir tanto a formação de fases secundárias quanto a presença de compostos reacionais remanescentes, o que exige etapas de calcinação adicionais. Conforme dito anteriormente, a introdução do oxalato amoniacal de nióbio causou de fato uma instabilidade na solução de precursores, o que abre espaço para a busca de condições reacionais mais otimizadas que permitam a obtenção de soluções homogêneas e estáveis. Além disso, outros autores indicam ser possível eliminar a presença das fases secundárias nos pós de KBNNO uma vez que sejam encontradas temperaturas e tempos de calcinação otimizados 1010 S. Sriphan, S. Kiravittaya, T. Bongkarn, Integ. Ferroel. 177 (2017) 112..

Figura 2
Difratograma de raios X da amostra KBNNO sintetizada por combustão. As barras vermelhas indicam as posições dos picos de Bragg para a simetria ortorrômbica da KNbO3 não dopada.
Figure 2
X-ray diffraction pattern of the KBNNO synthesized by SCS. The red bars indicate the position of the Bragg peaks for the non-doped KNbO3 orthorhombic symmetry.

O pó obtido após a combustão foi avaliado por microscopia eletrônica de varredura (MEV) para caracterização qualitativa do tamanho das partículas e estado de aglomeração dos pós. Com baixa magnificação foi possível notar na Fig. 3a a presença de aglomerados e agregados de partículas de tamanhos muito variados, desde cerca de alguns micrômetros até em torno de 100 mm. Com um aumento maior (Fig. 3b) foi possível evidenciar a presença de partículas ligadas umas às outras, indicando uma pré-sinterização durante a síntese, o que causou a agregação. Foi possível ainda notar em algumas regiões a presença de partículas alongadas de morfologia distinta do aspecto geral do pó (Figs. 3c e 3d). A partir da análise química pontual por EDS (Fig. 4), verificou-se que tais estruturas alongadas foram ricas em potássio. A razão teórica entre átomos de K e Nb para o KBNNO com x=0,1 é de K/Nb=0,95. Esta razão para a região 1 mostrada na Fig. 4a, cuja morfologia é a apresentada majoritariamente pelo pó, foi de 0,91, ao passo que para a região de partículas alongadas (região 2, Fig. 4a) obteve-se K/Nb=2. Desta forma, ainda que não tenha sido possível identificar qual é a fase secundária através do difratograma de raios X, o EDS indicou que se trata de uma fase rica em potássio. A formação de fases secundárias pode ser decorrente da perda de homogeneidade do sistema durante a síntese, acarretando em gradientes de concentração de íons, com consequente tendência à formação de fases com estequiometria distinta.

Figura 3
Micrografias de MEV mostrando: a) morfologia do pó de KBNNO para baixo aumento; b) morfologia do pó de KBNNO para maior aumento; c) região com concentração de segunda fase com grãos de morfologia alongada; e d) região com presença isolada de alguns grãos da fase secundária. Os tamanhos das partículas se encontram na faixa de 800 nm a 110 µm e as agulhas possuem larguras na faixa de 200 nm a 1,5 µm.
Figure 3
SEM micrographs showing: a) morphology of KBNNO powder at low magnification; b) morphology of KBNNO powder at higher magnification; c) region containing a concentration of secondary phase with elongated shape grains; and d) region containing isolated grains of the secondary phase. Particle sizes are in the range of 800 nm to 110 µm and the needles have widths in the range of 200 nm to 1.5 µm.

Figura 4
Resultados de EDS do pó de KBNNO sintetizado por combustão: a) região onde foi realizada a análise elementar (ponto 1 ou 2); b) espectro de EDS do ponto 1, onde foi obtida a razão K/Nb=0,91, próxima à estequiometria desejada (K/Nb=0,95); e c) espectro de EDS do ponto 2, onde foi obtida a razão K/Nb=2, indicando que os grãos alongados são de uma segunda fase rica em potássio.
Figure 4
EDS results of the KBNNO powder synthesized by SCS: a) region where the elemental analysis was performed (zone 1 or 2); b) EDS spectrum of zone 1, where the ratio K/Nb=0.91 was obtained, which is close to the desired stoichiometry K/Nb=0.95; and c) EDS spectrum of zone 2, where the ratio K/Nb=2 was obtained, indicating that the elongated grains are a secondary phase rich in potassium.

Uma vez que foi identificada a presença de fases secundárias e visando também a caracterização do comportamento térmico do pó obtido, realizou-se o ensaio DSC/TG (calorimetria exploratória diferencial/termogravimetria), cujos resultados encontram-se na Fig. 5. Até cerca de 200 °C, notou-se uma contínua perda de massa decorrente da liberação de água adsorvida e dos reagentes. Acredita-se que o pico em torno de 260 °C correspondeu à decomposição de resíduos reacionais, sendo a perda de massa em torno de 1%. A perda de massa posteriormente se tornou mais lenta até cerca 700 °C, o que pode ser atribuído à decomposição de compostos mais rígidos como resíduos carbonáceos, o que já foi observado em meios reacionais contendo ureia 3232 R.K. Lenka, T. Mahata, P.K. Sinha, A.K. Tyagi, J. Alloys Compd. 466 (2008) 326.. Conforme discutido anteriormente, tais resíduos remanescentes estão presentes possivelmente em decorrência dos efeitos causados pelo excesso de combustível e instabilidades na homogeneidade da solução durante a evaporação da água. A 705 °C foi observado um discreto ganho de massa (~0,03%), o que já foi observado para esse material por outros autores 33 I. Grinberg, D.V. West, M. Torres, G. Gou, D.M. Stein, L. Wu, G. Chen, E.M. Gallo, A.R. Akbashev, P.K. Davies, J.E. Spanie, A.M. Rappe, Nature 503 (2013) 509. e é atribuído ao ganho de oxigênio pela oxidação do Ni2+ a Ni3+. A partir de 750 °C iniciou-se novamente a perda de massa, sendo registrado um pico exotérmico no DSC a 1028,7 °C. Acredita-se que esta perda de massa seja decorrente da decomposição das fases secundárias previamente formadas com posterior cristalização de novas fases, conforme foi verificado por DRX da amostra sinterizada a 1085 °C. Também não se deve descartar a cristalização de novas fases devido à volatilização do potássio acima de 750 °C. O ensaio foi interrompido a 1100 °C para evitar a ocorrência da fusão dentro do equipamento. Não se tem conhecimento de publicações que tenham analisado curvas de DSC para este material, não sendo possível fazer comparações com a literatura.

Figura 5
Curvas de TG/DSC do pó de KBNNO obtido por combustão.
Figure 5
TG/DSC curves of KBNNO powder synthesized by SCS.

No difratograma de raios X da amostra sinterizada a 1085 °C foi possível verificar a ausência do pico de fase secundária presente no pó obtido na combustão. Por outro lado, surgiram novos picos em outros valores de 2θ entre as reflexões basais do KBNNO, indicados pelas setas na Fig. 6. Também não foi possível identificar a que fase pertencem estes picos com a base de dados disponível. Ainda assim, este resultado reforçou aquele obtido no TG/DSC, onde foi indicado um pico exotérmico a 1028 °C que sugeriu decomposição com cristalização de novas fases. A presença de fases secundárias no KBNNO foi reportada em todos os trabalhos de síntese deste material publicados até o momento 33 I. Grinberg, D.V. West, M. Torres, G. Gou, D.M. Stein, L. Wu, G. Chen, E.M. Gallo, A.R. Akbashev, P.K. Davies, J.E. Spanie, A.M. Rappe, Nature 503 (2013) 509.), (77 W. Zhou, H. Deng, P. Yang, J. Chu, Mater. Lett. 181 (2016) 178.)-(99 P. Wu, G. Wang, R. Chen, Y. Guo, X. Ma, D. Jiang, RSC Adv. 6 (2016) 82409., não se podendo inferir a influência das mesmas nas propriedades do KBNNO.

Figura 6
Difratogramas de raios X da amostra KBNNO sinterizada a 1085 °C e do pó obtido por SCS a 750 °C. As setas indicam os picos de novas fases secundárias formadas durante a sinterização em alta temperatura.
Figure 6
XRD patterns of the KBNNO sample sintered at 1085 °C and the powder synthesized by SCS at 750 °C. The arrows indicate the peaks related to new secondary phases formed during sintering at high temperature.

A Fig. 7 mostra os espectros de absorção óptica do pó de KNbO3 comercial e do KBNNO sintetizado por combustão obtidos no ensaio de espectroscopia UV-vis com reflectância difusa. O KNbO3 apresentou somente um único pico de absorção em 340 nm com queda abrupta da absorção para zero em torno de 400 nm. Por outro lado, no espectro do KBNNO foi possível verificar 4 picos, centrados em aproximadamente 360, 430, 640 e 720 nm. Entre 500 e 600 nm a absorção foi reduzida, o que era esperado considerando a coloração do material e essa faixa de comprimento de onda estar vinculada à coloração verde-amarelo. Resultado semelhante foi encontrado no trabalho de síntese do KBNNO pelo método Pechini 55 J. You, Z. Hong, Y.M. Yang, Q. Chen, M. Cai, T. Song, ACS Nano 8 (2014) 1674.. Os autores obtiveram resultados de DRX, espectroscopia Raman, XPS e EDX que indicaram a obtenção da fase KBNNO. Consideraram o maior pico de absorção do espectro UV-vis para o cálculo do band-gap do KBNNO, obtendo para a composição x=0,1 um Eg de 3,1 eV. A partir deste resultado, os autores 55 J. You, Z. Hong, Y.M. Yang, Q. Chen, M. Cai, T. Song, ACS Nano 8 (2014) 1674. afirmam que acreditam que no trabalho original da síntese da KBNNO via reação no estado sólido (SSR) 33 I. Grinberg, D.V. West, M. Torres, G. Gou, D.M. Stein, L. Wu, G. Chen, E.M. Gallo, A.R. Akbashev, P.K. Davies, J.E. Spanie, A.M. Rappe, Nature 503 (2013) 509. foi considerada para cálculo do band-gap intrínseco do material a banda de absorção em 720 nm. No artigo que reporta pela primeira vez a síntese via SSR não consta a curva de absorção completa, sendo somente mostrada uma faixa estreita da função de Kubelka-Munk versus hν, identificando um band-gap de 1,39 eV. Desta forma, não foi possível chegar a uma conclusão a respeito de qual pico foi utilizado para o cálculo do band-gap do KBNNO sintetizado via SSR. De qualquer forma, ambos autores e este trabalho comprovaram claramente a contribuição do KBNNO na absorção da região visível do espectro com relação ao material não dopado. Para comparação com os resultados obtidos nos dois trabalhos citados, plotou-se a função de Kubelka-Munk versus hν para a amostra sintetizada neste trabalho por SCS (Fig. 8). Para os 3 picos de absorção principais, foram calculados os ajustes lineares para obtenção das retas tangentes, y=a+b.x, que indicariam os valores de Eg se considerado cada um desses picos. Os coeficientes das retas obtidas encontram-se listados na Tabela III. Os valores de x para y=0 (E1 a E4) obtidos para as retas encontram-se na última coluna da tabela. Para o KNbO3, o valor de band-gap obtido (E1) foi de 3,1 eV. Para o KBNNO, obtiveram-se os valores de 3,01, 2,41 e 1,42 eV. De fato, se considerado o último pico para determinação do band-gap intrínseco do KBNNO, o valor Eg=1,42 eV seria muito próximo ao obtido via SSR para a composição x=0,1 (1,39 eV) 33 I. Grinberg, D.V. West, M. Torres, G. Gou, D.M. Stein, L. Wu, G. Chen, E.M. Gallo, A.R. Akbashev, P.K. Davies, J.E. Spanie, A.M. Rappe, Nature 503 (2013) 509..

Figura 7
Espectro de absorção do KNbO3 e KBNNO sintetizado por combustão obtido por espectroscopia UV-vis com reflectância difusa.
Figure 7
Diffuse reflectance UV-vis absorption spectrum of KNbO3 and KBNNO synthesized by SCS.

Figura 8
Gráfico da função de Kubelka-Munk versus hν para as amostras KNbO3 e KBNNO sintetizado por combustão.
Figure 8
Kubelka-Munk function versus hv of KNbO3 and KBNNO synthesized by SCS.

Tabela III
Coeficientes das retas tangentes y=a+bx em cada pico de absorção no ensaio de espectroscopia UV-vis.
Table III
Coefficients of the tangent lines y=a+bx at each absorption peak in the Kubelka-Munk function versus hv plot of KBNNO sample.

CONCLUSÕES

Neste trabalho foi mostrado, pela primeira vez, que é possível utilizar a técnica de combustão em solução (SCS) como uma rota alternativa para a síntese do KBNNO - [KNbO3]0,9[BaNi0,5Nb0,5O3-δ]0,1. A partir dos resultados de DRX e de espectroscopia UV-vis foi possível concluir que o KBNNO foi obtido com sucesso. Por outro lado, as condições experimentais utilizadas resultaram na presença de fases secundárias, o que abre espaço para a otimização das condições de síntese para que seja obtida a fase pura. As propriedades ópticas indicaram absorção nas regiões de comprimento de onda de 300 a 800 nm, com picos de absorção em 360 nm (3,44 eV), 430 nm (2,88 eV), 640 nm (1,93 eV) e 720 nm (1,72 eV), ao passo que o niobato de potássio não dopado (KNbO3) não apresentou absorção de fótons de comprimentos de onda superiores a 400 nm (3,01 eV). A síntese por combustão em solução se mostrou aberta a melhorias que possibilitem a obtenção de pós de KBNNO com menor tamanho de partícula e ausência de fases secundárias. Próximos passos visando a otimização do processo podem incluir a variação do tipo e concentração de combustíveis e precursores, bem como a temperatura do forno durante a reação de combustão. As particularidades da solução precursora ao se utilizar o oxalato amoniacal de nióbio abrem espaço para estudos mais aprofundados com respeito à influência deste composto em aspectos como estabilidade do sistema e exotermia da reação de combustão.

AGRADECIMENTOS

Os autores gostariam de agradecer ao CNPq e à FAPESP (2006/61008-5, 2015/23329-3 e 2016/03667-4) pelo apoio financeiro.

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Datas de Publicação

  • Publicação nesta coleção
    Jan-Mar 2019

Histórico

  • Recebido
    08 Mar 2018
  • Revisado
    30 Maio 2018
  • Aceito
    27 Jul 2018
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