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Pigmentos à base de cobalto para aplicação em revestimentos cerâmicos

Cobalt-based pigments for application in ceramic coatings

Resumo

Pigmentos inorgânicos foram preparados com estrutura espinélio para aplicações em revestimentos cerâmicos. Pigmentos com composição CoCr2O4 e Co0,8Zn0,2Cr2O4 foram sintetizados por uma rota química usando gelatina de uso farmacêutico como precursor orgânico. Foram investigadas a influência da dopagem e a temperatura de tratamento térmico na coloração dos pigmentos e dos esmaltes cerâmicos. Os materiais foram caracterizados por análise termogravimétrica, difração de raios X, microscopia eletrônica de varredura, espectroscopia por energia dispersiva, espectroscopia na região do UV-visível e colorimetria. Os pós apresentaram estrutura espinélio a partir de 500 °C, com formação de fase secundária residual de Cr2O3 nas amostras Co0,8Zn0,2Cr2O4 tratadas termicamente a 500 e 1000 °C. Os pigmentos e os esmaltes preparados apresentaram cores em tons de azul esverdeado para as amostras CoCr2O4 e verde para a amostra Co0,8Zn0,2Cr2O4. Os resultados confirmaram a efetividade da rota de síntese utilizada para produzir óxidos com estrutura espinélio.

Palavras-chave:
síntese de espinélios; pigmentos cerâmicos; gelatina

Abstract

Inorganic pigments were prepared with spinel structure for applications in ceramic tiles. Pigments with composition CoCr2O4 and Co0.8Zn0.2Cr2O4 were synthesized by a chemical route using gelatin for pharmaceutical use as an organic precursor. The influences of doping and thermal treatment temperature on pigment and ceramic glaze color were investigated. The materials were characterized by thermogravimetric analysis, X-ray diffraction, scanning electron microscopy, dispersive energy spectroscopy, spectroscopy in the UV-visible region and colorimetry. The powders treated at 500 °C presented spinel structure, with the formation of residual secondary phase of Cr2O3 in samples Co0.8Zn0.2Cr2O4 heat-treated at 500 and 1000 °C. The prepared pigments and glazes presented blue-green colors for the samples CoCr2O4 and green color for the sample Co0.8Zn0.2Cr2O4. The results confirmed the effectiveness of the synthesis route used to produce oxides with a spinel structure.

Keywords:
synthesis of spinel; ceramic pigments; gelatin

INTRODUÇÃO

Os espinélios representam uma das estruturas cristalinas mais interessantes na produção de pigmentos estáveis e quimicamente inertes. Os íons de diferentes estados de oxidação estão presentes tanto em sítios tetraédricos quanto em octaédricos, podendo gerar óxidos com estrutura espinélio normal ou invertido. Recentemente os óxidos com estrutura espinélio baseados em cromitas vêm se destacando devido às suas propriedades elétricas, com aplicações abrangendo vários campos da física, ciências de materiais e geofísica. Nas cromitas com estrutura espinélio de formulação química ACr2O4, o sítio A é composto por um metal com estado de oxidação 2+ e desempenha o papel de modificador da rede, posicionando-se nos sítios tetraédricos. Já o cromo desempenha o papel de formador de rede, localizado nos sítios octaédricos. Modificações nas propriedades dos diversos tipos de espinélios formados podem acontecer devido à variação do tipo de íon A 11. L.C. Porto, C.M.Z. Cristiano, V. Soldi, in 9° Congr. Bras. Polímeros 4 (2007) 17.. A possibilidade de acomodação de metais de transição com estado de oxidação 2+ no sítio A da estrutura de espinélios baseados em cromitas conduzem à formação de diferentes cores, sendo estas estáveis e intensas, adequadas ao uso como pigmentos 22. Z. Wang, S.K. Saxena, P. Lazor, H.S.C. O’neill, J. Phys. Chem. Solids 64 (2006) 425.. Desta forma, é possível atender à demanda crescente da indústria cerâmica por pigmentos nas diversas cores, sobretudo azuis, verdes, amarelos e vermelhos 33. C.S. Xavier, L.E.B. Soledade, E. Longo, C.A. Paskocimas, S.J.G. Lima, I.M.G. Santos, A.G. Souza, in Brazil. MRS Meet. (2006)..

Para fazer a seleção de pigmentos cerâmicos nas mais diversas aplicações, devem ser considerados alguns fatores e características, tais como: insolubilidade na cobertura, resistência ao ataque por agentes químicos (ácidos e bases), estabilidade térmica, distribuição granulométrica homogênea e ausência de emissões gasosas no interior dos vidrados, que provocam defeitos nos mesmos 44. A.C. Martin, L.M. Schabbach, M.V. Folgueras, Cerâmica 65, 376 (2019) 562.)-(66. E. Ozel, S. Turan, J. Eur. Ceram. Soc. 23 (2003) 2097.. Geralmente a indústria cerâmica brasileira obtém pigmentos por meio da síntese de óxidos mistos pelo método convencional 77. R.N. de Almeida, S.F. Santos, J.A. Sampaio, A.B. da Luz, T. Ogasawara, M.C. de Andrade, Cerâmica 53, 325 (2007) 57.. Entretanto, muitos são os esforços no sentido de produzir pigmentos de maior qualidade e melhor desempenho, minimizando os danos ambientais provocados pela sua obtenção. Assim, uma das soluções frequentemente estudadas é o desenvolvimento de novas rotas de síntese que substituam o método convencional, pois este resulta em pigmentos com propriedades heterogêneas e o processo envolve um alto gasto de energia 88. G. George, Dyes Pigments 112 (2015) 81.), (99. R.C. Olegário, E.C.F. Souza, J.F.M. Borges, J.B.M. Cunha, A.V.C. Andrade, S.R.M. Antunes, A.C. Antunes, Dyes Pigments 97 (2013) 113..

Nos últimos anos, tem sido proposta uma rota alternativa baseada na utilização da gelatina como precursor orgânico 1010. A.F. Costa, P.M. Pimentel, D.M.A. Melo, M.S.C. Câmara, L. Chantelle, M.A.F. Melo, R.L.B.A. Medeiros, Cerâmica 62, 362 (2016) 179.)-(1212. J.L.S. Dutra, G.C.B. Dantas, P.M. Pimentel, F.M. Aquino, A.F. Costa, A.C. Lima, R.M.P.B. Oliveira, Cerâmica 64, 371 (2018) 413.. A rota gelatina consiste em formar dispersões coloidais entre os íons metálicos com grupos coordenantes da gelatina, tais como amina (NH2) e o grupo carboxílico (COOH), que são submetidos a aquecimento para redução do volume até a formação de um gel e, em seguida, tratados termicamente a uma temperatura pré-determinada para tornar-se um óxido inorgânico 1313. N.A.S. Nogueira, V.H.S. Utuni, Y.C. Silva, P.K. Kiyohara, I.F. Vasconcelos, M.A.R. Miranda, J.M. Sasaki, Mater. Chem. Phys. 163 (2015) 402.. Sua principal vantagem é a não geração de gases, ser atóxico e não necessitar da formação do sol, reduzindo substancialmente o tempo de síntese 1010. A.F. Costa, P.M. Pimentel, D.M.A. Melo, M.S.C. Câmara, L. Chantelle, M.A.F. Melo, R.L.B.A. Medeiros, Cerâmica 62, 362 (2016) 179.), (1212. J.L.S. Dutra, G.C.B. Dantas, P.M. Pimentel, F.M. Aquino, A.F. Costa, A.C. Lima, R.M.P.B. Oliveira, Cerâmica 64, 371 (2018) 413.. A gelatina possui uma grande capacidade de biodegradabilidade e biocompatibilidade em ambientes fisiológicos, fazendo com que a utilização desse produto em algumas sínteses seja de amplo interesse científico e tecnológico 1414. M. Kakihana, J. Solgel Sci. Technol. 6 (1996) 7.. No presente estudo foram sintetizados pigmentos cerâmicos, com estrutura de espinélio, de composição CoCr2O4 e Co0,8Zn0,2Cr2O4 utilizando gelatina como precursor orgânico. Os pigmentos foram incorporados em esmalte transparente brilhante para avaliar o desenvolvimento da cor e a estabilidade da mesma, após tratamento térmico a 500, 800 e 1000 °C.

MATERIAIS E MÉTODOS

Síntese dos pigmentos: para a síntese dos compostos CoCr2O4 e Co0,8Zn0,2Cr2O4 (CoxZn1-xCr2O4) foram utilizados o nitrato de zinco hexa-hidratado [Zn(NO3)2.6H2O, Vetec, 98%], nitrato de cobalto hexa-hidratado [Co(NO3)2.6H2O, Acros Organics, 99%] e o nitrato de cromo nona-hidratado [Cr(NO3)3.9H2O, Vetec, 97%] em quantidades estequiométricas. Foi utilizada a razão massa/massa 1:1 de gelatina e cátions metálicos. Para a preparação do composto CoCr2O4 foi utilizado o método gelatina 1010. A.F. Costa, P.M. Pimentel, D.M.A. Melo, M.S.C. Câmara, L. Chantelle, M.A.F. Melo, R.L.B.A. Medeiros, Cerâmica 62, 362 (2016) 179.)-(1212. J.L.S. Dutra, G.C.B. Dantas, P.M. Pimentel, F.M. Aquino, A.F. Costa, A.C. Lima, R.M.P.B. Oliveira, Cerâmica 64, 371 (2018) 413.. Inicialmente foi adicionada a gelatina em um béquer com 150 mL de água deionizada sob agitação constante a 50 °C para dissolvê-la. A dispersão permaneceu sob aquecimento até aproximadamente 70 °C. Em seguida foi acrescentado o nitrato de cobalto sob agitação por 15 min e, posteriormente, foi acrescentado o nitrato de cromo, mantendo a agitação por 60 min. Após esse tempo, a temperatura foi aumentada para 90 °C ocorrendo assim a evaporação da água e formação de uma resina polimérica, que foi tratada termicamente a 350 °C, com patamar de 2 h e taxa de aquecimento de 10 °C/min para a redução da matéria orgânica. O mesmo procedimento foi adotado para o composto CoxZn1-xCr2O4. Os pós precursores resultantes deste processo foram tratados termicamente utilizando ciclo térmico com aquecimento a 10 °C/min e patamar de 4 h nas temperaturas de 500, 800 ou 1000 °C para obtenção da fase.

Aplicação no esmalte: foi utilizado um esmalte cerâmico transparente brilhante com composição percentual em massa de 80% de feldspato e 20% de bórax (Na2B4O7.10H2O, Vetec, 99,5%). Os revestimentos foram obtidos usando misturas de 2% em massa de pigmento para 98% numa massa de esmalte contendo uma concentração mássica de 0,2% de carboximetilcelulose (CMC, Synth, 99,5%) e 0,1% de hexametafosfato de sódio. A barbotina resultante foi aplicada à base cerâmica, que foi levada à mufla e submetida ao tratamento térmico a 1100 °C, com taxa de aquecimento de 15 ºC/min e patamar de 15 min.

Caracterização: as fases cristalinas dos pós tratados termicamente a 500, 800 e 1000 °C foram identificadas por difração de raios X (DRX). O equipamento utilizado (XRD-6000, Shimadzu) foi operado com radiação CuKα. Os difratogramas foram obtidos com ângulo 2θ variando de 10° a 80°. Os padrões de difração foram ajustados e refinados pelo método Rietveld 1515. H.M. Rietveld, J. Appl. Crystallogr. 2 (1969) 65. e o ajuste do padrão foi feito com o software MAUD 1616. L. Lutterotti, MAUD v.2.046 (2006) www.ing.unitn.it/wmaud/.
www.ing.unitn.it/wmaud/...
. A análise termogravimétrica (TG) foi realizada por meio do equipamento STA 449 F3 Júpiter, Netzsch, em atmosfera de ar, com taxa de aquecimento de 10 °C/min. As micrografias foram obtidas por meio do microscópio eletrônico de varredura (MEV, XL-30ESEM, Philips) com tensão de 20 kV. As medições colorimétricas do CIE-L*a*b* dos pós e das cerâmicas foram realizadas usando um colorímetro (Color-Eye 2180, Gretag Macbeth). Os espectros de reflectância foram obtidos em um espectrofotômetro (UV-Visible, Shimadzu) equipado com reflectância acessória UV-2550, com comprimento de onda na região de 200-800 nm.

RESULTADOS E DISCUSSÃO

As curvas termogravimétricas dos pós precursores são mostradas na Fig. 1. Observou-se uma perda de massa contínua entre a temperatura ambiente e 900 ºC, atribuída à eliminação de água adsorvida e à decomposição dos aminoácidos presentes na estrutura orgânica da gelatina 1717. F.S. Oliveira, P.M. Pimentel, R.M.P.B. Oliveira, D.M.A. Melo, M.A.F. Melo, Mater. Lett. 64 (2010) 2700.. As amostras apresentaram pequenas quantidades de perda de massa, sendo 5,3% e 5% para os pós CoCr2O4 e CoxZn1-xCr2O4, respectivamente. A perda de massa mais acentuada só ocorreu a partir de 700 °C. Este comportamento ocorreu devido às fortes interações ácido-base de Lewis entre os grupos funcionais da gelatina (bases de Lewis) e os elementos metálicos (ácidos de Lewis) 1717. F.S. Oliveira, P.M. Pimentel, R.M.P.B. Oliveira, D.M.A. Melo, M.A.F. Melo, Mater. Lett. 64 (2010) 2700..

Figura 1:
Curvas de análise termogravimétrica (TG) dos pós precursores: a) CoCr2O4; e b) CoxZn1-xCr2O4.
Figure 1:
Thermogravimetric analysis (TG) curves of precursor powders: a) CoCr2O4; and b) CoxZn1-xCr2O4.

A Fig. 2 apresenta os difratogramas de raios X padrão e experimental dos compostos CoCr2O4 e CoxZn1-xCr2O4 tratados a 500, 800 e 1000 °C. No composto CoCr2O4, em todas essas temperaturas, foram identificados picos de reflexão característicos da estrutura espinélio tipo cúbica, de acordo com a ficha JCPDS 80-1668. Não foram obeservadas reflexões atribuídas a outras fases dentro do limite de detecção da técnica de DRX. Este comportamento ocorreu para os materiais obtidos por tratamento térmico realizados nas três temperaturas. À medida que a temperatura do tratamento térmico das amostras aumentou, os picos tornaram-se mais estreitos e definidos, o que pode ser atribuído a um aumento na cristalinidade destes compostos com a elevação da temperatura de tratamento térmico, indicando que o material foi se organizando a longo alcance. O composto CoxZn1-xCr2O4 apresentou simetria cúbica, conforme ficha JCPDS 82-2251. Estes resultados evidenciaram que o método de síntese foi efetivo na obtenção da fase espinélio quando os pós precursores foram submetidos a tempo e temperatura de processamento relativamente baixo como 500 °C, o que é uma das vantagens quando comparado com outras rotas de síntese, nas quais a fase espinélio é obtida em temperaturas mais altas. Eliziário 1818. S.A. Eliziário, “Pigmentos de estrutura espinélio à base de cromo trivalente”, Diss. Mestr, UFPB, João Pessoa (2007). preparou pigmentos com estrutura CoCr2O4 pelo método dos precursores poliméricos, obtendo a fase majoritária a partir de 600 °C. Gonçalves et al. 1919. P.R.G. Gonçalves Jr, J.H.G. Rangel, M.M. Oliveira, E. Azevedo, L.P.S. dos Santos, E. Longo, Cerâmica 52, 324 (2006) 293. inseriram ferro na estrutura dessa cromita usando o método Pechini, mas não obtiveram pós monofásicos, mesmo com aquecimento a 1000 °C. Betancur-Granados e Restrepo-Baena 2020. N. Betancur-Granados, O.J. Restrepo-Baena, J. Eur. Ceram. Soc. 37 (2017) 5051. sintetizaram espinélios de CoCr2O4 pelo método convencional, mas só obtiveram a fase quando trataram termicamente a 1200 °C/6 h. Já Tian et al. 2121. Z. Tian, C. Zhu, J. Wang, Z. Xia, Y. Liu, S. Yuan, J. Magn. Magn. Mater. 377 (2015) 176. obtiveram a fase pelo método hidrotérmico, entretanto somente após 24 h de tratamento, enquanto Coelho et al. 2222. M.B.M. Coelho, M.M. Oliveira, I.C. Nogueira, J.H.G. Rangel, J.S. Vasconcelos, E. Azevedo, A.P. Maciel, E. Longo, Cerâmica 64, 369 (2018) 49. prepararam pigmentos cerâmicos à base de cromita pelo método de reação de combustão, todavia o início da formação da estrutura espinélio só foi observada a partir de 600 °C, mas com presença de fase secundária. Logo, o método gelatina mostrou-se vantajoso na obtenção de cromitas com estrutura espinélio, considerando que a fase já foi obtida a 500 °C, enquanto outros estudos, mesmo usando rotas mais demoradas e temperaturas de tratamento térmico superiores, não conseguiram resultados similares. Nas amostras sintetizadas a 500 e 1000 °C foram observadas reflexões residuais atribuídas à fase Cr2O3 em frações de 1,2% a 500 °C e 2,2% a 1000 °C (Tabela I). Foi determinado, em estudos com espinélios baseados em cromitas 1919. P.R.G. Gonçalves Jr, J.H.G. Rangel, M.M. Oliveira, E. Azevedo, L.P.S. dos Santos, E. Longo, Cerâmica 52, 324 (2006) 293.), (2323. K.T. Jacob, G.M. Kale, G.N.K. Iyengar, J. Mater. Sci. 21, 8 (1986) 2753.)-(2525. A.F. Costa, P.M. Pimentel, F.M. Aquino, D.M.A. Melo, M.A.F. Melo, Mater. Sci. Forum 798-799 (2014) 160., que em baixas temperaturas estes compostos são relativamente estáveis, mas em temperaturas superiores a 900 °C apresentam tendência de decomposição e formação de fases Cr2O3 e AcrO2.

Figura 2:
Difratogramas de raios X padrão e experimental das amostras: a) CoCr2O4; e b) CoxZn1-xCr2O4.
Figure 2:
Standard and experimental X-ray diffraction patterns of the samples: a) CoCr2O4; and b) CoxZn1-xCr2O4.

Tabela I
Parâmetros microestruturais dos compostos CoCr2O4 e CoxZn1-xCr2O4 refinados por Rietveld.
Table I
Microstructural parameters of the CoCr2O4 and CoxZn1-xCr2O4 compounds refined by Rietveld.

A Fig. 3a ilustra a variação da cristalinidade e tamanho do cristalito do CoCr2O4 nas diferentes temperaturas. Observou-se que, à medida que aumentou a temperatura de tratamento térmico, ocorreu um aumento da cristalinidade. Isto ocorreu porque a elevação da temperatura favoreceu uma maior acomodação dos átomos na estrutura cristalina. O pó tratado a 1000 °C apresentou o maior grau de cristalinidade (>98%), enquanto os pós tratados a 500 e 800 °C apresentaram 59,18% e 92,37%, respectivamente. O mesmo ocorreu no tamanho dos cristalitos (Dc), onde se pôde verificar que com a elevação da temperatura ocorreu um aumento do tamanho. O parâmetro de rede (a) e o volume de célula (Vc) dos pós puro e dopado estão mostrados na Tabela I. Os valores do parâmetro de rede são indicativos de espinélio com simetria cúbica variando de 8,09 a 8,33 Å nos pós sintetizados. Os valores do volume de célula variaram de 529,5 a 578,9 Å3. A Fig. 3b ilustra a variação da cristalinidade e tamanho do cristalito para o composto CoxZn1-xCr2O4. Observou-se que com o aumento da temperatura de tratamento ocorreu uma elevação gradual da cristalinidade. Isto pôde ser verificado observando-se o claro estreitamento da reflexão de Bragg em aproximadamente 37º, que é indicativo do aumento do grau de cristalinidade das amostras e, consequentemente, provocou um aumento do tamanho de cristalito para este pigmento. A 1000 °C o valor para o tamanho médio de cristalito foi em torno de 135 nm e a cristalinidade de 93,22%. O parâmetro de rede para essa mesma temperatura foi de 8,33 Å e o volume de célula de 578,9 Å3. Os valores de otimização do refinamento (SIG) foram aceitáveis (inferior a 2) para ambas amostras, característico de um bom refinamento 1717. F.S. Oliveira, P.M. Pimentel, R.M.P.B. Oliveira, D.M.A. Melo, M.A.F. Melo, Mater. Lett. 64 (2010) 2700.. As micrografias de MEV podem ser observadas na Fig. 4. Ficou evidenciada morfologia com formação de aglomerados com formatos variados e contornos arredondados de diferentes tamanhos nos compostos CoCr2O4 e CoxZn1-xCr2O4.

Figura 3:
Tamanho médio de cristalito e cristalinidade em função da temperatura para: a) CoCr2O4; e b) CoxZn1-xCr2O4.
Figure 3:
Average crystallite size and crystallinity as a function of temperature for: a) CoCr2O4; and b) CoxZn1-xCr2O4.

Figura 4:
Micrografias de MEV dos pigmentos CoCr2O4 (a) e CoxZn1-xCr2O4 (b) tratados termicamente a 800 °C.
Figure 4:
SEM micrographs of the pigments CoCr2O4 (a) and CoxZn1-xCr2O4 (b) heat treated at 800 °C.

Os espectros de refletância na região do UV-vis dos pigmentos de CoCr2O4 e CoxZn1-xCr2O4 são apresentados na Fig. 5. A primeira banda entre 200 e 300 nm foi relacionada à transferência de carga e não influenciou na cor, pois ocorreu fora da região do visível. Essa banda foi ficando mais intensa à medida que se aumentou a temperatura. Uma segunda banda mais estreita em torno de 380 nm, com pouca intensidade na região do violeta, foi ficando mais definida com o aumento da temperatura, resultado da transferência de carga de alta energia entre Co e O 2626. M. Gaudon, A. Apheceixborde, M. Menetrier, A.L. Nestour, A. Demourgues, Inorg. Chem. 48 (2009) 9085.. Uma terceira banda bastante intensa foi observada próximo a 530 nm, atribuída à transição do Cr3+. A cor deste composto foi resultado da sobreposição das bandas dos íons Co2+ e Cr3+, originando uma cor azul esverdeada. Segundo Souza et al. 2727. L.K.C. Souza, J.R. Zamian, G.N. Rocha Filho, L.E.B. Soledade, I.M.G. Santos, A.G. Souza, T. Scheller, R.S. Angelica, C.E.F. Costa, Dyes Pigments 81 (2009) 187., este comportamento é esperado, pois geralmente o Co2+ em ambiente tetraédrico e Cr3+ em ambiente octaédrico decorre nas cores azul e verde, respectivamente. Observou-se também que os espectros de reflectância obtidos para o material dopado nas temperaturas de tratamento de 500, 800 e 1000 °C apresentaram similaridade com os espectros de reflectância obtidos para a amostra CoCr2O4. O íon Cr3+ quando em sítio octaédrico apresenta quatro transições possíveis na região do visível: a primeira transição e mais pronunciada ocorre em cerca de 530-570 nm e é atribuída a 4A2g(4F)4T2g(4F); a segunda ocorre próximo de 440 nm, corresponde a 4A2g(4F)4T1g(4F); e as duas últimas, menos pronunciadas, ocorrem em torno de 640 e 740 nm, sendo atribuídas às transições 4A2g(4F)4T1g(2G) e 4A2g(4F)2E(2G) 2828. M. Dondi, G. Cruciani, G. Guarini, F. Matteucci, M. Raimondo, Ceram. Int. 32 (2006) 393.. Já o íon Co2+ realiza três transições: 4A2(F)4T2(F),4A2(F)4T1(F) e 4A2(F)4T1(P) 2929. M. Llusar, A. Fores, J.A. Badenes, J. Calbo, M.A. Tena, G. Monros, J. Eur. Ceram. Soc. 21 (2001) 1121.. Neste estudo, os resultados condisseram com a literatura, já que, pelos espectros UV-vis, foi possível observar que a cor da cromita CoCr2O4 foi ocasionada pela sobreposição das bandas das transições do Co2+ em sítio tetraédrico e das bandas das transições do Cr3+ em sítio octaédrico. Deste modo, as cromitas apresentaram coloração verde. Somando-se a isso, observou-se que as cores dos pigmentos de CoxZn1-xCr2O4 ficaram mais claras que a amostra CoCr2O4. Isso foi devido à substituição de íons Co2+ por Zn2+, pois como o Zn2+ não realiza transição d-d (possui d10) não contribui para a cor e, portanto, com a redução da quantidade de íons cromóforos no sistema, é esperado que a intensidade da contribuição do Co2+ seja reduzida, fato este evidenciado pelo aumento do percentual de reflectância L nos espectros das amostras dopadas.

Figura 5:
Espectros de reflectância UV-vis de CoCr2O4 (a) e CoxZn1-xCr2O4 (b) tratados a 500, 800 e 1000 °C.
Figure 5:
UV-vis reflectance spectra of CoCr2O4 (a) and CoxZn1-xCr2O4 (b) heat treated at 500, 800 and 1000 °C.

A Tabela II mostra os valores dos parâmetros CIE-L*a*b* dos pigmentos. Constatou-se que as cores dos pigmentos de CoCr2O4 obtidos por tratamento nas três temperaturas foram resultantes das contribuições dos deslocamentos das coordenadas -a (direção do verde) e -b (direção do azul), resultando em cores em tons de azul esverdeado. Já em relação ao pigmento CoxZn1-xCr2O4, identificou-se um deslocamento na direção da coordenada -a, enquanto a coordenada b permaneceu praticamente no centro do eixo, resultando em cores finais verdes, atribuídas apenas ao deslocamento da coordenada -a. A análise de cor corroborou os resultados dos espectros de reflectância das amostras (Fig. 5). A Fig. 6 exibe as cores dos pigmentos sintetizados, bem como os esmaltes aplicados no substrato cerâmico. Observou-se que os pigmentos mantiveram suas colorações na temperatura de queima do revestimento (1100 °C), o que sugeriu que houve compatibilidade química entre os componentes do esmalte transparente brilhante e dos pigmentos obtidos. Além disso, verificou-se que as aplicações que usaram o pigmento dopado com zinco (CoxZn1-xCr2O4) foram mais claras que os pigmentos sem dopagem (CoCr2O4), conforme foi verificado nos resultados da reflectância (Fig. 5) e da colorimetria dos materiais sintetizados (Tabela II).

Tabela II
Dados colorimétricos das amostras no sistema CIE-L*a*b*.
Table II
Colorimetric data of samples in the CIE-L*a*b* system.

Figura 6:
Imagens das amostras de pigmentos (a) e esmaltes aplicados no substrato cerâmico após tratamento térmico a 1100 °C (b).
Figure 6:
Images of pigment samples (a) and glazes applied on ceramic substrate after heat treatment at 1100 °C (b).

CONCLUSÕES

Os resultados obtidos indicaram que o método gelatina mostrou-se um processo favorável na obtenção de pigmentos cristalinos com estruturas CoCr2O4 e CoxZn1-xCr2O4 a baixas temperaturas, sendo um método simples, econômico e produtivo, com potencial de ser viável a sua produção em grande escala. Os difratogramas de raios X apresentaram reflexões da estrutura espinélio com simetria cúbica monofásica na maioria das amostras sintetizadas. As cores dos pigmentos de CoCr2O4 e CoxZn1-xCr2O4 foram azuis esverdeados e verdes, respectivamente, conforme determinação das coordenadas do espaço de cores do sistema CIE-L*a*b* e foram resultantes da sobreposição das bandas de reflectância dos íons cromóforos Cr3+ e Co2+. Os pigmentos apresentaram potencial aplicação em pisos e revestimentos cerâmicos.

AGRADECIMENTOS

Os autores agradecem à empresa VITTRA Fritas e Esmaltes Cerâmicos, ao LACOM-UFPB e à CAPES pelo suporte financeiro.

REFERÊNCIAS

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Datas de Publicação

  • Publicação nesta coleção
    13 Dez 2019
  • Data do Fascículo
    Jan-Mar 2020

Histórico

  • Recebido
    09 Maio 2018
  • Revisado
    23 Fev 2019
  • Revisado
    23 Mar 2019
  • Revisado
    10 Maio 2019
  • Revisado
    09 Jul 2019
  • Aceito
    27 Jul 2019
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