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Determinação dos parâmetros microestruturais de amostras de caulinitas usando o método de refinamento do perfil de difração de raios X

Resumos

É conhecido da teoria da difração de raios X que os alargamentos das linhas de reflexões de uma amostra de pó estão associados com as imperfeições dos cristalitos, com os erros instrumentais e com efeitos da radiação utilizada. Nesse estudo, são separados os parâmetros microestruturais de duas amostras beneficiadas de caulinitas provenientes de depósitos brasileiros de diferentes regiões, usando o método de ajuste do perfil "Profile Matching", também conhecido como ajuste Le Bail, incorporado ao programa FullProf, que trata de difratogramas de raios X pelo método de Rietveld. O refinamento de Rietveld foi realizado com os dados de um material padrão LaB6, para obter os parâmetros da função instrumental e como uma forma de validar o método "profile matching". Uma função pseudo-Voigt modificada (TCHZ) foi usada para o ajuste dos perfis. Os valores das larguras integrais betah e dos parâmetros etah calculados pelo programa serviram de dados para a aplicação do "modelo" aqui denominado TCHZpV. Os resultados dos parâmetros microestruturais calculados pelos dois procedimentos foram, então, comparados com boa concordância, indicando que os tamanhos dos cristalitos constituem a maior fonte das imperfeições cristalinas das amostras de caulinita.

Caulinita; difração; raios X; Rietveld


From the x-ray diffraction theory, we know that the broadening of the reflection lines obtained from a powder sample may be related to some imperfection of the crystallite. Such broadening effect may also be caused by instrumental failures and dispersion of the length of the radiation. In this study, the micro structural parameters of two improved samples of kaolinites were obtained through the method of fitting profiles. This method is also known as Le Bail fitting method and was embodied in the version of FullProf, a program of Rietveld analysis. The Rietveld refinement was performed with the data obtained from the standard reference material LaB6. This refinement led to a set of instrumental function parameters and the validation method of the results obtained by the profile matching method. A modified pseudo-Voigt function (TCHZ) was used to fit the profiles. The integral broadening and the parameters, bh and hh, respectively, were calculated from the program and used as data base for the TCHZpV "model". The results of the microstructural parameters computed by both methods match well, suggesting that the size of the crystallites is the major cause of the kaolinite crystalline imperfections.

Kaolinite; diffraction; X-ray; Rietveld


GEOCIÊNCIAS

Determinação dos parâmetros microestruturais de amostras de caulinitas usando o método de refinamento do perfil de difração de raios X

Jorge Corrêa de AraújoI; Joaquim Teixeira de AssisII; Vladimir Ivanovitch MoninIII; Luiz Carlos BertolinoIV

IM.Sc., FFP/UERJ. E-mail: jcaraujo@iprj.uerj.br

IID.Sc., IPRJ/UERJ. E-mail: joaquim@iprj.uerj.br

IIIPhD., IPRJ/UERJ. E-mail: monin@iprj.uerj.br

IVD.Sc., FFP/UERJ. E-mail: lcberto@uerj.br

RESUMO

É conhecido da teoria da difração de raios X que os alargamentos das linhas de reflexões de uma amostra de pó estão associados com as imperfeições dos cristalitos, com os erros instrumentais e com efeitos da radiação utilizada. Nesse estudo, são separados os parâmetros microestruturais de duas amostras beneficiadas de caulinitas provenientes de depósitos brasileiros de diferentes regiões, usando o método de ajuste do perfil "Profile Matching", também conhecido como ajuste Le Bail, incorporado ao programa FullProf, que trata de difratogramas de raios X pelo método de Rietveld. O refinamento de Rietveld foi realizado com os dados de um material padrão LaB6, para obter os parâmetros da função instrumental e como uma forma de validar o método "profile matching". Uma função pseudo-Voigt modificada (TCHZ) foi usada para o ajuste dos perfis. Os valores das larguras integrais bh e dos parâmetros hh calculados pelo programa serviram de dados para a aplicação do "modelo" aqui denominado TCHZpV. Os resultados dos parâmetros microestruturais calculados pelos dois procedimentos foram, então, comparados com boa concordância, indicando que os tamanhos dos cristalitos constituem a maior fonte das imperfeições cristalinas das amostras de caulinita.

Palavras-chave: Caulinita, difração, raios X, Rietveld.

ABSTRACT

From the x-ray diffraction theory, we know that the broadening of the reflection lines obtained from a powder sample may be related to some imperfection of the crystallite. Such broadening effect may also be caused by instrumental failures and dispersion of the length of the radiation. In this study, the micro structural parameters of two improved samples of kaolinites were obtained through the method of fitting profiles. This method is also known as Le Bail fitting method and was embodied in the version of FullProf, a program of Rietveld analysis. The Rietveld refinement was performed with the data obtained from the standard reference material LaB6. This refinement led to a set of instrumental function parameters and the validation method of the results obtained by the profile matching method. A modified pseudo-Voigt function (TCHZ) was used to fit the profiles. The integral broadening and the parameters, bh and hh, respectively, were calculated from the program and used as data base for the TCHZpV "model". The results of the microstructural parameters computed by both methods match well, suggesting that the size of the crystallites is the major cause of the kaolinite crystalline imperfections.

Keywords: Kaolinite, diffraction, X-ray, Rietveld.

1. Introdução

Em uma grande variedade de materiais de importância tecnológica como, por exemplo, os materiais cerâmicos e metálicos, podem ser analisados, segundo Langford et alii (1988), em termos de suas estruturas finas, através dos alargamentos das linhas de reflexões pela difração de raios X.

As deformações microestruturais afetam a forma e a largura das reflexões de Bragg e podem ser atribuídas a duas causas principais: (i) os tamanhos dos cristalitos e (ii) as microdeformações do reticulado (variações dos parâmetros de rede). Nesse sentido, os alargamentos das linhas de difrações podem ser utilizados como um indicador da cristalinidade da amostra do material, (Baig et alii., 1998). O método que será empregado, nesse estudo, utiliza uma função de perfil que ajusta a curva de difração observada em função de 2q pelo método dos mínimos quadrados.

A largura das reflexões a meia altura (FWHM ou 2wh) pode ser atribuída à soma das larguras provenientes dos efeitos intrínsecos da amostra e das aberrações instrumentais, isto é:

2wh = 2wintrínseco + 2winstrumental

(1)

O alargamento intrínseco é considerado como a soma dos alargamentos devido aos tamanhos dos cristalitos e às microdeformações do reticulado.

2wintrínseco = 2wtc + 2wdef

(2)

Esse estudo tem como objetivo principal a extração dos parâmetros dos tamanhos aparentes dos cristalitos e das microdeformações do reticulado das linhas de reflexões das amostras de caulinita, selecionadas pelas reflexões de mais alta intensidade, usando-se a difração de raios X.

2. Materiais e métodos

2.1 Preparação das amostras de caulinitas

Foram estudadas duas amostras de caulim de origens sedimentares de diferentes regiões do Brasil, aqui identificadas por A e B. Tais amostras constituíram objeto de estudo realizado por Bertolino (2000), objetivando avaliar a influência do íon ferro na alvura do caulim utilizado na indústria do papel. A amostra A é proveniente da Mina Caliman, localizada na região de Prado, sul do Estado da Bahia. A amostra B é originária da região do Morro do Felipe, localizado às margens do rio Jarí, no Estado do Amapá.

As amostras de caulim (Run of mine) são representativas das jazidas e foram submetidas a etapas de tratamentos físico e químico, visando a eliminar as impurezas mineralógicas e a elevar o índice de alvura. Esse tipo de beneficiamento é adotado pela maioria das empresas produtoras de caulim utilizado na indústria do papel. As amostras foram submetidas à separação magnética em campo de alta intensidade (»14.000 Gauss), com objetivo de remover os minerais magnéticos localizados na superfície da caulinita. Posteriormente foi incluída a etapa de lixiviação química com ditionito de sódio, visando a remover o ferro presente no minério, através da redução do Fe+3 (insolúvel) para o Fe+2 (solúvel). Todas as etapas do beneficiamento foram realizadas nos laboratórios do Centro de Tecnologia Mineral (CETEM/MCT/RJ). Os resultados das análises químicas das amostras de caulim são apresentados na Tabela 1. As amostras beneficiadas são constituídas, exclusivamente, por caulinita, não havendo, nos difratogramas de raios X, picos indicativos da presença de outras fases mineralógicas importantes.

2.2 A difração de raios X

Os difratogramas de raios X das amostras foram obtidos no Centro Brasileiro de Pesquisas Físicas (CBPF/MCT/RJ) através do difratômetro da marca HGZ/4 de alta resolução, com um gerador Seifert ID 3000, usando a radiação CuKa, sendo a corrente e a tensão utilizadas de 40mA e 40 KV, respectivamente. A leitura de 2q variou de 10 a 80º, com o passo de 0,02º e o tempo de 1s. Foram excluídas dos refinamentos as regiões 2q (i) 19 a 24º e (ii) 73 a 80º.

Os dados da amostra lanthanum hexaboride (LaB6) considerada como um material de referência-padrão foram usados para ajustar a função de resolução instrumental. As reflexões desse material foram coletadas na extensão 2q, variando de 20 a 130º, com o passo de 0,02º e o tempo de 1s. Foram excluídas do refinamento as regiões 2q de (i) 27,10 a 27,70; (ii) 33,50 a 34,00 e (iii) 38,90 a 39,30º.

Nas análises através do difratômetro de raios X, procurou-se utilizar a mesma quantidade de caulim no porta-amostra, tendo o cuidado de não promover uma orientação preferencial das partículas de caulinita, uma vez que se trata de um filossilicado. A rotina adotada na preparação das amostras foi baseada na metodologia utilizada na maioria dos laboratórios de difração de raios X.

2.3 Separação dos parâme-tros microestruturais

Para o cálculo dos parâmetros - tamanho aparente e da microdeformação, é utilizada a alternativa proposta por De Keijser et alii (1983):

L = l / (btccos q)

(3)

= 1 / 4 (b

(4)

A equação (3) é conhecida como equação de Scherrer (1918). Ela relaciona o tamanho aparente do cristalito L com a largura integral btc na escala 2q (rad). A equação (4) relaciona a microdeformação aparente (=(Dd/d)hkl, limite superior da distorção) com o alargamento do perfil bdef na escala 2q (rad). Os termos btc e bdef são os alargamentos integrais do perfil intrínseco da difração devido, respectivamente, aos efeitos dos tamanhos dos cristalitos e das microdeformações do reticulado. O valor h = 4 é chamado microdeformação aparente de Stokes (1944).

Na análise das linhas de difração, com a utilização de uma função da forma do perfil TCHZ, é assumido o procedimento descrito por Langford et alii (1988). Nessa metodologia, o alargamento do perfil da espécie f devido aos efeitos dos tamanhos é modelado por uma função Lorentziana, enquanto o alargamento do perfil da espécie f devido aos efeitos das microdeformações é representado por uma curva Gaussiana.

2.4 Refinamento de Rietveld

O método de refinamento de Rietveld (1969) é realizado através do ajuste de todo o perfil da amostra por um modelo matemático fenomenológico (eq. 6), que utiliza o método dos mínimos quadrados. A quantidade a ser minimizada é o resíduo RY dado por:

RY (x) = Swi(yi-yci)2

(5)

onde yi e yci são, respectivamente, as intensidades observadas e calculadas no i-ésimo passo (na escala 2q), wi = 1/variança yi (padrão) e x é o vetor n - dimensional, cujas coordenadas são os parâmetros a serem refinados. O programa FullProf (Rodrigues-Carvajal, 1990) utiliza o algoritmo de Gauss-Newton para a minimização do resíduo RY (x).

O modelo usado para descrever o perfil da amostra policristalina, corrigido o background, é baseado na expressão:

yci(calc)=SwikSk2

(6)

Sk contém as informações estruturais e wik descreve o perfil da k-ésima reflexão que contribui para a intensidade no ponto i. O termo não estrutural da eq.(6) é dado pela expressão (Thompson et alii, 1987):

wik = tjkLkfik (Dik2q)

(7)

Nessa expressão, t é o passo do intervalo, jk é o fator de multiplicidade, Lk é o fator Lorentz de polarização e fik(D2qik) é a função que descreve a forma do perfil do pico de difração.

Entre as várias funções disponíveis no programa (Rodriguez-Carvajal, 1990), para o ajuste do perfil das linhas de difrações, pelo método de Rietveld, a mais indicada para a análise da microestrutura é a pseudo-Voigt modificada por Tompson et alii (1987), também conhecida como TCHZ e utilizada nesse estudo e definida por:

TCHZ (x) = hL(x) + (1-h) G (x) 0 < h < 1

(8)

sendo que L(x) e G(x) são as funções, respectivamente, Lorentziana e Gaussiana, já normalizadas na unidade de área.

O parâmetro h é um parâmetro da forma do perfil e é calculado pelo programa (Tabela 2, Young, 1993) e indica a proporção das contribuições da eq.(9) para a largura H (= 2w). A largura H da linha experimental do perfil da difração é calculada pelo programa através de um polinômio do quinto grau nas variáveis HL e HG (Tabela 2, Young, 1993), onde os alargamentos Gaussianos e Lorentzianos são dados por:

HG2 = U tan2(q) + V tan(q) + W + IG (1/cos2q)

(9)

e

HL = X tan(q) + Y / cos(q)

(10)

Os parâmetros U e X medem os alargamentos isotrópicos do pico devido aos efeitos das microdeformações, de natureza, respectivamente, Gaussiana e Lorentziana. Analogamente, os parâmetros IG e Y dão a medida isotrópica do alargamento do pico, devido aos efeitos dos tamanhos dos cristalitos de natureza, respectivamente, Gaussiana e Lorentziana. Os parâmetros V e W indicam, respectivamente, as medidas das contribuições dos efeitos instrumentais. Todos esses parâmetros são refináveis pelo programa.

Na Tabela 2, são mostrados os valores dos parâmetros da função de resolução instrumental, TCHZ, da amostra-padrão, através dos dois procedimentos de refinamentos. É possível notar a boa concordância entre os mesmos.

Uma vez obtida a largura H e o parâmetro h, pela aplicação da TCHZ, as larguras integrais são calculadas (em rad) pelo programa (Rodriguez-Carvajal, 1990), através da expressão:

bTCHZ (ou bPV) = P 0,5H / (h + (1-h) (P ln 2)0,5) (1/cos q) (P/180)

(11)

Os parâmetros mais usados para avaliar o ajuste entre yci e yi ,em cada passo, são os índices numéricos Rwp e Rexp, definidos como,

Rwp =[Swi(yi - yci)2 / Swi yi2]0,5

(12)

Rexp=[(N - P) / Swi yi2]0,5

(13)

Onde N é o número dos pontos i, e P é o número de parâmetros refinados. Os valores típicos desses índices numéricos de ajuste do refinamento são de 15 a 30%, para a difração de raios X, dependendo, em parte, do tempo de contagem usado, do grau de orientação preferencial e do número de parâmetros refinados. Para um refinamento perfeito, Rwp e Rexp devem ser iguais. O R-Bragg é o índice que avalia a qualidade do ajuste das intensidades integradas de cada reflexão de Bragg e é dado por:

R-Bragg = S | Ik (obs) - Ik(calç)| / SIk(obs)

(14)

Segundo Young (1993), além dos critérios numéricos, é considerado de fundamental importância o critério gráfico de ajuste, baseado na diferença entre o gráfico calculado e o gráfico observado.

2.5 O modo "Profile Matching"

Esse procedimento, que é também conhecido como ajuste Le Bail et alii (1988), não necessita de qualquer informação estrutural, exceto as intensidades das reflexões de Bragg, o grupo espacial C1 (triclínico) e os parâmetros de rede aproximados, que nesse estudo foram considerados como a = 5,150330Å, b = 8,936810Å, c = 7,386680Å, a = 91,68240, b =104,79100 e g = 89,87100. Isso faz com que os dados de entrada do programa sejam mais simples e possibilitem o estudo de materiais nos quais os parâmetros estruturais são desconhecidos ou pobremente conhecidos. Essa técnica utiliza o refinamento de todos os parâmetros pelos mínimos quadrados, exceto as intensidades integradas "observadas" as quais são estimadas pela fórmula iterativa de Rietveld (1969). Esse algoritmo é implementado como uma opção em alguns programas de Rietveld, como o programa FullProf utilizado nesse estudo, onde é chamado "profile matching" (R-PM).

O método do R-PM foi utilizado por Bonetto et alii (2003), na análise quantitativa de fases de amostras de caulinitas contendo diferentes frações de caulinita e quartzo, sendo que os resultados das análises quantitativas de fases dessas misturas ficaram em ótima concordância com os obtidos com o refinamento de Rietveld convencional. A progressão do R-PM é parecida com o RR convencional, isto é, são refinados: o ponto zero do detector, parâmetros do "background", parâmetros de rede, constantes da forma do perfil, parâmetros de assimetria, etc.

2.6 O modo TCHZpV

O modo aqui denominado TCHZpV constitui, na verdade, uma "metodologia" que utiliza os pares (h, b) dados, respectivamente, pelo programa FullProf (Rodriguez-Carvajal, 1990). Os pares (hh, bh) e (hg, bg) são parâmetros, respectivamente, dos perfis experimental (h) e instrumental (g) das linhas de reflexões das amostras de caulinitas e do material-padrão. Esses parâmetros são utilizados como dados para a separação dos alargamentos integrais bfL = btc e bfG = bdef .

Aplicando as equações (3-4) aos valores btc e bdef obtêm-se as estimativas, respectivamente, para os tamanhos aparentes e para as microdeformações nas direções das reflexões selecionadas da amostra. As larguras Lorentzianas e Gaussianas são separadas segundo De Keijser et alii (1983), através das equações:

bL / b = 0,017475 + 1,500484 h - 0,534156h2

(15)

bG / b = 0,184446 + 0,812692 (1- h)1/2 - 0,659603h + 0,44542h2

(16)

As larguras intrínsecas do perfil de difração bfL = btc e bfG = bdef são, então, obtidas pelas equações de "deconvoluções" de De Keijser et alii (1983):

btc = bhL - bgL

(17)

bdef = {(bHg)2-(bgG)2}1/2

(18)

A Figura 1 mostra os gráficos pelos RR e o R-PM contendo os alargamentos físicos bf contra 2q.


O método de Rietveld, para o refinamento do padrão, foi usado para validar o refinamento "profile matching" utilizado nesse estudo, para os refinamentos das amostras de caulinitas.

Os parâmetros da forma do perfil da função TCHZ (função de resolução instrumental), para a amostra-padrão, obtidos pelos métodos RR e R-PM, bem como os índices de concordância dos ajustes, são comparados na Tabela 2 e encontram-se em boa concordância, o que também pode ser verificado diretamente da Figura 1.

Para verificar se os efeitos da radiação CuKa2 foram de fato removidos computacionalmente pelo programa, durante o refinamento de Rietveld do padrão com a função da forma de perfil TCHZ, foi usada a função de Caglioti (Caglioti et alii apud Young, 1993), para a correção dos alargamentos instrumentais. Essa função descreve as larguras 2wg e bg contra q e seus parâmetros são obtidos pelo método dos mínimos quadrados:

2wg2,bg2 = Utan2(q) + Vtan(q) + W

(17)

A Figura 2 mostra que a expressão de Caglioti ajustou, com um pequeno espalhamento randômico, as larguras do padrão calculadas pelo RR (e, por extensão, pelo R-PM), confirmando, desse modo, que, eliminado o efeito da radiação CuKa2, computacionalmente, pelo programa FullProf, o alargamento do padrão é de natureza eminentemente instrumental.


A Tabela 3 mostra os valores obtidos para os coeficientes da equação de Caglioti, para as larguras do padrão pelo método dos mínimos quadrados.

3. Resultados dos refinamentos

A função analítica da forma do perfil utilizada para a análise das amostras de caulinitas A e B foi a função TCHZ. As linhas de difrações mais intensas das amostras são as linhas 001 e 002 do grupo 00l da caulinita. A região 2q, variando entre 19,0 e 24,0°, foi excluída do refinamento das duas amostras, pelo fato de que a mesma é considerada difícil de ser modelada (Young & Hewat, 1988). Essa região exibe, entre outros, os defeitos cristalinos da caulinita, decorrentes da diminuição das intensidades das reflexões k¹3n, devido ao deslocamento randômico das camadas na direção do eixo b de extensão b/3. Segundo Reynolds e Bish (2002), o ajuste, pela função de perfil dos alargamentos das linhas 02l e 11l, é considerado difícil, devido aos efeitos de demodulação que a difração apresenta nesse tipo de caulinita.

Também foi excluída a região de 2q = 73 a 80º do refinamento, devido à inexistência de reflexões relevantes nessa região. Além do grupo 00l, foram selecionadas as linhas de difração: e (204) por serem linhas de maior intensidade e por pertencerem ao grupo k = 3n, sendo que a exceção é a linha (204). Essa linha foi incluída por ser de fraca intensidade e para testar a dificuldade do programa em ajustá-la durante o procedimento de modelagem. As Figuras 3(a-b) mostram os gráficos dos refinamentos modo R-PM, para as amostras A e B. Na parte baixa dos gráficos, estão as linhas das diferenças, sendo que os marcos verticais indicam as posições de Bragg e a linha praticamente reta é o "background" refinado. A escala vertical é dada em unidades de contagens arbitrárias (contagens estatísticas).


Na Tabela 4, estão listados os índices de ajuste para as amostras A e B e é possível notar que o Rwp de cada refinamento não se encontra "inflado" por presença de outras fases mineralógicas. Das Figuras 3(a-b) nota-se que o R-PM, para a amostra A, parece ter sido ligeiramente superior ao R-PM da amostra B.

3.1 Análise da microestrutura

A Tabela 5 lista os valores dos parâmetros da microestrutura das amostras A e B calculados pela função de ajuste do perfil TCHZ e pela "metodologia" TCHZpV. N/C = Não calculado pelo programa, devido à fraca intensidade do pico de difração.

3.2 Análise do perfil do alargamento Lorentziano e Gaussiano

A Figura 4 indica claramente o efeito dominante das contribuições Lorentzianas para os alargamentos das linhas de difrações através do modelo TCHZ. Também pode ser notado que os alargamentos para ambas as amostras são indistinguíveis, indicando, desse modo, que, embora sejam amostras de caulinitas de regiões diferentes, elas possuem a mesma estrutura fina (Tabela 5).


A Figura 5 (a-b) mostra os gráficos contendo as estimativas para os parâmetros microestruturais das caulinitas A e B obtidos pelos modos TCHZ e TCHZpV. As variações observadas pelos procedimentos TCHZ e TCHZpV parecem em boa concordância.


4. Discussões e conclusões

O ajuste da amostra-padrão com os métodos de Rietveld e o modo "profile matching" foram comparados com boa concordância. Nas amostras de caulinitas analisadas, foi essencial para o bom andamento do refinamento, a exclusão da região 2q de 19 a 24º, considerada por Plançon e Zacharie (1990) como sendo uma das melhores regiões para o aparecimento dos efeitos decorrentes de falhas de empilhamento. Entretanto as difrações das amostras afetadas por esses efeitos resultam em ajustes das áreas dos picos com acentuadas imperfeições.

Os resultados para as estimativas dos parâmetros microestruturais das amostras de caulinitas obtidos pelo modelo TCHZ e a metodologia TCHZpV estão em boa concordância, sendo as maiores variações entre esses procedimentos inferiores a 20%. No método adotado para a análise do perfil Voigtiano, os efeitos dos tamanhos dos cristalitos são descritos por uma curva Lorentziana, enquanto os alargamentos, devido aos efeitos das microdeformações, têm tendência Gaussiana. Com essas premissas, os tamanhos dos cristalitos, nas amostras de caulinitas analisadas, constituem a maior fonte de imperfeições cristalinas. Embora as amostras A e B sejam de regiões diferentes, elas têm as suas estruturas finas em boa concordância com respeito aos parâmetros da microestrutura material. As amostras de caulinitas da região do rio Jari e do sul do Estado da Bahia têm sido mais estudadas nos seus aspectos mineralógicos e tecnológicos por Bertolino (2000) e Da Costa e Moraes (1998). Por exemplo, Bertolino (2000) fez uso da ressonância paramagnética eletrônica (RPE), para a determinação do Fe na estrutura das caulinitas de amostras visando a sua utilização na indústria do papel. Da Costa e Moraes (1998), enfatizaram a composição química e a geologia dos depósitos de caulim de amostras da região Amazônica.

A análise da estrutura fina (parâmetros dos tamanhos dos cristalitos e das deformações de rede) das amostras de caulinitas com o método das larguras dos perfis das linhas de difração pode fornecer indicadores de qualidade da amostra material. O método de estudo aqui proposto, de análise dos alargamentos das linhas de difração, é, relativamente, fácil de operar, sendo que o uso de computadores pessoais mais os dados relativos à amostra, coletados por um difratômetro de raios X (por exemplo, um difratômetro com a geometria Bragg-Brentano), são suficientes. Esse procedimento de análise, também, é utilizado por vários pesquisadores, entre os quais podem ser citados Langford et alii. (1993) e Toraya (1986).

5. Referências bibliográficas

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Artigo recebido em 21/12/2004 e aprovado em 24/10/2005.

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Datas de Publicação

  • Publicação nesta coleção
    13 Jan 2006
  • Data do Fascículo
    Dez 2005

Histórico

  • Recebido
    21 Dez 2004
  • Aceito
    24 Out 2005
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