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Identificação de quartzos incolores para joalheria

Resumos

Quartzos incolores são irradiados e aquecidos para adquirirem cores esverdeadas, amareladas e amarronzadas para confecção de jóias. Somente uma pequena fração dos quartzos naturais incolores pode desenvolver cores por esse processo. A sua identificação é feita através de testes de irradiação e aquecimento em amostras representativas, que são enviadas para irradiadores para depois serem aquecidas. Trata-se de um procedimento demorado, que não atende a necessidade do mercado de pedras semipreciosas. Um novo teste é apresentado, que dispensa irradiação e aquecimento, para identificação de amostras com potencial para desenvolver cores, cujos resultados podem ser obtidos em apenas alguns minutos. Ele pode ser realizado no campo com um espectrofotômetro infravermelho portátil.

quartzo; irradiação; cor; infravermelho


Colorless quartz are irradiated and heat-treated to become greenish, yellowish, and brownish for the jewelry industry. Only a small fraction of natural, colorless quartz can develop colors through this process. The identification of this quartz is made through irradiation and heat-treatment tests on representative samples. The samples are sent to irradiators and then heat-treated. These tests are not fast enough for the needs of the semiprecious dealers. A new test is presented, that avoids irradiation and heat-treatment. It can identify samples with potential to develop colors in a few minutes. If a portable infrared spectrophotometer is available, it can be performed in field.

quartz; irradiation; color; infrared


METALURGIA & MATERIAIS

Identificação de quartzos incolores para joalheria

Fernando Soares LameirasI; Eduardo Henrique Martins NunesII; Valéria Alves Rodrigues de MeloIII; Otávio Rocha LizIV

IDr. em Engenharia Metalúrgica, pesquisador titular do CDTN. Serviço de Materiais e Combustível Nuclear (EC1), Centro de Desenvolvimento da Tecnologia Nuclear, Rua Professor Mário WerneckCampus da UFMG - Pampulha, 31270-901, Belo Horizonte, MG, Brasil. E-mail: fsl@cdtn.br

IIDoutorando do CPGEM (UFMG). E-mail: ehmn@cdtn.br

IIIBolsista - Curso de Química - UFMG. E-mail: varm@cdtn.br

IVBolsista - Curso de Tecnologia em Radiologia - CEFET/MG. E-mail: orl@cdtn.br

RESUMO

Quartzos incolores são irradiados e aquecidos para adquirirem cores esverdeadas, amareladas e amarronzadas para confecção de jóias. Somente uma pequena fração dos quartzos naturais incolores pode desenvolver cores por esse processo. A sua identificação é feita através de testes de irradiação e aquecimento em amostras representativas, que são enviadas para irradiadores para depois serem aquecidas. Trata-se de um procedimento demorado, que não atende a necessidade do mercado de pedras semipreciosas. Um novo teste é apresentado, que dispensa irradiação e aquecimento, para identificação de amostras com potencial para desenvolver cores, cujos resultados podem ser obtidos em apenas alguns minutos. Ele pode ser realizado no campo com um espectrofotômetro infravermelho portátil.

Palavras-chave: quartzo, irradiação, cor, infravermelho.

ABSTRACT

Colorless quartz are irradiated and heat-treated to become greenish, yellowish, and brownish for the jewelry industry. Only a small fraction of natural, colorless quartz can develop colors through this process. The identification of this quartz is made through irradiation and heat-treatment tests on representative samples. The samples are sent to irradiators and then heat-treated. These tests are not fast enough for the needs of the semiprecious dealers. A new test is presented, that avoids irradiation and heat-treatment. It can identify samples with potential to develop colors in a few minutes. If a portable infrared spectrophotometer is available, it can be performed in field.

Keywords: quartz, irradiation, color, infrared.

1. Introdução

Quartzos incolores são irradiados com raios gama até doses que variam entre 50 kKy e 400 kGy. Depois de irradiados, eles se tornam pretos. Aquecimentos em temperaturas entre 180ºC e 360ºC os deixam esverdeados, amarelados ou amarronzados, à medida que a dose aumenta. Somente uma pequena fração dos quartzos naturais incolores é capaz de desenvolver cores por esse processo. Para identificação das ocorrências desses quartzos, é necessária a realização de testes de irradiação e aquecimento em amostras representativas.

Esses testes, aparentemente simples, têm alguns complicadores, na prática. Muitas vezes as pessoas que providenciam a irradiação e o aquecimento adquirem lotes de quartzos de terceiros. Há incertezas quanto à origem dos lotes, que podem estar misturados. As amostragens para a realização dos testes são inadequadas e fornecem resultados inválidos para o processamento de todo o lote. As amostras são enviadas para os irradiadores sem especificação exata do objetivo. O ideal seria que fosse solicitada aos irradiadores a aplicação de uma determinada dose e não a obtenção de uma cor, como é comum. Nessa situação, cabe ao irradiador realizar o teste de irradiação e aquecimento. Em conseqüência, o interessado deixa de ter acesso a parâmetros importantes do processo de produção de quartzo colorido, como, por exemplo, a dose. Além disso, devido às características do gerenciamento do funcionamento de um irradiador, o prazo para entrega dos resultados é irregular, podendo ser de até algumas semanas. Esses problemas aumentam as perdas de processo e dificultam a realização de negócios.

Pesquisas recentes realizadas pelos autores [Nunes, 2005] mostraram que a associação do alumínio ao lítio, elementos que aparecem como impurezas no quartzo incolor, é a condição necessária para o desenvolvimento de cor. O alumínio é uma impureza muito comum no quartzo. Ele ocorre em teores relativamente baixos, por exemplo, entre 80 e 100 ppm. O alumínio substitui o silício dentro da rede cristalina do quartzo. Porém, como o silício tem valência 4+ e o alumínio tem valência 3+, essa substituição provoca uma deficiência de carga elétrica. É necessário que um átomo de valência 1+ se encontre nas proximidades de onde se localiza um átomo de alumínio, para neutralizar a carga elétrica. Hidrogênio, lítio e sódio exercem esse papel. Devido a isso, o alumínio sempre ocorre associado a esses três elementos. É comum encontrar os três elementos ao mesmo tempo nos quartzos, porém o teor desses elementos é variável. Somente os quartzos que possuem um alto teor de lítio, em relação à soma dos teores de hidrogênio e sódio, são capazes de desenvolver cores com valor para a joalheria.

A presença de alumínio, associado ao hidrogênio, lítio ou sódio, pode ser identificada no espectro de absorção do infravermelho do quartzo entre 3200 cm-1 e 3600 cm-1. Conforme estudos de vários autores (Markes & Halliburton, 1979; Koumvakalis, 1980; Halliburton, 1981; Jani, Halliburton & Kohnke, 1983; Bahadur & Parshad, 1985; Mondragon, Chen & Halliburton, 1988; Bahadur, 1989; Halliburton, 1989; Bahadur, 1993; Hashimoto, 2001; Enculescu et al., 2002, Itoh, Stoneham & Stoneham, 2002; Nunes & Lameiras, 2004), a associação do alumínio ao hidrogênio está relacionada com a banda de absorção em 3380 cm-1; a associação do alumínio ao lítio está relacionada com a banda de absorção em 3476 cm-1 e as bandas entre 3433 e 3450 cm-1 estão relacionadas com a associação do alumínio ao sódio ou ao hidrogênio. A intensidade relativa dessas bandas está relacionada com o teor relativo desses três elementos. Por exemplo, uma intensa banda em 3476 cm-1, em relação às bandas em 3380 cm-1 e 3433-3450 cm-1, indica que o quartzo tem potencial para desenvolver cores.

2. Realização do teste para identificação de quartzos para joalheria

Devem ser utilizadas amostras de quartzo incolor. Retira-se um pequeno fragmento da amostra de tamanho suficiente para ser acomodado no compartimento para amostras do espectrofotômetro. A espessura desse fragmento não precisa ser controlada, ressalvando-se os limites para obtenção de um espectro. Há pedras que podem ser utilizadas diretamente, sem necessidade da retirada de um fragmento. Pastilhas de pó de quartzo em KBr ou outro meio não devem ser utilizadas, porque as partículas do pó dispersam a radiação infravermelha e mascaram a detecção das bandas de absorção do hidrogênio, do lítio e do sódio.

O espectro deve ser medido de acordo com os procedimentos recomendados pelo fabricante do espectrofotômetro. Geralmente ele pode ser obtido em alguns poucos minutos. A Figura 1 mostra um espectro típico de um quartzo incolor, obtido em um espectrofotômetro MB 102 da ABB Bomem Inc. com varredura de 4 cm-1. Nele estão indicadas as bandas de absorção do alumínio em associação ao hidrogênio, lítio e sódio-hidrogênio. Trata-se de uma amostra com uma intensa banda de lítio, indicativo de formação de cor. O eixo das ordenadas não está mostrado, porque o valor absoluto da absorção depende da espessura da amostra, que não é controlada nesse teste. Importa apenas a intensidade relativa das bandas. Para comparação, também estão mostrados os espectros da amostra irradiada e irradiada e aquecida. Note que o pico do lítio diminui bastante na amostra irradiada, enquanto que o pico do hidrogênio aumenta. Na amostra irradiada e aquecida, há uma recuperação parcial das intensidades desses picos. É por esse motivo que devem ser utilizadas somente amostras naturais incolores. Caso as amostras se apresentem naturalmente fumê ou com outra cor, é necessário fazer um aquecimento, em temperaturas da ordem de 360ºC, até a amostra ficar sem cor.


É possível extrair um parâmetro quantitativo desse espectro. Para isso, toma-se como referência o ponto de inflexão da curva do espectro localizado entre as bandas do lítio e do sódio-hidrogênio. Traça-se uma linha paralela ao eixo das abscissas através desse ponto. Medem-se, então, as alturas relativas a essa linha das bandas do lítio, hLi, do sódio-hidrogênio, hNa, e do hidrogênio, hH, localizadas, respectivamente, em 3476cm-1, 3433-3450 cm-1 e 3380 cm-1. Pode haver um pequeno deslocamento dessas bandas, em função das amostras. Nesse caso, toma-se o número de onda onde ocorre o máximo de intensidade para cada banda. Com essas alturas é possível calcular o “fator do lítio”, fLi, definido como

Quanto maior o valor desse fator, maior será o potencial da amostra em desenvolver cor. Observamos que fatores maiores do que 2 fornecem cores com valor comercial.

O fator do lítio também pode ser útil para indicar a uniformidade de um lote de quartzo incolor. Utilizando testes estatísticos usuais, é possível medir o intervalo de confiança para o valor médio do fator do lítio. Essa medida indica a qualidade de um lote de quartzo. Quanto maior o valor médio do fator do lítio, melhor será a cor obtida. Quanto menor o intervalo de confiança, menor será a variação da cor dentro de um lote.

Com um espectrofotômetro infravermelho portátil, é possível realizar o ensaio no campo ou em qualquer outro local.

3. Metodologia

Dois lotes de quartzos incolores, denotados por A e B, foram analisados. Foram escolhidas aleatoriamente dez pedras de cada lote, retirados fragmentos de cada pedra e medidos os seus espectros de absorção do infravermelho entre 3200 cm-1 e 3600 cm-1, utilizando-se um espectrofotômetro modelo MB 102 da ABB Bomem Inc. com varredura de 4 cm-1.

4. Resultados e Discussão

As Figuras 2a e 2b mostram os espectros típicos de absorção no infravermelho para quartzos provenientes dos lotes A e B, respectivamente.


A Tabela 1 mostra os valores dos fatores de lítio, obtidos para cada fragmento. Os intervalos de confiança calculados para os valores médios dos fatores de lítio, com 95% de confiança, foram (média e variância desconhecidas):

Lote A: 1,2 < fLi< 2,4

Lote B: 0,1< fLi< 0,5

Considerando uma distribuição normal, para os valores do fator do lítio, dentro de cada lote, com a média µ e a variância s, respectivamente, iguais à média e ao desvio-padrão das amostras, somente 37% das pedras do lote A têm um fator de lítio maior que 2 e são capazes de desenvolver cores com valor comercial. Esse lote também apresenta uma grande variação dos valores do fator do lítio. Os exploradores dessa ocorrência (do município de Galiléia - MG) informam que somente 40% das pedras desenvolve cores com valor comercial. O lote B apresenta um pequeno valor para o fator de lítio, com pequena variação. Esse lote, cuja origem não foi rastreada, não é capaz de desenvolver cores com valor comercial.

5. Conclusões

A medida do espectro de absorção no infravermelho entre 3200cm-1 e 3600cm-1 pode identificar quartzos incolores para joalheria, capazes de desenvolver cores por irradiação e aquecimento. Somente quartzos que apresentam uma intensa banda de lítio, localizada em 3476 cm-1, em relação às bandas de sódio-hidrogênio, localizadas em 3433-3450 cm-1, e de hidrogênio, localizada em 3380 cm-1, são capazes de desenvolver cores.

O espectro deve ser obtido a partir de fragmentos de amostras dos lotes de quartzos incolores ou das próprias pedras, caso elas se adaptem no compartimento de medição do espectrofotômetro. Esse teste pode ser feito em apenas alguns minutos e no campo, com a utilização de um espectrofotômetro portátil.

Foi introduzido o fator do lítio, definido como

onde hLi, hNa e hH são as alturas das bandas do lítio, sódio e hidrogênio, medidas em relação a uma linha paralela em relação ao eixo dos números de onda que passa pelo ponto de inflexão do espectro localizado entre as bandas do lítio e do sódio-hidrogênio. Observamos que fatores de lítio maiores que 2 são indicativos de formação de cores com valor comercial.

O fator do lítio é uma medida quantitativa da qualidade de um lote de quartzo incolor, que pode ser utilizado nas relações comerciais através de testes estatísticos usuais.

6. Referências bibliográficas

Artigo recebido em 22/09/2005 aprovado em 10/02/2006.

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Datas de Publicação

  • Publicação nesta coleção
    02 Maio 2006
  • Data do Fascículo
    Mar 2006

Histórico

  • Recebido
    22 Set 2005
  • Aceito
    10 Fev 2006
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