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Inclusões fluidas crepitadas, fluidos hipersalinos e aquo-carbônicos em quartzo associado a rochas micáceas no Granito Xinguara - Terreno Granito-Greenstone de Rio Maria, PA

Decrepitated fluid inclusions, aqueous-carbonic and hypersaline fluids in quartz associated to micaceous rocks in the Xinguara Granite - Rio Maria Granite - Greenstone terrain, Pará, Brazil

Resumos

As rochas micáceas encontradas no Granito Xinguara, terreno Granito-Greenstone de Rio Maria, Pará, são compostas por muscovita e clorita com níveis de quartzo intercalados, que formam uma xistosidade bem desenvolvida. Essa xistosidade é cortada por veios de quartzo. Ambas as gerações de quartzo apresentam os mesmos tipos de inclusões fluidas em halos ou trilhas secundárias de composições variadas entre aquosas, aquo-carbônicas e saturadas em torno de grandes inclusões primárias crepitadas ou em trilhas transgranulares secundárias. A grande variação de temperaturas de homogeneização, a alta salinidade, as evidências de estrangulamento e a existência das inclusões crepitadas permitem supor forte influência de alterações pós-formacionais e reequilíbrio relacionados à intrusão do granito. Essas rochas foliadas são, portanto, enclaves metassedimentares afetados por fluidos graníticos hipersalinos aquo-carbônicos.

Inclusões fluidas crepitadas; quartzo; Granito Xinguara; terreno Granito-Greenstone de Rio Maria


The micaceous rocks occurring in the Xinguara Granite, Rio Maria Granite-Greenstone terrain, Pará State, Brazil, are composed of muscovite and chlorite with quartz levels intercalated forming a well developed schistosity. This schistosity is cut by quartz veins. Both quartz generations show the same aqueous, aqueous-carbonic and halite-bearing fluid inclusions either in secondary inclusions halos and trails surrounding decrepitated primary fluid inclusions or in transgranular secondary trails. A wide variation of homogenization temperatures, high salinity, necking down and the decrepitated inclusions existence indicates strong influence of post-formational alteration and reequilibration linked to the granite intrusion. These foliated rocks are metasedimentary enclaves affected by late hypersaline aqueous-carbonic granitic fluids.

Decrepitated fluid inclusions; quartz; Xinguara granite; Rio Maria granite-greenstone terrain


GEOCIÊNCIAS

Inclusões fluidas crepitadas, fluidos hipersalinos e aquo-carbônicos em quartzo associado a rochas micáceas no Granito Xinguara - Terreno Granito-Greenstone de Rio Maria, PA

Decrepitated fluid inclusions, aqueous-carbonic and hypersaline fluids in quartz associated to micaceous rocks in the Xinguara Granite - Rio Maria Granite - Greenstone terrain, Pará, Brazil

Marcelo Leopoldo WeberI; Luiz Henrique RonchiI; Fernando Jacques AlthoffI; Albano Antônio da Silva LeiteII; Roberto Dall'AgnolII; Kazuo FuzikawaIII

IUniversidade do Vale do Rio dos Sinos Unisinos - UNISINOS, São Leopoldo, RS, Brasil E-mail: marceloweber@terra.com.br , lhronchi@uol.com.br , althoff@unisinos.br

IIUniversidade Federal do Pará - UFPA, Belém, PA, Brasil E-mail: albano.leite@cvrd.com.br , robdal@ufpa.br

IIIComissão Nacional de Energia Nuclear, Centro de Desenvolvimento da Tecnologia Nuclear, Serviço de Tecnologia Mineral - Belo Horizonte, MG, Brasil E-mail: kazuo@cdtn.br

RESUMO

As rochas micáceas encontradas no Granito Xinguara, terreno Granito-Greenstone de Rio Maria, Pará, são compostas por muscovita e clorita com níveis de quartzo intercalados, que formam uma xistosidade bem desenvolvida. Essa xistosidade é cortada por veios de quartzo. Ambas as gerações de quartzo apresentam os mesmos tipos de inclusões fluidas em halos ou trilhas secundárias de composições variadas entre aquosas, aquo-carbônicas e saturadas em torno de grandes inclusões primárias crepitadas ou em trilhas transgranulares secundárias. A grande variação de temperaturas de homogeneização, a alta salinidade, as evidências de estrangulamento e a existência das inclusões crepitadas permitem supor forte influência de alterações pós-formacionais e reequilíbrio relacionados à intrusão do granito. Essas rochas foliadas são, portanto, enclaves metassedimentares afetados por fluidos graníticos hipersalinos aquo-carbônicos.

Palavras-chave: Inclusões fluidas crepitadas, quartzo, Granito Xinguara, terreno Granito-Greenstone de Rio Maria.

ABSTRACT

The micaceous rocks occurring in the Xinguara Granite, Rio Maria Granite-Greenstone terrain, Pará State, Brazil, are composed of muscovite and chlorite with quartz levels intercalated forming a well developed schistosity. This schistosity is cut by quartz veins. Both quartz generations show the same aqueous, aqueous-carbonic and halite-bearing fluid inclusions either in secondary inclusions halos and trails surrounding decrepitated primary fluid inclusions or in transgranular secondary trails. A wide variation of homogenization temperatures, high salinity, necking down and the decrepitated inclusions existence indicates strong influence of post-formational alteration and reequilibration linked to the granite intrusion. These foliated rocks are metasedimentary enclaves affected by late hypersaline aqueous-carbonic granitic fluids.

Keywords: Decrepitated fluid inclusions, quartz, Xinguara granite, Rio Maria granite-greenstone terrain.

1. Introdução

Em meio ao Granito Xinguara, no Terreno Granito-Greenstone arqueano de Rio Maria, sudeste do Pará, existem afloramentos de rochas micáceas foliadas. A origem dessas rochas foi abordada por Leite et al. (1999), que levantaram três possibilidades:

1. Alteração metassomática do granito (greisens).

2. Deformação do granito (milonitos).

3. Enclaves de rocha metassedimentar.

Ainda conforme esses autores a paragênese mineral não corresponde à esperada para greisens e a inexistência de zonas de cisalhamento sobre o granito limita a aceitação da segunda possibilidade. Resta, portanto, verificar a terceira hipótese. A ocorrência de níveis de quartzo concordantes com a foliação micácea e veios de quartzo que a cortam permite um estudo de inclusões fluidas visando à obtenção de informações sobre os tipos de fluidos relacionados a estas duas gerações, contribuindo para o entendimento da gênese dessas rochas.

2. Contexto Geológico

O Granito Xinguara faz parte do grupo de granitos potássicos de afinidade cálcio-alcalina que ocorrem no Terreno Granito-Greenstone de Rio Maria, na borda sudeste do Cráton Amazônico, sudeste do Pará. Sua idade de cristalização é 2.865 ± 1 Ma (Pb/Pb em zircão - Leite et al., 2004). O Plúton Xinguara tem forma alongada, com o eixo maior (40 km) orientado na direção WNW-ESE, e caracteriza-se por fraca deformação e homogeneidade textural e composicional (Figura 1). Trata-se, em geral, de um granito equigranular hololeucocrático, de granulação média, com composições essencialmente monzograníticas. Plagioclásio, feldspato alcalino e quartzo são os constituintes essenciais, além de biotita (Leite, 2001).


Na área central do Granito Xinguara, existem vários afloramentos de rochas micáceas na forma de cristas com dezenas de metros de comprimento e larguras de 5 a 30 m e alinhadas preferencialmente na direção do eixo maior do batólito. Apesar das grandes áreas de exposição, não são conhecidas zonas de contato dessas rochas com o granito.

As rochas micáceas têm coloração cinza e são formadas por leitos de micas intercalados a níveis de quartzo, ambos com espessuras centimétricas. A orientação preferencial das micas, juntamente com os níveis de quartzo, marca uma forte foliação. Essa foliação desenha dobras centimétricas apertadas e é cortada por veios não dobrados de quartzo, com espessuras centimétricas. Ao microscópio, observam-se muscovitas e cloritas com granulação fina a média. Essas micas apresentam teores elevados de MgO (> 12% em peso em rocha total), bem acima do teor médio no granito (0,29% - Leite, 2001).

Os referidos níveis são formados por quartzo recristalizado fino, anédrico, e por quartzo em forma de fitas, formando ribbons policristalinos, orientados segundo a foliação da rocha. Extinção ondulante forte é generalizada nesse quartzo; bandas de deformação são menos freqüentes. O quartzo dos níveis caracteriza-se pela grande quantidade de fraturas cicatrizadas, marcadas por trilhas de inclusões fluidas, que estão orientadas em alto ângulo com a foliação.

Os veios são formados por quartzo recristalizado anédrico, de granulação heterogênea e sem orientação preferencial. Os grãos não apresentam extinção ondulante, são mais límpidos e com menos fraturas cicatrizadas do que o quartzo dos níveis, mas também marcados por trilhas de inclusões fluidas. Nesse caso, as fraturas não apresentam orientação preferencial.

3. Materiais e métodos

Foram preparadas duas lâminas polidas em ambas as faces representativas do quartzo, tanto dos níveis, quanto dos veios. O estudo petrográfico preliminar foi detalhado com espectrometria Raman e microtermometria. O espectrômetro multicanal Raman utilizado, da marca Dilor, pertence ao Instituto de Física da Universidade Federal de Minas Gerais. A platina de microtermometria do Laboratório de Inclusões Fluidas da Universidade do Vale do Rio dos Sinos, da marca Chaixmeca, permite medidas entre -180°C e +600°C, com reprodutibilidade de ±0,2°C. A curva de calibração foi preparada com inclusões fluidas aquo-carbônicas puras, água desmineralizada e produtos sólidos Merk com ponto de fusão conhecido (135, 200, 306 e 398°C). As equações de estado de Brown e Lamb (1986) foram usadas para tratar os dados microtermométricos usando o software MacFlincor (Brown & Hagemann, 1994).

4. Inclusões fluidas

As inclusões fluidas observadas nos níveis de quartzo e nos veios são do mesmo tipo, porém ocorrem em quantidades proporcionalmente diferentes; as aquosas e aquo-carbônicas são um pouco mais comuns nos veios do que nos níveis de quartzo, onde as inclusões saturadas são as mais comuns. Foi constatado, pelo menos, um caso de ocorrência de halita como inclusão sólida no quartzo dos níveis. Em temperatura ambiente (20 a 25°C), existem quatro situações principais:

1. Trilhas de inclusões carbônicas mono e bifásicas.

2. Trilhas de inclusões aquosas mono e bifásicas.

3. Grupos ou trilhas mistas com inclusões aquosas monofásicas, bifásicas e trifásicas saturadas, carbônicas mono e bifásicas, aquo-carbônicas trifásicas e raras multifásicas saturadas.

4. Grandes inclusões pretas crepitadas, algumas com até 200mm, envolvidas por nuvens ou por trilhas radiais de inclusões fluidas, com tamanhos entre 1 a 15mm, de todos os tipos anteriormente citados. A ocorrência dessas inclusões em trilhas e nuvens é argumento para seu caráter secundário.

O grau de preenchimento das fases presentes é extremamente variável e a presença de indícios de estrangulamento (necking down) é comum.

5. Níveis de quartzo

A Figura 2 exemplifica os principais tipos de inclusões observados nos níveis de quartzo. As grandes trilhas que cortam limites de cristais (Figura 2A) são formadas por inclusões secundárias aquosas, carbônicas, aquo-carbônicas trifásicas e multifásicas e aquosas trifásicas saturadas. Inclusões aquosas e carbônicas têm até 7mm e são monofásicas ou, raramente, bifásicas. As inclusões aquo-carbônicas têm até 10mm e, eventualmente, ocorrem cubos de halita englobados (Figura 2B). As inclusões aquosas saturadas, normalmente, estão próximas de inclusões aquosas (Figura 2C).



Ocorrem inclusões crepitadas de tamanhos variados, em média 160mm, rodeadas por nuvens ou trilhas radiais de inclusões aquosas mono e bifásicas e, mais raramente, por inclusões aquosas saturadas e carbônicas. A distribuição das inclusões crepitadas nos cristais é aleatória, indício de seu caráter primário (Figura 2D).

6. Veios de quartzo

A Figura 3A mostra um grão de quartzo anédrico, com três grandes inclusões escuras crepitadas e diversas menores, a maior com 200mm de largura. A sua distribuição aleatória sugere caráter primário. As duas trilhas maiores saindo da inclusão crepitada 1 são formadas por inclusões aquosas mono e bifásicas com tamanhos predominantemente menores que 2mm. Raramente, ocorrem inclusões maiores, com até 7mm (Figura 3C). A inclusão crepitada 2 possui uma nuvem em seu entorno formada por inclusões aquosas com cubo de halita e outro sólido, aquosas monofásicas (Figura 3B) e aquo-carbônicas (Figura 3D). A inclusão crepitada 3 tem nas trilhas em seu entorno os mesmos tipos de inclusões observados nas duas anteriores, os quais, a exemplo do anteriormente descrito para os níveis de quartzo, também ocorrem em trilhas transgranulares cortando quartzo dos veios.



7. Microtermometria

Todos os tipos de inclusões fluidas presentes nos níveis e veios de quartzo foram estudados por microtermometria fornecendo resultados similares. Por sua raridade, não foi possível obter dados microtermométricos consistentes das inclusões multifásicas aquo-carbônicas saturadas.

As temperaturas de homogeneização total das inclusões aquosas, sempre para a fase líquida, apresentaram valores de 156,5 a 250,1°C para o quartzo dos níveis e valores entre 91,3 a 327,5°C para o quartzo dos veios. A temperatura de homogeneização total das inclusões saturadas, por desaparecimento da halita, ficou entre 350,9 e 409,5°C para o quartzo dos níveis e, relativamente mais baixa, entre 300,8 e 361°C para o quartzo dos veios. Apesar dessa diferença nos valores extremos, a concentração normal, nos dois casos, é entre 350 e 360ºC. A homogeneização parcial da fase vapor, similar para ambas as amostras, foi entre 112,4 e 138,1°C (Tabela 1, Figura 4).


A fusão do gelo ou dissolução do hidrato, nas inclusões aquosas (Figura 5), ocorreu no intervalo de -17,9 a -0,1°C para o quartzo dos níveis e entre -28,1 e -1,2°C para o quartzo dos veios, implicando salinidades, respectivamente, de 0,1 a 20,9% peso eq. NaCl e 1,9 e 22,5% peso eq. NaCl. O hidrato, possivelmente hidrohalita, apareceu apenas no quartzo dos veios e dissolveu em temperaturas compreendidas entre -28,0 e -24,0°C. A salinidade determinada por dissolução de halita para os níveis forneceu valores entre 42,4 e 48,5% peso eq. NaCl e para os veios entre 38,4 e 43,5% peso eq. NaCl.


As temperaturas de homogeneização da fase CO2, nas inclusões carbônicas, variaram entre 6,5 e 31,6°C, sempre para a fase líquida, o que implica densidades, aproximadamente, entre 0,5 e 0,9g/cm³, intervalo semelhante para as inclusões fluidas em ambos os tipos de quartzo (Figura 5). As temperaturas de homogeneização total das inclusões aquo-carbônicas, sempre para a fase líquida, variam de 344,4 a 355,9°C, para os níveis e de 310,1 a 384,9°C, para os veios (Figura 4).

Apesar de as temperaturas de fusão da fase CO2 variarem entre -60,2 e -56,6°C para ambas as amostras (Figura 5), a espectrometria Raman realizada não detectou nenhum outro volátil, tendo sido pesquisados CH4, N2, O2 e H2S. Embora a formação do clatrato seja observável, não é possível determinar o momento exato em que ocorre a sua dissolução final, por não serem visíveis evidências como, por exemplo, deformação da fase CO2. Portanto não foi determinada a salinidade das inclusões aquo-carbônicas.

8. Discussões

Inclusões crepitadas constituem textura indicativa de verdadeiras "micro-explosões" e são feições raramente descritas na literatura especializada nacional. Esse tipo de textura, conforme Vityk e Bodnar (1995) e Bodnar (2003a), pode ser produzida por diversas variações em pressão e temperatura, que, por sua vez, estão relacionadas a eventos geológicos como subducção, cavalgamento, exumação erosiva ou tectônica, ou intrusão magmática (Leroy, 1979, Bodnar et al., 1989).

A heterogeneidade de composição das inclusões fluidas secundárias descritas nesse trabalho pode resultar de diversos processos e ser interpretada considerando variados aspectos relacionados a fluidos magmáticos e hidrotermais. Por exemplo, as inclusões fluidas aquosas saturadas e não saturadas apresentaram um padrão de temperaturas de homogeneização e salinidade (Figura 6) similar ao observado em depósitos minerais do tipo óxido de ferro, cobre e ouro na serra dos Carajás (Ronchi et al., 2003). Esse padrão caracterizado por inclusões fluidas de alta e baixa salinidade poderia resultar de um processo de extração de água por reação contínua entre rochas encaixantes e fluidos hidrotermais magmáticos durante queda de temperatura (Lindenmayer et al., 2001), contaminação por evaporitos (Xavier et al., 2006) ou da exsolução de fluidos aquosos imiscíveis a partir de um magma granítico em ambiente de queda de pressão e/ou temperatura (Bodnar et al., 1985, Roedder & Bodnar, 1997). Imiscibilidade é aqui entendida no seu sentido amplo de coexistência em equilíbrio de duas ou mais fases fluidas (Roedder, 1992). Conforme Bodnar (2003b), se a evidência petrográfica sugere imiscibilidade, isto é, se coexistem, por exemplo, inclusões saturadas ricas em halita e inclusões aquosas de baixa salinidade ricas em vapor, e a homogeneização total das inclusões saturadas ocorre por desaparecimento da halita, o par só será imiscível se o seu aprisionamento ocorrer ao longo da curva trifásica (líquido + vapor + halita) do sistema H2O + NaCl. Mesmo nesse caso, a dissolução da halita só pode ocorrer em temperatura mais alta do que a homogeneização da fase vapor, como é o caso anteriormente descrito, se a inclusão aprisionou o cristal de halita já formado junto com a fase líquida.


Segundo Ramboz et al. (1982), para confirmar a ocorrência de imiscibilidade por meio de inclusões fluidas, por exemplo, aquosas, carbônicas e aquo-carbônicas, é necessário comprovar, petrograficamente, o seu caráter cogenético e que a homogeneização dos termos extremos ocorre na mesma faixa de temperatura. Roedder (1992) acrescenta ser possível que o fenômeno de imiscibilidade esteja envolvido "na formação de muitas ou mesmo da maioria das inclusões aquosas saturadas de alta temperatura, assim como na formação da maior parte das inclusões aquo-carbônicas de salinidade baixa a moderada presentes em rochas ígneas".

Finalmente outra informação pertinente refere-se à solubilidade do CO2, que em magmas é de uma ordem de magnitude menor que a de H2O, ou seja, o CO2 exsolve mais cedo ao longo da diferenciação magmática. Portanto, em estágios mais primitivos da cristalização de um magma, os fluidos tendem a ser mais ricos em CO2, enquanto que, nos estágios mais tardios, podem ocorrer exsoluções, produzindo, de modo geral, fluidos hipersalinos aquosos, porém sem excluir a possibilidade de exsolução de fluidos imiscíveis com CO2, mesmo em profundidades mais rasas, e, conseqüentemente, temperaturas e pressões menores (Roedder, 1992, Lowenstern, 2001).

9. Conclusões

Essencial para contemplar o objetivo desse artigo é o fato de que o granito afetou tanto os níveis de quartzo quanto os veios, crepitando as inclusões fluidas primárias preexistentes e criando as trilhas de inclusões secundárias. A composição original das grandes inclusões crepitadas é desconhecida. Sua distribuição aleatória (Figura 2D e 3A) permite atribuir-lhes um caráter primário e a presença de trilhas radiais e halos em seu entorno indicam sobreposição de fenômenos de reequilíbrio e/ou de alterações pós-formacionais subseqüentes à crepitação das inclusões fluidas primárias e à cicatrização de fraturas.

Considerando os dados composicionais e microtermométricos das inclusões fluidas secundárias dos níveis de quartzo e dos veios, nota-se que, embora não idênticos, apresentam semelhanças não casuais como, por exemplo, nas temperaturas de homogeneização total para as inclusões aquo-carbônicas e saturadas em ambos os casos. Existem, entretanto, diferenças significativas nos valores mínimos e máximos das temperaturas de homogeneização das inclusões fluidas aquosas e, também, ampla variação de salinidade (Tabela 1, Figura 6). O contexto geológico local é dominado por granitos e não registra a presença de rochas carbonáticas ou evaporitos, que pudessem explicar, seja por processo metamórfico ou por contaminação, a presença dos fluidos carbônicos ou hipersalinos. Um processo alternativo, de reação contínua entre rochas encaixantes e fluidos hidrotermais magmáticos durante queda de temperatura, pode produzir fluidos hipersalinos, porém não favorece a descrita heterogeneidade dos fluidos. As nuvens e trilhas de inclusões aquosas, aquosas saturadas, carbônicas, aquo-carbônicas e de composição mista, com ou sem ligação visível com as crepitadas, poderiam ter sido o resultado de crepitação e reequilíbrios relacionados ao calor gerado pela intrusão e à contaminação por fluidos provenientes da diferenciação do Granito Xinguara. As amplas variações de composição e temperaturas de homogeneização das inclusões secundárias são muitas vezes consideradas conseqüências de fenômenos de exsolução de fluidos imiscíveis aquosos, hipersalinos e/ou carbônicos, produzindo a associação de inclusões fluidas heterogêneas, que, em conjunto, poderiam refletir o fluido magmático original.

Considerando que o alojamento do magma formador do Granito Xinguara ocorreu em nível não profundo da crosta (Leite, 2001), é possível supor que a exsolução de CO2, a partir do magma granítico, seria um fato menor. Entretanto a associação de inclusões fluidas aquo-carbônicas homogeneizando na mesma faixa de temperaturas (340 e 360ºC, Figura 4) das inclusões aquosas saturadas ricas em halita sugere que os fenômenos de exsolução e imiscibilidade não podem ser excluídos. A associação de inclusões aquosas saturadas e não saturadas, com presença de CO2 ou não, tal como descrito, é normalmente relacionada a fontes magmáticas hidrotermais, em especial de origem granítica (Roedder & Bodnar, 1997), o que poderia indicar que a crepitação das inclusões fluidas primárias e a formação das secundárias são relacionadas ao calor da intrusão granítica e seus fluidos aquo-carbônicos hipersalinos imiscíveis. Os dados obtidos a partir das inclusões fluidas, portanto, reforçam a hipótese de que as rochas micáceas são realmente enclaves de metassedimentos.

A existência desses enclaves no Granito Xinguara implica, pelo menos, um ciclo (erosão de área-fonte, transporte, deposição) com formação de rochas sedimentares, que foram deformadas antes da colocação do granito.

10. Agradecimentos

Os excelentes comentários e sugestões dos dois revisores anônimos contribuíram significativamente para a qualidade desse artigo. Parte das medidas microtermométricas foram realizadas com a participação de Jonathan Nereu Lisboa Rojas, cuja bolsa de Iniciação Científica foi financiada pela FAPERGS.

11. Referências bibliográficas

Artigo recebido em 03/02/2007 e aprovado em 11/10/2007.

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Datas de Publicação

  • Publicação nesta coleção
    30 Abr 2008
  • Data do Fascículo
    Mar 2008

Histórico

  • Aceito
    11 Out 2007
  • Recebido
    03 Fev 2007
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