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Modelagem da cinética de formação de hidratos utilizando o Modelo do Campo de Fase em condições similares a dutos de petróleo

Modeling the kinetics of hydrates formation using phase field method under similar conditions of petroleum pipelines

Resumos

Os hidratos de gás são compostos cristalinos que se formam nas tubulações de petróleo causando problemas na sua extração e transporte. O Modelo do Campo de Fase mostra-se adequado para simular o crescimento dos hidratos de gás no interior de tubulações. O modelo fundamenta-se na solução simultânea das equações de transporte de energia e transformação utilizando-se da técnica de volumes finitos. Para a determinação da cinética de formação dos hidratos, deve-se determinar a mobilidade da interface, que reproduz a morfologia e a velocidade local de avanço da mesma. Baseando-se em resultados experimentais, alguns parâmetros do modelo foram ajustados para representar as condições de formação dos hidratos em um ensaio controlado. Objetivando a verificar a sensibilidade do Modelo do Campo de Fase, foram realizadas simulações variando-se o super-resfriamento e a nucleação. Os resultados de morfologia e cinética de formação dos hidratos foram comparados com resultados experimentais, apresentando boa concordância. Parâmetros tais como super-resfriamento e pressão foram decisivos no avanço da interface.

Hidratos; campo de fase; cinéticos


Natural hydrates are crystalline compounds that are ice-like formed under oil extraction transportation and processing. This paper deals with the kinetics of hydrate formation by using the phase field approach coupled with the transport equation of energy. The kinetic parameters of the hydrate formation were obtained by adjusting the proposed model to experimental results in similar conditions of oil extraction. The effect of thermal and nucleation conditions were investigated while the rate of formation and morphology were obtained by numerical computation. Model results of kinetics growth and morphology presented good agreement with the experimental ones. Simulation results indicated that super-cooling and pressure were decisive parameters for hydrates growth, morphology and interface thickness.

Hydrates; Phase Field; Kinetics


Metalurgia & Materiais

METALURGIA & MATERIAIS

Modelagem da cinética de formação de hidratos utilizando o Modelo do Campo de Fase em condições similares a dutos de petróleo

Modeling the kinetics of hydrates formation using phase field method under similar conditions of petroleum pipelines

Mabelle Biancardi OliveiraI; José Adilson de CastroII; Alexandre José da SilvaIII

IDoutoranda, Programa de Pós-Graduação em Engenharia Metalúrgica, EEIMVR/UFF, Volta Redonda - RJ. E-mail: mabelle@metal.eeimvr.uff.br

IIProfessor Adjunto, Programa de Pós-Graduação em Engenharia Metalúrgica, EEIMVR/UFF, Volta Redonda - RJ. E-mail: adilson@metal.eeimvr.uff.br

IIIProfessor Adjunto, Programa de Pós-Graduação em Engenharia Metalúrgica, EEIMVR/UFF, Volta Redonda - RJ. E-mail: ajs@metal.eeimvr.uff.br

RESUMO

Os hidratos de gás são compostos cristalinos que se formam nas tubulações de petróleo causando problemas na sua extração e transporte. O Modelo do Campo de Fase mostra-se adequado para simular o crescimento dos hidratos de gás no interior de tubulações. O modelo fundamenta-se na solução simultânea das equações de transporte de energia e transformação utilizando-se da técnica de volumes finitos. Para a determinação da cinética de formação dos hidratos, deve-se determinar a mobilidade da interface, que reproduz a morfologia e a velocidade local de avanço da mesma. Baseando-se em resultados experimentais, alguns parâmetros do modelo foram ajustados para representar as condições de formação dos hidratos em um ensaio controlado. Objetivando a verificar a sensibilidade do Modelo do Campo de Fase, foram realizadas simulações variando-se o super-resfriamento e a nucleação. Os resultados de morfologia e cinética de formação dos hidratos foram comparados com resultados experimentais, apresentando boa concordância. Parâmetros tais como super-resfriamento e pressão foram decisivos no avanço da interface.

Palavras-chave: Hidratos, campo de fase, cinéticos.

ABSTRACT

Natural hydrates are crystalline compounds that are ice-like formed under oil extraction transportation and processing. This paper deals with the kinetics of hydrate formation by using the phase field approach coupled with the transport equation of energy. The kinetic parameters of the hydrate formation were obtained by adjusting the proposed model to experimental results in similar conditions of oil extraction. The effect of thermal and nucleation conditions were investigated while the rate of formation and morphology were obtained by numerical computation. Model results of kinetics growth and morphology presented good agreement with the experimental ones. Simulation results indicated that super-cooling and pressure were decisive parameters for hydrates growth, morphology and interface thickness.

Keywords: Hydrates, Phase Field, Kinetics.

1. Introdução

O estudo sobre a formação dos hidratos de gás vem atraindo o interesse de muitos pesquisadores, principalmente daqueles ligados à indústria petrolífera, a qual consome grandes somas na prevenção e remediação dos problemas causados por interrupção da produção e transporte devido a entupimentos de dutos e conexões. A extração de petróleo é um processo industrial bastante complexo, normalmente nas tubulações de petróleo encontram-se uma fase gasosa (gás natural), uma ou duas fases líquidas de hidrocarbonetos (óleo) e água, além de uma fase sólida, que causa obstruções. Essa fase sólida pode ser composta por sólidos puros (como gelo, dióxido de carbono sólido, etc.), hidratos, parafinas, compostos asfálticos e ceras (misturas de sais cristalinos orgânicos) (Edmonds et al., 1999).

O objeto de estudo do presente trabalho são os hidratos, que são compostos cristalinos semelhantes ao gelo, nos quais dois ou mais componentes são associados sem ligação química. Essa associação ocorre por um encapsulamento de uma molécula por uma outra molécula (Powell, 1948). Os hidratos podem sofrer aderência na tubulação, provocando seu entupimento, ou podem ser lançados como projéteis que podem ocasionar vazamentos, causando acidentes operacionais.

Com os avanços dos estudos, descobriram-se várias possibilidades de uso dos hidratos, como fonte de energia, dessalinização da água do mar, armazenamento de gás natural, aumento de pressão sem o uso de compressores e enriquecimento das frações leves do gás natural (Freitas, 1990).

Dentro desse contexto, fundamenta-se a motivação para a realização desse trabalho, ou seja, investigar a cinética de formação dos hidratos de gás que causam grandes prejuízos e transtornos operacionais, podendo, assim, validar a utilização do Modelo do Campo de Fase. O Modelo do Campo de Fase é baseado em equações de transporte de energia e de fase acoplado à cinética de transformação, portanto um método capaz de predizer a formação do hidrato, sendo possível, através dele, realizar estudos de morfologia e cinética de crescimento dos hidratos, variando-se parâmetros relevantes na constituição do mesmo.

2. Materiais e métodos

O Modelo do Campo de Fase é relativamente novo e descreve a evolução das interfaces complexas. O modelo é especialmente eficiente devido às equações de estado que são resolvidas sem a necessidade da determinação direta da interface.

Admite-se que o núcleo de hidrato é estável e é previamente adicionado ao domínio e, dependendo das condições do sistema, o núcleo poderá se desenvolver.

O modelo matemático consiste na solução simultânea das equações de energia e da equação de fase (Φ). Todas as equações foram resolvidas numericamente pelo método dos volumes finitos, sendo o estado de todo o sistema (núcleo sólido, meio líquido e interface) representado por um único parâmetro, conhecido como variável do campo de fase (Φ) e assume Φ =0 para a região líquida e Φ=+1 para região sólida, enquanto valores intermediários correspondem à interface entre as duas fases. A evolução do núcleo solidificado com o tempo é proporcional à variação de um funcional de energia livre com relação à variável Φ (Ode, 2001), conforme Eq. 1 a seguir:

onde M denota a mobilidade da interface sólido-líquido e o sinal negativo garante que a densidade de energia livre diminuirá com o progresso da transformação de fase. O funcional F descreve o comportamento da energia livre, segundo a Eq. 2:

onde a densidade de energia local é modelada da seguinte forma:

onde h'(f) e g'(f) representam derivadas das Eqs. 4 e 5.

A força motriz responsável pela formação dos hidratos de gás é definida por:

O funcional de energia F pode ser expresso substituindo a Eq. 6 na Eq. 3, ou seja:

onde ΔH define o calor latente liberado durante a transformação de fase, Tfé a temperatura de formação do hidrato, T representa a temperatura calculada pela equação de energia.

O parâmetro M(θ) é análogo para o fator M, descrito na Eq. 1 e ε(θ) é o parâmetro relativo à espessura da interface.

onde m e ε são constantes associadas com a anisotropia da interface e j corresponde aos modos de instabilidade local na região da interface responsável pela rugosidade da interface. A constante θ define a orientação da interface. M0 e ε0 são calculadas separadamente conforme as Eqs. 10 e 11 a seguir:

onde µk é o coeficiente interfacial cinético, λ representa a espessura local da interface e s denota a tensão superficial.

A formação do hidrato está associada, ainda, à equação do transporte de energia representada pela Eq. 12.

onde D, ΔH e Cp são a difusividade térmica, calor latente liberado no processo de transformação de fase e capacidade calorífica, respectivamente. As propriedades físicas utilizadas nesse modelo são listadas na Tabela 1.

As Eqs. 7 e 12 são resolvidas usando o método dos volumes finitos (Patankar, 1985). A equação da energia é resolvida implicitamente, enquanto a equação de fase é resolvida explicitamente.

3. Resultados e discussão

3.1 Validação do modelo

Para a validação do Modelo do Campo de Fase, foram utilizados temperatura inicial de 225 K, um super-resfriamento de 3 K e uma pressão de equilíbrio de 3 MPa, como condições iniciais. Para a simulação, foi adicionado um grão de hidrato na parte inferior do domínio. Os parâmetros de caracterização usados na simulação dos hidratos são listados na Tabela 2, disponíveis na literatura (Englezos, 1987; Kelkar, 1998 e Clennell, 2001). Entretanto o coeficiente cinético interfacial foi ajustado.

Os experimentos utilizados, para a validação e determinação do coeficiente cinético, foram conduzidos em um banho isocórico, de forma a reproduzir condições de pressão e temperatura constante (Gayet, 2005). A temperatura de formação do hidrato foi determinada utilizando o diagrama de fase do gás natural, onde se pode relacionar a pressão com a temperatura de formação (Edmonds, 1999).

Os resultados obtidos pelo Modelo do Campo de Fase foram confrontados com os obtidos experimentalmente (Gayet, 2005), apresentados na Figura 1 em uma mesma escala e para um tempo total de observação de 45 segundos. No início da simulação, Figura 1b, observa-se que um grão de hidrato é previamente adicionado ao domínio onde se tentou chegar mais próximo da morfologia do hidrato obtido experimentalmente (Figura 1a). Nas Figuras 1c até 1j, observa-se uma boa concordância entre os resultados simulados e os experimentais, com um erro relativo de aproximadamente 2%, quando a cinética de formação do hidrato obtido numericamente é comparado com os valores experimentais.






3.2 Influência do super-resfriamento

Para essa simulação, a temperatura inicial foi de 225 K e os valores do super-resfriamento (ΔT) foram 3, 5, 10, 15 e 20.

A Figura 2 apresenta a evolução do hidrato para a faixa de super-resfriamento mencionada anteriormente, mantendo-se um tempo constante de 2,5 segundos, podendo notar a importância do super-resfriamento para o avanço da interface, pois, com o aumento do super-resfriamento, promove-se um rápido avanço da interface para dentro da região líquida.


A Figura 3 apresenta a velocidade de formação dos hidratos associada com os dados da Figura 2, sendo possível notar uma relação parabólica entre o avanço da interface e o super-resfriamento, um comportamento teoricamente esperado para transformações liquido sólido de metais amplamente divulgado na literatura (Chalmers, 1964 e Uchida, 2002). Os pontos denotam as simulações numéricas realizadas com o Campo de Fase e a linha sólida representa um ajuste usando um polinômio de 2° grau. A derivada dessa expressão permite obter o coeficiente cinético interfacial para cada super-resfriamento.


3.3 Influência do tipo de crescimento na formação

O Modelo do Campo de Fase não inclui o tipo de nucleação (heterogêneo ou homogêneo), sendo um núcleo estável de hidrato adicionado previamente ao domínio, objetivando avaliar a evolução dos hidratos formados.

Em uma primeira simulação, 10 núcleos foram introduzidos no domínio em posições aleatórias, como pode ser observado na Figura 4. Os núcleos mais próximos sofreram coalescência com o passar do tempo e, em conseqüência, a velocidade desses núcleos diminui continuamente. A velocidade diminui devido ao calor liberado localmente na interface resultante da transformação de fase, inibindo o avanço da interface. A Figura 5 representa o campo de temperatura associado à Figura 4. Comparando-se as Figuras 5a e 5b, observa-se que a região da interface possui uma maior temperatura do que a região solidificada e a região líquida, pois, devido ao efeito da difusividade térmica, nota-se, primeiro, as mudanças de temperatura e, em seguida, a transformação de fase, isto é, a difusividade térmica é maior que o avanço da interface.



Em seguida, foram adicionados 8 núcleos dispostos ordenadamente no domínio, observando um comportamento quase isotrópico na formação dos hidratos, como pode ser visto na Figura 6. Com a evolução dos hidratos, os núcleos vão se tornando cada vez mais próximos, favorecendo o processo de coalescência. O processo de coalescência só ocorre ao longo da direção vertical, devido a maior proximidade dos grãos, quando comparado com a direção horizontal. E pode ser explicado pela liberação de calor entre as duas colunas, impedindo a evolução do hidrato na direção horizontal.


E, por último, toda a parede do domínio foi preenchida por hidrato, representando uma nucleação na parede da tubulação, situação comumente encontrada na prática. Nesse caso, a simulação mostra que a evolução do hidrato para dentro da região líquida é uniforme, como pode ser visto na Figura 7.


4. Conclusões

De forma geral, conclui-se que o modelo desenvolvido pode ser usado para predizer o processo de crescimento dos hidratos de gás com a flexibilidade de investigar parâmetros que são difíceis de obter experimentalmente. O modelo utiliza as equações de energia em conjunto com uma equação adicional que envolve a taxa de formação dos hidratos. O modelo foi validado usando resultados experimentais realizados em condições controladas, obtendo uma boa concordância entre os dados simulados e os experimentais com um erro relativo médio de 2 %.

O super-resfriamento foi um parâmetro decisivo no avanço da interface para dentro da região líquida, ou seja, a medida que se aumentava a variação do super-resfriamento a formação de hidrato se dá de forma mais rápida. Entretanto, para temperaturas acima da temperatura de formação dos hidratos, a interface não avança, sendo o super-resfriamento a força motriz do processo.

Durante a nucleação aleatória, os grãos mais próximos sofrem coalescência, diminuindo a velocidade de crescimento desses núcleos continuamente, associada à liberação de calor que impede o avanço da interface. No caso da nucleação ordenada, o fenômeno de coalescência só ocorreu ao longo da direção vertical, devido a maior proximidade dos grãos. Finalmente, na nucleação onde toda a parede do domínio foi preenchida por hidrato, ocorreu um avanço homogêneo da interface do hidrato para dentro da região líquida, caracterizando uma situação de entupimento da tubulação.

5. Agradecimentos

Os autores agradecem a CAPES por incentivar e fomentar o desenvolvimento científico e tecnológico nacional.

6. Referências bibliográficas

Artigo recebido em 26/02/2008 e aprovado em 23/06/2008.

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Datas de Publicação

  • Publicação nesta coleção
    29 Jan 2009
  • Data do Fascículo
    Dez 2008

Histórico

  • Recebido
    26 Fev 2008
  • Aceito
    23 Jun 2008
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