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Efeito da adição da cal na estabilidade e na resistência à compressão da mistura solo-grits

Lime-addition effect on the stability and resistance of a soil-grit mixture when compressed

Resumos

Esse artigo é direcionado ao estudo da estabilidade e da resistência à compressão não-confinada (RCNC) de um solo arenoso típico da microrregião de Viçosa, Minas Gerais, quando estabilizado com o resíduo sólido industrial grits e melhorado com a adição de cal, considerando-se as seguintes condições: solo em seu estado natural, estabilizado com grits e estabilizado com grits e melhorado com cal. Primeiramente, determinou-se o teor ótimo de grits calculado em relação ao peso de solo seco com o uso da energia de compactação referente ao ensaio AASHTO modificado no teor ótimo de umidade, compactado dinamicamente, com sete dias de cura em câmara úmida. Posteriormente, partiu-se para o estudo propriamente dito, ou seja, a determinação dos efeitos da cal nos resultados da estabilidade e nos ensaios de resistência à compressão não-confinada dessas misturas. Os resultados indicaram que o emprego da cal soluciona os problemas decorrentes das misturas solo-grits e tem um efeito positivo sobre essas misturas, gerando materiais mais estáveis e resistentes à compressão.

Resíduo industrial grits; misturas solo-grits; cal; ensaios de estabilidade e de resistência à compressão


In the city of Viçosa, Minas Gerais, a resistance study was performed on a typical sandy soil to determine the effects that would occur when it was stabilized with residue industrial waste grits, improved by lime addition, and experienced unconfined compression (RCNC). Three conditions were considered: soil in its natural state, soil stabilized with the industrial waste grits, and soil stabilized with industrial waste grits and improved with lime. The method had two stages. The first determined the optimal grit content calculated by comparing dry soil weight with that obtained by using compaction energy, according to AASHTO standards, and modifying the humidity content. Compaction was dynamically performed, after which, there was a seven-day period of curing in a wet chamber period, which involved . The second analyzed the results for the effects of the lime to the stability and the resistance of the mixtures to unconfimed compression. The results demonstrate that lime addition solves some of the problems occurring in soil-grit mixtures, making the mixture more stable and resistant to compression.

Industrial waste grits; soil-grits mixtures; lime; stability and resistance at the compression tests


ENGENHARIA CIVIL

Efeito da adição da cal na estabilidade e na resistência à compressão da mistura solo-grits

Lime-addition effect on the stability and resistance of a soil-grit mixture when compressed

Tales Moreira de OliveiraI; Giovani Levi Sant'AnnaII; Carlos Cardoso MachadoIII

IGraduando em Engenharia Civil, UFV-MG. E-mail: talesciv04@yahoo.com.br

IIDoutor em Ciência Florestal, UFV-MG. E-mail: santannagiovani@yahoo.com.br

IIIProfessor Titular do DEF-UFV-MG. E-mail: machado@ufv.br

RESUMO

Esse artigo é direcionado ao estudo da estabilidade e da resistência à compressão não-confinada (RCNC) de um solo arenoso típico da microrregião de Viçosa, Minas Gerais, quando estabilizado com o resíduo sólido industrial grits e melhorado com a adição de cal, considerando-se as seguintes condições: solo em seu estado natural, estabilizado com grits e estabilizado com grits e melhorado com cal. Primeiramente, determinou-se o teor ótimo de grits calculado em relação ao peso de solo seco com o uso da energia de compactação referente ao ensaio AASHTO modificado no teor ótimo de umidade, compactado dinamicamente, com sete dias de cura em câmara úmida. Posteriormente, partiu-se para o estudo propriamente dito, ou seja, a determinação dos efeitos da cal nos resultados da estabilidade e nos ensaios de resistência à compressão não-confinada dessas misturas. Os resultados indicaram que o emprego da cal soluciona os problemas decorrentes das misturas solo-grits e tem um efeito positivo sobre essas misturas, gerando materiais mais estáveis e resistentes à compressão.

Palavras-chave: Resíduo industrial grits, misturas solo-grits, cal, ensaios de estabilidade e de resistência à compressão.

ABSTRACT

In the city of Viçosa, Minas Gerais, a resistance study was performed on a typical sandy soil to determine the effects that would occur when it was stabilized with residue industrial waste grits, improved by lime addition, and experienced unconfined compression (RCNC). Three conditions were considered: soil in its natural state, soil stabilized with the industrial waste grits, and soil stabilized with industrial waste grits and improved with lime. The method had two stages. The first determined the optimal grit content calculated by comparing dry soil weight with that obtained by using compaction energy, according to AASHTO standards, and modifying the humidity content. Compaction was dynamically performed, after which, there was a seven-day period of curing in a wet chamber period, which involved . The second analyzed the results for the effects of the lime to the stability and the resistance of the mixtures to unconfimed compression. The results demonstrate that lime addition solves some of the problems occurring in soil-grit mixtures, making the mixture more stable and resistant to compression.

Keywords: Industrial waste grits, soil-grits mixtures, lime, stability and resistance at the compression tests.

1. Introdução

As estradas florestais, atualmente, contam com uma extensão da ordem de 700.000 km. Segundo Machado et al., (2005) possuem um tráfego reduzido e pesado, em um único sentido da via, dão acesso às florestas e servem para viabilizar o tráfego de mão-de-obra e os meios de produção que são necessários para a implantação, proteção, colheita e transporte da madeira e/ou produtos florestais.

A escassez de materiais granulares apropriados que se enquadrem nas especificações técnicas para uso na pavimentação associada a barreiras ambientalistas conduzem, segundo Rezende (1999), à necessidade de se estudarem materiais alternativos.

Uma solução de baixo custo e de elevado desempenho técnico que vem apresentando resultados satisfatórios, do ponto de vista de resistência mecânica, é a aplicação do resíduo sólido industrial grits como estabilizante químico para melhorar as características geotécnicas dos solos e viabilizar a retirada desse resíduo do meio ambiente (Pereira, 2005; Sant'Anna, 2006).

Pereira (2005) apresentou os resultados de um projeto de construção e avaliação dos procedimentos construtivos de um trecho experimental com a mistura solo-grits, onde se observou a ocorrência de alguns problemas. Ele constatou, que na presença de águas pluviais, a camada de reforço do subleito realizada se tornou escorregadia e pouco coesiva, ocorrendo o desprendimento de partículas do solo devido à ocorrência de desaglutinação. De posse dos resultados negativos encontrados por ele, é que se desenvolveu esse trabalho, ou seja, buscando corrigir os problemas geotécnicos, apresentados pela mistura.

O objetivo geral desse estudo é solucionar os problemas encontrados para a mistura solo-grits, adicionando-lhe cal. Tem-se, como objetivo específico, estudar o efeito da cal na mistura solo-grits, analisando-se seu efeito sobre a sua estabilidade e sobre a sua resistência à compressão não-confinada (RCNC).

2. Materiais e métodos

Trabalhou-se com um solo arenoso, solo1, bem representativo do horizonte C dos solos saprolíticos da microrregião de Viçosa, MG, sendo classificado pelo TRB (Transportation Research Board) como A-2-4(0) e pelo MCT (Miniatura compactado Tropical) como NA'. As propriedades físicas desse solo são apresentadas na Tabela 1.

Como estabilizante químico, empregou-se um resíduo sólido industrial da indústria de papel e celulose, o grits. A Tabela 2 traz a caracterização fisico-química desse resíduo.

Como aditivo, empregou-se a cal hidratada, empregada em argamassas e denominada comercialmente como Supercal. A análise química dessa cal é apresentada na Tabela 3.

Com base nas experiências de estabilização química de solos de Viçosa-MG e nos trabalhos de Pereira (2005), definiu-se o teor de 24% de grits, calculados sob a massa de solo seco, como o mais promissor a ser empregado nas misturas com os solos, porém, na presença de água essa mistura solo-grits apresenta o seu maior problema, ou seja, nessas condições o solo se torna escorregadio e perde sua estabilidade, devido à presença de grande porcentagem de sódio (Na) no resíduo, que, com a água (H2O), forma hidróxidos de sódio (NaOH), substância dispersante, como foram verificados no ensaio de perda de massa por imersão em água. A solução mais viável, encontrada para esse problema, foi o adicionamento de 4,8% de cal sobre a massa seca de solo, sendo esse teor definido pelo ensaio de durabilidade. Com a definição do teor de cal, fez-se uma nova mistura solo-grits+cal, buscando estudar o efeito da adição da cal, na mistura solo-grits, sobre a estabilidade e resistência mecânica.

Para obtenção das misturas solo-grits e solo-grits+cal adicionou-se o resíduo ao solo e fez-se a homogeneização dessa mistura em peneira; logo após, adicionou-se água, homogeneizou-se e empacotou-se a mistura em sacos plásticos. A cal foi adicionada logo após o grits, e a seguir fez-se uma nova homogeneização. Levando-se em consideração as reações químicas decorrentes do uso da cal e as reações de trocas catiônicas, as misturas solo-cal e solo-grits+cal foram compactadas duas horas após os seus respectivos processamentos.

Empregaram-se os parâmetros de compactação obtidos na energia AASHTO modificada, compactando-se os solos e as amostras estabilizadas quimicamente em um cilindro Proctor. Os corpos-de-prova obtidos foram levados para uma câmara aclimatizada, onde permaneceram em cura por 7 dias, antes de serem levados aos ensaios de durabilidade por molhagem e secagem e RCNC.

Inicialmente, objetivando-se aos estudos da estabilidade superficial e visando à determinação do teor ótimo de cal capaz de solucionar o problema da estabilidade superficial em água e visando, ainda, à escolha da mistura mais adequada, executaram-se os ensaios de perda de massa por imersão e de durabilidade por molhagem e secagem das misturas estabilizadas, cabendo, aqui, a importante ressalva de que os corpos-de-prova, empregados no ensaio de perda de massa por imersão, foram obtidos empregando-se o ensaio de compactação Mini-MCV, referente à metodologia de compactação MCT (Miniatura Compactado Tropical).

Perda de massa por imersão (DNIT CLA 259 -1996). A perda de massa por imersão em água de corpos-de-prova compactados com solos tropicais em laboratório objetiva a previsão de sua estabilidade superficial à ação das intempéries e a sua classificação MCT.

Durabilidade por molhagem e secagem (DNER-ME 203/94 - 1994b). A durabilidade pode ser definida como sendo a capacidade de um material manter a sua integridade quando submetido à ação de agentes externos (Lima & Rohm et al., 1993).

Esses ensaios foram executados em conformidade com a Norma DNER-ME 203/94, para solo-cimento, pois não se dispõe, no Brasil, de norma técnica específica para outros tipos de misturas estabilizadas.

Posteriormente, executaram-se os ensaios de resistência à compressão não confinada (RCNC), para verificar a resistência à compressão das misturas.

Resistência à compressão não-confinada (RCNC). Corresponde a um ensaio triaxial rápido com tensão de confinamento igual à atmosférica, ou seja, s3 igual a zero. Sendo a tensão externa nula, o Círculo de Mohr de pressões totais, nesse caso, parte da origem das coordenadas e seu diâmetro é dado pela tensão axial máxima. A tensão máxima é chamada resistência à compressão simples.

Para a confecção dos corpos-de-prova utilizados nos ensaios de durabilidade por molhagem e secagem, bem como para o ensaio de RCNC, utilizou-se da compactação AASHTO na energia modificada.

Compactação (DNER-ME 129/94 - 1994a). O termo compactação de solos refere-se, aqui, à ação mecânica susceptível de provocar nos solos uma diminuição no índice de vazios, conseguida à custa da redução de volume da fase gasosa, sendo praticamente mantido constante o teor de água do solo, ao longo de todo o processo (Guedes de Melo, 1985 apud Pereira, 2005). O processo visa obter um material estruturado, através do contato mais íntimo das partículas constitutivas, de tal forma que se possa manter um comportamento mecânico adequado, para algum fim de engenharia durante toda a vida útil da obra, cabendo ao executor relacionar as propriedades requeridas ou desejáveis.

3. Resultados

Ensaio de perda de massa por imersão

A Tabela 4 apresenta os resultados do ensaio de perda de massa por imersão para o solo compactado segundo a metodologia MCT, em seus estados: natural e estabilizado com 24% de grits.

A Figura 1 ilustra o teor de umidade x perda de massa por imersão para o solo natural e estabilizado.


Ensaio de compactação

Os parâmetros ótimos de compactação para o solo em seu estado natural e para as misturas estudadas são apresentados na Tabela 5.

Ensaio de durabilidade por molhagem e secagem

A Tabela 6 traz os resultados do ensaio de durabilidade por molhagem e secagem.

Ensaio de resistência à compressão não-confinada

A Tabela 7 representa os resultados do ensaio de RCNC para as misturas compactadas e curadas por 7 dias.

A Figura 2 ilustra os círculos de Mohr do solo natural e das misturas solo-grits e solo-grits-cal.


A Figura 3 ilustra os resultados obtidos para o ensaio de RCNC do solo natural e de suas misturas estabilizadas em forma de histograma.


4. Discussão

Através dos resultados do ensaio de perda de massa por imersão em água (Tabela 4) verificou-se que, tanto o solo no seu estado natural, quanto a mistura solo-grits, não apresentaram estabilidade superficial referente à ação das intempéries, o que fica evidenciado pela grande perda de massa e pela presença de sódio (Na) no grits. Vê-se que a mistura solo-grits apresenta uma maior perda de massa. Tal fato ocorre porque, na presença de água, o sódio (Na) presente no grits reage formando hidróxido de sódio (NaOH), que é uma substância dispersante, que diminui a estabilidade do material. Na Figura 1, observa-se a influência do teor de umidade sobre essa estabilidade: (1º) quanto maior a umidade, menor é a estabilidade e (2º) conseqüentemente maior a perda de massa.

Com relação aos parâmetros ótimos de compactação, conforme a Tabela 5, verificou-se que: a adição do resíduo como da cal ao solo, aumentou a área superficial específica e, conseqüentemente, deu origem a um teor ótimo de umidade maior e, ainda, como os grãos do resíduo e da a cal são mais leves, propiciou o aparecimento de pesos específicos secos máximos menores.

Pelo ensaio de durabilidade por molhagem e secagem (Tabela 6) observou-se que, tanto o solo natural, quanto às misturas solo-grits, apresentaram perda de massa total; mais uma vez verificou-se que ambos não apresentam estabilidade superficial. O solo estabilizado somente com a cal apresentou uma perda de massa superior à mistura solo-grits-cal. A mistura solo-cal apresentou uma perda da ordem de 59% a mais que a mistura solo-grits-cal, portanto pode-se dizer que o grits potencializou o efeito da cal, possibilitando a criação de corpos-de-prova estáveis.

A adição de 24% de grits sobre a massa de solo seco possibilitou um aumento de resistência à compressão da ordem de 66,67% em relação ao solo natural compactado; já a adição de 4,8% de cal em relação à massa de solo seco à mistura solo-grits possibilitou o aumento da resistência da ordem de 500%, em relação ao solo natural compactado, e de 260%, em relação à mistura solo-grits, conforme ilustrado na Tabela 7 e Figuras 2 e 3.

5. Conclusões

Com base nesse trabalho, concluímos que a cal tem um efeito positivo quando adicionada sobre a mistura solo-grits, sendo possível obter materiais compactados com maior resistência à compressão e, o mais importante, obter materiais compactados mais estáveis quanto à ação das intempéries. Assim, soluciona-se o maior problema existente na mistura solo-grits proposta por Pereira (2005), que, na presença de água, apresentava-se escorregadia e pouco coesiva; além de dar um destino ambientalmente correto para o resíduo, retirando-o dos pátios das indústrias, quando aplicado como material para reforço do subleito, sub-base e base de pavimentos florestais.

6. Referências bibliográficas

Artigo recebido em 07/05/2007 e aprovado em 21/08/2008.

  • DEPARTAMENTO NACIONAL DE ESTRADAS DE RODAGEM. DNER-ME 129/94 (1994a). Solos: compactação utilizando amostras não trabalhadas. Método de ensaio. Rio de Janeiro, 1994. 7 p.
  • DEPARTAMENTO NACIONAL DE ESTRADAS DE RODAGEM - DNER 203/94 (1994b). Solo-cimento: determinação da durabilidade através da perda de massa por molhagem e secagem. Rio de Janeiro, 1994. 8p.
  • DEPARTAMENTO NACIONAL DE INFRA-ESTRUTURA DE TRANSPORTES - DNIT CLA 259 (1996). Classificação de solos tropicais para finalidades viárias utilizando corpos-de-prova compactados em equipamentos miniatura. São Paulo, 1996. 6 p.
  • MACHADO, C. C., LOPES, E. S., PEREIRA, R. S., SANT'ANNA, G. L. Caracterização geotécnica de solos para pavimentos de estradas florestais: estudo de caso. In: SIMPÓSIO BRASILEIRO SOBRE COLHEITA E TRANSPORTE FLORESTAL, 7. Anais... Vitória: SIF, 2005. p.277-292.
  • MACHADO, C. C., CARVALHO, C. A. B., SANTOS, S. L. M. Desenvolvimento de um irregularímetro utilizável na avaliação da qualidade da superfície de rolamento de estradas agro florestais. Revista Árvore, UFV, Viçosa, MG, v. 16, n. 1, p. 104-111, 1992. ISSN 0100-6762.
  • PEREIRA, R. S. Viabilidade técnica do emprego de resíduos da indústria de celulose para construção de estradas florestais Viçosa: Universidade Federal de Viçosa, 2005. 355 f. (Tese de Doutorado em Ciência Florestal).
  • REZENDE, L. R. Técnicas alternativas para construção de bases de pavimentos rodoviários Brasília: Universidade de Brasília, Faculdade de Tecnologia, 1999. 169 f. (Dissertação de Mestrado em Geotecnia).
  • SANT'ANNA, G. L. Estradas florestais: caracterização geotécnica e comportamento mecânico de solos e misturas solo-grits, cargas de tráfego e seus efeitos Viçosa: Universidade Federal de Viçosa, 2006. 147 f. (Tese de Doutorado em Ciência Florestal).

Datas de Publicação

  • Publicação nesta coleção
    27 Abr 2009
  • Data do Fascículo
    Mar 2009

Histórico

  • Recebido
    07 Maio 2007
  • Aceito
    21 Ago 2008
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