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Qualidade do aço inoxidável martensítico do tipo AISI-420 utilizado na confecção de ferramentas cirúrgicas

Quality of martensitic stainless steel type AISI-420 utilized in the manufacture surgical implements

Resumos

Até o presente momento, o aço inoxidável martensítico do tipo AISI-420 é muito utilizado na confecção de ferramentas cirúrgicas. Tais ferramentas vêm apresentando corrosão prematura, identificada após processo de limpeza e esterilização, perda de corte e/ou quebra durante os processos cirúrgicos. Esse trabalho avalia esse aço sobre à composição química, dureza, microestrutura e resistência à corrosão por pite em solução de detergente enzimático diluída em água por polarização cíclica anódica. Essa mistura é utilizada na limpeza das ferramentas que são submersas por 2h nessa solução antes da lavagem e esterilização. Os resultados mostram aços com microestrutura composta de martensita com fase ferrita e impurezas. Os referidos aços apresentam baixos valores de potencial de pite em comparação aos aços com microestrutura totalmente martensítica que possuem maiores valores.

Aço inoxidável martensítico; microestrutura; corrosão por pite


Until now the martensitic stainless steel type AISI-420 is widely used in the manufacture of surgical implements. These implements present premature corrosion problems identified after cleaning, , sterilization and cutting edge loss and/or rupture during the surgical processes. This study evaluates the steel as to the chemical composition, hardness, microstructure and pitting corrosion resistance in a solution of enzyme detergent diluted in water by anodic cyclic polarization. This mixture is used in the cleaning of surgical implements that are submerged in this solution for 2 h before cleaning and sterilization. The results show steels with martensite microstructures in the ferrite phase, together wth impurities. These presented low pitting potential values in compariston to steels with a fully martensitic microstructure.

Martensitic stainless steel; microstructure; pitting corrosion


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METALURGIA & MATERIAIS

Qualidade do aço inoxidável martensítico do tipo AISI-420 utilizado na confecção de ferramentas cirúrgicas

(Quality of martensitic stainless steel type AISI-420 utilized in the manufacture surgical implements)

César Augusto Duarte RodriguesI; Fausto EnokibaraII; Tomaz Puga LeivaIII; Ivani Aparecida NunesIV; João Manuel Domingos de Almeida RolloV

IDoutor, Departamento de Engenharia de Materiais, Aeronáutica e Automobilística - EESC-USP E-mail: cesaraug@sc.usp.br

IIMestre, Departamento de Engenharia de Materiais, Aeronáutica e Automobilística - EESC-USP E-mail: pgitape@yahoo.com.br

IIIEngenheiro - Instituto de Ortopedia e Traumatologia-Hospital das Clínicas-USP E-mail: tomazpuga@hcnet.usp.br

IVEnfermeira, Instituto de Ortopedia e Traumatologia-Hospital das Clínicas-USP E-mail: ivaniap@hcnet.usp.br

VDoutor, Departamento de Engenharia de Materiais, Aeronáutica e Automobilística-EESC-USP E-mail: tfase@sc.usp.br

Resumo

Até o presente momento, o aço inoxidável martensítico do tipo AISI-420 é muito utilizado na confecção de ferramentas cirúrgicas. Tais ferramentas vêm apresentando corrosão prematura, identificada após processo de limpeza e esterilização, perda de corte e/ou quebra durante os processos cirúrgicos. Esse trabalho avalia esse aço sobre à composição química, dureza, microestrutura e resistência à corrosão por pite em solução de detergente enzimático diluída em água por polarização cíclica anódica. Essa mistura é utilizada na limpeza das ferramentas que são submersas por 2h nessa solução antes da lavagem e esterilização. Os resultados mostram aços com microestrutura composta de martensita com fase ferrita e impurezas. Os referidos aços apresentam baixos valores de potencial de pite em comparação aos aços com microestrutura totalmente martensítica que possuem maiores valores.

Palavras-chave: Aço inoxidável martensítico, microestrutura, corrosão por pite.

Abstract

Until now the martensitic stainless steel type AISI-420 is widely used in the manufacture of surgical implements. These implements present premature corrosion problems identified after cleaning, , sterilization and cutting edge loss and/or rupture during the surgical processes. This study evaluates the steel as to the chemical composition, hardness, microstructure and pitting corrosion resistance in a solution of enzyme detergent diluted in water by anodic cyclic polarization. This mixture is used in the cleaning of surgical implements that are submerged in this solution for 2 h before cleaning and sterilization. The results show steels with martensite microstructures in the ferrite phase, together wth impurities. These presented low pitting potential values in compariston to steels with a fully martensitic microstructure.

Keywords: Martensitic stainless steel, microstructure, pitting corrosion.

1. Introdução

Apesar de o aço inoxidável martensítico do tipo AISI-420 ser bastante utilizado na confecção de ferramentas cirúrgicas sob normas ASTM (F 1744-96 e A 484M-03a), em mais de 90% dos casos, poucos trabalhos foram encontrados na literatura especializada sobre resistência à corrosão em solução de detergente enzimático diluída em água. No entanto, estudos recentes evidenciam tratamentos térmicos inadequados que resultam na formação da fase ferrita, fase Laves e/ou austenita retida. Tal formação é consideradas indesejável por diminuir os valores das propriedades mecânicas e de corrosão. Estudo de vários autores (Smolenka et al., 2001; Rodrigues et al., 2005; Mariano et al., 2006; Ennis et al., 2001) em diversas peças de equipamentos usados na extração, processamento de petróleo e energia (antes e após uso), constataram que esse aço é muito sensível às condições do tratamento térmico, como, por exemplo:

(1) Baixa temperatura de austenitização por tempo insuficiente.

(2) Alta temperatura de austenitização.

(3) Resfriamento inapropriado após austenitização.

(4) Inadequados ciclos térmicos de revenido.

Uma baixa temperatura de austenitização do aço leva a formação de subgrãos ferríticos. Já a alta temperatura propicia a forma da fase ferrita-d. Uma inadequada taxa de resfriamento promove incompleta formação martensítica. A parte não formada em martensita, após o tratamento de revenido, forma a conhecida martensita não revenida, que também se forma por um revenido realizado em baixa temperatura. Por outro lado, elevados teores de enxofre e fósforo promovem o aparecimento de inclusões não metálicas, principalmente o sulfeto de manganês, portanto é necessário o teor reduzido de enxofre até 0,03% máx. Os parâmetros para selecionar tratamentos térmicos que levam à completa formação martensítica são as temperaturas inicial e final da transformação austenítica (AC1, AC3) e da formação martensítica (Mi, Mf) e variam conforme sua composição química (Vodared et al., 2001; Irvine et al., 1960; Janovec et al., 1998; Ramazan, Orhan, 2004). Normalmente, as temperaturas Mi e Mf ocorrem entre 300 - 100ºC e 600 - 850ºC para AC1 e AC3, respectivamente. Se a temperatura Mf for alta (>300ºC) resulta na incompleta formação martensítica. Geralmente, a temperatura de tratamento de revenido é escolhida um pouco abaixo da temperatura AC1 e resulta numa microestrutura completamente martensítica. A temperatura AC1 varia em função dos elementos Ni e Mo, quando tais elementos são adicionados em pequenas quantidades na faixa de 0,30-0,80% na composição base desse aço (Straube, 1988). Outro fator importante é o balanço da porcentagem de Cr (faixa 12-14% Cr) na composição química do aço para se obter uma completa microestrutura martensítica, então, pode-se recorrer à ajuda do diagrama ternário Fe-Cr-C para 13% de Cr (ASM, 1994), através do qual se pode escolher uma quantidade próxima a 13% Cr. Adicionalmente, o diagrama permite selecionar a temperatura de austenitização de referência para os tratamentos térmicos posteriores.

Esse trabalho, que foi motivado pelo elevado custo na reposição das ferramentas para os diversos processos cirúrgicos, avalia a composição química, a dureza, a microestrutura, os tratamentos térmicos e a resistência à corrosão por pite na solução de água de torneira com detergente enzimático em ferramentas cirúrgicas rejeitadas na inspeção visual após processo de limpeza e esterilização.

2. Materiais e métodos

As ferramentas cirúrgicas aqui estudadas foram doadas pelo Instituto de Ortopedia e Traumatologia do Hospital das Clínicas da Universidade de São Paulo (IOT-USP), sendo que algumas dessas ferramentas foram confeccionadas no exterior. A Figura 1 ilustra as cinco ferramentas. Nessas ilustrações das ferramentas, as linhas verticais pretas indicam os locais onde foram retiradas as amostras para as análises metalográficas, e para os ensaios de corrosão e o restante utilizado para análise química por via úmida. Um aço comercial tipo AISI-420 foi adquirido como barra laminada a quente de 30mm de diâmetro, identificada como amostra Referência-06. Nessa amostra, foi realizado um ensaio dilatométrico no equipamento ADAMEL LHOMARGY, DT-1000, com o seguinte ciclo térmico: taxa de aquecimento de 0,33ºC/s., até 1050ºC por 5minutos nessa temperatura, seguido de resfriamento com taxa de 20ºC/s até temperatura ambiente. A caracterização microstructural foi realizada por microscopia óptica (MO) acoplada à análise de imagem Motic-Image Advanced 3.2. A fração volumétrica das fases foi obtida por análise de imagem e calculada na média de 10 diferentes áreas. As medidas de dureza Vickers foram realizadas segundo norma ASTM E18.


Os corpos-de-prova para os ensaios de corrosão foram usinados na forma de pastilha de 7mm de diâmetro por 5mm de espessura e foram lixados e polidos por processo convencional. Os ensaios foram realizados por polarização cíclica anódica em solução de detergente enzimático específico de uso hospitalar, misturado na proporção de 3ml para 1 litro de água de torneira do próprio hospital (solução de trabalho que simula o processo de limpeza) no equipamento Voltalab PGL-402. As amostras foram precondicionadas mantendo-as por 15 minutos dentro da solução de trabalho, sem aplicação de potencial para obter a estabilização no potencial de circuito aberto. Após esse procedimento, iniciaram-se os ensaios de corrosão por pite com varredura de 1 mV s-1, segundo a norma ASTM G 61 (91). A análise química da água resultou em 1,1970 mg/L de nitrato, 1,8mg/L de cloreto, 0,45mg/L de fluoreto, 0,05mg/L amoniacal e 7,9 pH.

3. Resultados

A composição química das seis amostras está apresentada na Tabela 1, e os valores se enquadram dentro da faixa especificada pela norma ASTM F-899-02.

A Figura 2 apresenta as microestruturas de cinco amostras, reveladas por reagente Villela. A Figura 2 (a), imagem MO obtida da Pinça-01, mostra a microestrutura característica do material no estado bruto de fusão. A Figura 2 (b), Pinça-02, apresenta a microestrutura martensítica de cor escura com fase ferrita de cor clara. A Figura 2 (c) e (e), Pinça-03 e Tesoura-05, apresenta microestrutura martensítica. A Figura 2 (d), Tesoura-04, mostra microestrutura martensítica com fase ferrita e a Figura 2 (f) da mesma amostra sem ataque mostra as inclusões que correspondem a 5,8%. Todas as amostras foram atacadas com reagente Behara para revelar claramente a fase ferrita e, assim, realizar o cálculo da porcentagem dessa fase, conforme mostra a Figura 3 (a) e (b), Pinça-01, com 16,8% da fase ferrita e, Tesoura-04, com 3,7% da fase ferrita, valores acima do permitido por norma.




A Tabela 2 apresenta os valores de dureza de todas as amostras. A Pinça-01 apresenta 40 HRC de dureza, e esse valor menor se deve ao dato de o material estar no estado bruto de fusão (sem tratamento térmico). O restante apresenta valores dentro do especificado.

Da curva dilatométrica obtida da amostra Referência-06 foram extraídas no aquecimento as temperaturas inicial e final da transformação austenítica (Ac1 = 815ºC e Ac3 = 885ºC) e, no resfriamento, as temperaturas inicial e final da formação martensítica (Mi = 245ºC e Mf = 95ºC). Temperaturas foram balizadas para subseqüente tratamento térmico de têmpera e revenido. Esses tratamentos, realizados em forno tipo mufla com o seguinte ciclo térmico: taxa de aquecimento de 20ºC/s., até 1050ºC por 15 minutos e resfriado ao ar forçado até temperatura ambiente (têmpera) e revenido em 380ºC por 45 minutos e resfriamento ao ar. A Figura 4 (a) mostra a fina microestrutura martensítica resultante após têmpera e revenido. Essa microestrutura é muito similar à da Tesoura-05 (ver Figura 4 (b)), que foi rejeitada por quebra da haste e não de corrosão. Essa similaridade macroestrutural era esperada devido aos valores próximos da composição química e, possivelmente, a um tratamento térmico semelhante.


A Figura 5 apresenta as curvas de polarização obtidas para as seis amostras, de onde se extraem os valores dos potenciais de pite (Epite), potenciais de corrosão (Ecorr), apresentados na Tabela 3. Nota-se uma grande diferença entre os perfis das seis curvas de polarização. A amostra Pinça-01 e a amostra Tesoura-04 apresentam curvas de polarização características de corrosão direta, ou seja, apresentam típicos comportamentos de contínuo aumento da densidade de corrente com aumento do potencial sem evidenciar a região de passivação e apresentam menores valores de potencial de pite (0,073V e 0,128V), respectivamente.


A curva da Pinça-03 situa-se no nível intermediário, apresentando pouca região de passivação e com 0,347V de potencial de pite. A curva da amostra Pinça-02 e a curva da amostra Tesoura-05 apresentam pequena região de passivação e potencial de pite de 0,584V e 0,530V, respectivamente (ver Figura 5). A curva da amostra Referência-06 apresenta o melhor resultado com o maior valor de potencial de pite (0,725V) e menor potencial de corrosão (-0,147V) em comparação ao restante. Esses valores indicam que o tratamento térmico selecionado foi adequado. Finalmente, a Figura 6 mostra os pites formados após ensaio de corrosão por pite na amostra Pinça-01 e Referência-06. Nota-se que, nas superfícies das amostras de menor desempenho, há maior quantidade de pites e pites de maior profundidade. Os materiais de melhor desempenho apresentam menos quantidade de pites (casuais) e de menor profundidade. Por outro lado, esses materiais devem apresentar o mínimo de inclusões (0,5£), sendo considerados pontos preferenciais de início de corrosão. Neste contexto, as amostras aqui estudadas estão diretamente relacionadas com a composição química e o tratamento térmico ideal para se produzir uma completa microestrutura martensítica e, como conseqüência, obter uma boa qualidade do produto final (ferramentas cirúrgicas), principalmente em relação ao seu desempenho na resistência à corrosão.


4. Conclusões

1) A maior resistência à corrosão por pite foi apresentada pelos aços com completa microestrutura martensítica, fato que indica que o tratamento térmico foi adequado. Tais aços possuem pequena quantidade do elemento Mo e Ni na composição química.

2) A menor resistência à corrosão por pite foi apresentada pelos aços com microestrutura composta de martensita com fase ferrita. A presença dessa fase indica que o tratamento térmico foi inadequado.

3) A mistura do detergente enzimático com água resulta numa solução corrosiva, fato justificado pela elevada quantidade de nitrato, cloreto e fluoreto presentes na referida mistura.

4) O certificado do controle da qualidade dos fornecedores desses materiais em relação ao processo de fundição, laminação, composição química, tratamento térmico se faz necessário para se garantirem a durabilidade e o bom desempenho das ferramentas.

5. Agradecimentos

Os autores agradecem ao CAPES, CNPq e FAPESP pelo apoio financeiro.

6. Referências bibliográficas

Artigo recebido em 19/06/2007 e aprovado em 26/08/2009.

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  • Datas de Publicação

    • Publicação nesta coleção
      19 Mar 2010
    • Data do Fascículo
      Dez 2009

    Histórico

    • Recebido
      19 Jun 2007
    • Aceito
      26 Ago 2009
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