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Avaliação do desempenho ambiental de obras de recuperação de rodovias

Environmental performance evaluation in highway rehabilitation works

Resumos

Esse trabalho apresenta um instrumento de avaliação do desempenho ambiental para obras de recuperação de rodovias. Os resultados da avaliação podem ser divulgados às partes interessadas e usados pelas empresas e órgãos públicos responsáveis pelo gerenciamento rodoviário para, entre outros, atestar a conformidade ambiental da empresa construtora. O procedimento envolve (i) aquisição dos dados por meio de vistorias e análise de relatórios ambientais, parte das atividades de supervisão ambiental de obras rodoviárias, (ii) classificação de não conformidades ambientais segundo uma escala de importância, e (iii) cálculo de índices de não-conformidade ambiental. Para fins de teste e calibração, o procedimento foi aplicado em cinco trechos rodoviários, que foram submetidos a obras de recuperação no âmbito do Programa de Recuperação de Rodovias do Estado de São Paulo.

Avaliação de desempenho ambiental; indicadores de desempenho ambiental; obras rodoviárias


This paper features a tool to carry out environmental performance evaluation in highway rehabilitation works, as a component of environmental supervision activities. The procedure involves (i) evidence gathering by conducting technical inspections and reviewing environmental compliance reports, (ii) ranking nonconformities according to a proposed weighting framework, and (iii) calculation of an environmental conformity index. For the sake of testing and calibration, the procedure was applied to five road segments that were submitted to rehabilitation works in São Paulo State and the results were treated qualitatively.

Environmental performance evaluation; environmental management indicators; road construction


ENGENHARIA CIVIL

Avaliação do desempenho ambiental de obras de recuperação de rodovias

Environmental performance evaluation in highway rehabilitation works

Roberta Maria CostaI; Luis Enrique SánchezII

IMestranda em Engenharia Mineral. Escola Politécnica da USP - E-mail: roberta@derbid.com.br

IIProfessor titular, Escola Politécnica da USP - E-mail: lsanchez@usp.br

Resumo

Esse trabalho apresenta um instrumento de avaliação do desempenho ambiental para obras de recuperação de rodovias. Os resultados da avaliação podem ser divulgados às partes interessadas e usados pelas empresas e órgãos públicos responsáveis pelo gerenciamento rodoviário para, entre outros, atestar a conformidade ambiental da empresa construtora. O procedimento envolve (i) aquisição dos dados por meio de vistorias e análise de relatórios ambientais, parte das atividades de supervisão ambiental de obras rodoviárias, (ii) classificação de não conformidades ambientais segundo uma escala de importância, e (iii) cálculo de índices de não-conformidade ambiental. Para fins de teste e calibração, o procedimento foi aplicado em cinco trechos rodoviários, que foram submetidos a obras de recuperação no âmbito do Programa de Recuperação de Rodovias do Estado de São Paulo.

Palavras-chave: Avaliação de desempenho ambiental, indicadores de desempenho ambiental, obras rodoviárias.

Abstract

This paper features a tool to carry out environmental performance evaluation in highway rehabilitation works, as a component of environmental supervision activities. The procedure involves (i) evidence gathering by conducting technical inspections and reviewing environmental compliance reports, (ii) ranking nonconformities according to a proposed weighting framework, and (iii) calculation of an environmental conformity index. For the sake of testing and calibration, the procedure was applied to five road segments that were submitted to rehabilitation works in São Paulo State and the results were treated qualitatively.

Keywords: Environmental performance evaluation, environmental management indicators, road construction.

1. Introdução

Rodovias são componentes da infra-estrutura de transportes que demandam manutenção constante. No Brasil, grande parte do parque rodoviário passou, desde os anos de 1980, por intenso processo de deterioração, devido à falta de investimentos em conservação e manutenção, demandando vultosas obras de recuperação. Diante desse quadro, o governo federal e diversos governos estaduais lançaram programas de recuperação da malha viária, muitos deles com financiamento de bancos multilaterais de desenvolvimento (São Paulo, 2001). Tais programas incluíram requisitos de controle ambiental, voltados não somente para a minimização dos impactos adversos decorrentes das próprias obras de recuperação, como também para a reabilitação de áreas degradadas por atividades realizadas no passado - em muitos casos, a própria construção da rodovia.

Embora a implantação de rodovias seja uma atividade que gere impactos ambientais significativos, há exemplos, no Brasil, de rodovias construídas com grande grau de observância da legislação e das condicionantes das licenças ambientais (Gallardo & Sánchez, 2004). Na atualidade, as empresas construtoras devem observar uma série de requisitos para a execução de obras de construção ou recuperação de rodovias e cláusulas ambientais têm sido incluídas nos contratos de execução de serviços e obras. Nesse contexto, o uso integrado de ferramentas de planejamento e gestão ambiental - como a avaliação de impactos, a auditoria e a avaliação de desempenho ambiental - tem contribuído para garantir a eficácia das medidas de proteção dos recursos ambientais (Sánchez, 2006a).

Os contratos firmados com as empreiteiras, muitas das vezes, atrelam o pagamento ao cumprimento de requisitos ambientais contratuais. Da mesma forma, agentes financeiros domésticos e internacionais têm colocado exigências de desempenho ambiental como condicionante para o desembolso de parcelas de financiamentos aprovados. Nesse contexto, a avaliação de desempenho ambiental (ADA) é uma ferramenta que permite aferir os resultados alcançados, mediante comparação com os requisitos ou condições estabelecidos para cada obra. No entanto, as exigências oriundas do licenciamento ambiental são, muitas vezes, formuladas em termos demasiadamente vagos, dificultando a fiscalização e a auditoria (Dias & Sánchez, 2001). Nesse artigo, propõe-se um procedimento para avaliar o desempenho ambiental das empresas construtoras.

2. Materiais e métodos

O instrumento desenvolvido para avaliação do desempenho ambiental foi fundamentado em procedimentos já aplicados na atualidade na construção de rodovias, mineração e em empreendimentos correlatos, tendo como referência conceitual a norma ISO 14031: 1999 (Environmental Management - Environmental Performance Evaluation - Guidelines).

Para estabelecer um critério de avaliação e escolher os atributos relevantes, foram realizadas consultas a documentos técnicos, como manuais de supervisão ambiental, laudos e relatórios de supervisão, monitoramento e acompanhamento ambiental de obras rodoviárias do Estado de São Paulo, Santa Catarina, Paraná, Rio Grande do Sul e Rio de Janeiro (disponíveis nos arquivos de órgãos governamentais do setor de transportes), assim como revisão bibliográfica sobre o assunto. Essas fontes indicam que os problemas mais frequentes, em obras de construção e de reabilitação de rodovias, como degradação de recursos ambientais, conflitos com comunidades lindeiras, descumprimento de requisitos legais ou de normas e diretrizes técnicas, são decorrentes, em sua maioria, da ausência ou da ineficácia das medidas propostas nos Planos de Controle Ambiental elaborados como parte das exigências para licenciamento ambiental.

Para fins de validação do método, o procedimento foi aplicado em cinco dos vinte lotes (trechos) de obra integrantes do Programa de Recuperação de Rodovias do Estado de São Paulo (Etapa I) do Departamento de Estradas de Rodagem (DER/SP), parcialmente financiado pelo Banco Interamericano de Desenvolvimento - BID (São Paulo, 2001).

3. Procedimento de avaliação e indicadores

Para avaliar o desempenho ambiental das obras rodoviárias, atividades de supervisão ambiental devem ser realizadas sistemática e periodicamente durante todo o período de execução das obras. Supervisão ambiental é aqui definida como "atividade contínua realizada pelo empreendedor ou seu representante, com a finalidade de verificar o cumprimento de exigências legais ou contratuais por parte de empreiteiros e de quaisquer outros contratados para a implantação, operação ou desativação de um empreendimento' (Sánchez, 2006b, p. 464). Como uma das tarefas centrais da supervisão ambiental é a identificação de eventuais não conformidades, sua ocorrência foi usada para verificar se as práticas de proteção ambiental aplicadas são eficazes e para avaliar seus resultados (desempenho ambiental). Para tanto, foram usados dois tipos de indicadores, com categorias subseqüentes:

(1) Indicadores de Conformidade Legal - que correspondem ao atendimento dos requisitos legais e normativos da obra (correspondentes aos indicadores de desempenho gerencial da norma ISO 14.031). Foram adotadas as categorias conformidade legal e regulamentar (como a ausência de licença de operação para canteiros de obras).

(2) Indicadores de Conformidade Ambiental - que correspondem à implementação de práticas eficazes de proteção ambiental (indicadores de desempenho operacional da norma ISO 14.031) e aos procedimentos de gestão ambiental empregados pela construtora na rodovia e em seu entorno. Foram adotadas as seguintes categorias:

(i) Interferência na fauna e flora (e.g. soterramento de vegetação).

(ii) Alteração de processos de dinâmica superficial (e.g. processos erosivos nas margens de curso d'água).

(iii) Resíduos sólidos e líquidos, poluição atmosférica e sonora (e.g. disposição inadequada de recipientes de substâncias derivadas do petróleo).

(iv) Sinalização, higiene e segurança (e.g. ausência, uso deficiente ou inadequado de equipamentos de proteção individual).

(v) Aspectos estruturais (e.g. trincas em obras de arte decorrentes de instabilidade geotécnica do aterro).

(vi) Áreas de apoio, terceiros e passivos ambientais (e.g. ausência de recuperação ambiental em área utilizada como bota-fora).

Dependendo das características da obra de recuperação a ser executada e das particularidades da área de inserção, o supervisor poderá lançar mão de outras categorias que melhor descrevam as condições ambientais locais ou as particularidades da obra rodoviária.

4. Critérios de mensuração e avaliação

O método utilizado tem como base (1) a observação - por meio de inspeções técnicas - dos resultados da interação entre as atividades das obras de recuperação de rodovias e o meio ambiente, e (2) a análise (2a) das práticas e medidas de controle ambiental aplicadas, (2b) dos procedimentos documentados das empresas e (2c) de relatórios e laudos de monitoramento ambiental.

A supervisão ambiental deve buscar evidências que permitam identificar a ocorrência de situações de não conformidade em relação a critérios previamente determinados (exigências da licença ambiental, exigências contratuais e atendimento à legislação ambiental). Identificadas as não conformidades, é preciso classificá-las segundo algum critério de importância, pois, dependendo do contexto, tanto uma única não conformidade muito grave pode configurar uma situação pior do que diversas não conformidades pouco graves como vice-versa. Não existe, a priori, um critério unívoco ou universalmente aceito para atribuição de importância, de modo que o procedimento aqui apresentado representa uma das possíveis soluções do problema.

Como as situações de não conformidade correspondem a eventos qualitativos, para o tratamento dos dados utilizaram-se técnicas de análise qualitativa, conforme Pereira (2001).

As não conformidades ambientais são tratadas segundo três características ou atributos: (i) gravidade, (ii) implementação de ação corretiva e (iii) reincidência. Para cada característica foi adotada uma escala qualitativa.

Gravidade (GR): as não conformidades ambientais são enquadradas em cinco níveis de gravidade, segundo a combinação de quatro atributos que as caracterizam, sendo que, para cada um desses atributos, foi desenvolvida uma escala qualitativa, a seguir descrita.

1. Severidade: relacionada à intensidade e à importância da degradação ambiental causada durante as obras, devido à ausência ou ineficácia das medidas de controle; para esse atributo foi estabelecida a seguinte escala: Leve, Média, Alta.

2. Potencial de causar degradação ambiental em áreas adjacentes: quando uma determinada situação tem potencial de causar degradação ambiental em áreas adjacentes, como um processo erosivo que ocasionou ou poderá ocasionar assoreamento de um curso d'água; para avaliação, selecionou-se a seguinte escala:

Baixo: quando a não conformidade registrada apresenta baixo potencial de provocar degradação ambiental adjacente ou subsequente.

Médio: quando a não conformidade registrada apresenta possibilidade incerta de provocar degradação ambiental às áreas adjacentes ou subsequentes a ela.

Alto: quando a não conformidade apresenta um elevado potencial de ocasionar outras degradações ao meio ou degradações subsequentes.

3. Facilidade de implementação de ação corretiva: descreve o grau de complexidade das ações necessárias para corrigir a situação, segundo a seguinte escala:

Fácil: ações correntemente empregadas no ramo da construção de rodovias e de fácil exequibilidade.

Média: ações recomendadas como boa prática no ramo da construção de rodovias, porém ainda pouco difundidas no Brasil.

Difícil: ações que não fazem parte da rotina de uma obra de construção de rodovias ou caracterizadas como atividades cuja execução é complexa.

4. Localização: uma não conformidade pode ser constatada dentro da faixa de domínio da rodovia ou fora dos seus limites (em áreas de apoio ou de terceiros), ademais pode estar inserida em áreas sujeita a restrições de uso, como áreas de preservação permanente, sendo:

Áreas legalmente protegidas: quando uma não conformidade ambiental registrada encontra-se no interior de uma área protegida pela legislação brasileira.

Áreas sem restrição ambiental: demais locais.

A Tabela 1 apresenta um resumo dos atributos e escalas para as não conformidades ambientais.

Como as constatações de ocorrência de não conformidades ambientais são variáveis qualitativas, cujos atributos apresentam uma relação de ordem entre si, devem ser analisadas segundo métodos apropriados (Pereira, 2001). Para essa avaliação, foi adotada a combinação de atributos (Sánchez, 2006b) e, para mensurar uma não conformidade, foi estabelecida uma escala numérica, em que cada nível corresponde a um diferencial semântico com relação aos níveis precedente e subsequente, atribuindo-se um peso a cada nível, conforme a Tabela 2.

No entanto, mesmo com a definição de critérios para atribuição de pesos para as não conformidades ambientais selecionadas, verificou-se que o seu enquadramento apresenta um caráter subjetivo e, até certo ponto, individual, dependendo da ótica e da experiência do profissional designado para o levantamento e tratamento dos dados. Assim, é conveniente que a análise do desempenho ambiental das obras seja delegada a profissionais de alto conhecimento e experiência nas questões ambientais de empreendimentos rodoviários.

Dessa forma,visando a atenuar o viés da interpretação pessoal dos autores, foram contatados cinco profissionais envolvidos com atividades de supervisão ambiental rodoviária ou estudos, projetos e programas ambientais de empreendimentos rodoviários, solicitando-se a cada um que atribuísse pesos de acordo com o critério proposto para combinação dos atributos. Os resultados são apresentados na última coluna da Tabela 2, onde se vê o valor final dos pesos, que são aqueles de maior frequência entre os atribuídos pelos profissionais convidados.

Implementação de ação corretiva (AC): caracterizada pelo atendimento, no prazo estabelecido, das exigências formuladas pela empresa supervisora, necessárias para correção de uma não-conformidade ambiental registrada (por exemplo, implantação de medidas preventivas ou corretivas). A rapidez da resposta pode ser entendida como indicador de bom desempenho, tendo sido estabelecidas quatro situações, baseadas na proposta apresentada por De Jorge et al. (2004), com pontuação entre 0 e 3, sendo:

  • Não conformidade em atendimento (EA): quando, após o registro da não conformidade ambiental, verifica-se a tomada de ações corretivas em atendimento às solicitações, porém ainda não finalizadas e dentro do prazo estabelecido pela supervisora ambiental; o valor atribuído será igual a zero (0), uma vez que as medidas solicitadas encontram-se dentro do prazo estabelecido.

  • Não conformidade atendida (AT): quando, após o registro da não conformidade ambiental, foram atendidas todas as exigências ou implementadas todas as medidas corretivas necessárias ou atendimento legal dentro do prazo estabelecido; o valor atribuído será igual a zero (0).

  • Não conformidade pendente (PE): quando, após o registro da não-conformidade ambiental, verifica-se o atendimento parcial das solicitações, no prazo estabelecido. Na situação de Pendente, é proposto um novo prazo para atendimento e, caso este não seja cumprido, a não-conformidade ambiental registrada passará à situação de Não Atendida (NA). A situação de Pendente aplica-se também quando a solicitação de licenças/autorizações necessárias às obras encontra-se sob análise dos órgãos ambientais. O valor atribuído será 1 ou 2, dependendo do valor atribuído ao parâmetro GR, assim: PE = 1, quando a GR estiver entre 1 e 3; e PE = 2, quando a GR for igual a 4 ou 5.

  • Não conformidade não atendida (NA): quando, após o registro da não conformidade ambiental, não foram atendidas as exigências, ou atendidas parcialmente fora do prazo estipulado. A situação de Não Atendida é aplicada, na maioria das vezes, posteriormente ao enquadramento na situação de Pendente. Quando relacionada à ausência de licenças ou autorizações ou ao descumprimento às normas e à legislação ambiental, o não cumprimento do prazo estabelecido para regularização caracteriza-se a situação de Não Atendida. O valor atribuído será 2 ou 3, dependendo do valor atribuído ao parâmetro GR, assim: NA = 2, quando a GR estiver entre 1 e 3; e NA = 3, quando a GR for igual a 4 ou 5.

Reincidência da não conformidade (RE): quando verificada a ocorrência de uma determinada não conformidade ambiental que já fora registrada em um ou mais relatórios mensais anteriores. Esse evento visa a avaliar a postura da construtora, tendo como referência os cuidados tomados para evitar a repetição de problemas. Assim, para cada evento reincidente, é atribuído um valor de 1 a 3, dependendo do número de reincidências e do valor do parâmetro GR. Para a atribuição dos pontos, foi adotado o seguinte critério:

RE = 1, quando registrada a primeira recorrência relacionada àquela não conformidade e o valor de GR for igual a 1 ou 2.

RE = 2, quando registrada a segunda recorrência relacionada àquela não conformidade ambiental ou, quando do primeiro registro de recorrência, o valor de GR for igual a 3 ou 4.

RE = 3, quando registrada qualquer não conformidade ambiental a partir da segunda reincidência ou a GR for igual a 5.

O resultado da soma dos pontos atribuídos a GR, AC e RE para todas as não conformidades registradas no mês corresponde ao Valor do Desempenho Ambiental Mensal (VDAM); quanto maior esse número, pior o desempenho ambiental da obra naquele mês.

5. Teste e validação do instrumento proposto

A seleção dos casos procurou identificar trechos de obras localizados em diferentes compartimentos geográficos do Estado de São Paulo, com características fisiográficas e ecológicas distintas. Dois trechos estão localizados no Litoral Norte do Estado: o Lote 1 atravessa as encostas íngremes da Serra do Mar recobertas pela Mata Atlântica e o Lote 3 percorre um trecho da baixada (orla marítima), onde os terrenos são planos. O Lote 8 está na região Sudeste do Estado, caracterizado pelos morrotes e colinas da porção menos acidentada da Serra da Mantiqueira, o Lote 13 encontra-se na região central do Estado, onde o relevo predominante são as colinas e o solo argiloso, com baixa suscetibilidade à erosão. O último trecho, o Lote 16, está inserido no Oeste Paulista, caracterizado pelo relevo plano e solos altamente suscetíveis à erosão.

As vistorias e a análise dos documentos foram realizadas no período de março de 2003 a junho de 2005, correspondente à duração das obras para os lotes selecionados. As não conformidades ambientais foram registradas mensalmente e tratadas de acordo com os critérios de avaliação estabelecidos. A Figura 1 apresenta as frequências das não conformidades ambientais registradas durante as obras para cada lote selecionado para estudo e a Figura 2 apresenta o VDAM para cada lote de obra.



É importante observar que os trechos selecionados apresentam extensões e períodos de execução de obras distintos (Tabela 3), o que, consequentemente, interferiu no número de não conformidades registradas e, consequentemente, no VDAM. Para atenuar esse efeito e tornar comparáveis os índices, para cada lote de obra foi calculado um Índice de Não Conformidade Ambiental do Lote (INCAL), ponderado pela extensão (km) e pelo tempo (meses) da obra para cada trecho.

Para tanto, o primeiro passo foi a obtenção de um valor representativo para os VDAM de cada lote, obtido mensalmente durante todo o período de obras, denominado Valor de Desempenho Ambiental Característico do Lote (VDAL). Como o VDAM apresenta-se heterogêneo ao longo da obra, foi imprescindível o uso da estatística, a partir da expressão matemática:

Onde:

: média aritmética dos VDAM para "n" meses.

k0,90: coeficiente de t-Student referente ao intervalo de confiança de 90%.

s: desvio-padrão da população dos VDAM para "n" meses.

Os valores do percentual k0,90 em função dos valores de n-1 e o VDAL de cada lote são mostrados na Tabela 3.

Com os dados obtidos, foi possível o cálculo do Índice de Não Conformidade Ambiental (INCAL) para cada lote de obra, a partir da seguinte expressão:

Assim, os valores obtidos para o INCAL foram os seguintes:

Lote 01 ® INCAL = 12,38

Lote 03 ® INCAL = 10,61

Lote 08 ® INCAL = 10,95

Lote 13 ® INCAL = 1,72

Lote 16 ® INCAL = 7,76

O Índice de Não Conformidade Ambiental apresentado nesse estudo foi obtido para as obras já concluídas. No entanto, esse índice pode ser calculado mensalmente, substituindo o valor de n pelo número 1, relativo àquele mês ou pelo número de meses a ser analisados, obtendo o VDAL correspondente durante a execução das obras. Isto permite propor um critério para que o órgão fiscalizador possa avaliar os resultados obtidos pela empresa construtora e, conseqüentemente, o seu desempenho ambiental.

No entanto, resta o problema de avaliar qual ou quais lotes de obra apresentam um desempenho ambiental considerado aceitável ou satisfatório. Para tanto é necessário arbitrar um valor de referência. Nesse tipo de obra, não se pode esperar, mesmo nos melhores casos, o atendimento total e completo de todos os requisitos, ou seja, não há, para todos os efeitos práticos, não-conformidade zero.

Esse valor de referência foi aqui denominado de Índice de Não Conformidade Ambiental Crítico (INCACR), considerado o valor a partir do qual as obras poderiam ser declaradas como em não conformidade ambiental, ou seja, quando INCAL > INCACR, o empreendimento rodoviário apresenta desempenho ambiental caracterizado como insuficiente ou insatisfatório.

Foi, então, obtido um intervalo de confiança, conforme a expressão:

Onde:

INCAlim = Índice de Não Conformidade Ambiental Limite

s : desvio-padrão do Índice de Não Conformidade Ambiental do lote (INCAL)

k0,90: constante correspondente ao nível de confiança de 90%, igual a 1,282. Nas análises estatísticas, comumente, são usados para k os valores de 90, 95 e 99% correspondente ao t-Student para 1,282; 1,645; e 2,327 respectivamente.

Foram obtidos, assim, os seguintes resultados:

INCAlim= 2,06 e 11,78 » 2,0 e 12,0

Os resultados obtidos permitiram o desenvolvimento de intervalos de desempenho ambiental, conforme a Tabela 4 e apresentados na Figura 3, por meio da distribuição t-Student, bastante similar à distribuição normal. O Índice de Não Conformidade Ambiental Crítico, como apresenta a Tabela 4, foi considerado igual a 7,1.


6. Discussão

O lote 16 apresentou, durante as obras, o maior número de não conformidades ambientais registradas, como pode ser observado na Figura 1, e maior valor para o VDAL em comparação com os demais lotes (Tabela 3). Esse fato deve-se não somente por apresentar a maior extensão, mas, também, pela paralização das obras por um período de três meses, durante os quais as não conformidades registradas agravaram-se e novas foram verificadas, principalmente quanto à alteração nos processos de dinâmica superficial, pois os solos locais possuem composição arenosa e suscetibilidade alta à erosão (IPT, 1994).

O Índice de Não Conformidade Ambiental Crítico (INCACR) define o valor máximo a partir do qual o desempenho ambiental apresenta-se como indesejado e denominado Insatisfatório. De acordo com o critério proposto, apresentado na Tabela 4, nos casos estudados, apenas o Lote 13, com INCAL igual a 1,72, obteve desempenho ambiental considerado Altamente Satisfatório. Todos os demais não alcançaram o desempenho desejado, ou seja, apresentaram INCAL superior ao INCACR (7,1). O Lote 1, com INCAL igual a 12,38, apresentou o pior desempenho ambiental, considerado como Altamente Insatisfatório.

O instrumento proposto permite verificar qual o mês ou o período de obra em que os valores do INCAL apresentam-se superiores ao INCACR, caracterizado como "tempo crítico", no qual a empresa encontra-se em não-conformidade ambiental.

7. Conclusão

O instrumento proposto para avaliar o desempenho ambiental das obras rodoviárias e das construtoras é um procedimento sistemático, fundamentado e coerente, que pode ser utilizado pelos órgãos rodoviários ou por empresa fiscalizadora contratada para realizar a supervisão ambiental durante o período de obra. Os resultados da avaliação do desempenho ambiental das obras também podem ser divulgados às partes interessadas, sendo usados como instrumento de comunicação. Sua aplicação, contudo, requer que as inspeções técnicas sejam realizadas por profissionais com experiência em supervisão ambiental.

A seleção dos trechos de obra do Programa de Recuperação de Rodovias do Estado de São Paulo - Etapa I ofereceu subsídios para avaliar a aplicabilidade do instrumento proposto, uma vez que foram estudadas situações com características geográficas e ambientais distintas, o que permitiu validar o procedimento.

O modelo de avaliação de desempenho ambiental proposto é específico para obras de recuperação de rodovias. No entanto, poderá ser adaptado para outros tipos de projetos rodoviários, de acordo com as características das obras que se pretende realizar, com maior ou menor grau de detalhamento, podendo ser ampliados ou excluídos os indicadores ambientais sugeridos.

O valor do Índice de Não Conformidade Ambiental Crítico (INCACR) pode ser considerado representativo e pode ser utilizado para avaliar o desempenho ambiental de empreendimentos rodoviários e, consequentemente, das empresas construtoras, desde que os critérios de avaliação utilizados para o tratamento das não conformidades ambientais sejam os mesmos sugeridos nesse trabalho.

8. Referências bibliográficas

Artigo recebido em 14/01/2009

Aprovado em 15/10/2009.

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Datas de Publicação

  • Publicação nesta coleção
    14 Jun 2010
  • Data do Fascículo
    Jun 2010

Histórico

  • Recebido
    14 Jan 2009
  • Aceito
    15 Out 2009
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