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Considerações sobre a concepção do primeiro forno brasileiro para avaliação de lajes e vigas, carregadas, em situação de incêndio

Considerations about the design of the first Brazilian furnace for evaluation of slabs and beams, loaded, in fire

Resumos

Esse trabalho apresenta parâmetros que norteiam a concepção de equipamento de laboratório destinado a avaliar lajes e vigas em escala natural, com carga, e em situação de incêndio. Parâmetros de interesse, como dimensões internas, taxas de elevação da temperatura com o tempo, infraestrutura para instalação do equipamento, entre outros, são avaliados à luz de normatização nacional e internacional em vigor. Ao final, espera-se que esse relato de exercício de concepção e construção do primeiro forno horizontal brasileiro estimule a construção de futuros equipamentos desse tipo, auxiliando pesquisadores nacionais e internacionais da área a iniciar semelhante, e árdua, empreitada.

Incêndio; forno horizontal; laboratório; infraestrutura


This paper presents the parameters that guide the design of laboratory equipment to evaluate slabs and beams, in full-scale load, and in fire. Parameters of interest such as the internal dimensions, rate of temperature rise according to the time, infrastructure for installation of equipment, among others, are evaluated based on national and international standards. In the end, it is hoped that this report about the exercise of design and construction of the first horizontal Brazilian furnace encourage the future construction of this kind of equipment, helping national and international researchers in the area to start a similar, and arduous, task.

Fire; horizontal furnace; laboratory; infrastructure


ENGENHARIA CIVIL CIVIL ENGINEERING

Considerações sobre a concepção do primeiro forno brasileiro para avaliação de lajes e vigas, carregadas, em situação de incêndio

Considerations about the design of the first Brazilian furnace for evaluation of slabs and beams, loaded, in fire

Armando Lopes Moreno JuniorI; Julio Cesar MolinaII; Carlito Calil JuniorIII

IProfessor Livre Docente, Universidade Estadual de Campinas, UNICAMP. almoreno@fec.unicamp.br

IIPós-Doutorando, Escola de Engenharia de São Carlos, USP. juliocesarmolina@yahoo.com.br

IIIProfessor Titular, Escola de Engenharia de São Carlos, USP. calil@sc.usp.br

RESUMO

Esse trabalho apresenta parâmetros que norteiam a concepção de equipamento de laboratório destinado a avaliar lajes e vigas em escala natural, com carga, e em situação de incêndio. Parâmetros de interesse, como dimensões internas, taxas de elevação da temperatura com o tempo, infraestrutura para instalação do equipamento, entre outros, são avaliados à luz de normatização nacional e internacional em vigor. Ao final, espera-se que esse relato de exercício de concepção e construção do primeiro forno horizontal brasileiro estimule a construção de futuros equipamentos desse tipo, auxiliando pesquisadores nacionais e internacionais da área a iniciar semelhante, e árdua, empreitada.

Palavras-chave: Incêndio, forno horizontal, laboratório, infraestrutura.

ABSTRACT

This paper presents the parameters that guide the design of laboratory equipment to evaluate slabs and beams, in full-scale load, and in fire. Parameters of interest such as the internal dimensions, rate of temperature rise according to the time, infrastructure for installation of equipment, among others, are evaluated based on national and international standards. In the end, it is hoped that this report about the exercise of design and construction of the first horizontal Brazilian furnace encourage the future construction of this kind of equipment, helping national and international researchers in the area to start a similar, and arduous, task.

Keywords: Fire, horizontal furnace, laboratory, infrastructure.

1. Introdução

A Escola Politécnica e a Escola de Engenharia de São Carlos, ambas da USP, e a Escola de Engenharia da UNICAMP, reunidas no Projeto Temático Fapesp "Segurança das Estruturas em Situação de Incêndio", estão tentando impulsionar as pesquisas, ora individuais, na análise termo-estrutural das estruturas de concreto, aço e madeira. Como um dos principais objetivos desse Projeto Temático encontram-se a concepção e a construção do primeiro equipamento de laboratório brasileiro (forno), apto a avaliar vigas e lajes, em escala natural, e sob carga, em situação de incêndio. A tentativa de concepção desse equipamento, inédito no Brasil, esbarrou, inicialmente, na falta de referências internacionais sobre o assunto. Nenhuma das universidades internacionais que já utilizam o equipamento, ou mesmo empresas internacionais especializadas na fabricação desse tipo de equipamento, documentaram seu projeto e sua execução. Na ausência de informações técnicas sobre o assunto, foi descartada a opção pela concepção. A importação do equipamento já pronto foi colocada como alternativa, sendo que cotações iniciais, com fornecedores internacionais, foram feitas. Entretanto, face aos custos extremamente elevados obtidos nessas cotações iniciais, a opção de importação foi abandonada definitivamente. Tendo em vista a inexistência de empresa nacional especializada na execução desse equipamento, empresas nacionais do ramo de fabricação de fornos para a indústria cerâmica foram contactadas e duas delas manifestaram interesse na construção do equipamento. Entretanto, face ao ineditismo em nosso País, ainda restava o problema da concepção desse equipamento. Voltamos à prancheta de trabalho e encaramos esse desafio. Esse trabalho descreve, de maneira sucinta, esse exercício de concepção e de construção do primeiro forno horizontal brasileiro. Que a experiência aqui relatada estimule a construção de futuros equipamentos desse tipo, auxiliando pesquisadores nacionais e internacionais da área a iniciar semelhante, e árdua, empreitada.

2. Fornos para avaliação de elementos estruturais em situação de incêndio

Um ensaio de simulação de incêndio em laboratório é um meio de avaliar se um componente construtivo obedece a parâmetros mínimos de comportamento estabelecidos por documentos técnicos de caráter legislativo nacionais e/ou internacionais. Existem diferentes tipos de elementos construtivos que podem ser testados em laboratório, tais como: paredes, lajes, vigas e pilares. Cada um desses elementos pode ser testado em diferentes escalas: escala natural, escala reduzida ou, até mesmo, em escalas de bancada (maquetes). A avaliação em laboratório de paredes, lajes, vigas e pilares, em situação de incêndio, sob carga, e em escala natural, implica a aquisição de fornos de grandes dimensões e de custo extremamente elevado. Basicamente, um único forno concebido para a avaliação de quaisquer elementos estruturais sob ação do fogo, embora adequado, pode não ser economicamente viável. Geralmente, os grandes laboratórios de pesquisa internacionais possuem dois ou três fornos grandes, específicos para avaliação do efeito do fogo em pilares, do efeito do fogo em lajes e vigas e do efeito do fogo em paredes. As dimensões principais desses fornos, intrínsecas aos elementos por ensaiar, fazem com que o meio técnico internacional defina estes fornos como horizontais (vigas e lajes) e verticais (paredes e pilares). Convém observar que alguns fornos podem ser projetados para a experimentação de lajes e de paredes, bastando que sejam movimentados para trabalhar na vertical ou na horizontal. O mais comum dos fornos para avaliação de estruturas em situação de incêndio, é o forno vertical, o qual é adequado para avaliação de paredes. No Brasil, o primeiro forno desse tipo foi construído em São Paulo, no Laboratório de Ensaios de Fogo do Instituto de Pesquisas Tecnológicas (IPT), no final da década de setenta, sendo inaugurado em 1980. O forno do IPT (Figura 1A) apresenta funcionamento a óleo, utiliza queimadores de baixa pressão e possui dimensões internas de 2,85 metros de altura por 2,85 metros de largura com 95 cm de profundidade. Vale observar que a possibilidade de carga nas paredes é bastante limitada. O revestimento do forno, nesse caso, é refratário, composto por tijolos isolantes, protegidos por manta cerâmica. O controle da elevação da temperatura é manual. Outro forno vertical em funcionamento no Brasil é o de Furnas Centrais Elétricas S.A. (Figura 1B), que foi instalado no Laboratório de Desenvolvimento de Sistemas Construtivos, em Goiás. Inaugurado em 2001, este segundo forno apresenta dimensões internas de 4,00m de largura por 3,07m de altura e 0,91m de profundidade. Trata-se de um forno vertical, também para o ensaio de paredes, que, diferentemente do primeiro forno, possui funcionamento a gás (GLP). O controle da temperatura, no caso do forno de Furnas, também é manual. Entretanto, esse forno não possibilita a aplicação de carregamento simultâneo durante o ensaio. Como característica construtiva, vale mencionar que o mesmo não utiliza tijolos cerâmicos como revestimento, apresentando uma caixa metálica recoberta por manta cerâmica.


Segundo Seito e Silva (2006), embora ambos os fornos citados anteriormente utilizem a mesma curva de aquecimento temperatura versus tempo para os ensaios de resistência ao fogo, ainda não se sabe qual a influência dos diferentes combustíveis utilizados nos resultados obtidos. Ainda em relação a fornos nacionais, recentemente, em 2006, foi colocado em funcionamento um forno vertical para avaliação de pilares na Universidade Estadual de Campinas (Figura 2). O forno é dividido em três módulos independentes com dimensões internas de 105 cm de altura e 65 cm de diâmetro cada. A capacidade de carga nos pilares é limitada a 3000 kN. Trata-se de um forno elétrico projetado para atingir até 1200oC de temperatura. A taxa máxima de aquecimento do forno é de 120oC/minuto e é controlada automaticamente por software computacional, que permite, inclusive, a edição da curva normalizada a ser admitida no ensaio. O isolamento do forno, nesse caso, é garantido por placas térmicas rígidas de fibra cerâmica.


Esses três fornos verticais nacionais, citados nos parágrafos anteriores, são os únicos grandes fornos em atividade no território nacional e, mesmo assim, nenhum deles está apto ao ensaio de lajes e vigas, em escala natural e carregadas. O alto custo de um forno horizontal, quando comparado aos verticais, pode ser colocado como um dos principais motivos da inexistência desse equipamento, até então, no Brasil. A iniciativa do Projeto Temático Fapesp "Segurança das Estruturas em Situação de Incêndio", com vistas ao projeto e construção de um forno horizontal, vem ao encontro a essas necessidades nacionais. Vale observar que não existe normatização que especifique detalhes técnicos e construtivos de fornos para análise de estruturas em situação de incêndio. A concepção de um equipamento desse tipo implica, inicialmente, a busca de prescrições internacionais e nacionais sobre o ensaio, em laboratório, de elementos construtivos em situação de incêndio. No caso, esses ensaios estão regidos, internacionalmente, por dois importantes códigos normativos: ASTM–E119 - "Standard Test Methods for Fire Tests of Building Constructions and Material" e ISO 834 – "Fire resistence tests – Elements of buildings construction". Nacionalmente, a ABNT NBR 14432:2001 - "Exigências de resistência ao fogo de elementos construtivos das edificações" especifica esses parâmetros de ensaio, que, convém salientar, não diferem dos exigidos pelas citadas normas internacionais. Desta forma, a seguir, cada etapa de concepção do primeiro forno horizontal nacional será descrita à luz do que está prescrito nessas referidas normas nacionais e internacionais.

3. Materiais e métodos

Evolução da temperatura com o tempo de ensaio e energia de aquecimento do forno

Logicamente, em ensaios de simulação em laboratório do efeito do fogo, tem-se, como principal parâmetro de interesse, a evolução da temperatura ao longo do tempo de ensaio. Essa normatizada evolução de temperatura norteia o dimensionamento do equipamento com relação à potência necessária de trabalho. A American Society for Testing and Materials: ASTM E-119:2000 – Standard Test Methods for Fire Tests of Building Construction and Material especifica uma curva padronizada Temperatura versus Tempo para materiais celulósicos, que é, ligeiramente, diferente da recomendada pela Associação Brasileira de Normas Técnicas, através da NBR 14432:2001, que é a mesma apresentada pela International Organization for Standardzation, pela ISO 834: 1999 (modelo do incêndio padrão). No caso de incêndios originados da queima de hidrocarbonetos, foi desenvolvida uma curva Temperatura versus Tempo, para representar essa inflamação generalizada em ensaios de laboratório (BLAKE, 2001). Na Europa, essa curva ficou conhecida como "Curva H" e é definida pelo EN 1992-1-2: 2001 – "European Committe for Standardization". As curvas Temperatura versus Tempo dessas Normas Técnicas citadas, bem como de outras Normas Técnicas conhecidas, estão plotadas na Figura 3. Na concepção do Forno Horizontal do Projeto Temático Fapesp, optou-se pela possibilidade de simulão do incêndio-padrão representado pelas curvas ISO 834(1975) e/ou ASTM E119(2000). A possível simulação da curva "H", com inflamação de hidrocarbonetos, elevaria em demasia os custos do equipamento. Outro fator a ser observado, na concepção desse singular equipamento, é a energia de aquecimento. A energia de aquecimento do forno pode ser proveniente da inflamação direta de algum combustível ou da energia elétrica. O combustível usual, neste caso, é o gás GLP (Gás Liquefeito de Petróleo) e, em raras ocasiões, o óleo diesel. Na escolha por energia elétrica ou gás, o custo final do equipamento deve ser um dos parâmetros em discussão. Nesse custo, estariam incluídas despesas com a construção, com a infraestrutura de montagem e com a manutenção do forno. Para fornos pequenos, a princípio, os custos de construção de um forno elétrico podem ser bem inferiores aos de um forno à gás. Essa diferença, segundo experiência na cotação inicial de preços de equipamentos em utilização no Laboratório na UNICAMP, chegou a 300%. Para o grande forno horizontal do Projeto Temático, essa diferença não foi tão grande, alcançando algo em torno de 170%. Da mesma forma, na opção pelo GLP, deve ser garantida toda uma infraestrutura para o fornecimento desse combustível em quantidade (vazão) necessária. Geralmente, a instalação do equipamento deve estar próxima de dutos de distribuição desse combustível.


Outro aspecto que incrementa os custos de montagem de um forno à gás está relacionado às exigências de segurança, para o funcionamento do equipamento, que são bem mais rígidas que aquelas exigidas para um forno elétrico. Geralmente, essas exigências são feitas por órgãos internos ligados à segurança do trabalhador e devem ser verificadas antes do início de qualquer empreitada de concepção de um forno à gás. Aspectos evidenciados nos parágrafos anteriores fazem com que os custos iniciais de construção e montagem de um forno à gás sejam bem superiores aos de um forno elétrico. Entretanto, por outro lado, deve ser destacado o elevado custo de manutenção e vida útil bem menor do forno elétrico. Outro parâmetro que influencia a escolha do tipo de energia de aquecimento de um forno é a potência instalada e necessária nos primeiros minutos de funcionamento do equipamento. Pela Figura 3, nota-se que as taxas normatizadas de elevação da temperatura com o tempo podem ser muito altas nos minutos iniciais de simulação do incêndio-padrão. Ponto positivo para o GLP, uma vez que nem sempre essas taxas elevadas podem ser conseguidas, facilmente, em fornos elétricos. A opção pela eletricidade foi tomada, recentemente, na concepção do Forno Vertical da UNICAMP (Figura 2), do forno da Universidade de Coimbra/Portugal (Figura 4A), além de outras Universidades no mundo. Entretanto os fornos mais antigos em operação, tanto na Europa como na América do Norte e América do Sul, têm funcionamento à gás. Fornos a gás são utilizados, por exemplo, pelo EMPA/Suíça (Figura 4B), pela Pontifícia Universidade Católica (DICTUC)/Chile (Figura 4C) e, também, pela Michigan State University (MSU)/USA (Figura 6).



Resta salientar que não existem, no Brasil e nem no exterior, grandes fornos elétricos horizontais em funcionamento. Talvez as grandes dimensões internas, aliadas à elevada potência inicial para manutenção das taxas necessárias de elevação de temperatura com o tempo (primeiros minutos do incêndio-padrão), inviabilizem um empreendimento dessa natureza. Por fim, considerando-se a potência necessária para a elevação de temperatura, na taxa necessária normatizada, para o forno horizontal em concepção do Projeto Temático, a opção pelo gás foi a mais conveniente. A título de informação, a potência instalada no forno da EESC/USP é de 3.600 kw (3.096.000 kcal/hr). No caso de fornos à gás, é importante mencionar, também, que a eficiência do controle da temperatura interna, no equipamento, depende do tipo de válvula utilizada no controle das chamas dos queimadores. O tipo de válvula utilizada interfere na precisão da curva padronizada a ser seguida durante o ensaio. No forno projetado da EESC/USP, foi utilizada válvula do tipo ON/OFF (chama alta/chama baixa), para garantia da precisão no acompanhamento da curva padronizada pela ASTM E119. O forno projetado, neste caso, atinge temperatura interna máxima 1.260ºC com variação de 5%.

Dimensões internas do forno

Normas nacionais e internacionais de procedimentos em relação à avaliação de estruturas, em situação de incêndio, não especificam, em detalhes, a construção dos fornos. Esse fato, muitas vezes, pode acarretar dificuldades quando se tenta uma avaliação comparativa entre resultados de ensaio obtidos em fornos diferentes. Entretanto essas mesmas normas padronizam valores mínimos para as dimensões de interesse dos elementos em avaliação. Desse modo, as dimensões internas do equipamento devem estar regidas por estes valores mínimos. Vigas e lajes têm valores mínimos para o comprimento e área superficial, sob temperatura, normatizados. Logicamente, esses valores mínimos têm direta influência na concepção de forno horizontal no que concerne às dimensões internas em planta (comprimento e largura). No que diz respeito à seção transversal de vigas e espessura de lajes, não existem valores mínimos recomendados por norma, tanto internacional, como nacional. A altura do forno horizontal, deste modo, não mais será concebida em função de limites mínimos normatizados. Entretanto, em relação à altura interna do forno, vale observar que a mesma deve estar, também, condicionada às alturas de vigas e lajes de uso corrente na indústria da construção civil nacional, uma vez que o equipamento deve estar apto a avaliar esses mesmos elementos, em situação de incêndio. Da mesma forma, deve-se observar que o espaço interno do forno horizontal deve ser suficiente para movimentação de pessoal técnico especializado, para a montagem de todo o aparato de ensaio. Por fim, no caso de fornos à gás, o posionamento dos queimadores no forno não deve interferir, diretamente, na evolução de temperatura no elemento em ensaio. O mesmo procedimento deve ser observado com relação ao parâmetro de influência, na definição da altura de forno horizontal, uma vez que é desejável que o fluxo de calor no interior do forno seja uniforme e contínuo. Considerando todos os aspectos comentados nos parágrafos anteriores, as dimensões internas, para o forno horizontal em projeto, adotadas foram 4 metros de comprimento, 3 metros de largura e 1,5 metros de altura. Esses valores estão de acordo com os mínimos exigidos pela ISO 834, que recomenda dimensões mínimas de 3 metros por 4 metros, para avaliação de lajes, em situação de incêndio. Também estão de acordo com a ASTM E119, que especifica um vão de pelo menos 3,7 metros para o ensaio de vigas e lajes em situação de incêndio. A altura de 1,5 metros veio satisfazer à necessidade de posicionamento dos queimadores, de forma a não ocorrer interferência nos ensaios. Essa altura também é suficiente para a livre movimentação interna de montagem do aparato de ensaio e é suficiente para o ensaio de vigas e lajes com alturas usuais. A Figura 5 apresenta o forno em projeto, com as dimensões internas pretendidas indicadas e o posicionamento dos queimadores. Os valores das espessuras das paredes, considerando paredes de aço (SAE 1020 com 5 mm) e material refratário de revestimento (módulos de fibra cerâmica nas paredes com piso de tijolos de alta resistência mecânica), foram definidos pela empresa fabricante do forno.


Fechamento superior do forno e recortes necessários nas paredes laterais

Geralmente, nos ensaios das lajes e vigas, a fonte de calor deve estar do lado de baixo do elemento estrutural. Isto porque o fogo, em situação real de incêndio, tende a expandir-se de maneira ascendente e a parte mais vulnerável da laje, ou viga, é a parte inferior, onde existe maior concentração de armadura protegida por pequenos cobrimentos de concreto. No Brasil, para lajes em uma direção, a ABNT NBR 5628:2001 define que a parte exposta ao fogo não deve ser menor que 2,5 metros de largura por 4 metros na direção do vão. As vigas devem, sempre que possível, ser ensaiadas com a respectiva parte integrante da laje (mesa superior de vigas T) e a fonte de calor deve estar na parte de baixo da viga. Dessa forma, em um ensaio típico de lajes e vigas, em situação de incêndio, em fornos horizontais, o elemento estrutural é trazido para o forno e posicionado de maneira que sirva como fechamento de sua abertura superior (Figura 6).

Deve ser observado que para cada vez que o equipamento for colocado para funcionar, o custo será, praticamente, o mesmo; tanto para ensaio de um elemento, como para o ensaio de vários elementos. Ensaiar o número máximo de elementos, por vez, pode gerar economia e toda metodologia consciente, de qualquer trabalho experimental que utilizará o equipamento, deve ser pensada com vistas a esse aproveitamento. A tampa metálica do forno, entretanto, deve ser projetada. Ela pode ser executada inteira (Figura 7B) ou em partes (Figura 7A). Quando inteira, deve vedar toda a parte superior do forno e, quando em partes, pode oferecer opções de complementos de vedação, caso sejam ensaiados elementos estruturais com dimensões menores que essa abertura superior.


Outro fato que deve ser destacado, na concepção desse equipamento, é a provável necessidade de recortes nas paredes laterais (Figura 8A). Esses recortes podem ser executados, também, para instalação de janelas de observação (Figura 8B). Essas janelas de inspeção são fechadas com vidros especiais que suportam temperaturas elevadas. Em relação a esses recortes na parede do forno, convém observar que, na grande maioria dos ensaios internacionais, os elementos estruturais, lajes e vigas, têm apoio externo ao equipamento. A região dos apoios, geralmente, não é submetida ao aquecimento. Daí a necessidade dos recortes, conforme indicado na Figura 8A, onde se ilustra o detalhe de apoio (externo ao forno) de uma viga de madeira sendo ensaiada, em situação de incêndio, com consideração de aquecimento em todas as faces, uma vez que a abertura superior do forno está completamente vedada com tampa metálica.


Exaustão

Os fornos a gás são equipados com ventilação forçada, que faz com que o ar, aquecido pelos queimadores, circule por todo o interior do forno. Essa circulação forçada faz com que o ar frio seja expelido para o exterior e o ar quente tome o seu espaço. Essa troca de ar menos quente para mais quente (até temperaturas em torno de 1300oC) é providenciada por sistema de exaustão, via tubulações construídas especialmente para essa finalidade. Esse mesmo sistema de exaustão, caso necessário um rápido resfriamento do forno, também deve providenciar a rápida entrada de ar frio e saida de ar quente. As tubulações desse sistema conduzirão gases quentes à temperatura de, aproximadamente, 1000oC. Portanto, o material desses tubos e eventuais emendas devem estar dimensionados para essa temperatura. Da mesma maneira, esse ar quente deve ser conduzido e lançado, por uma chaminé, ao exterior, em localização que não ofereça riscos aos usuários de ambientes vizinhos ao equipamento. Convém, antes da concepção e montagem de todo este equipamento de exaustão, uma consulta prévia ao órgão local responsável pela segurança do trabalhador. A chaminé (Figura 9B) e o equipamento de exaustão do forno (Figura 9A), em funcionamento na Univesidade de Michigan, USA, são ilustrados, em detalhes, na Figura 9.


No caso do forno em concepção, que será construído na EESC/USP, esses cuidados foram observados. A Figura 10 apresenta os detalhes da tubulação metálica que compõe a chaminé do forno (Figura 10A) e também o local externo (Figura 10B), onde será posicionada a chaminé metálica, de modo que seja garantida a segurança ao redor do forno de ensaios.


Pressão interna no forno

A pressão interna, durante o ensaio, também é variável de interesse, no projeto de um forno. A pressão interna afeta, principalmente, a resistência ao fogo obtida através da avaliação da estanqueidade, uma vez que pressão positiva interna pode forçar chamas ou gases quentes através de alguma fissura e caracterizar a perda de estanqueidade do elemento em ensaio.

A norma ISO 834 estabelece que os elementos horizontais ensaiados devem estar submetidos a uma pressão positiva de 10 Pa. Para um elemento vertical, como uma parede, o gradiente de pressão interna deve ser linear, com 10 Pa no topo e pelo menos dois terços da parede submetida à pressão positiva. No caso do forno em projeto, equipamentos especiais de controle de pressão foram previstos de maneira a se adequarem, futuramente, às exigências da ISO 834. Entretanto vale observar que não existe nenhuma especificação quanto à pressão interna dos fornos durante a avaliação da resistência ao fogo, segundo os procedimentos da ASTM E119.

Sistema de aplicação do carregamento

O forno em concepção deve avaliar lajes e vigas, carregadas, em situação de incêndio. Muitos são os fornos em funcionamento, nacionais e internacionais, onde a aplicação de carga, em conjunto com o aquecimento do elemento estrutural, não é possível. Portanto, neste caso, deve ser previsto todo um aparato para a aplicação de carga e, também, para o suporte (apoios) no elemento estrutural em ensaio. O sistema de carga deve ser projetado considerando-se o mais carregado dos elementos estruturais que possa ser ensaiado no forno. Quase sempre, no caso de lajes e vigas, esse sistema é projetado com base em carregamentos-limites de uma viga de concreto armado. Alguns fornos utilizam um único sistema de pórticos para o apoio dos elementos estruturais e para a aplicação do carregamento como, por exemplo, o forno da MSU/USA, (Figura 11A). Outros laboratórios, como o FPL em Wisconsin/ Madison/USA, utilizam o forno horizontal também para o ensaio de pilares. Nesse caso, foi instalado um sistema especial para aplicação de carregamentos de modo a solicitar as extremidades dos elementos a momentos fletores (Figura 11B).


O detalhamento do projeto do sistema de pórticos de carregamento e pórticos de apoio do forno em concepção não é o objetivo desse artigo. Entretanto, a título de informação, apresentam-se, na Figura 12, detalhes deste sistema, a ser montado próximo ao forno em concepção. Os referidos pórticos foram dimensionados com auxílio do Prof. Dr. Maximiliano Malite da EESC/USP. Vale mencionar que o forno projetado e instalado na EESC/USP possui três conjuntos de pórticos metálicos, independentes, com quatro pistões acoplados e automatizados, para aplicação de carga em cada pórtico (Figura 12A). Os referidos pórticos também podem funcionar como pórticos de apoio e são formados por perfis soldados da série CVC – 300 x 94. Os apoios dos pórticos são formados por consoles metálicos (Figura 12B), parafusados ao perfil de aço, que são ajustados de acordo com a necessidade do ensaio. A capacidade de carga projetada, nesse caso, para cada um dos pórticos, foi de 400 kN, totalizando 1200 kN, se considerado os três pórticos trabalhando simultaneamente.


Infraestrutura complementar

Resta observar que, além das necessidades de infraestrutura, já especialmente comentadas nesse artigo, como o equipamento de exaustão ou o pórtico de carregamento, algumas outras necessidades não podem ser esquecidas. Instalações elétricas para o painel de comando do forno, instalações de tubulação de gás para abastecimento do forno com pressão de entrada definida, construção de sistema de abrigo de gás com pára-raios e segurança contra explosões são exemplos desses serviços. Essas necessidades, logicamente, são geradas por características de projeto e de funcionamento do equipamento.

4. Considerações finais

Esse trabalho apresentou parâmetros que norteiam a concepção de equipamento de laboratório destinado a avaliar lajes e vigas em escala natural, com carga, e em situação de incêndio; um forno horizontal. Parâmetros de interesse foram avaliados à luz de normatização nacional e internacional em vigor e aplicados em exercício real de concepção do primeiro forno horizontal brasileiro. Espera-se que esse trabalho estimule e, principalmente, facilite a concepção e construção de futuros equipamentos desse tipo, auxiliando pesquisadores nacionais e internacionais da área a iniciar semelhante, e árdua, empreitada.

5. Agradecimentos

Os autores agradecem a FAPESP – Fundação de Amparo à Pesquisa do Estado de São Paulo pelo financiamento da pesquisa.

6. Referências bibliográficas

Artigo recebido em 03 de outubro de 2011

Aprovado em 25 de setembro de 2012

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  • ASSOCIAÇÃO BRASILEIRA DE NORMAS TÉCNICAS. NBR 14432: Exigências de resistência ao fogo de elementos construtivos de edificações Rio de Janeiro, 2001.
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Datas de Publicação

  • Publicação nesta coleção
    03 Abr 2013
  • Data do Fascículo
    Mar 2013

Histórico

  • Recebido
    03 Out 2011
  • Aceito
    25 Set 2012
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