Acessibilidade / Reportar erro

Avaliação da produção de espécies reativas de oxigênio por granulócitos de sangue periférico de pacientes com fibromialgia primária

Evaluation of reactive oxygen species production by peripheral blood granulocytes from primary fibromyalgia patients

Resumos

OBJETIVO: avaliar anormalidades bioquímicas que possam estar relacionadas à fibromialgia, mais especificamente o metabolismo oxidante de granulócitos de pacientes com fibromialgia primária (FMP). MÉTODOS: foram selecionados 10 pacientes (9 mulheres e 1 homem) portadores de FMP, com idade entre 20 e 40 anos, de acordo com os critérios do Colégio Americano de Reumatologia, que não apresentavam qualquer outra doença de curso agudo ou crônico e estavam sem utilizar medicamentos no mínimo durante duas semanas. Controles normais (n = 19) pareados por sexo e idade foram selecionados. Os granulócitos de pacientes e controles foram separados do sangue periférico e utilizados como célula de trabalho. A produção de espécies reativas de oxigênio (ERO) foi determinada por meio de ensaio de quimioluminescência dependente de luminol. RESULTADOS: demonstramos, pela primeira vez, uma produção significantemente elevada de ERO (3,2 vezes maior) em granulócitos de sangue periférico de pacientes com FMP (p < 0,05). CONCLUSÕES: estes resultados demonstraram um comportamento anormal dos granulócitos de pacientes com FMP, em que uma produção aumentada de espécies reativas do oxigênio foi observada. Estudos futuros serão necessários para melhor esclarecer estes resultados, delineando uma nova perspectiva na compreensão e abordagem destes pacientes.

fibromialgia; espécies reativas de oxigênio; granulócitos


OBJECTIVE: Our aim in this paper was to evaluate the biochemical abnormalities that may be correlated with fibromyalgia, such as the ROS production by granulocytes from patients with fibromyalgia in comparison to cells from healthy subjects. METHODS: Ten patients (9 women and 1 man, age ranging from 20 to 40 years old) with primary fibromyalgia, according to the American College of Rheumatology criteria, were selected. None of them were using medications 2 weeks before starting the study. Patients with rheumatic and non-rheumatic associated disease were excluded. Sex and age-matched healthy controls (n = 19) were simultaneously selected. The granulocytes from patients and controls were collected from peripheral blood. The quantification of reactive oxygen species was performed in a luminol-dependent chemiluminescence assay. RESULTS: We have demonstrated, for the first time, the increase of ROS production (3.2 times) in peripheral blood granulocytes from patients with fibromyalgia in comparison to the same cells from healthy subjects. CONCLUSIONS: The present result may indicate a possible role of free radicals in fibromyalgia subjects, once they have already been shown in other human diseases, including painful states. We suggest that further studies are needed to understand the importance of these findings, delineating a new perspective in understanding and approach of fibromyalgia patients.

fibromyalgia; reactive oxygen species; granulocytes


ARTIGO ORIGINAL ORIGINAL ARTICLE

Avaliação da produção de espécies reativas de oxigênio por granulócitos de sangue periférico de pacientes com fibromialgia primária(* Endereço para correspondência: Eduardo Souza Santa Casa de Belo Horizonte - Serviço de Reumatologia da Santa Casa de Belo Horizonte Av. Francisco Sales, 1111, 9 o andar B CEP 30150-221, Belo Horizonte, MG )

Evaluation of reactive oxygen species production by peripheral blood granulocytes from primary fibromyalgia patients

Eduardo José do Rosário e SouzaI; José Augusto Nogueira-MachadoII; Francisco das Chagas Lima e SilvaII; Miriam Martins ChavesIII; Daniela Caldeira CostaIII

ICoordenador da Clínica de Reumatologia do Hospital Madre Teresa de Belo Horizonte

IINúcleo de Pós-Graduação e Pesquisa da Santa Casa de Belo Horizonte

IIIDepartamento de Bioquímica e Imunologia do Instituto de Ciências Biológicas da Universidade Federal de Minas Gerais

Endereço para correspondência Endereço para correspondência: Eduardo Souza Santa Casa de Belo Horizonte - Serviço de Reumatologia da Santa Casa de Belo Horizonte Av. Francisco Sales, 1111, 9 o andar B CEP 30150-221, Belo Horizonte, MG

RESUMO

OBJETIVO: avaliar anormalidades bioquímicas que possam estar relacionadas à fibromialgia, mais especificamente o metabolismo oxidante de granulócitos de pacientes com fibromialgia primária (FMP).

MÉTODOS: foram selecionados 10 pacientes (9 mulheres e 1 homem) portadores de FMP, com idade entre 20 e 40 anos, de acordo com os critérios do Colégio Americano de Reumatologia, que não apresentavam qualquer outra doença de curso agudo ou crônico e estavam sem utilizar medicamentos no mínimo durante duas semanas. Controles normais (n = 19) pareados por sexo e idade foram selecionados. Os granulócitos de pacientes e controles foram separados do sangue periférico e utilizados como célula de trabalho. A produção de espécies reativas de oxigênio (ERO) foi determinada por meio de ensaio de quimioluminescência dependente de luminol.

RESULTADOS: demonstramos, pela primeira vez, uma produção significantemente elevada de ERO (3,2 vezes maior) em granulócitos de sangue periférico de pacientes com FMP (p < 0,05).

CONCLUSÕES: estes resultados demonstraram um comportamento anormal dos granulócitos de pacientes com FMP, em que uma produção aumentada de espécies reativas do oxigênio foi observada. Estudos futuros serão necessários para melhor esclarecer estes resultados, delineando uma nova perspectiva na compreensão e abordagem destes pacientes.

Palavras-chave: fibromialgia, espécies reativas de oxigênio, granulócitos.

ABSTRACT

OBJECTIVE: Our aim in this paper was to evaluate the biochemical abnormalities that may be correlated with fibromyalgia, such as the ROS production by granulocytes from patients with fibromyalgia in comparison to cells from healthy subjects.

METHODS: Ten patients (9 women and 1 man, age ranging from 20 to 40 years old) with primary fibromyalgia, according to the American College of Rheumatology criteria, were selected. None of them were using medications 2 weeks before starting the study. Patients with rheumatic and non-rheumatic associated disease were excluded. Sex and age-matched healthy controls (n = 19) were simultaneously selected. The granulocytes from patients and controls were collected from peripheral blood. The quantification of reactive oxygen species was performed in a luminol-dependent chemiluminescence assay.

RESULTS: We have demonstrated, for the first time, the increase of ROS production (3.2 times) in peripheral blood granulocytes from patients with fibromyalgia in comparison to the same cells from healthy subjects.

CONCLUSIONS: The present result may indicate a possible role of free radicals in fibromyalgia subjects, once they have already been shown in other human diseases, including painful states. We suggest that further studies are needed to understand the importance of these findings, delineating a new perspective in understanding and approach of fibromyalgia patients.

Keywords: fibromyalgia, reactive oxygen species, granulocytes.

INTRODUÇÃO

A fibromialgia (FM) é uma desordem musculoesquelética crônica, de etiologia desconhecida, caracterizada por dor difusa, notadamente em sítios anatômicos específicos (tender points), além de outras manifestações clínicas como fadiga, distúrbios do sono e síndrome do cólon irritável(1-10). Em 1990, o Colégio Americano de Reumatologia (ACR) definiu os critérios para classificação de pacientes portadores de FM com uma sensibilidade de 88,4% e especificidade de 81,1%(11). Evidências sugerem a presença de fatores genéticos, em combinação com mecanismos de dor periféricos e/ou centrais, envolvidos no desenvolvimento da dor crônica e difusa relatada pelos pacientes(3,12-15). Trabalhos em animais e seres humanos demonstraram a presença de fatores familiares influenciando significativamente a sensibilidade dolorosa, podendo estar, pelo menos em parte, associada a influências genéticas relacionadas ao sexo na transmissão ou modulação da dor(16-22).

Na FM, de acordo com modelo etiopatogênico proposto(23,24), a sensibilidade dolorosa anormal depende de uma suscetibilidade genética e envolve os eixos neuroendócrinos, incluindo o eixo hipotálamo-hipófiseadrenal (HPA), assim como defeitos estruturais específicos no sistema musculoesquelético e sistema nervoso central (SNC). Estes produzem uma transmissão nociceptiva periférica exacerbada até os cornos dorsais da medula espinhal. Fatores ambientais como trauma físico, eventos estressantes e agentes infecciosos podem levar a altos níveis de transmissão nociceptiva, por meio da produção de microtrauma muscular ou liberação do fator de crescimento neuronal (NGF), que, por sua vez, regula a expressão da substância "p" (SP) nos nervos sensoriais. Estes autores propõem que a via final de todos esses fatores é o processo de sensibilização central(23,24). A ativação pelos aminoácidos excitatórios de neurônios com sítios de receptores N-metil-D-aspartato (NMDA) e a liberação dos neurotransmissores SP, peptídeo relacionado ao gene da calcitonina (CGRP) e dinorfina(25) são fatores que concorrem para a alteração funcional nos neurônios do corno dorsal da medula espinhal, que aumenta de forma importante a transmissão nociceptiva para o cérebro. Esta exacerbação, eventualmente, poderia levar a alterações funcionais em estruturas envolvidas na modulação ou processamento nociceptivo (por exemplo, tálamo). Poderia haver ainda uma interação recíproca entre as estruturas do sistema límbico e o eixo HPA. Segundo Bradley et al.(24), todos estes processos teriam como denominador comum a sensibilidade dolorosa anormal e difusa característica da fibromialgia.

Atualmente, é sugerida a participação de radicais de oxigênio como mediadores importantes em diferentes doenças. Embora, o nosso corpo use o oxigênio e as reações de oxidação para efeitos benéficos de geração de energia e destruição de invasores, alguns de seus efeitos deletérios não podem ser evitados, causados por formas parcialmente reduzidas de oxigênio. Em reconhecimento ao importante papel que as espécies derivadas do oxigênio desempenham na biologia, elas foram agrupadas e chamadas de espécies reativas de oxigênio (ERO)(26).

A geração de ERO nas células pode ser direcional ou constitutiva. Células fagocíticas ativadas geram ERO intencionalmente como parte de sua ação bactericida. Em condições normais, entretanto, a principal fonte de ERO nas células é a perda de elétrons da cadeia de transporte na mitocôndria e no retículo citoplasmático(27,28). A produção de ERO tem sido associada com o desenvolvimento de várias doenças, incluindo aterosclerose, doenças neurodegenerativas e câncer(26).

O nosso estudo visa à avaliação da capacidade de granulócitos de sangue periférico de pacientes com fibromialgia primária (FMP) de produzir ERO. Embora, a FM não venha sendo abordada no contexto de uma doença inflamatória, mas principalmente como um modelo de dor crônica, o estudo do comportamento metabólico de uma célula envolvida na defesa adaptativa e em processos inflamatórios é justificada, haja vista, que a produção de ERO por granulócitos em condições fisiológicas e patológicas já foi bem estabelecida.

PACIENTES E MÉTODOS

1. DESENHO DO ESTUDO

Estudo tipo caso-controle, seccional, envolvendo a determinação da produção de espécies reativas de oxigênio pelos granulócitos de sangue periférico de pacientes portadores de fibromialgia primária comparada à dos controles.

2. SELEÇÃO DOS PACIENTES

Foram incluídos no estudo pacientes com diagnóstico de FMP atendidos no Serviço de Reumatologia da Santa Casa de Belo Horizonte, no período de 1o de janeiro a 31 de setembro de 2000. A seleção dos pacientes foi feita mediante aplicação de protocolo contendo história clínica e exame físico. Foram incluídos 10 pacientes (9 mulheres e 1 homem), com faixa etária entre 20 e 40 anos, sem anormalidades ao exame clínico e complementares padronizados (item 3). Nenhum deles estava em uso de qualquer medicação por pelo menos duas semanas anteriores ao estudo. Pacientes portadores de doença crônica, gestantes e obesos (definidos pelo cálculo do índice de massa corpórea) foram excluídos do estudo. A identificação dos pontos dolorosos foi feita manualmente. O estudo foi aprovado pelo Comitê de Ética e o termo de consentimento foi obtido de todos os participantes.

3. CONTROLES

Foram incluídos 19 indivíduos sadios, correspondendo à mesma faixa etária e ao sexo dos pacientes, sem queixas dolorosas atuais ou crônicas, sem outras doenças, particularmente as de curso crônico ou caráter inflamatório e degenerativo, identificadas durante história clínica, exame físico e exames complementares padrões. Nenhum deles fazia uso contínuo de medicamentos.

4. EXAMES COMPLEMENTARES SOLICITADOS AOS PARTICIPANTES

Hemograma completo, velocidade de hemossedimentação (VHS, Westergreen/Automatizado), proteína C reativa (PCR, Nefelometria), glicemia de jejum e duas horas após dextrosol, colesterol total e frações, triglicérides, creatinina, uréia, proteínas totais e frações, cálcio iônico, fósforo, fosfatase alcalina, transaminases (TGO e TGP), creatininafosfoquinase (CPK) total, fator reumatóide (látex), anticorpo antinuclear (Hep2), ß-HCG, hormônio estimulante da tireóide (TSH), T4 livre e urina rotina.

5. SEPARAÇÃO DAS CÉLULAS

Os granulócitos do sangue periférico (PMN) foram purificados de 10 ml de sangue venoso heparinizado, usando o gradiente Ficoll-Hypaque de acordo com Bicalho et al.(29), com discretas modificações. Foram usados somente dois gradientes de Ficoll-Hypaque (d = 1,12 e d = 1,08). A viabilidade celular de cada amostra foi superior a 95%, como determinado pelo teste de exclusão pelo azul Trypan.

6. QUANTIFICAÇÃO DAS ESPÉCIES ATIVAS DE OXIGÊNIO (EAO): QUIMIOLUMINESCÊNCIA DEPENDENTE DE LUMINOL

A determinação quantitativa de espécies reativas de oxigênio produzidas por granulócitos de sangue periférico de pacientes com FMP e controles normais foi realizada em um ensaio de quimioluminescência dependente de luminol, conforme descrito por Gómez et al.(30).

Granulócitos (5 x 106/100 µL diluídos em solução de Hank) de pacientes ou dos controles eram colocados em tubos próprios para este tipo de ensaio. A seguir cada tubo recebia um volume adicional de 500 µL de luminol dissolvido em DMSO (dimetilsulfóxido) diluído com Hank originando uma concentração de 0,4 µM. O volume final era ajustado para 700 µL com Hank (pH 7,3). As medidas eram então realizadas em um luminômetro 1250-101 (LUMAT - LB 9501 - Berthold/Germany).

A quimioluminescência emitida pelos granulócitos era medida durante 10 minutos, tempo suficiente para observação do pico máximo. Os resultados foram expressos em RLU/10 min (relative light units) ou quimioluminescência total em 10 minutos de reação. Os experimentos usando granulócitos de pacientes com FMP e os respectivos controles sadios eram realizados simultaneamente. Os experimentos foram realizados em tréplica.

7. ANÁLISE ESTATÍSTICA

Análise estatística foi realizada utilizando o teste "t de Student", usando o programa estatístico Epi Info 6.04b. P < 0,05 foi considerado como estatisticamente significativo.

RESULTADOS

Foram estudados 10 pacientes (9 mulheres e 1 homem) e 19 controles sadios pareados por sexo e idade. A média de idade dos pacientes foi de 33 anos e dos controles, 30 anos. O número de pontos dolorosos foi igual ou superior a 16 em 77% dos pacientes. Este mesmo percentual de pacientes apresentava mais de três anos de evolução dos sintomas. O sedentarismo não diferiu entre os grupos (Tabela 1). Os exames complementares realizados nos dois grupos (item 4 de pacientes e métodos) não diferiram estatisticamente, os resultados de hemoglobina, contagem global de leucócitos e VHS estão descritos na Tabela 2.

DETERMINAÇÃO DE ERO

Quantificamos a produção de ERO em granulócitos de sangue periférico por meio de quimioluminescência dependente de luminol e expressamos os resultados obtidos pela somatória de ERO produzidos durante 10 minutos de reação. Neste tempo, em todos os testes, foram claramente definidos o início da reação, o pico máximo e a descida da curva, definida pela alteração de sua inclinação. Os resultados mostraram uma produção aumentada de ERO nos pacientes com FMP de 11525,5±5858,5 [RLU/10 '], enquanto nos controles foi de 3631,1±1396,1 [RLU/10 '] (Figura 1). Apesar de ter sido significativa (p < 0,05), a variação foi relativamente grande, apresentando um coeficiente de variação de 50,8% nos pacientes e 38,4% nos controles. O valor expresso em E/C (experimentos/controles) demonstra uma produção de 3,2 vezes mais ERO pelo grupo de pacientes.


DISCUSSÃO

A fibromialgia é condição comum na população, freqüentemente reconhecida na prática médica nas mais diversas especialidades. Em particular na reumatologia é responsável por um percentual elevado de atendimentos ambulatoriais. As características clínicas destes pacientes, como a limitação imposta pela dor e anormalidades psicológicas e psiquiátricas habitualmente presentes, constituem desafio para o pesquisador, para o médico e para os sistemas de saúde. As lacunas no campo da etiopatogênese não permitem um tratamento mais específico e abrem um extenso campo de pesquisa, fornecendo resultados conflitantes, e com freqüência não permitem a construção de um modelo único para explicar essa complexa síndrome dolorosa.

Os focos das pesquisas atuais concentram-se no entendimento da FM como um modelo de dor crônica, caracterizada por alodinia e hiperalgesia, em que mecanismos de dor periféricos e/ou centrais, em um indivíduo geneticamente suscetível, seriam responsáveis pela sintomatologia. Este estudo procurou avaliar anormalidades do metabolismo celular em pacientes com FMP, especificamente a produção de espécies reativas de oxigênio por granulócitos de sangue periférico destes pacientes. Observamos, pela primeira vez, um aumento significativo das espécies oxidantes em pacientes com FM. Nossos resultados apresentaram grande variabilidade, possivelmente decorrente do tamanho pequeno da amostra, além de uma maior variabilidade ocasionalmente vista em experimentos com células humana in vitro.

O metabolismo celular é responsável, entre outros, pela formação de espécies reativas de oxigênio, sendo seu principal representante o superóxido (O2-). Estes radicais livres têm sido estudados no contexto de várias doenças humanas, incluindo as reumatológicas, em particular as de caráter inflamatório e degenerativo(26). Na FM este campo permanece inexplorado. Uma vez que a produção de espécies reativas de oxigênio tem sido demonstrada como relevante em várias doenças, optamos por quantificá-las na fibromialgia, constatando que espécies reativas de oxigênio (ERO) são continuamente formadas no corpo humano e removidas pelas defesas antioxidantes(31). Estas espécies parecem estar implicadas em mais de 50 doenças humanas(32), nas quais estes radicais mediariam a injúria tecidual na maioria ou mesmo em todas elas(33).

A participação de ERO em doenças humanas é crescente, entretanto, em alguns casos pode ser apenas um epifenômeno(31). Numerosos estudos sugerem participação importante de ERO na etiologia e patogenia das principais desordens neurodegenerativas, tais como mal de Alzheimer, esclerose lateral amiotrófica, doença de Parkinson e esclerose múltipla(33). Tem sido relatada também a participação de ERO em doenças auto-imunes, no câncer e na aterosclerose(34).

Em ampla revisão da literatura, não encontramos estudos que correlacionassem ERO com fibromialgia. Pela primeira vez, nosso estudo demonstrou claramente uma produção maior de ERO pelos granulócitos de pacientes com FMP, conforme demonstrado na Figura 1. Nossos dados são descritivos, não tendo sido possível definir se estes achados são relevantes na fisiopatologia desta complexa anormalidade dolorosa ou mesmo encaixá-los nos modelos já propostos pela literatura. Talvez possa ser até mesmo um epifenômeno. As doenças até então definidas como relacionadas à produção aumentada de ERO apresentam um caráter inflamatório e degenerativo, o que não é observado na fibromialgia. Na reumatologia, uma produção aumentada de ERO tem sido apontada como importante na lesão tecidual observada em processos inflamatórios de doenças como a artrite reumatóide(35).

Na FM, a dor é o sintoma predominante e a participação de radicais livres já foi testada experimentalmente e in vivo em processos de dor. Os efeitos dos radicais de oxigênio em fibras aferentes nociceptivas foram avaliados experimentalmente em preparado de pele e nervo de camundongo, utilizando solução de hidrogênio peróxido, não havendo diferença na sensibilização nociceptora(36). Já pacientes com dor facial idiopática (disfunção de articulações temporomandibulares - ATM) foram investigados para presença de atividade anormal de radicais livres no soro e no aspirado intra-articular (ATM), quando foi demonstrado aumento significante nestes dois ambientes(37). É bom ressaltar que muitos dos pacientes com disfunção de ATM também preenchem os critérios para FM(38).

Os nossos resultados mostraram que granulócitos de sangue periférico de pacientes com FMP produzem maiores quantidades de ERO quando comparados com células de controles sadios (Figura 1). Estes resultados são comparáveis aos observados na artrite reumatóide, lúpus eritematoso sistêmico, vasculites sistêmicas e esclerose sistêmica, doenças com perfil inflamatório bem definido.

O aumento de ERO observado não permite afirmar com certeza, levando ainda em consideração a variabilidade dos resultados, o seu papel na patogenia da FMP, apesar de que possa a vir a constituir um marcador bioquímico relevante. Em nosso estudo, para a avaliação da produção de espécies reativas de oxigênio, utilizamos os granulócitos como parâmetro para avaliar anormalidades metabólicas nesta doença. Embora, a FM não venha sendo abordada no contexto de uma doença inflamatória, mas principalmente como um modelo de dor crônica, alguns estudos avaliaram e demonstraram alterações em células do sistema imune (linfócitos), assim como a produção de citocinas (IL-2) nestes pacientes(39).

Os dados obtidos em nosso trabalho iniciam uma nova abordagem no estudo da FM. Futuros experimentos, em conjunto com nossos resultados, serão necessários para correlacionar o papel de espécies oxidantes com o quadro clínico observado na FMP. O entendimento dos mecanismos envolvidos na fisiopatologia da FM permitirá a sugestão de novos caminhos terapêuticos.

REFERÊNCIAS

1. Yunus MB. Fibromyalgia syndrome: clinical features and spectrum. In: Pillemer SR, ed. The fibromyalgia syndrome: current research and future directions in epidemiology, pathogenesis, and treatment. New York: Haworth Medical; 1994. pp. 5-21.

2. Yunus MB. Primary fibromyalgia (fibrositis): clinical study of 50 patients with matched normal controls. Semin Arthritis Rheum 1981;11:151-71.

3. Bennett RM. Fibromyalgia and the facts. Sense or nonsense. Rheum Dis Clin North Am 1993;19:45-59.

4. Granges G, Littlejohn GO. A comparative study of clinical signs in fibromyalgia/fibrositis syndrome, healthy and exercising subjects. JRheumatol 1993;20:344-51.

5. Powers R. Fibromyalgia: an age-old malady begging for respect. JGen Intern Med 1993;8:93-105.

6. Waylonis GW, Heck W. Fibromyalgia syndrome. New associations. Am J Phys Med Rehabil 1992;71:343-8.

7. Veale D, Kavanagh G, Fielding JF, Fitzgerald O. Primary fibromyalgia and the irritable bowel syndrome: different expressions of a common pathogenetic process. Br Med J 1991;30:220-2.

8. Littlejohn GO. A database for fibromyalgia. Rheum Dis Clin North Am 1995;21:527-57.

9. Jacobsen S, Petersen IS, Danneskiold-Samsøe B. Clinical features in patients with chronic muscle pain with special reference to fibromyalgia. Scand J Rheumatol 1993;22:69-76.

10. Yunus MB, Masi AT, Aldag JC. A controlled study of primary fibromyalgia syndrome: clinical features and association with other functional syndromes. J Rheumatol 1989;16:62-71.

11. Wolfe F, Smythe HA, Yunus MB, et al. The American College of Rheumatology 1990 criteria for the classification of fibromyalgia. Report of the multicenter criteria committee. Arthritis Rheum 1990;33:160-72.

12. Yunus MB. Towards a model of pathophysiology of fibromyalgia: aberrant central pain mechanisms with peripheral modulation. J Rheumatol 1992;19:846-50.

14. Melzack R. Gate control theory: on the evolution of pain concepts. Pain Forum 1996;5:125-8.

15. Loeser JD, Melzack R. Pain: an overview. Lancet 1999;353:1607-9.

16. Sternbach RA. Survey of pain in the United States: the Nuprin Pain Report. Clin J Pain 1986;2:49-53.

17. Edwards PW, Zeichner A, Kuczmierczyk AR, Boczkowski J. Familial pain models: the relationship between family history of pain and current pain experience. Pain 1985;21:379-84.

18. Lester N, Lefebvre JC, Keefe FJ. Pain in young adults: I. Relationship to gender and family pain history. Clin J Pain 1994;10:282-9.

19. Mogil JS, Sternberg WF, Marek P, Sadowski B, Belknap JK, Liebeskind JC. The genetics of pain and pain inhibition. Proc Natl Acad Sci USA 1996;7:3048-55.

20. Mogil JS, Richards SP, O'Toole LA, Helms ML, Mitchell SR, Belknap JK. Genetic sensitivity to hot-plate nociception in DBA/2J and C57BL/6J inbred mouse strains: possible sex-specific mediation by delta 2-opioid receptors. Pain 1997;70:267-77.

21. Elmer GI, Pieper JO, Negus SS, Woods JH. Genetic variation in nociception and its relationship to the potency of morphine-induced analgesia in thermal and chemical tests. Pain 1998;75:129-40.

22. Mogil JS, Richards SP, O'Toole LA, et al. Identification of a sex-specific quantitative trait locus mediating nonopioid stress-induced analgesia in female mice. J Neurosci 1997;17:7995-8002.

23. Weigent DA, Bradley LA, Blalock JE, Alarcón GS. Current concepts in the pathophysiology of abnormal pain perception in fibromyalgia. Am J Med Sci 1998;315:405-12.

24. Bradley LA, Alarcón GS. Fibromyalgia. In: Koopman JW (ed): Arthritis and allied conditions: a textbook of rheumatology. Baltimore: Williams & Wilkins; 1997. pp. 1619-40.

25. Russell IJ. Advances in fibromyalgia: possible role for central neurochemicals. Am J Med Sci 1998;315:377-84.

26. Darley-Usmar V, Wiseman H, Halliwell B. Nitric oxide and oxygen radicals: a question of balance. [Letter]. FEBS 1995;369:131-5.

27. Forman HJ, Boveris A. Superoxide radical and hydrogen peroxide in mitochondria. In: Pryor, WA (ed) - Free radical in biology. New York: Academic Press; 1982. pp. 65-90.

28. Cross AR, James OTG. Enzymic mechanisms of superoxide production. Biochem Biophys Acta 1991;1057:281-8.

29. Bicalho HMS, Gontijo MC, Nogueira-Machado JA. A simple technique for simultaneous human leukocytes separation. J Immunol Meth 1981;40:115-6.

30. Gomez RS, da Costa JE, Lorentz TM, Garrocho Ade A; Nogueira-Machado JA. Chemiluminescence generation and MTT dye reduction by polimorphonuclear leukocytes from periodontal disease patients. J Periodont Res 1994;29:109-12.

31. Halliwell B. Reactive oxygen species in living systems: thorough explanations of free radicals. Am J Med 1991;91:14S.

32. Halliwell B, Gutteridge JMC: Free radicals in biology and medicine. Oxford, Clarendon Press; 1989. p.366.

33. Knight JA. Reactive oxygen species and the neurodegenerative disorders. Ann Clin Lab Sci 1997;27:11-25.

34. Shackelford RE, Kaufmann WK, Paules RS. Oxidative stress and cell cycle checkpoint function. Free Radic Biol Med 2000;28: 1387-404.

35. Aaseth J, Haugen M, Forre O. Rheumatoid arthritis and metal compounds - perspectives on the role of oxygen radical detoxification. Analyst 1998;123:3-6.

36. Kress M, Riedl B, Reeh PW. Effects of oxygen radicals on nociceptive afferents in the rat skin in vitro. Pain 1995;62: 87-94.

37. Aghabeigi B, Haque M, Wasil M, Hodges SJ, Henderson B, Harris M. The role of oxygen free radicals in idiopathic facial pain. Br J Oral Maxillofac Surg 1997;35:161-5.

* Serviço de Reumatologia da Santa Casa de Belo Horizonte. Trabalho recebido em 10/04/03. Aprovado, após revisão, em 13/09/03.

  • 1
    Yunus MB. Fibromyalgia syndrome: clinical features and spectrum. In: Pillemer SR, ed. The fibromyalgia syndrome: current research and future directions in epidemiology, pathogenesis, and treatment. New York: Haworth Medical; 1994. pp. 5-21.
  • 2
    Yunus MB. Primary fibromyalgia (fibrositis): clinical study of 50 patients with matched normal controls. Semin Arthritis Rheum 1981;11:151-71.
  • 3
    Bennett RM. Fibromyalgia and the facts. Sense or nonsense. Rheum Dis Clin North Am 1993;19:45-59.
  • 4
    Granges G, Littlejohn GO. A comparative study of clinical signs in fibromyalgia/fibrositis syndrome, healthy and exercising subjects. JRheumatol 1993;20:344-51.
  • 5
    Powers R. Fibromyalgia: an age-old malady begging for respect. JGen Intern Med 1993;8:93-105.
  • 6
    Waylonis GW, Heck W. Fibromyalgia syndrome. New associations. Am J Phys Med Rehabil 1992;71:343-8.
  • 7
    Veale D, Kavanagh G, Fielding JF, Fitzgerald O. Primary fibromyalgia and the irritable bowel syndrome: different expressions of a common pathogenetic process. Br Med J 1991;30:220-2.
  • 8
    Littlejohn GO. A database for fibromyalgia. Rheum Dis Clin North Am 1995;21:527-57.
  • 9
    Jacobsen S, Petersen IS, Danneskiold-Samsøe B. Clinical features in patients with chronic muscle pain with special reference to fibromyalgia. Scand J Rheumatol 1993;22:69-76.
  • 10
    Yunus MB, Masi AT, Aldag JC. A controlled study of primary fibromyalgia syndrome: clinical features and association with other functional syndromes. J Rheumatol 1989;16:62-71.
  • 11
    Wolfe F, Smythe HA, Yunus MB, et al. The American College of Rheumatology 1990 criteria for the classification of fibromyalgia. Report of the multicenter criteria committee. Arthritis Rheum 1990;33:160-72.
  • 12
    Yunus MB. Towards a model of pathophysiology of fibromyalgia: aberrant central pain mechanisms with peripheral modulation. J Rheumatol 1992;19:846-50.
  • 13
    Pellegrino MJ, Waylonis GW, Sommer A. Familial occurrence of primary fibromyalgia. Arch Phys Med Rehabil 1989;70:61-3.
  • 14
    Melzack R. Gate control theory: on the evolution of pain concepts. Pain Forum 1996;5:125-8.
  • 15
    Loeser JD, Melzack R. Pain: an overview. Lancet 1999;353:1607-9.
  • 16
    Sternbach RA. Survey of pain in the United States: the Nuprin Pain Report. Clin J Pain 1986;2:49-53.
  • 17
    Edwards PW, Zeichner A, Kuczmierczyk AR, Boczkowski J. Familial pain models: the relationship between family history of pain and current pain experience. Pain 1985;21:379-84.
  • 18
    Lester N, Lefebvre JC, Keefe FJ. Pain in young adults: I. Relationship to gender and family pain history. Clin J Pain 1994;10:282-9.
  • 19
    Mogil JS, Sternberg WF, Marek P, Sadowski B, Belknap JK, Liebeskind JC. The genetics of pain and pain inhibition. Proc Natl Acad Sci USA 1996;7:3048-55.
  • 20
    Mogil JS, Richards SP, O'Toole LA, Helms ML, Mitchell SR, Belknap JK. Genetic sensitivity to hot-plate nociception in DBA/2J and C57BL/6J inbred mouse strains: possible sex-specific mediation by delta 2-opioid receptors. Pain 1997;70:267-77.
  • 21
    Elmer GI, Pieper JO, Negus SS, Woods JH. Genetic variation in nociception and its relationship to the potency of morphine-induced analgesia in thermal and chemical tests. Pain 1998;75:129-40.
  • 22
    Mogil JS, Richards SP, O'Toole LA, et al. Identification of a sex-specific quantitative trait locus mediating nonopioid stress-induced analgesia in female mice. J Neurosci 1997;17:7995-8002.
  • 23
    Weigent DA, Bradley LA, Blalock JE, Alarcón GS. Current concepts in the pathophysiology of abnormal pain perception in fibromyalgia. Am J Med Sci 1998;315:405-12.
  • 24
    Bradley LA, Alarcón GS. Fibromyalgia. In: Koopman JW (ed): Arthritis and allied conditions: a textbook of rheumatology. Baltimore: Williams & Wilkins; 1997. pp. 1619-40.
  • 25
    Russell IJ. Advances in fibromyalgia: possible role for central neurochemicals. Am J Med Sci 1998;315:377-84.
  • 26
    Darley-Usmar V, Wiseman H, Halliwell B. Nitric oxide and oxygen radicals: a question of balance. [Letter]. FEBS 1995;369:131-5.
  • 27
    Forman HJ, Boveris A. Superoxide radical and hydrogen peroxide in mitochondria. In: Pryor, WA (ed) - Free radical in biology. New York: Academic Press; 1982. pp. 65-90.
  • 28
    Cross AR, James OTG. Enzymic mechanisms of superoxide production. Biochem Biophys Acta 1991;1057:281-8.
  • 29
    Bicalho HMS, Gontijo MC, Nogueira-Machado JA. A simple technique for simultaneous human leukocytes separation. J Immunol Meth 1981;40:115-6.
  • 30
    Gomez RS, da Costa JE, Lorentz TM, Garrocho Ade A; Nogueira-Machado JA. Chemiluminescence generation and MTT dye reduction by polimorphonuclear leukocytes from periodontal disease patients. J Periodont Res 1994;29:109-12.
  • 31
    Halliwell B. Reactive oxygen species in living systems: thorough explanations of free radicals. Am J Med 1991;91:14S.
  • 32
    Halliwell B, Gutteridge JMC: Free radicals in biology and medicine. Oxford, Clarendon Press; 1989. p.366.
  • 33
    Knight JA. Reactive oxygen species and the neurodegenerative disorders. Ann Clin Lab Sci 1997;27:11-25.
  • 34
    Shackelford RE, Kaufmann WK, Paules RS. Oxidative stress and cell cycle checkpoint function. Free Radic Biol Med 2000;28: 1387-404.
  • 35
    Aaseth J, Haugen M, Forre O. Rheumatoid arthritis and metal compounds - perspectives on the role of oxygen radical detoxification. Analyst 1998;123:3-6.
  • 36
    Kress M, Riedl B, Reeh PW. Effects of oxygen radicals on nociceptive afferents in the rat skin in vitro. Pain 1995;62: 87-94.
  • 37
    Aghabeigi B, Haque M, Wasil M, Hodges SJ, Henderson B, Harris M. The role of oxygen free radicals in idiopathic facial pain. Br J Oral Maxillofac Surg 1997;35:161-5.
  • Endereço para correspondência:
    Eduardo Souza
    Santa Casa de Belo Horizonte - Serviço de Reumatologia da Santa Casa de Belo Horizonte
    Av. Francisco Sales, 1111, 9
    o andar B
    CEP 30150-221, Belo Horizonte, MG
  • Datas de Publicação

    • Publicação nesta coleção
      11 Jul 2011
    • Data do Fascículo
      Dez 2003

    Histórico

    • Aceito
      13 Set 2003
    • Recebido
      10 Abr 2003
    Sociedade Brasileira de Reumatologia Av Brigadeiro Luiz Antonio, 2466 - Cj 93., 01402-000 São Paulo - SP, Tel./Fax: 55 11 3289 7165 - São Paulo - SP - Brazil
    E-mail: sbre@terra.com.br