Acessibilidade / Reportar erro

Um retrato da residência médica em Reumatologia no Brasil

EDITORIAL

Professor adjunto da disciplina de reumatologia da Faculdade de Ciências Médicas da Universidade Estadual do Rio de Janeiro, RJ

O IV Encontro Nacional de Residentes e Docentes em Reumatologia (ENRDR), realizado em Itu-SP, em agosto de 2003, sob a coordenação da Comissão de Ensino da Sociedade Brasileira de Reumatologia (SBR), forneceu informações importantes sobre o estado atual dos programas de Residência Médica em Reumatologia (RMR) em nosso país.

Ainda em uma fase preparatória para o Encontro, foi feito um levantamento do número e características gerais dos serviços que oferecem RMR. Foram identificados 32 serviços reconhecidos pela Comissão Nacional de Residência Médica (CNRM), sendo 24 universitários (75%) e 28 em instituições públicas (88%). Embora todos os serviços tenham sido convidados a participar do levantamento, os dados a seguir correspondem aos 19 serviços (13 universitários - 68%) que enviaram as respostas.

Estima-se em 90 o número de residentes nos programas de RMR (R1 + R2), numa média de 2,8 residentes por serviço. A relação entre o número de preceptores e residentes varia de 1 a 4,5, com média de 2,5 preceptores por residente. O número de leitos por serviço varia de O a 14, com média de 5,5 leitos (2 leitos por residente). Os atendimentos mensais nos ambulatórios de reumatologia variam de 60 a 2000, com média de 528 atendimentos (188 atendimentos por residente). Dezesseis serviços possuem ambulatório de colagenoses (84%) e 13 ambulatório geral (68%). O número de ambulatórios específicos para as enfermidades prevalentes em reumatologia, entretanto, é bem menor: Osteoartrite 9 (47%), Partes Moles 9 (47%), Reumatologia Pediátrica 9 (47%) e Osteoporose 5 (26%). Mensalmente, encontram-se internados 12 a 40 pacientes reumáticos, com média de 20 pacientes (7 pacientes por residente).

Durante o Encontro, 48 professores, entre coordenadores dos programas de RMR, membros da Comissão de Ensino e palestrantes do evento, discutiram a RMR no Brasil. Inicialmente, alguns aspectos gerais da prática médica atual foram citados: queda na qualidade do ensino nas Faculdades de Medicina, colapso da infra-estrutura dos hospitais e unidades públicas, participação crescente das operadoras de planos de saúde como empregadoras de mão-de-obra médica (reduzindo a figura do médico como profissional liberal) e avanço acelerado do conhecimento médico.

Desde o início, ficou claro que não havia uma posição consensual sobre o objetivo maior do programa de RMR, qual seja, o tipo de profissional médico que se deseja formar. Um médico preparado para a prática de consultório, hospital geral ou universidade? Um clínico diferenciado, especializado nas infreqüentes doenças difusas do tecido conectivo, ágil na interpretação dos exames laboratoriais imunológicos e no emprego de imunossupressores e agentes biológicos? Um médico com formação voltada para o diagnóstico e manuseio das enfermidades musculosqueléticas mais freqüentes, capaz de interpretar os diferentes métodos de imagem e apto a prescrever uma órtese, um tratamento fisioterápico ou indicar uma cirurgia? Um profissional capaz de realizar procedimentos como capilaroscopia periungueal, punções e infiltrações articulares ou periarticulares, biópsias de glândula labial, músculo ou osso, artroscopia, densitometria óssea e ultrassonografia musculosquelética? É importante que ele conclua a RMR detendo todos esses conhecimentos? Existe tempo, condições materiais e humanas para a execução de um programa tão extenso? Como unir as características e os interesses dos serviços que oferecem RMR, com as expectativas dos residentes e os anseios da sociedade? Qual a formação necessária e possível para que ele, ao concluir a RMR, esteja habilitado para conseguir um emprego que o estimule profissionalmente e o remunere com dignidade?

Segundo os professores presentes, e de acordo com o levantamento prévio realizado, há uma tendência, na maioria dos serviços que formam residentes, para o atendimento de pacientes de colagenoses, em detrimento daqueles com osteoartrite, gota, fibromialgia, reumatismo de partes moles, patologias da coluna vertebral e osteoporose. A solução para este problema já começou a ser praticada por alguns serviços, não apenas por meio da criação dos referidos ambulatórios, como também do atendimento pelos residentes, sob a orientação dos preceptores, em postos de saúde do município ou Estado. Enfatizou-se a necessidade de uma melhor qualificação do residente de reumatologia para o tratamento da dor, em Medicina Física e Reabilitação e em procedimentos. Em razão da carência de alguns serviços, principalmente nos dois últimos itens, sugeriu-se que a SBR, por meio do Fundo de Auxílio à Pesquisa e Ensino em Reumatologia, auxiliasse no intercâmbio de alunos de diferentes programas. Foi consensual que punções, infiltrações e biópsias sinoviais deveriam fazer parte do treinamento de todo residente. Em conseqüência das limitações materiais e humanas, bem como do pequeno valor pago por estes procedimentos, o ensino de capila-roscopia periungueal, densitometria óssea, outras biópsias, artroscopia e confecções de órteses seria opcional.

A reunião realizada isoladamente com os 48 residentes e especializandos do segundo ano, presentes ao IV ENRDR, trouxe informações muito relevantes e instigantes. Mais de quatro quintos dos residentes consideraram sua RMR boa (65%) ou ótima (18%). As atividades práticas foram consideradas boas ou ótimas por 83% (ambulatório) e 91% (unidade de internação). Quanto ao aprendizado de procedimentos, entretanto, apenas 42% consideraram-no bom ou ótimo. Quanto aos estágios em outras especialidades, 60% o fizeram em Pediatria, 58% em Ortopedia, 57% em Reabilitação, 41% em Dermatologia e 19% em Neurologia/Clínica de Dor. Setenta e nove porcento e 53% passaram pelo laboratório e radiologia, respectivamente.

Embora 71% dos presentes respondessem que pretendiam realizar pós-graduação (mestrado ou doutorado), apenas 24% gostariam de seguir carreira universitária. Uma vez terminada a sua formação, 49% pretendiam permanecer em alguma capital, 36% pensavam em ir ou voltar para uma cidade do interior e 15% ainda não sabiam. Sessenta e oito por cento gostariam de abrir seu consultório particular, 8% gostariam de trabalhar em clínicas de multiespecialidades (convênios) e, como já foi dito, 24% gostariam de entrar para a vida acadêmica. Quando perguntados sobre que tipo de atividade profissional acreditavam que estariam envolvidos ao término da RMR, 46% disseram que seria em clínicas de multiespecialidades (convênios), 34% trabalhando como clínicos em plantões, 11% em carreira universitária e apenas 3% teriam seu consultório próprio. Apesar destas discrepâncias, 91% dos residentes estavam satisfeitos em ter escolhido a Reumatolgia como especialidade.

Quanto à participação da SBR na formação do residente, 24% acharam boa e 5% ótima. Dentre as sugestões oferecidas pelos residentes à SBR estão a criação da condição de sócio provisório, com anuidade reduzida, mudança no Programa Mínimo de RMR, com maior ênfase no diagnóstico e manuseio das doenças mais comuns, no tratamento da dor e em reabilitação. Solicitaram ainda que a SBR estimulasse a elaboração de Protocolos Terapêuticos das enfermidades reumatológicas, bem como facilitasse o acesso do residente a material didático impresso ou on-line. Por fim, sugeriram que a SBR organizasse uma avaliação trimestral do conteúdo teórico dos programas de RMR e que regionalizasse a Prova de Título de Especialista.

De acordo com a Resolução no 05/2002 da CNRM, publicada em sua versão final em 23 de dezembro de 2002, o programa de RMR passa a ter como pré-requisito dois anos de RM em Clínica Médica. Merece destaque no artigo 9 a obrigatoriedade de que nos 10% a 20% da carga horária, destinados às atividades teórico-complementares, deverão constar temas relacionados com Bioética, Ética Médica, Metodologia Científica, Epidemiologia e Bioestatística. Dos 80% a 90% da carga horária destinada ao treinamento em serviço, no primeiro ano, deverão ter um mínimo de 10% da carga anual em urgência e emergência e outros 10% em Medicina Física e Reabilitação. No segundo ano, a carga horária anual mínima em Medicina Física e Reabilitação deverá corresponder a 15%.

Pelo que foi colocado pelos professores e residentes durante o IV ENRDR e para fazer frente à nova resolução do CNRM, faz-se necessário novas discussões visando adequar o Programa Mínimo de Residência Médica em Reumatologia da SBR à prática médica atual.

Agradecemos à dra. Cristina Costa Duarte Lanna e ao dr Marco Antônio P. Carvalho a ajuda na organização do ENRDR.

  • Um Retrato da Residência Médica em Reumatologia no Brasil

    Geraldo da Rocha Castelar Pinheiro
  • Datas de Publicação

    • Publicação nesta coleção
      02 Maio 2011
    • Data do Fascículo
      Jun 2004
    Sociedade Brasileira de Reumatologia Av Brigadeiro Luiz Antonio, 2466 - Cj 93., 01402-000 São Paulo - SP, Tel./Fax: 55 11 3289 7165 - São Paulo - SP - Brazil
    E-mail: sbre@terra.com.br