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Osteoporose e erosões osseas focais na artrite reumatóide: da patogênese ao tratamento

Osteoporosis and focal erosive bone lesions in rheumatoid arthritis: pathogeny and treatment

Resumos

As erosões ósseas focais e a osteoporose constituem manifestações características da artrite reumatóide e são importantes no desenvolvimento de deformidades e incapacidade funcional relacionadas com a doença. Atualmente sabe-se que estas alterações ósseas têm patogênese similar, com a participação dos osteoclastos, linfócitos T e citocinas que regulam o equilíbrio entre a osteoprotegerina, o ligante do RANK (RANK-ligante) e o RANK. O entendimento dos mecanismos que regulam o recrutamento e a ativação dos osteoclastos para os sítios de lesão óssea na artrite reumatóide permite esclarecer o potencial de inibição da reabsorção óssea causada por fármacos que interferem com as citocinas pró-inflamatórias e com a regulação da osteoprotegerina, RANK-ligante e RANK. Os autores não apenas discutem o tratamento da osteoporose na artrite reumatóide, como também revisam a patogênese das erosões ósseas focais e da osteoporose nesta doença.

osteoporose; artrite reumatóide; RANK-ligante; RANK; osteoprotegerina; erosão óssea


Focal bone erosions and generalized osteoporosis are common characteristics of rheumatoid arthritis and are important to the development of deformities and physical disability associated with the disease. Recently, it has been recognized that these bone alterations have similar pathogenesis, regulated by osteoclasts, T cells and cytokines that modulate the balance between osteoprotegerin, RANK ligand and RANK. The understanding of the mechanisms that regulate the recruitment and activation of the osteoclasts to the site of bone lesions in rheumatoid arthritis will clarify the potential of inhibition of bone resorption caused by drugs that interfere with proinflammatory cytokines and with the balance of osteoprotegerin, RANK ligand and RANK. The authors not just discuss the treatment of osteoporosis in rheumatoid arthritis, but review the pathogenesis of the focal erosive bone lesions and osteoporosis in this disease.

osteoporosis; rheumatoid arthritis; RANK ligand; RANK; osteoprotegerin; bone erosion


ARTIGO DE REVISÃO REVIEW ARTICLE

Osteoporose e erosões osseas focais na artrite reumatóide: da patogênese ao tratamento(* * Ambulatório de Artrite Reumatóide do Hospital Universitário da Universidade Federal de Santa Catarina (UFSC), Florianópolis-SC, Brasil, e Disciplina de Reumatologia da Faculdade de Medicina da Universidade de São Paulo (FMUSP), São Paulo-SP, Brasil. )

Osteoporosis and focal erosive bone lesions in rheumatoid arthritis: pathogeny and treatment

Ivânio Alves PereiraI; Rosa Maria Rodrigues PereiraII

ICoordenador do Ambulatório de Artrite Reumatóide do Hospital Universitário da Universidade Federal de Santa Catarina - UFSC, Florianópolis-SC, Brasil. Mestre em Medicina Interna

IIProfessora doutora da disciplina de Reumatologia da Faculdade de Medicina da Universidade de São Paulo e FMUSP, São Paulo-SP, Brasil. Coordenadora do Laboratório de Doenças Ósteo-Metabólicas da Reumatologia e LIM 17

Endereço para correspondência Endereço para correspondência: Ivânio Alves Pereira Avenida Rio Branco, 448 - sala 306 CEP 88015-330, Florianópolis-SC, Brasil E-mail: ivaniop@matrix.com.br

RESUMO

As erosões ósseas focais e a osteoporose constituem manifestações características da artrite reumatóide e são importantes no desenvolvimento de deformidades e incapacidade funcional relacionadas com a doença. Atualmente sabe-se que estas alterações ósseas têm patogênese similar, com a participação dos osteoclastos, linfócitos T e citocinas que regulam o equilíbrio entre a osteoprotegerina, o ligante do RANK (RANK-ligante) e o RANK. O entendimento dos mecanismos que regulam o recrutamento e a ativação dos osteoclastos para os sítios de lesão óssea na artrite reumatóide permite esclarecer o potencial de inibição da reabsorção óssea causada por fármacos que interferem com as citocinas pró-inflamatórias e com a regulação da osteoprotegerina, RANK-ligante e RANK. Os autores não apenas discutem o tratamento da osteoporose na artrite reumatóide, como também revisam a patogênese das erosões ósseas focais e da osteoporose nesta doença.

Palavras-chave: osteoporose, artrite reumatóide, RANK-ligante, RANK, osteoprotegerina, erosão óssea.

ABSTRACT

Focal bone erosions and generalized osteoporosis are common characteristics of rheumatoid arthritis and are important to the development of deformities and physical disability associated with the disease. Recently, it has been recognized that these bone alterations have similar pathogenesis, regulated by osteoclasts, T cells and cytokines that modulate the balance between osteoprotegerin, RANK ligand and RANK. The understanding of the mechanisms that regulate the recruitment and activation of the osteoclasts to the site of bone lesions in rheumatoid arthritis will clarify the potential of inhibition of bone resorption caused by drugs that interfere with proinflammatory cytokines and with the balance of osteoprotegerin, RANK ligand and RANK. The authors not just discuss the treatment of osteoporosis in rheumatoid arthritis, but review the pathogenesis of the focal erosive bone lesions and osteoporosis in this disease.

Keywords: osteoporosis, rheumatoid arthritis, RANK ligand, RANK, osteoprotegerin, bone erosion.

INTRODUÇÃO

A artrite reumatóide afeta aproximadamente 0,5% a 1% da população e determina um custo social e econômico importante, considerando o grau de incapacidade para o trabalho e também o aumento da mortalidade decorrente desta doença(1,2,3). O envolvimento ósseo na artrite reumatóide inclui a osteopenia justa-articular, as erosões ósseas e a osteoporose generalizada que acomete tanto o esqueleto axial quanto o esqueleto apendicular. A osteoporose constitui um problema clínico importante nos pacientes com artrite reumatóide, acometendo 30% a 50% dos pacientes, mesmo que estes não tenham utilizado corticosteróides, tendo como conseqüência um aumento importante do número de fraturas(4,5).

A patogênese da osteoporose na artrite reumatóide é multifatorial e fatores predisponentes para o seu aparecimento incluem desde a mobilidade reduzida que estes pacientes comumente apresentam, o tempo de doença, o uso de corticosteróides e a deficiência de estrogênio na mulher ou testosterona no homem relacionada com a faixa etária usualmente acometida pela doença. Outros fatores relacionados com a maior incidência de osteoporose nos pacientes com artrite reumatóide incluem a atividade inflamatória persistente da patologia, causa uma maior reabsorção óssea secundariamente aos efeitos das citocinas pró-inflamatórias IL-1, IL-6 e TNF-α, presentes em maior quantidade nestes pacientes.

Os osteoclastos na artrite reumatóide têm um papel importante no desencadeamento da osteoporose difusa e no aparecimento das erosões ósseas focais. Recentemente o ligante do receptor do ativador do fator nuclear Kappa B (RANKL) e a osteoprotegerina (OPG) foram reconhecidos como fundamentais na regulação do recrutamento e ativação dos osteoclastos(6). O entendimento da regulação dos osteoclastos pela ação da osteoprotegerina e do RANKL permitirá futuramente a aplicação eventual de novas terapias que irão interferir no aparecimento das erosões ósseas e osteoporose nos pacientes com artrite reumatóide(7,8).

Nesta revisão discutiremos sobre a patogênese da osteoporose e das erosões ósseas focais nos pacientes com artrite reumatóide, assim como formas de prevenção e tratamento destas complicações.

EROSÕES ÓSSEAS SUBCONDRAIS

Os mecanismos de destruição da cartilagem na artrite reumatóide já estão razoavelmente bem definidos, sendo que a degradação da matriz cartilaginosa resulta predominantemente da ação das proteinases liberadas tanto pelos condrócitos quanto por células do tecido sinovial presentes na sinovite reumatóide e no pannus reumatóide. Além da destruição cartilaginosa, as erosões ósseas marginais e subcondrais representam a característica radiográfica da artrite reumatóide e contribuem de forma importante para a disfunção articular e incapacidade progressiva que ocorrem nestes pacientes.

O papel dos osteoclastos na patogênese destas erosões tem sido intensamente estudado, assim como sua inter-relação com os osteoblastos. Os osteoblastos são originados das células mesenquimais da medula óssea (células-tronco), produzem a matriz óssea e expressam receptores para moléculas que regulam a formação e também a reabsorção óssea. Os osteoclastos, por outro lado, são derivados das células monocíticas ou macrofágicas e degradam a matriz óssea. Existe comunicação entre os osteoblastos e os osteoclastos, onde os osteoblastos regulam a atividade dos osteoclastos (Figura 1). O papel dos osteoclastos na erosão óssea focal da artrite reumatóide tem sido confirmado a partir de evidências indiretas que incluem o encontro de células gigantes multinucleadas com aspectos fenotípicos de osteoclastos nos sítios de erosão óssea. Estas células com padrão de osteoclastos são derivadas de outras células do tecido sinovial, as quais estão presentes em pacientes com inflamação sinovial secundária à artrite reumatóide(9,10). Outras evidências do papel dos osteoclastos na erosão óssea focal derivam do encontro de células que também expressam aspectos fenotípicos dos osteoclastos na interface pannus-osso nas erosões ósseas de modelos animais de artrite induzida(11,12). Assim, sabe-se que, além dos osteoclastos presentes na superfície óssea da junção pannus-osso, existem muitas outras células morfologicamente distintas destes, as quais incluem os fibroblastos sinoviais e as células similares aos macrófagos. Embora as células macrofágicas presentes nesta situação tenham a capacidade de reabsorver matriz óssea, sua capacidade reabsortiva é muito pequena quando comparada com aquela dos osteoclastos(13). Conclui-se que, em situações de remodelamento ósseo fisiológico em pessoas normais, a medula óssea é responsável pela produção dos precursores dos osteoclastos, mas na artrite reumatóide estes precursores são derivados também das células presentes no tecido sinovial inflamado.


Várias citocinas e fatores produzidos na sinovite reumatóide têm a capacidade de induzir diretamente a diferenciação das células da linhagem dos macrófagos e monócitos em células precursoras dos osteoclastos ou mesmo em osteoclastos já diferenciados. As citocinas que têm ação direta na maturação e diferenciação dos osteoclastos incluem o fator estimulador de colônias dos macrófagos, o fator de necrose tumoral alfa (TNF-α) e a interleucina 1. Outras citocinas interferem indiretamente na formação dos osteoclastos, agindo inicialmente nas células osteoblásticas, incluindo o peptídeo relacionado com o PTH (PTHrP), novamente a interleucina 1 e o TNF-α, assim como a interleucina 11 e a interleucina 17 (Figura 2).


O RANK-ligante (RANKL) é o fator mais importante para a diferenciação dos osteoclastos, tendo sido recentemente reconhecido e clonado. O RANKL também foi descrito como osteoprotegerina-ligante, considerando que ele também se liga à osteoprotegerina e é também chamado de citocina indutora de ativação relacionada com o TNF (TRANCE)(14). O RANKL é uma molécula de superfície da membrana pertencente à família dos receptores do TNF, sendo um fator essencial para a diferenciação dos osteoclastos, já que na sua ausência os osteoclastos apresentam falha de desenvolvimento. A sobrevida e o desenvolvimento dos osteoclastos também dependem da presença do RANKL, embora outros fatores como a interleucina 1 interfiram em sua sobrevida. Estudos demonstram que a apoptose dos osteoclastos, em pequeno número, pode ser demonstrada após uma semana de cultura de medula óssea na presença do fator estimulador de colônias de macrófagos (M-CSF) e RANKL. Por outro lado, quando estes fatores interferentes na sobrevida dos osteoclastos são retirados, todos os osteoclastos sofrem apoptose rapidamente(15).

A OPG, também conhecida como fator inibidor dos osteoclastos, é uma citocina antagonista, também membro da família dos receptores do TNF. A OPG é produzida e liberada pelos osteoblastos ativados e possui um papel importante na regulação do metabolismo ósseo, já que inibe a maturação e ativação dos osteoclastos in vivo e in vitro. A OPG liga-se com alta afinidade ao RANKL nos osteoblastos, impedindo que este, por sua vez, se ligue ao RANK na superfície dos osteoclastos. Isto faz com que a OPG iniba a reabsorção óssea produzida pelos osteoclastos maduros estimulados pelo RANKL (Figura 3). Confirmando a importância do papel da OPG na reabsorção óssea, estudos mostraram que camundongos transgênicos que apresentam expressão e níveis circulantes aumentados de OPG desenvolvem osteopetrose(16). Por outro lado, camundongos deficientes em OPG desenvolvem o contrário, ou seja, osteoporose severa associada a um número aumentado de fraturas(17).


Na membrana sinovial inflamada de pacientes com artrite reumatóide encontra-se uma maior expressão de RANKL nos locais de erosões ósseas. Evidências in vivo implicam esta citocina como sendo fundamental na patogênese destas erosões ósseas. Em um modelo de artrite adjuvante demonstrou-se que o tratamento com OPG, por inibir a atividade do RANKL, impediu quase completamente o aparecimento de erosões marginais(18). Na artrite reumatóide, o RANKL parece ter uma contribuição na diferenciação em osteoclastos das células presentes na membrana sinovial inflamada. O fato de o RANKL não estar presente na membrana sinovial normal sugere a sua participação no desencadeamento das lesões sinoviais da artrite reumatóide(19).

O RANKL tem sido encontrado expresso também nas células T ativadas da membrana sinovial de pacientes com artrite reumatóide, o que não foi encontrado em pacientes com osteoartrite ou pessoas normais. Além dos linfócitos T ativados, que constituem a maior população de células na sinovite reumatóide, os fibroblastos sinoviais também podem ser outra fonte de RANKL na membrana sinovial reumatóide, após o estímulo de diversas citocinas. Um estudo mostrou que fibroblastos sinoviais de pacientes com artrite reumatóide, ao serem cultivados com células mononucleares do sangue periférico, induzem osteoclastogênese na presença de 1,25(OH)2D3, e a superfície das células fortemente expressa RANKL, enquanto a quantidade de OPG liberada no sobrenadante é muito menor. Neste mesmo estudo, o acréscimo de OPG na cultura passou a inibir a formação de osteoclastos(20).

Um estudo encontrou a presença de níveis aumentados de OPG e RANKL solúvel no soro de pacientes com artrite reumatóide, comparados a um grupo controle de pessoas normais e a um outro grupo de pacientes com osteoartrite. Apesar do aumento da OPG e RANKL nos pacientes com artrite reumatóide, a relação OPG/RANKL foi similar entre os grupos. Os níveis de OPG e RANKL solúvel diminuíram após 14 a 22 semanas de tratamento com agentes anti-TNF, alcançando níveis menores do que em indivíduos controle, sendo a redução mais expressiva naqueles indivíduos que tinham os maiores níveis basais da OPG e RANKL solúvel. Apesar da redução dos níveis destas citocinas, a relação OPG/ RANKL se manteve igual aos valores pré-tratamento. Nesse estudo, as concentrações no líquido sinovial de OPG foram cinco vezes maiores e as concentrações de RANKL solúvel duas vezes maiores que os níveis encontrados no soro dos pacientes com artrite reumatóide(21).

OSTEOPOROSE

A osteoporose na artrite reumatóide é uma complicação freqüente e de aparecimento precoce na doença, sendo mais evidente no fêmur e no rádio do que na coluna, ao contrário do observado na osteoporose pós-menopausa. Esta diferença tem sido justificada pela sinovite, que ocorre nas articulações periféricas, incluindo o quadril e o punho, levando à menor capacidade funcional da articulação e à menor sobrecarga local. Outra justificativa pode ser a presença de alterações degenerativas na coluna, que ocorrem com o aumento da faixa etária dos pacientes com artrite reumatóide, interferindo na mensuração da massa óssea na coluna e causando a falsa impressão de maior massa óssea no esqueleto axial com relação ao esqueleto apendicular(22,23,24).

Os fatores mais importantes da perda óssea generalizada na artrite reumatóide incluem a imobilidade, a atividade inflamatória sistêmica da doença e a dose cumulativa dos corticosteróides(25,26). Os corticosteróides reduzem a massa óssea por diversos mecanismos, os quais incluem a diminuição da absorção de cálcio intestinal e o aumento da perda de cálcio por via renal, o que leva a uma liberação compensatória do paratormônio (PTH) e assim a um quadro de hiperparatireoidismo secundário. Este mecanismo, embora bastante difundido, tem sido recentemente questionado, considerando-se que nos pacientes com osteoporose induzida por corticosteróides não se encontram níveis elevados do paratormônio circulante. Além disso, estudos de histomorfometria mostram um padrão de remodelamento ósseo baixo, diferente daquele encontrado em pacientes com hiperparatireoidismo(27).

Os corticosteróides aumentam a reabsorção óssea por estimular a osteoclastogênese decorrente do aumento da expressão do RANKL e por reduzir a expressão da OPG. Entretanto, o efeito mais importante dos corticosteróides no osso é a inibição da formação óssea em razão da redução da função e do número de osteoblastos que estas drogas provocam. A redução do número dos osteoblastos é secundária à ação dos corticosteróides diminuindo a proliferação e diferenciação terminal dos osteoblastos, impedindo-os de formar células maduras e funcionantes e também em razão do aumento da apoptose dos osteoblastos maduros(28). Os corticosteróides, reduzindo a função dos osteoblastos, induzem uma menor síntese de colágeno tipo 1, o principal componente da matriz óssea extra-celular disponível para mineralização. A redução da síntese de colágeno tipo 1 decorre de efeitos de transcrição e também pós-transcricionais(29). Os corticosteróides também reduzem a densidade óssea por terem influência negativa na massa muscular, pela redução dos receptores da vitamina D, pela redução dos fatores de crescimento e pela interferência nos efeitos favoráveis dos hormônios sexuais sobre o osso.

Na artrite reumatóide, sabe-se que há uma correlação entre a atividade da doença com o aparecimento da osteoporose, a qual é secundária, entre outros fatores, aos níveis aumentados das citocinas pró-inflamatórias TNF-α e interleucina 1. Estas citocinas, além de estimular a inflamação sinovial característica da doença, têm propriedades osteoclastogênicas aumentando a reabsorção óssea, não somente dependente da interação OPG/RANKLRANK(30,31,32). A perda de massa óssea nos pacientes com artrite reumatóide também decorre da maior atividade funcional dos osteoclastos derivados de precursores oriundos de células monocíticas circulantes, sendo que foi demonstrada uma maior capacidade reabsortiva óssea lacunar destas células. Nesse estudo, os monócitos isolados do sangue periférico dos pacientes com artrite reumatóide e aqueles de controles normais, quando cultivados com fator estimulador de colônias e RANKL, não exibiram diferença na proporção de precursores dos osteoclastos(33). Na perda de massa óssea generalizada, assim como nas erosões ósseas localizadas ocorrentes na artrite reumatóide, postula-se que um dos mecanismos envolvidos seja também um desequilíbrio na relação OPG/RANKL, existindo uma expressão aumentada do RANKL.

A expressão da osteoprotegerina nos osteoblastos é aumentada pelo estrogênio, em estudos in vitro e in vivo(34,35). Estes resultados justificam parcialmente a maior incidência de osteoporose na pós-menopausa, tanto na população normal como naquela com artrite reumatóide que se apresenta com deficiência de estrogênio com o avanço da idade. A redução da produção do estrogênio encontrada nestas condições reduz os níveis de osteoprotegerina, causando um estímulo maior para osteoclastogênese pela não inibição da interação RANKL-RANK. A injeção de osteoprotegerina em camundongos fêmeas ooforectomizadas bloqueia a perda óssea e a osteoporose normalmente associada com a perda de função ovariana(36). Estes dados sugerem que o tratamento com OPG possa restaurar a relação OPG/RANKL alterada e representam uma forma de inibir a perda de massa óssea generalizada na artrite reumatóide(8). A relação da idade, menopausa e dos níveis de osteoprotegerina é complexa, considerando que homens e mulheres saudáveis apresentam níveis circulantes aumentados de osteoprotegerina com o avanço da idade, possivelmente como uma reposta compensatória à perda de massa óssea(37). São importantes os estudos que mostram correlação positiva entre a baixa densidade mineral óssea e a presença de doença erosiva focal na artrite reumatóide, o que poderia ser justificado por terem estas manifestações mecanismos patogênicos semelhantes(38).

TRATAMENTO DA OSTEOPOROSE NA ARTRITE REUMATÓIDE

Estudos têm mostrado uma correlação positiva entre atividade inflamatória na artrite reumatóide e marcadores de reabsorção óssea, assim como uma correlação da atividade da doença também com a medida da massa óssea(25,39). Desta forma, o tratamento da patologia por meio de estratégias terapêuticas que incluem o uso precoce de drogas antireumáticas modificadoras de doença realmente efetivas, visando o seu controle rápido, determinam uma redução da perda da massa óssea, como já foi demonstrado(39).

O tratamento da osteoporose na artrite reumatóide deve englobar as estratégias de prevenção e tratamento utilizadas também nos pacientes que fazem uso de corticosteróides, já que esta droga é freqüentemente utilizada na terapêutica desta doença. Recomenda-se assim que todos os pacientes que estejam em uso de corticosteróides procurem mudar os hábitos de vida que sabidamente interferem de forma negativa na massa óssea, incluindo abandonar o tabagismo, reduzir o consumo de bebidas alcoólicas e aumentar a atividade física de impacto. Algumas orientações básicas para reduzir o risco de queda devem ser esclarecidas aos pacientes, como, p.ex., evitar pisos escorregadios, tapetes soltos e luminosidade baixa nos ambientes internos da casa. Por outro lado, deve-se estimular o uso de suportes de apoio para as mãos, p.ex. corrimão, numa tentativa de reduzir o número de quedas e o conseqüente aparecimento de fraturas nessa população susceptível. O uso combinado de cálcio e vitamina D parece ser melhor do que o uso isolado destas substâncias nos pacientes com osteoporose induzida por corticosteróides, com ganho diferencial de massa óssea de 3,2%(40). Em pacientes portadores de artrite reumatóide e em uso de corticosteróides, a combinação do uso de cálcio 1,0 grama diária, mais 500 UI de vitamina D3 levou a um aumento da densidade mineral óssea na coluna lombar de 0,72% ao ano, comparado a uma perda de 2% por ano no grupo placebo(41). O uso da combinação de cálcio com vitamina D não parece suficiente para prevenção da perda de massa óssea nos pacientes com artrite reumatóide, quando estes estão sob regime de tratamento com doses elevadas de corticosteróides por tempo prolongado(42). Naqueles pacientes com artrite reumatóide e perda de massa óssea, que apresentam também níveis deficientes de hormônios gonadais, a reposição hormonal deve ser realizada como uma estratégia terapêutica para a prevenção e tratamento de osteoporose(43). O uso da calcitonina de salmão intranasal nos pacientes com artrite reumatóide foi investigado em um estudo duplo cego e controlado com placebo, sendo que após 12 meses de tratamento o grupo controle apresentou perda de massa óssea de 2% na coluna lombar e de 4,8% no terço distal do rádio. Por outro lado, o grupo de pacientes que receberam calcitonina tiveram um ganho de 1% na DMO da coluna lombar e não tiveram perda óssea no terço distal do rádio(44). Uma meta-análise mostrou que os bisfosfonatos são realmente efetivos na osteoporose induzida por corticosteróide, com um ganho médio de 4% na coluna lombar e 2,1% no colo do fêmur, após um ano de tratamento(45). Estudo da eficácia do alendronato associado ao cálcio em pacientes com artrite reumatóide mostrou que os pacientes que receberam cálcio isolado tiveram redução da densidade mineral óssea após seis meses de tratamento, enquanto aqueles em uso de alendronato tiveram aumento da densidade óssea em todas as regiões, com ganho de 5% na região lombar(46). O uso diário de risedronato durante 12 meses em pacientes com osteoporose induzida por corticosteróide, numa dose de 5mg/dia, junto com cálcio e vitamina D, mostrou um aumento da densidade mineral óssea tanto na coluna lombar (2,9% em 12 meses), como no colo do fêmur (1,8%), com relação ao grupo controle, que tomou basicamente 1.000mg de cálcio e 400UI de vitamina D(47). O uso do risedronato em mulheres na pós-menopausa com artrite reumatóide, que estavam em uso de corticosteróides, mostrou que o uso de 2,5mg/dia de risedronato levou a um ganho de massa óssea de 1,4% na coluna lombar e 0,4% no trocanter do fêmur, ao contrário do grupo placebo, nos quais os pacientes apresentaram perda da massa óssea(48). Estudos que definam o tempo de uso de bisfosfonatos em pacientes com artrite reumatóide não estão disponíveis. Porém, em situações de osteoporose induzida por corticosteróides não associados a uma patologia específica, acredita-se que o uso dos bisfosfonatos deve ser mantido no mínimo no período em que o paciente estiver recebendo corticosteróide. Os estudos acerca do uso de moduladores de receptores do estrogênio (SERMs) – tais como o raloxifeno –, assim como os resultados dos estudos de agentes anabólicos – como o paratormônio – e das terapias de combinação nos pacientes com osteoporose e artrite reumatóide estão sendo aguardados.

Os novos conhecimentos da regulação do metabolismo ósseo e da importância da relação OPG/RANKL-RANK no aparecimento da osteoporose generalizada e nas erosões ósseas focais nos pacientes com artrite reumatóide tornam este alvo terapêutico uma nova oportunidade para o controle desta doença. A experiência do uso de OPG em camundongos transgênicos que apresentam expressão aumentada de TNF-α e desenvolvem poliartrite crônica mostrou ser a OPG eficaz em impedir a perda da massa óssea neste modelo animal(49). Em camundongos Lewis com artrite induzida por adjuvante o tratamento com OPG impediu completamente a perda da densidade mineral óssea. Evitou também o aparecimento de erosões ósseas(50). Desta forma, a OPG parece ser efetiva não só na prevenção da perda da massa óssea, como já demonstrado nestes modelos animais de artrite, mas também agindo como um anti-erosivo ósseo local. Um estudo recente, em um modelo de artrite em camundongos transgênicos para o TNF humano demonstrou que o uso de OPG, quando combinado com anti-TNF-α (infliximab) e com o antagonista do receptor da interleucina 1 (anakinra), foi capaz de inibir a inflamação sinovial e reduzir o aparecimento das erosões ósseas. A análise dos resultados deste estudo mostrou que o anti-TNF-α isolado foi mais efetivo como monoterapia do que a OPG e o antagonista do receptor da interleucina 1 em inibir a inflamação sinovial. O uso de combinação dupla, ou seja, do anti-TNF-α com o antagonista do receptor da interleucina 1 ou do anti-TNF-α com a OPG, foi mais eficaz em inibir a inflamação sinovial com relação ao grupo com anti-TNF-α isolado. A OPG isolada bloqueou o aparecimento de erosões ósseas, efeito semelhante àquele alcançado com o anti-TNF-α e de forma bem superior àquela obtida com o antagonista do receptor da interleucina 1. Neste estudo, a combinação de anti-TNF-α com o antagonista do receptor da interleucina 1 bloqueou completamente o aparecimento de erosões ósseas; esta foi a combinação mais efetiva em impedir a destruição da cartilagem. A combinação tripla entre o anti-TNF-α, o antagonista do receptor da interleucina 1 e o OPG não foi superior à combinação dupla do anti-TNF-α com o antagonista do receptor da interleucina 1(51). Embora ainda não tenhamos estudos de OPG em pacientes com artrite reumatóide, a experiência de seu uso em mulheres na pós-menopausa indica ser a OPG eficaz em reduzir o remodelamento ósseo. Este estudo, que consistiu de uma avaliação randomizada, duplo cega e controlada com placebo, demonstrou que uma injeção única de OPG reduziu os níveis séricos do N-telopeptídeo (marcador de reabsorção óssea) após 12 horas, com um pico de redução de 80% dentro de quatro dias(52). A análise de estudos realizados com animais e deste estudo sobre a osteoporose nas mulheres na pós-menopausa sugere que outros estudos com OPG logo estarão disponíveis em pacientes com artrite reumatóide, fazendo parte provavelmente de uma terapia de combinação que tenha outros alvos como a terapia anti-TNF-α. O benefício deverá estar relacionado com a inibição não só do aparecimento das erosões ósseas focais como também da osteoporose generalizada, considerando o mecanismo patogênico semelhante e a importância fundamental da relação OPG/ RANL-RANK. Agentes terapêuticos novos que interferem na ação da osteoprotegerina têm sido descobertos, incluindo peptídeos cíclicos que inibem a ação do TNF-α e bloqueiam a osteoclastogênese induzida pelo RANKL. Estes agentes novos têm uma maior afinidade para a forma solúvel do RANKL, podendo assim determinar seletividade nos quadros de reabsorção óssea patológica(53,54).

Recebido em 6/5/2004.

Aprovado, após revisão, em 12/7/2004.

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  • Endereço para correspondência:
    Ivânio Alves Pereira
    Avenida Rio Branco, 448 - sala 306
    CEP 88015-330, Florianópolis-SC, Brasil
    E-mail:
  • *
    Ambulatório de Artrite Reumatóide do Hospital Universitário da Universidade Federal de Santa Catarina (UFSC), Florianópolis-SC, Brasil, e Disciplina de Reumatologia da Faculdade de Medicina da Universidade de São Paulo (FMUSP), São Paulo-SP, Brasil.
  • Datas de Publicação

    • Publicação nesta coleção
      28 Abr 2011
    • Data do Fascículo
      Out 2004

    Histórico

    • Aceito
      12 Jul 2004
    • Recebido
      06 Maio 2004
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