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Atualização em reumatologia: epidemiologia

Update in rheumatology: epidemiology

ATUALIZAÇÃO EM REUMATOLOGIA UPDATE IN RHEUMATOLOGY

Atualização em reumatologia: epidemiologia

Update in rheumatology: epidemiology

Seleção de artigos e comentários por

Boris Afonso Cruz

Serviço de Reumatologia do Biocor Instituto, Nova Lima, MG, Brasil

Epidemiologia é o estudo da freqüência das doenças em diferentes grupos de pessoas e porque elas assim acontecem. Informações epidemiológicas são de valia no planejamento e avaliação de estratégias de prevenção das doenças e orientam a abordagem terapêutica nos indivíduos que já estão doentes.

Como a apresentação clínica e a fisiopatologia, a epidemiologia de uma doença é parte integral de sua descrição básica. Estas informações têm sua forma peculiar de obtenção e interpretação dos dados, assim como termos técnicos e jargões necessários para sua discussão.

A reumatologia é uma especialidade relativamente nova no âmbito da medicina. No entanto, pudemos verificar nas últimas décadas um valioso progresso em nossa especialidade. Além de critérios de classificação mais uniformes e novas informações sobre os processos auto-imunes e/ou degenerativos, a melhor caracterização de aspectos epidemiológicos das doenças reumáticas permitem inferências sobre sua fisiopatologia e sugerem mecanismos para sua abordagem, seja como tratamento ou mesmo prevenção. Ensaios de colaboração e multicêntricos, estudos com melhor planejamento e maior rigor técnico-científico na interpretação das inferências preconizadas têm sido capazes de responder questões cruciais para nossa prática clínica.

Neste número da Revista Brasileira de Reumatologia (RBR), a seção Atualização em Reumatologia traz uma compilação de trabalhos com ênfase em aspectos epidemiológicos, publicados nos últimos meses. Foram selecionados estudos sobre diferentes doenças reumáticas e com metodologias distintas, para melhor ilustração. Nosso objetivo é salientar a importância da epidemiologia como ciência médica e promover uma discussão mais prática sobre seus conceitos, metodologia e interpretação dos dados na perspectiva do médico reumatologista.

Graham DL, Campen D, Hui R, Spence M, Cheetham C, Levy G, Shoor S, Rau EA: Risk of acute myocardial infarction and sudden cardiac death in patients treated with cyclo-oxygenase 2 selective and non-selective non-steroidal anti-inflammatory drugs: nested case-control study (Risco de infarto agudo do miocárdio e morte súbita em pacientes tratados com antiinflamatórios ciclooxigenase-2 seletivos e não-seletivos: estudo caso-controle aninhado). Lancet 2005; 365: 475-81. Office of Drug Safety, Center for Drug Evaluation and Research, FDA, Rockville/EUA.

Levésque LE, Brophy JM, Zhang B:The risk for myocardial infarction with cyclooxygenase-2 inhibitors: a population study of elderly adults (O risco de infarto do miocárdio com inibidores de ciclooxigenase-2: um estudo de base-populacional de adultos idosos). Ann Intern Med 2005; 142: 481-489. McGill University Health Centre, McGill University, Montréal, Québec/Canadá.

Johnsen SP, Larsson H, Tarone RE, McLaughin JK, Norgärd B, Friis S, Sorensen HT: Risk of hospitalization for myocardial infarction among users of rofecoxib, celecoxib and other NSAIDs: a population-based case-control study (Risco de internação por infarto do miocárdio em usuários de rofecoxibe, celecoxibe e outros AINHs: estudo caso-controle de base-populacional). Arch Intern Med 2005; 165: 978-984. Department of Clinical Epidemiology, Aarhus Hospital, Aarhus University Hospital, Aarhus/Dinamarca.

Estes três trabalhos tratam do mesmo assunto e têm metodologia equivalente, por isto são apresentados em conjunto. São estudos caso-controle aninhado (na literatura de língua inglesa, descritos como nested case control study). A partir de um banco de dados com seguimento prospectivo dos pacientes, são identificados casos (nestes estudos são pacientes com infarto agudo do miocárdio) e selecionados controles. Retrospectivamente, a partir da data do diagnóstico dos casos, são avaliados fatores de risco que possam se associar ao evento relacionado à saúde estudado. No primeiro estudo, foi utilizado o banco de dados da Kaiser Permanente, uma instituição de seguro de saúde, para seleção de indivíduos de 18 a 84 anos residentes na Califórnia (2.302.029 pessoas-ano de seguimento com 8143 casos de infarto agudo do miocárdio e morte súbita e 32.796 controles). O segundo estudo utilizou os dados do Serviço de Assistência à Saúde da Província de Québec, selecionando indivíduos com 66 anos ou mais (n = 113.927 indivíduos, seguidos por 2,4 + 0,98 anos com 2844 casos e 56.880 controles). O terceiro estudo selecionou pacientes a partir dos registros de internação hospitalar dos condados de Jutland Norte, Viborg e Aarhus, na Dinamarca, desde 1972 (n = 10.280 casos e n = 102.797 controles; casos com menos de 20 anos de idade foram excluídos). Em todos os estudos, existiu uma associação significativa entre uso de rofecoxibe e infarto do miocárdico. Nos dois primeiros estudos, verificou-se que esta associação foi dose-dependente (gradiente dose-efeito). O uso concomitante de aspirina infantil parece ter um efeito protetor parcial. Nos dois primeiros trabalhos, não existiu associação entre celecoxibe e evento cardíaco. O estudo de Johnsen et al sugeriu associação entre este inibidor seletivo de COX-2 e infarto, no limite da significância estatística. Nestes trabalhos, o tamanho das amostras permitiu a análise da relação de cada AINH (antiinflamatório não-hormonal) e infarto do miocárdio, com ajustamento para outros fatores de risco. Outro aspecto positivo muito importante é o fato de terem sido utilizados banco de dados de indivíduos de uma população não-selecionada, ou seja, são pacientes da vida real e não sujeitos de pesquisa de ensaios clínicos, onde os critérios de inclusão podem influenciar os resultados. A partir dos resultados apresentados, podemos chegar à conclusão que a associação entre infarto do miocárdio e AINH não é classe-específica (COX-2 seletivos versus AINH tradicionais). A associação entre rofecoxibe e evento coronariano é específica da molécula e não pode ser generalizada para toda a classe dos inibidores seletivos de COX-2. Quanto aos outros AINHs, incluindo os outros inibidores seletivos de COX-2, não existem dados definitivos, mas entende-se que eles apresentam menor risco de evento coronariano que o rofecoxibe. Na prática clínica, justifica-se, então, a retirada do mercado do rofecoxibe. Em pacientes submetidos a tratamentos com outros AINH, a morbidade cardiovascular pode ser reduzida com uso de doses menores de AINH o quanto possível e abordagem incisiva de outros fatores de risco como hipertensão, dislipidemia e diabetes.

Stenson WF, Newberry R, Lorenz R, Baldus C, Civitelli R: Increased prevalence of celiac disease and need for routine screening among patients with osteoporosis (Prevalência aumentada de doença celíaca e necessidade de triagem de rotina em pacientes com osteoporose). Arch Intern Med 2005; 165: 393-399. Divisions of Gastroenterology and Bone and Mineral Metabolism, Washington University School of Medicine, St Louis/EUA.

Os autores avaliaram em um estudo seccional 840 indivíduos, 266 com osteoporose e 574 sem osteoporose, acompanhados na Clínica de Metabolismo Ósseo da Universidade de Washington, em St. Louis. Os indivíduos foram submetidos à triagem sorológica para doença celíaca através de anticorpos antigliadina IgG e IgA; antiendomísio IgA e antitransglutaminase tissular IgA. Os indivíduos que apresentaram sorologia positiva foram submetidos à biópsia de duodeno terminal e jejuno para confirmação histológica de doença celíaca. A avaliação através de anticorpo antigliadina IgA e/ou IgG mostrou-se pouco específica, com cerca de 20% de positividade em ambos os grupos. Nove pacientes com osteoporose e um paciente do grupo controle apresentaram positividade nos três testes sorológicos e tiveram confirmação do diagnóstico de doença celíaca através da biópsia endoscópica (prevalência de doença celíaca confirmada histologicamente de 3,4% vs. 0,2%; p < 0,001). Oito pacientes apresentaram positividade para antitransglutaminase tissular ou antiendomísio. Destes, seis (três com osteoporose e três controles) foram submetidos à biópsia endoscópica, cujos resultados foram negativos. Dos nove pacientes com osteoporose e doença celíaca, oito completaram ao menos um ano de tratamento através de dieta sem glúten e apresentaram ganho de massa óssea, associado ao aumento de peso e resolução de sintomas gastrintestinais outrora entendidos como subjetivos. É importante comentar que estes pacientes vinham em tratamento usual para osteoporose, sem melhora até o diagnóstico de doença celíaca. Os autores entendem que estes dados justificam a realização de triagem de doença celíaca em pacientes com osteoporose através dos anticorpos antitransglutaminase tissular IgA e antiendomísio IgA e pacientes com sorologia positiva devem ser submetidos à biópsia endoscópica. Estes são dados consistentes, mas devem ser avaliados com critério. O estudo foi conduzido em um centro de referência e pode existir o chamado "viés de seleção". A amostra de indivíduos deste ambulatório especializado tende a apresentar pacientes com osteoporose mais grave e/ou refratária ao tratamento usual, o que pode comprometer a generalização destes resultados para a população de pacientes com osteoporose como um todo.

Maradit-Kremers H, Crowson CS, Nicola PJ, Ballman KV, Roger VL, Jacobsen SJ, Gabriel SE:Increased unrecognized coronary heart disease and sudden deaths in rheumatoid arthritis. A population-based cohort study (Maior freqüência de doença coronariana silenciosa e morte súbita em artrite reumatóide. Um estudo de base populacional). Arthritis Rheum 2005; 52: 402-411. Department of Health Sciences Research, Mayo Clinic, Rochester/EUA.

Em uma coorte acompanhada prospectivamente em uma área limitada geograficamente (Condado de Olmsted), casos incidentes de artrite reumatóide (AR) foram selecionados quando da confirmação de seu diagnóstico através dos critérios do Colégio Americano de Reumatologia. Indivíduos sem AR da mesma coorte e pareados por idade e sexo foram selecionados como controles. A partir desta definição, os sujeitos de pesquisa foram estudados retrospectivamente através dos prontuários médicos ambulatoriais e hospitalares desde a idade de 18 anos até a morte, emigração ou data final de observação (1º de janeiro de 2001). A variável dependente foi insuficiência coronariana, definida como hospitalização por infarto do miocárdio, diagnóstico de infarto do miocárdio silencioso através de alterações no ECG, procedimentos de revascularização (angioplastia e/ou cirurgia de revascularização), angina pectoris e morte súbita. Fatores de risco tradicionais para doença coronariana (diabetes mellitus, hipertensão arterial, dislipidemia, índice de massa corporal e tabagismo) foram estudados como possíveis fatores de confusão. Foi realizada análise multivariada da chance de doença coronariana antes do diagnóstico de AR (modelos de regressão logística condicionais) e após o diagnóstico de AR (modelos de Cox em análise de curvas de sobrevida). Os autores puderam verificar que nos dois anos que precederam o diagnóstico de AR, os pacientes com AR apresentavam maior chance de hospitalização por infarto do miocárdio - Odds ratio (OR) 3,17; Intervalo de confiança 95% (IC 95%) 1,16-8,68 -, maior chance de infarto silencioso (OR 5,86; IC 95% 1,29-26,44) e menor freqüência de angina pectoris (OR 0,58; IC 95% 0,34-0,99). Após preencherem os critérios diagnósticos, os pacientes com AR tinham duas vezes mais chance de apresentarem infarto silencioso - Hazard ratio (HR) 2,13 (IC 95% 1,13-4,03) e morte súbita (HR 1,94; IC 95% 1,06-3,55) e menor chance de serem submetidos à procedimentos de revascularização (HR 0,36 IC95% 0,16-0,80). Os autores entendem que o maior risco de doença coronariana em AR existe mesmo antes do diagnóstico de AR e independe dos fatores de risco usuais para aterosclerose. A isquemia coronariana pode permanecer não-diagnosticada em pacientes com AR e se manifestar como morte súbita. No entanto, tais conclusões devem ser avaliadas no contexto de algumas limitações: a influência do tratamento (ex: corticóide) na incidência de doença coronariana em AR não foi estudada e, como a população estudada é predominantemente caucasiana (> 95%), estes dados podem não se aplicar a outras populações como negros ou hispânicos. A despeito disto, este trabalho tem importância prática, sugerindo que pacientes com AR devem ser submetidos periodicamente a métodos não-invasivos de triagem para o diagnóstico de isquemia coronariana subclínica. Esta estratégia pode proporcionar tratamento em tempo hábil e uma redução da mortalidade associada à doença coronariana em pacientes com AR.

Askling J, Fored CM, Brand L, Baecklund E, Bertilsson L, Feltelius N, Cöster L, Gebarek P, Jacobsson LT, Lindblad S, Lysholm J, Rantapää-Dahlqvist S, Saxne T, Klareskog L:Risks of solid cancers in patients with rheumatoid arthritis and after treatment with tumour necrosis factor antagonists (Riscos de cânceres sólidos em pacientes com artrite reumatóide e após tratamento com antagonistas do TNF). Ann Rheum Dis 2005; 64: 1421–1426. Salna Hospital Karolinska University, Estocolmo/Suécia.

Os autores estudaram a incidência de tumores sólidos em pacientes com artrite reumatóide (AR), acompanhados em três coortes suecas. A primeira coorte (n = 53.067) incluiu casos prevalentes de AR internados entre 1990 e 2003. A segunda coorte (n = 3703) incluiu casos incidentes de AR, ou seja, observados a partir do diagnóstico (entre 1995-2003), selecionados nos registros de artrite recente de centros especializados de reumatologia. A terceira coorte (n = 4160) incluiu pacientes em uso de algum dos agentes anti-TNF, selecionados a partir dos dados do programa de seguimento pós-marketing da Agência Sueca de Produtos Médicos, em colaboração com a Sociedade Sueca de Reumatologia, de 1999 a 2003. A incidência de tumores nas três diferentes coortes foram comparadas entre si e com a população sueca através da razão de incidência padronizada (SIR), ou seja, a razão entre as incidências observadas e a esperada para a população geral, ajustadas por idade e sexo. Na coorte de casos prevalentes, 3379 pacientes desenvolveram tumores sólidos. Existiu um pequeno aumento em relação à população geral -SIR (IC 95%) = 1,05 (1,01-1,08). Tumores associados ao tabagismo como dos tratos respiratório e gênito-urinário apresentaram incidência 20-50% maior e cânceres de pele que não-melanoma foram 70% mais freqüentes -SIR (IC 95%) = 1,66 (1,50-1,84). Tumores de mama - SIR (95%) = 0,83 (0,76-0,91) - e câncer colo-retal - SIR (95%) = 0,74 (0,66-0,82) - foram menos freqüentes em comparação à população geral. Na coorte de casos incidentes, 138 tumores foram identificados e na coorte de pacientes em uso de terapia anti-TNF, 67 pacientes desenvolveram tumores sólidos, em ambas com padrão semelhante ao verificado na coorte prevalente. Os autores concluem que a terapia anti-TNF não influencia a incidência de tumores sólidos em pacientes com AR. Este trabalho também sugere que estratégias para cessação do tabagismo têm potencial como medida preventiva para o desenvolvimento de tumores sólidos em pacientes com AR. A maior casuística e o fato de terem sido usados bancos de dados abrangentes e confiáveis do serviço público de saúde sueco são pontos positivos deste trabalho. No entanto, outras variáveis que podem influenciar o desenvolvimento de tumores em pacientes com AR como outros tratamentos que não anti-TNF e a gravidade da doença não puderam ser avaliados.

Calvo-Alen J, Toloza SMA, Fernandez M, Bastian HM, Fessler BJ, Roseman JM, McGwin Jr G, Vilá LM, Reveille JD, Alarcon GS for the LUMINA Study Group. Systemic Lupus Erythematosus in a multiethnic US Cohort (LUMINA). XXV. Smoking, older age, disease activity, lupus anticoagulant, and glucocorticoid dose as risk factors for the occurrence of venous thrombosis in lupus patients (Lúpus eritematoso sistêmico em uma coorte multicêntrica americana -LUMINA -, XXV, Tabagismo, idade, atividade da doença, anticoagulante lúpico e dose de corticóide como fatores de risco para ocorrência de trombose venosa em pacientes com lúpus). Arthritis Rheum 2005; 52: 2060-2068. University of Alabama at Birmingham, Alabama/EUA; University of Puerto Rico Medical Sciences Campus, San Juan/Porto Rico e University of Texas Health Science Center at Houston, Texas/EUA.

Os autores estudaram dados de 570 pacientes da coorte LUMINA. Trombose venosa (periférica ou visceral) foi definida como a variável dependente. Como co-variáveis possivelmente associadas à variável dependente, foram estudados dados socioeconômicos/demográficos, clínicos, laboratoriais e o tratamento. Os dados foram analisados prospectivamente a partir do diagnóstico de LES e a partir da inclusão na coorte (Tempo 0). Além da análise univariada, os autores estudaram modelos de regressão logística e modelos proporcionais de Cox, que avaliam não só a ocorrência ou não do evento estudado, mas também o tempo até sua ocorrência nos diferentes grupos, em curvas de sobrevida. O primeiro modelo incluiu todos os sujeitos de pesquisa, estudados a partir da data do diagnóstico. O segundo modelo incluiu apenas os casos incidentes, ou seja, os casos que apresentaram trombose venosa após a inclusão na coorte (n = 19), a partir do Tempo 0. Em um período de observação de 53,0 + 40,6 meses após o diagnóstico, 51 pacientes tiveram trombose venosa. Após as diferentes análises realizadas, os autores puderam confirmar associação entre a presença de anticoagulante lúpico e trombose venosa profunda. Tabagismo, idade mais avançada, maior atividade da doença ao longo do tempo e maior dose média de corticóide foram identificados como fatores de risco adicionais, mantendo associação estatisticamente significativa com trombose venosa. Existiu associação entre dislipidemia e trombose venosa apenas na análise univariada, sem significância estatística nas análises ajustadas Ao contrário do que ocorre em eventos tromboembólicos arteriais, trombose venosa parece acontecer mais cedo na evolução da doença. São pontos fortes deste trabalho o fato de ser um estudo prospectivo, incluir uma casuística grande e estudar as associações sugeridas em diferentes formas de análise estatística, o que traz consistência para as inferências sugeridas. Algumas limitações do trabalho podem ser citadas: outros fatores de risco para trombose como gestação, neoplasia, hiperhomocisteinemia ou outras anormalidades da cascata da coagulação não foram estudados. O modelo que incluiu apenas os casos incidentes teve um número limitado de casos e por isso a análise estatística apresentou menor poder. No entanto, fica claro que se trata de um estudo importante e cujas inferências têm aplicabilidade direta na abordagem de pacientes com lúpus.

Jick SS, Liberman ES, Rahman UM, Choi HK. Glucocorticoide use, other associated factors, and the risk of tuberculosis (Uso de glucocorticóide, outros fatores associados e risco de tuberculose). Arthritis Care Res 2006; 55: 19-26. Divisão de Reumatologia, Departamento de Clínica Médica, University of British Columbia, Arthritis Research Center of Canada, Vancouver/Canadá.

Este é um estudo caso-controle clássico. Os autores utilizaram um banco de dados computadorizado (UK-Based General Practice Research Database) para identificar casos de tuberculose com diagnóstico recente (n = 497) entre 1990 e 2001. Até quatro controles (n = 1.966) foram selecionados para cada caso, pareados por idade, sexo, clínica de atendimento do caso, data índice (data da confirmação do diagnóstico do caso) e quantidade de informação (seguimento) armazenada no banco de dados. Foram excluídos pacientes com HIV e neoplasias. Foram estudados como co-variáveis a exposição a drogas anti-reumáticas/imunossupressores, co-morbidades, tabagismo e índice de massa corporal. Foi realizada análise multivariada em modelos de regressão logística condicional, incluindo gradações dos fatores de risco e análise de subgrupos. O Odds ratio (OR) ajustado de tuberculose para usuários correntes de corticóide foi 4,9 -intervalo de confiança 95% (IC95%) 2,9-8,3. Os ORs ajustados para < 15 mg/dia e > 15 mg/dia de prednisona ou equivalente foram 2,8 (IC95% 1,0-7,9) e 7,7 (IC95% 2,8-21,4), respectivamente. Existiu ainda associação estatisticamente significativa entre a tuberculose e índice de massa corporal < 20; tabagismo; diabetes e doenças pulmonares. É importante comentar que a associação entre corticóide e tuberculose mostrou gradiente dose-efeito nas análises estratificadas pelo período de uso de corticóide (uso corrente, uso recente, uso remoto e não-expostos), número de prescrições, maior dose usada e dose recente, corroborando a associação verificada. O diagnóstico de uma doença reumática e/ou o uso de drogas anti-reumáticas/imunossupressores não estiveram estatisticamente associadas à tuberculose e a adição destas variáveis nos modelos que estudaram corticóide como fator de risco para tuberculose não modificaram a direção ou magnitude desta associação. Isto pode representar uma limitação do estudo, já que a prevalência de doenças reumáticas foi pequena nesta população e levanta a questão de quanto do risco se deve à doença para qual o corticóide foi prescrito e quanto se deve especificamente ao uso do corticóide. No entanto, a metodologia do estudo foi impecável. Foi utilizado um banco de dados validado em outros estudos; os casos de tuberculose foram confirmados a partir de sua identificação eletrônica e a análise estatística foi exaustiva, incluindo ajustamento para os fatores de confusão possíveis. Os autores concluem que pacientes em uso de corticóide têm maior chance de desenvolverem tuberculose, independentemente de outros fatores de risco. É claro que a magnitude desta associação varia de acordo com a freqüência de tuberculose e, em nosso meio, onde a prevalência desta infecção é maior que no Reino Unido (sítio do estudo), a importância destes fatores de risco pode ser ainda maior. Do ponto de vista prático, antes de iniciar corticóide para algum paciente, devemos nos interar sobre qual a possibilidade desse desenvolver tuberculose, de acordo com fatores de risco pessoais e de seu ambiente. Para reduzir este risco, podemos nos valer dos resultados deste estudo: estimular a cessação do tabagismo, manter nutrição adequada e usar a menor dose possível de corticóide. Se existirem outros fatores de risco como diabetes ou doença pulmonar existem, estas recomendações devem ser enfatizadas e o limiar para demandar testes diagnósticos e iniciar o tratamento de tuberculose deve ser menor.

Flugsrud GB, Nordsletten L, Espehayg B, Havelin LI, Engeland A, Meyer HE. The impact of body mass index on later total hip arthroplasty for primary osteoarthritis (O impacto do índice de massa corporal em artroplastia total de quadril em osteoartrite primária). Arthritis Rheum 2006; 54; 8023-807. Oslo Orthopaedic Centre, Ulleväl University Hospital, Oslo/Noruega.

Os autores se valeram do banco de dados de uma triagem nacional para tuberculose realizada entre 1963-1975 e o registro norueguês de artroplastia entre os anos de 1987 a 2003 para estudar o impacto do índice de massa corporal na chance de se submeter a uma artroplastia de quadril. Através do número de identidade pessoal, os pacientes foram analisados quanto à altura e índice de massa corporal (IMC) no estudo de tuberculose e, prospectivamente, quanto à realização de artroplastia de quadril no registro de artroplastia. Apenas pacientes com mais de 18 anos no estudo de triagem foram incluídos. O seguimento se deu até o final do tempo de observação (n = 760.459), até morte ou emigração (346.021), até a idade de 80 anos (n = 4.586) ou até artroplastia por outras indicações, tendo sido computado como evento final apenas artroplastia por artrose primária de quadril. Após seguimento médio de 18 anos, os autores identificaram 28.425 cirurgias de artroplastia de quadril, sendo 69% delas em mulheres. Existiu uma associação dose dependente entre aumento do IMC e risco de artroplastia de quadril. Os autores puderam verificar um aumento de 68% (IC 95% 62-74%) no risco de artroplastia de quadril para cada aumento de 5 Kg/m2 no IMC em homens e 35% (IC95% 33-37%) em mulheres. Foi importante notar que o impacto da IMC foi maior em idades mais jovens. Em homens, o Risco Relativo (RR) para artroplastia de quadril foi de 2,1 (IC95% 1,7-2,5) para aumento de 5 Kg/m2 de IMC quando medido em indivíduos com idade < 25 anos e 1,5 (IC 95% 1,3-1,7) em indivíduos com 55-59 anos no início do estudo. Em mulheres, os valores correspondentes são 1,7 (IC 1,5-1,9) e 1,1 (IC 95% 1,1-1,2). Os autores concluem que existe uma forte associação dose-dependente entre IMC e artroplastia de quadril por artrose primária. Maior IMC representou maior risco em indivíduos mais jovens e pacientes com maior IMC quando jovens mantiveram risco aumentado por todo o período de seguimento. Não foram analisados, no entanto, outros fatores de risco para progressão da artrose como atividade física, trauma ou hereditariedade. Outro fator limitante é o fato de o seguimento não ter sido completo para todos os pacientes. Como o final do seguimento se deu em uma data fixa, alguns indivíduos ainda se apresentavam em risco para artroplastia – pacientes que foram avaliados no estudo de triagem de tuberculose com 18-25 anos teriam no final do seguimento 46-65 anos, sendo que o pico de incidência de artroplastia de quadril é entre 70 e 79 anos. Os pontos fortes deste estudo são: i) a casuística maior (através de bancos de dados confiáveis com > 85 % de aferição confirmada); ii) o fato de ter sido realizada uma análise prospectiva e a consistência dos resultados, com a verificação de gradiente dose-resposta, intervalos de confiança pequenos e plausibilidade biológica. Em uma análise prática, este estudo reforça a importância da prevenção e tratamento precoce da obesidade. No entanto, o efeito de intervenções terapêuticas para redução de peso em pacientes com artrose ainda está por ser demonstrada.

Responsável: Boris Afonso Cruz

Datas de Publicação

  • Publicação nesta coleção
    02 Jun 2006
  • Data do Fascículo
    Abr 2006
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