Acessibilidade / Reportar erro

Tratamento de estenose de tronco de coronária esquerda na arterite de Takayasu

Successful treatment of left Main coronary stenosis in Takayasu’s arteritis

Resumos

A incidência de anormalidades coronarianas na arterite de Takayasu é relativamente baixa. Desde que as lesões variam em cada paciente, os tratamentos percutâneo e cirúrgico requerem planejamento cuidadoso do momento operatório, técnica, uso de materiais e medicação pós-operatória. Relatamos o caso de uma paciente do sexo feminino, 24 anos, avaliada pela equipe de Cardiologia e Cirurgia Cardiovascular com quadro clínico de angina estável, sinais e sintomas sugestivos de insuficiência cardíaca congestiva. Propedêutica realizada revelava lesão grave (> 50%) no tronco de coronária esquerda, sendo indicada, a princípio, angioplastia coronariana com implante de stent. Após 3 meses, realizou-se cirurgia de revascularização miocárdica em razão de reestenose. A isquemia miocárdica é uma causa importante de óbito e deve ser prontamente tratada. A abordagem percutânea pode ser a primeira escolha ou servir como ponte para a cirurgia.

arterite de Takayasu; doença coronariana; revascularização miocárdica


The incidence of coronary abnormalities is relatively low in patients with Takayasu’s arteritis. Since the lesions vary in each patient, invasive treatment modalities, whether percutaneous or surgical, demand a careful pre-operative planning for the timing, technical approach, materials used as well as post-operative medication. We report a case of a 24-years-old woman that was subjected to clinical evaluation in the Cardiology and Cardiovascular Surgery Group because of heart failure and chest pain. She was diagnosed with stenosis of the left main coronary artery that required stent implantation. After 3 months of this procedure, she had re-stenosis and a decision for a successful myocardial revascularization was made. Coronary ischemia is a major cause of death that implies immediate treatment. The percutaneous approach can be either the first option or a bridge to surgery.

Takayasu’s arteritis; coronary disease; myocardial revascularization


RELATO DE CASO CASE REPORT

Tratamento de estenose de tronco de coronária esquerda na arterite de Takayasu

Successful treatment of left Main coronary stenosis in Takayasu’s arteritis

Cláudio Léo GelapeI; Flávia Carvalho AlvarengaII; Carlos Camilo Smith FigueroaIII; Antônio Luiz Pinho RibeiroIV

IDoutor em Cirurgia e membro cirurgião cardiovascular do Serviço de Cardiologia e Cirurgia Cardiovascular do Hospital das Clínicas da Universidade Federal de Minas Gerais (HC/UFMG)

IIMédica especialista em Cardiologia e membro do Serviço de Cardiologia e Cirurgia Cardiovascular do HC/UFMG

IIICirurgião cardiovascular e membro cirurgião cardiovascular do Serviço de Cardiologia e Cirurgia Cardiovascular do HC/UFMG

IVDoutor em Medicina e chefe do Serviço de Cardiologia e Cirurgia Cardiovascular do HC/UFMG

Endereço de correspondência Endereço para correspondência: Cláudio Léo Gelape Avenida Francisco Sales, 1.463/sala 805 CEP 30150-221, Belo Horizonte, MG e-mail: clgelape@uai.com.br

RESUMO

A incidência de anormalidades coronarianas na arterite de Takayasu é relativamente baixa. Desde que as lesões variam em cada paciente, os tratamentos percutâneo e cirúrgico requerem planejamento cuidadoso do momento operatório, técnica, uso de materiais e medicação pós-operatória. Relatamos o caso de uma paciente do sexo feminino, 24 anos, avaliada pela equipe de Cardiologia e Cirurgia Cardiovascular com quadro clínico de angina estável, sinais e sintomas sugestivos de insuficiência cardíaca congestiva. Propedêutica realizada revelava lesão grave (> 50%) no tronco de coronária esquerda, sendo indicada, a princípio, angioplastia coronariana com implante de stent. Após 3 meses, realizou-se cirurgia de revascularização miocárdica em razão de reestenose. A isquemia miocárdica é uma causa importante de óbito e deve ser prontamente tratada. A abordagem percutânea pode ser a primeira escolha ou servir como ponte para a cirurgia.

Palavras-chave: arterite de Takayasu, doença coronariana, revascularização miocárdica.

ABSTRACT

The incidence of coronary abnormalities is relatively low in patients with Takayasu’s arteritis. Since the lesions vary in each patient, invasive treatment modalities, whether percutaneous or surgical, demand a careful pre-operative planning for the timing, technical approach, materials used as well as post-operative medication. We report a case of a 24-years-old woman that was subjected to clinical evaluation in the Cardiology and Cardiovascular Surgery Group because of heart failure and chest pain. She was diagnosed with stenosis of the left main coronary artery that required stent implantation. After 3 months of this procedure, she had re-stenosis and a decision for a successful myocardial revascularization was made. Coronary ischemia is a major cause of death that implies immediate treatment. The percutaneous approach can be either the first option or a bridge to surgery.

Keywords: Takayasu’s arteritis, coronary disease, myocardial revascularization.

INTRODUÇÃO

Arterite de Takayasu é uma doença crônica, rara e grave, de etiologia desconhecida e história natural imprevisível(1,2). Acomete principalmente grandes artérias. Em geral, afeta mulheres em idade reprodutiva(3,4). O diagnóstico é realizado por sinais clínicos inflamatórios inespecíficos, cervicalgia, atividade inflamatória presente (PCR e VHS elevados) associados a alterações em diferentes exames de imagem, principalmente arteriografia, angiotomografia e angiorressonância(3). O tratamento consiste principalmente na utilização de agentes imunossupressores e corticosteróides(1).

O acometimento coronário é incomum e apresenta incidência de 9%(5). O processo inflamatório da aorta tem sido identificado como responsável por essas lesões. Intervenções coronárias percutâneas têm sido utilizadas no tratamento inicial das lesões obstrutivas, apresentando resultado incerto e sobrevida a longo tempo ainda desconhecida(6). Embora a revascularização cirúrgica possa ser recomendada para tais pacientes, lesões obstrutivas nas artérias subclávias, atividade inflamatória ativa e grave espessamento da aorta ascendente, freqüentemente, tornam a cirurgia um desafio(7). Relatamos o caso de uma paciente que recebeu stent em tronco de coronária esquerda (CE) e evoluiu com reestenose precoce, sendo necessário cirurgia de revascularização do miocárdio (RM).

RELATO DE CASO

Paciente do sexo feminino, 24 anos, admitida na Enfermaria de Ginecologia e Obstetrícia do Hospital das Clínicas da Universidade Federal de Minas Gerais para realização de parto a termo, ato realizado sem intercorrências. Em sua história pregressa, havia relato de dor torácica anginosa acompanhada de dispnéia, além de hipertensão arterial desde os 15 anos de idade. Durante o período pós-parto, apresentou piora da intensidade da dor torácica e dispnéia acompanhadas de sinais francos de insuficiência cardíaca. Além disso, apresentava evidente assimetria dos pulsos periféricos. A propedêutica realizada na época revelava déficit segmentar de ventrículo esquerdo (VE) e fração de ejeção (FE) de 30% ao Eco-Dopplercardiograma. Duplex scan de carótidas demonstrava estenoses de 50% bilateralmente, com espessamento parietal sugestivo de arterite de Takayasu.

A angiotomografia computadorizada apresentava oclusão da artéria subclávia esquerda em sua porção média (obstrução após a origem da artéria vertebral e torácica interna), estenose de 40% em aorta abdominal, arco aórtico e ramos da base normais; revelou-se lesão oclusiva da artéria subclávia esquerda também por cineangiografia (Figura 1), bem como obstrução de 60% em bifurcação da aorta terminal e origem da artéria renal esquerda (Figura 2).



Cineangiocoronariografia revelava tronco de coronária esquerda (TCE) ocluído na sua origem, coronária direita sem lesões oferecendo circulação colateral para artérias descendente anterior e circunflexa, que não exibiam lesões graves (> 70%). A ventriculografia demonstrava disfunção grave do VE. O exame de angiorressonância demonstrava estenose grave na bifurcação aorto-ilíaca, estenose grave em origem da artéria renal esquerda e estenose leve em terço proximal da artéria renal direita. As provas inflamatórias (PCR e VHS 60’) apresentavam-se elevadas. A paciente foi acompanhada pela equipe de Reumatologia deste mesmo hospital e, diante da gravidade clínica apresentada, dos achados angiográficos e laboratoriais, iniciou-se corticoterapia.

Inicialmente, tentou-se a angioplastia com implante de stent para o tronco da CE com bom resultado angiográfico. Manteve-se o tratamento antiinflamatório com metotrexato e corticosteróides após o procedimento. Após 3 meses de seguimento, houve recorrência da angina (CCS III) e piora da classe funcional (NYHA IV). Nova cineangiocoronariografia revelou stent implantado no TCE totalmente ocluído implantado previamente (Figura 3). Ecocardiograma transtorácico demonstrou piora significativa da função sistólica do VE, com FE estimada em 20%.


Optou-se pela RM, sendo realizada ponte de artéria torácica interna para a artéria descendente anterior como enxerto livre com auxílio de circulação extracorpórea (canulação realizada na aorta ascendente). A anastomose proximal foi confeccionada em enxerto de veia safena na aorta ascendente que estava difusamente espessada, porém sem calcificações significativas. A paciente evoluiu sem intercorrências e recebeu alta no sétimo dia de pós-operatório. Após 2 anos de seguimento ambulatorial, encontra-se em classe funcional NYHA II, sem angina.

DISCUSSÃO

Arterite de Takayasu é uma vasculite que acomete grandes vasos, aorta e principais ramos, artéria pulmonar e árvore coronária. Embora a doença coronária seja incomum na arterite de Takayasu, com incidência entre 6% e 19% dos casos, a isquemia miocárdica é uma das principais causas de morte. O processo inflamatório da aorta tem sido implicado como causa das lesões ostiais coronarianas(5-8). A opção terapêutica de escolha nessa doença ainda não está definida. A principal causa das estenoses arteriais na doença de Takayasu são as reações imunes antígeno-específicas que podem precipitar as reestenoses intra-stents(8,9). Por isso, a evolução e o prognóstico das lesões tratadas com stents coronários na doença de Takayasu ainda são incertos. Embora haja relatos de tratamentos percutâneos satisfatórios, nesse caso houve reestenose precoce intra-stent, recorrência do quadro anginoso e piora da função ventricular.

A cirurgia de revascularização miocárdica é o procedimento de escolha para o tratamento das estenoses coronarianas. Entretanto, lesões em subclávias, inflamação ativa ou severa calcificação da aorta tornam o procedimento difícil(10,11). Estenoses ou oclusões nas artérias subclávias limitam a utilização da artéria torácica interna como enxerto coronário. Deve-se evitar a utilização da artéria torácica interna esquerda in situ, em razão da grande incidência de lesões na artéria subclávia esquerda na doença de Takayasu(5). Além disso, a inflamação crônica e as calcificações na aorta ascendente requerem artifícios técnicos para anastomoses proximais que devem ser realizados amplamente e apoiados em enxertos de veia ou pericárdio bovino. Aneurisma no local das anastomoses proximais é comum e devem ser acompanhados anualmente, por meio de métodos de imagem(11,12).

Deve-se realizar o seguimento pós-operatório tardio da RM nos pacientes com arterite de Takayasu com o objetivo de identificar sinais sugestivos de nova estenose e acompanhar a evolução desses pacientes no longo prazo(11). As descrições cirúrgicas disponíveis na literatura incluem poucos casos em acompanhamento, já que a taxa de sobrevida da doença de Takayasu é variável, dependente do grau de acometimento arterial e atividade inflamatória da doença(5,11). A abordagem percutânea pode ser indicada como opção terapêutica inicial ou como ponte para a cirurgia. Em recentes descrições de casos, apresentaram-se resultados melhores com stents revestidos com drogas em comparação com os stents convencionais. Acredita-se que os stents farmacológicos possuam propriedades imunossupressoras(13-15). Uma vez que as lesões variam em cada paciente, a revascularização intervencionista (percutânea ou cirúrgica) requer planejamento cuidadoso em todas as etapas do tratamento(16). A adequada supressão da atividade inflamatória desde a fase pré-operatória e a escolha da técnica a ser utilizada garantem melhores resultados tardios com redução das taxas de estenoses arteriais. O acompanhamento clínico especializado em centro de referência deve ser estimulado a fim de manter a vigilância quanto à atividade da doença e o diagnóstico precoce de possíveis estenoses nos enxertos e em outros sítios arteriais.

Recebido em 21/12/06.

Aprovado, após revisão, em 27/06/07.

Declaramos a inexistência de conflitos de interesse.

  • 1
    Sato EI, Lima DNS, Espirito Santo B, Hata F: Takayasu arteritis: treament and prognosis in a University Center in Brazil. Int J Cardiol 75: S163-S166, 2000.
  • 2
    Milani R, Brofman P, Sandri T, et al.: Tratamento cirúrgico sem circulação extracorpórea de arteriopatia relacionada com arterite de Takayasu envolvendo aorta e vasos da base. Arq Bras Cardiol 85(2): 124-7, 2005.
  • 3
    Numano F, Okawara M, Inomata H, Kobayashi Y: Takayasu’s arteritis. Lancet 356: 1023-25, 2000.
  • 4
    Ureten K, Oztürk MA, Onat AM, et al.: Takayasu’s arteritis: results of a university hospital of 45 patients in Turkey. Int J Cardiol 96: 259-64, 2004.
  • 5
    Endo M, Tomizawa Y, Nishida H, et al.: Angiographic findings and surgical treatments of coronary artery involvement in Takayasu arteritis. J Thorac Cardiovasc Surg 125: 570-7, 2003.
  • 6
    Kang WC, Han SH, AhnT TH, Shin EK: Successful management of left main coronary artery stenosis with a paclitaxel-eluting stent in Takayasu’s arteritis. Int J Cardiol 108(1): 120-3, 2006.
  • 7
    Yamaguchi A, Endo H, Adachi H, Kawahito K, Ino T: Off-pump coronary artery bypass in patients with Takayasu’s disease. Ann Thorac Surg 77: 2186-8, 2004.
  • 8
    Habermann CR, Münzel T: Takayasu’s arteritis. The Lancet 358: 1050, 2001.
  • 9
    Kang, WC, Han SH, Oh KJ, Ahn TH, Shin EK: Implantation of a drug-eluting stent for the coronary artery stenosis of Takayasu arteritis: de novo and in-stent restenosis. Circulation 113(17): 735-7, 2006.
  • 10
    Murashita T, Yoshimoto K, Sugiki H, Yasuda K: Bilateral coronary ostial patch angioplasty with autologous pericardium in Takayasu arteritis: a case requiring replacement of the aortic valve and ascending aorta. Eur J Cardiothorac Surg 26(4): 866-8, 2004.
  • 11
    Miyata T, Sato O, Koyama H, Shigematsu H, Tada Y: Long-term survival after surgical treatment of patients with Takayasu’s arteritis. Circulation 108: 1474-80, 2003.
  • 12
    Anandaraja S, Mukhopadhyay S, Roy S, Kathuria S, Tyagi S: Left main coronary artery aneurysm in Takayasu arteritis. Echocardiography 23(5): 430-1, 2006.
  • 13
    Kang WC, Han SH, Oh KJ, Ahn TH, Shin EK: Images in cardiovascular medicine. Implantation of a drug-eluting stent for the coronary artery stenosis of Takayasu arteritis: de novo and in-stent restenosis. Circulation 113(17): e735-7, 2006.
  • 14
    Alonso JH, Rueda E, Hernandez JM, Martin A, Jimenez-Navarro M, de Teresa E: Complete percutaneous revascularization in Takayasu’s disease. Int J Cardiol 108(2): 271-2, 2006.
  • 15
    Furukawa Y, Tamura T, Toma M, et al.: Sirolimus-eluting stent for in-stent restenosis of left main coronary artery in Takayasu arteritis. Circ J 69(6): 752-5, 2005.
  • 16
    Malik IS, Harare O, AL-Nahhas A, Beatt K, Mason J: Takayasu’s arteritis: management of left main stem stenosis. Heart 89(3): e9, 2003.
  • Endereço para correspondência:

    Cláudio Léo Gelape
    Avenida Francisco Sales, 1.463/sala 805
    CEP 30150-221, Belo Horizonte, MG
    e-mail:
  • Datas de Publicação

    • Publicação nesta coleção
      07 Dez 2007
    • Data do Fascículo
      Out 2007

    Histórico

    • Aceito
      27 Jun 2007
    • Recebido
      21 Dez 2006
    Sociedade Brasileira de Reumatologia Av Brigadeiro Luiz Antonio, 2466 - Cj 93., 01402-000 São Paulo - SP, Tel./Fax: 55 11 3289 7165 - São Paulo - SP - Brazil
    E-mail: sbre@terra.com.br