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Instabilidade do carpo

Carpal instability

VINHETA IMAGENOLÓGICA IMAGENOLOGIC VIGNETTE

Instabilidade do carpo

Carpal instability

Leonardo Massamaro SugawaraI; Matiko YanaguizawaI; Marcos Hiroyuki IkawaI; Rogério Diniz TakahashiI; Jamil NatourII; Artur da Rocha Corrêa FernandesI

IDepartamento de Diagnóstico por Imagem da Universidade Federal de São Paulo (Unifesp)

IIDisciplina de Reumatologia da Unifesp

Endereço para correspondência Endereço para correspondência: Artur da Rocha Corrêa Fernandes DDI/Unifesp Rua Botucatu, 740 CEP 04023-900, São Paulo, SP e-mail: artur_personal@yahoo.com

INTRODUÇÃO

Lesões agudas e repetitivas no punho estão associadas à instabilidade de punho. A instabilidade pode ainda estar relacionada a outras comorbidades como a osteonecrose, doenças inflamatórias crônicas (artrite reumatóide), artropatias microcristalinas (doença por depósito de pirofosfato de cálcio), doenças neurológicas (seringohidromielia), doenças neoplásicas, além de malformações congênitas específicas como a deformidade de Madelung. Fratura do rádio e escafóide também pode estar relacionada à instabilidade(1).

O punho é uma estrutura complexa, composta de ossos, ligamentos e tendões que juntos e de forma harmoniosa permite movimentos nos planos coronal e sagital(2). Em virtude de seu posicionamento e de seu arco de movimento, o punho é suscetível a constantes forças axiais e vetores de deformação.

A estabilidade carpal é definida como a habilidade do punho em manter o balanço estático e dinâmico entre as articulações sob as cargas fisiológicas e movimentos(1). Já a instabilidade é o distúrbio desse balanço, relacionado às lesões ósseas e/ou ligamentares, que resulta em incapacidade de manter as relações anatômicas articulares, ocasionando déficit da performance biomecânica, dor e colapso carpal(3).

ASPECTOS CLÍNICOS

O quadro clínico é bastante variável, mas usualmente há relato de dor, perda de força ou estalido ao utilizar a mão. Edema pode estar relacionado e ser erroneamente interpretado como um cisto sinovial dorsal. A limitação de movimento ocorre comumente nas fases tardias. O diagnóstico precoce é essencial para melhor prognóstico, porém a maioria dos pacientes não procura atendimento inicial em razão de trauma parecer corriqueiro(4).

ASPECTOS FUNCIONAIS DA ANATOMIA ÓSSEA E LIGAMENTAR

A porção óssea do punho é composta por duas fileiras de ossos, a fileira proximal e a distal.

A fileira proximal, também chamada de segmento intercalado, contém os ossos escafóide, semilunar e piramidal, e representa o côndilo carpal, articulando-se com o antebraço por meio do rádio e da fibrocartilagem triangular.

A fileira distal contém os ossos trapézio, trapezóide, capitato e hamato, formando uma unidade com movimentação limitada.

O complexo ligamentar do punho pode ser classificado em extrínseco, ligamentos que unem o antebraço e o carpo, e intrínseco, ligamentos com origem e inserção no carpo(5).

LIGAMENTOS EXTRÍNSECOS

Há três principais ligamentos radiocarpais palmares, o ligamento radioescafóide, radiolunopiramidal e o radiosemilunar, e apenas um ligamento dorsal importante, o ligamento radiocárpico dorsal. Esses ligamentos fixam-se na fileira proximal e estabilizam a articulação radiocárpica(5).

LIGAMENTOS INTRÍNSECOS

Os ligamentos escafosemilunar (LES) e semilunarpiramidal (LSP) são os ligamentos mais importantes, responsáveis pela estabilização da fileira proximal. Esses ligamentos fixam a margem proximal do escafóide e o semilunar e o semilunar proximal ao piramidal, respectivamente(5).

O punho sustenta não só as forças externas, mas também as forças resultantes de contração muscular.

A fileira proximal é também denominada de segmento intercalado, por não possuir inserção tendínea, e sua movimentação é determinada pela força muscular exercida no rádio e na fileira distal(1,4).

A fileira distal é considerada como uma unidade funcional em razão de sua conexão ligamentar. Como nenhum tendão é inserido na fileira proximal, todos os eixos de rotação são localizados na fileira distal, onde o movimento inicia-se.

Na fileira proximal, sob força axial, o escafóide tem a tendência à flexão, e o semilunar e o piramidal tendem à extensão(1).

AVALIAÇÃO POR IMAGEM

RADIOGRAFIA CONVENCIONAL

Para uma boa interpretação, é necessário que as radiografias sejam realizadas com técnica correta com o punho em posição neutra nas incidências de frente (posteroanterior) e perfil.

Na radiografia de frente, três arcos harmônicos e contínuos podem ser traçados (arcos de Gilula) ao longo dos ossos do carpo (Figura 1). Quando um desarranjo é evidente, esses arcos perdem a configuração ou podem ficar descontínuos(6).


Nas radiografias em perfil, é possível a avaliação do alinhamento dos ossos do carpo, traçando-se os ângulos semilunarcapitato (normal até 30°) e escafosemilunar (normal de 30º a 60°). Em um punho normal, os eixos longos do rádio, semilunar, capitato e o terceiro metacarpal são colineares(1) (Figuras 2a e 2b).



RADIOGRAFIAS DINÂMICAS

Na presença de uma instabilidade dinâmica, as radiografias convencionais podem estar normais. Desse modo, as radiografias devem ser realizadas sob carga máxima. Podem ser utilizadas três outras incidências sob estresse: radiografias posteroanteriores (PA) de frente com desvio ulnar e radial do punho e com o punho cerrado. O desvio ulnar máximo sobrecarrega o LES e exacerba lesões preexistentes. A incidência com punho fechado aumenta a carga no capitato, forçando o intervalo escafosemilunar. Qualquer alteração deve ser comparada com o punho contralateral(4).

Outro método é a utilização da cineradioscopia, que consiste na realização dos exames com estresse em tempo real com a utilização de fluoroscopia. Neste exame dinâmico, é possível simular o movimento que gera a instabilidade. A perda do sincronismo dos movimentos das articulações pode ser demonstrada(1).

ARTROGRAFIA

A artrografia do punho permite a detecção de defeitos ligamentares e da fibrocartilagem triangular por meio da injeção de contraste nos três compartimentos do punho. A artrografia possui uma sensibilidade de cerca de 60% para lesão do LES e tem sido substituída pela artroscopia(4).

RESSONÂNCIA MAGNÉTICA

A ressonância magnética (RM), em virtude de sua resolução anatômica, permite a visualização direta dos ligamentos e a avaliação da cortical e da medular óssea. Em razão da complexidade ligamentar, é um exame de difícil interpretação. Relatos na literatura sugerem uma sensibilidade de 63% e especificidade de 86% para a detecção de lesão no LES (Figura 3)(4). O uso de contraste não demonstrou melhora no diagnóstico(1).


É possível utilizar contraste diretamente na articulação, semelhante à artrografia, para a realização da artro-RM, melhorando a acurácia para lesões ligamentares(1).

TOMOGRAFIA COMPUTADORIZADA

Com o advento de novos aparelhos com multidetectores, é possível a realização mais rápida do exame tomográfico, além do uso de reformatações isométricas em todos os planos, possibilitando melhor avaliação de fraturas e lesões condrais relacionadas à instabilidade(1).

ULTRA-SOM

O uso do ultra-som na instabilidade é limitado, utilizado usualmente para o diagnóstico diferencial de edema de partes moles, quando presente.

CLASSIFICAÇÃO

A classificação da clínica Mayo é a mais utilizada para as instabilidades do punho, classificando-as em instabilidades dissociativas e não-dissociativas(7).

Na instabilidade dissociativa, os elementos da fileira proximal estão desalinhados tanto no repouso quanto em movimento e estão relacionados à rotura dos ligamentos intrínsecos, mais comumente da fileira proximal(8).

No grupo da instabilidade não-dissociativa, os elementos da fileira proximal estão intactos, porém há um desalinhamento em relação à fileira distal, com rotura ligamentar extrínseca(8). Há ainda um terceiro grupo, o complexo, que reúne elementos dos dois outros grupos. Neste artigo descreve-se o grupo de instabilidade dissociativa, com ênfase na DISI e VISI(1).

INSTABILIDADE DISSOCIATIVA

Este grupo inclui as dissociações escafosemilunar e semilunarpiramidal.

DISSOCIAÇÃO ESCAFOSEMILUNAR

Este é um dos padrões de instabilidade mais importante e pode estar associado com fratura do rádio e escafóide. Há várias formas de apresentação e estas foram divididas em quatro estágios, segundo Watson et al.

No estágio I há rotura parcial do LES, e as radiografias podem ser normais. No estágio II, o LES está completamente roto e as radiografias simples também podem estar normais. No estudo dinâmico, realizado quando há forte suspeita pelo exame clínico, podem-se observar aumento da distância entre o escafóide e o semilunar, e subluxação dorsal do escafóide(1).

No estágio III, há rotura total do LES, porém com lesão nos estabilizadores secundários. Com a lesão da fixação ligamentar, o escafóide e o semilunar tendem a mover-se independentemente e de acordo com a tendência natural. O escafóide apresenta-se subluxado marcadamente em flexão, e o semilunar roda dorsalmente. O semilunar desloca-se até uma posição médio-volar, promovendo a subluxação do capitato. Essa deformidade é também chamada de instabilidade dorsofletida do segmento intercalado (DISI). Nas radiografias simples, o ângulo escafosemilunar está maior que 60°, e o ângulo semilunarcapitato maior que 30º (Figura 4). Nas radiografias de frente, o semilunar apresenta-se com forma triangular, e o espaço escafosemilunar está aumentado, maior que 3 mm (sinal do Terry-Thomas). O colapso em flexão do escafóide é caracterizado nas radiografias anteroposteriores como o sinal do anel, em razão da forma do pólo distal do escafóide(1,3).


O estágio IV é considerado quando há alterações degenerativas na radiografia, acometendo as articulações radiocárpicas e mediocárpicas, ocorrendo ainda a interposição do capitato na articulação escafosemilunar (Figura 5)(1).


DISSOCIAÇÃO SEMILUNARPIRAMIDAL

Dissociação semilunarpiramidal (DSP) é rara e normalmente está associada à rotura não só do ligamento semilunar piramidal como dos ligamentos extrínsecos. Há aumento da flexão do semilunar que acompanha a tendência natural do escafóide, uma vez que o LES está intacto. Esta deformidade também é chamada de instabilidade volar do segmento intercalado (VISI).

É possível classificar a DSP em quatro estágios. No estágio I há lesão parcial e as radiografias são normais. No estágio II ocorre uma lesão completa do LSP, mas os ligamentos extrínsecos estão intactos; as radiografias simples não demonstram alterações, mas nas radiografias dinâmicas pode-se observar uma flexão do semilunar e do escafóide(1).

No estágio III, nas radiografias convencionais, há a flexão volar do escafóide e semilunar caracterizada em perfil, e nas radiografias de frente, o semilunar fica com forma de lua. O ângulo escafosemilunar fica reduzido (menor que 30°) e o ângulo semilunarcapitato, aumentado (maior que 30°). No estágio IV, sinais de osteoartrose são evidentes nas articulações cárpicas(1,3).

CONCLUSÃO

O diagnóstico da instabilidade carpal é um desafio para clínicos e radiologistas e deve ser feito com base em dados clínicos e estudos de imagem. Nos estágios tardios, seu diagnóstico é evidente, porém nos estágios iniciais as radiografias convencionais podem ser normais.

A avaliação inicial deve constar de radiografias convencionais, traçando-se os ângulos na radiografia de perfil e os arcos de Gilula na radiografia de frente. Se a avaliação inicial demonstrar alterações discretas, mas a clínica for sugestiva, devem ser realizados estudos dinâmicos.

Embora pouco usada para esse diagnóstico, a RM pode demonstrar a anatomia ligamentar e de partes moles, além de fornecer imagens de achados adicionais, auxiliando na eventual programação cirúrgica.

A TC possui papel secundário, ideal para avaliação da cortical óssea e das superfícies articulares.

A instabilidade carpal é uma condição freqüentemente negligenciada. Uma interação entre clínicos e radiologistas é essencial, o que pode levar ao correto diagnóstico, evitando-se estágios tardios, relacionados à alta morbidade, preservando a qualidade de vida dos pacientes.

Declaramos a inexistência de conflitos de interesse.

  • 1
    Schmitt R, Froehner S, Coblenz G, Christopoulos G: Carpal instability. Eur Rdiol 16: 2161-78, 2006.
  • 2
    Kauer JMG: The mechanism of carpal joint. Clin Orthop 202: 16-26, 1986.
  • 3
    Metz VM, Mtez-Schimmerl SM, Yin Y. Ligamentous instabilities of the wrist. European Journal of Radiology 25: 104-11, 1997.
  • 4
    Manuel J, Moran SL: The diagnosis and treatment of scapholunate instability. Orthop Clin Am 38: 261-77, 2007.
  • 5
    Timins ME, Jahnke JP: MR imaging of the major carpal stabilizing ligaments: normal anatomy and clinical examples. Radiographics 15: 575-87, 1995.
  • 6
    Gilula LA: Carpal injuries: analytic approach and cases exercises. AJR 133: 503-17, 1979.
  • 7
    Amadio PC: Carpal kinematics and instability: a clinical and anatomic primer. Clin Anat 4: 1-12, 2005.
  • 8
    Lichtman DM, Wroten ES: Understanding midcarpal instability. The Journal of Hand Surgery 31: 491-8, 2006.
  • Endereço para correspondência:
    Artur da Rocha Corrêa Fernandes
    DDI/Unifesp
    Rua Botucatu, 740
    CEP 04023-900, São Paulo, SP
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  • Datas de Publicação

    • Publicação nesta coleção
      28 Abr 2008
    • Data do Fascículo
      Fev 2008
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