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Ciclofosfamida e função ovariana

Cyclophosphamide and ovarian function

ATUALIZAÇÃO EM REUMATOLOGIA UPTADE IN RHEUMATOLOGY

Ciclofosfamida e função ovariana

Cyclophosphamide and ovarian function

Olívio Malheiro BritoI; Maria Fernanda Brandão Resende GuimarãesI; Cristina Costa Duarte LannaII

IMédico-residente em Reumatologia do Hospital das Clínicas da UFMG

IIProfessora adjunta, doutora, Faculdade de Medicina da UFMG

Endereço para correspondência Endereço para correspondência: Rua Juiz Costa Val, 65/402 CEP 30240-350, Belo Horizonte, MG e-mail: lanna@medicina.ufmg.br

A ciclofosfamida é um agente citotóxico e imunossupressor que tem seu uso consagrado na nefrite lúpica, especialmente na classe IV (proliferativa difusa). Outras manifestações mais graves do lúpus eritematoso sistêmico (LES), como doença neuropsiquiátrica, também podem ser tratadas com essa mesma medicação. Pode ser administrada tanto por via oral quanto por via endovenosa intermitente. Náuseas, vômitos, alopécia, mielotoxicidade, cistite hemorrágica e carcinoma de bexiga, além de outras neoplasias, são citados na literatura como possíveis efeitos adversos. De todas as formas de toxicidade da ciclofosfamida, a insuficiência gonadal é uma das mais importantes e ambos os sexos podem ser afetados. Mulheres em idade fértil correspondem à maior parte das pacientes com LES, portanto a preservação da função ovariana é uma questão importante no que diz respeito aos riscos e benefícios da ciclofosfamida. Os autores apresentam nesta atualização sobre ciclofosfamida e função ovariana os principais artigos publicados de 2001 a 2007, envolvendo pacientes adultos e pediátricos. Chama-se a atenção para o fato de, entre os nove artigos selecionados, quatro serem de autores brasileiros.

Medeiros MMC, Silveira VAL, Menezes APT, Carvalho RC. Risk factors for ovarian failure in patients with systemic lupus erythematosus (Fatores de risco para falência ovariana em pacientes com lúpus eritematoso sistêmico). Brazilian Journal of Medical and Biological Research 4:1561-1568, 2001. Hospital Universitário Walter Cândido, Universidade Federal do Ceará, Fortaleza, Brasil.

Estudo retrospectivo brasileiro que teve como objetivo identificar os fatores de risco associados à falência ovariana em pacientes do sexo feminino com lúpus eritematoso sistêmico (LES), atendidas no Hospital Universitário da Universidade Federal do Ceará, entre janeiro de 1999 e março de 2000. Setenta e uma mulheres com idade entre 17 e 45 anos, com diagnóstico de LES (critérios ACR), e sem causas secundárias conhecidas para amenorréia (critério de exclusão), foram estudadas por meio de entrevistas e revisão de seus prontuários.

As características demográficas, o perfil clínico e sorológico, os esquemas terapêuticos, e o histórico menstrual e obstétrico foram registrados. A atividade da doença foi medida na entrevista, por intermédio do SLEDAI. O FSH, o LH, o estradiol, a progesterona, o TSH, a prolactina e os anticorpos antimicrossomal e antitireoglobulina foram dosados (avaliação transversal). As pacientes foram comparadas em relação à presença ou não de falência ovariana, definida como amenorréia por pelo menos quatro meses, excluindo-se gravidez. Falência ovariana ocorreu em 11 pacientes (15,5%) e oito tiveram menopausa precoce (11,3%), sendo esta definida como amenorréia por pelo menos 12 meses, associada aos níveis baixos de estradiol e aos níveis elevados de FSH/LH, em pacientes com menos de 40 anos de idade. O grupo com falência ovariana apresentava uma média de idade maior (37,2 versus 28,9 anos p < 0,001) e maior tempo de diagnóstico de LES (8,7 versus 4,8 anos p < 0,01) em relação ao grupo com função ovariana normal. Entre as 71 pacientes avaliadas, 28 (39,4%) tinham história de uso de ciclofosfamida, e destas, nove apresentavam falência ovariana. A média da dose acumulada de ciclofosfamida foi significativamente maior no grupo de pacientes com falência ovariana que no grupo de pacientes sem esta condição (18,9 ± 13,1 versus 9,1 ± 9,8 gramas, p = 0,04). O risco relativo de falência ovariana em pacientes com dose acumulada de ciclofosfamida > 10 gramas foi de 3,2. Oito entre as nove mulheres com falência ovariana e que haviam recebido tratamento com ciclofosfamida apresentaram TSH elevado. Entretanto, não houve diferença estatística entre os valores médios de TSH nos grupos com ou sem falência ovariana.

Os autores concluíram que a falência ovariana e a menopausa precoce são comuns em pacientes com LES, sendo o fator de risco mais importante a dose acumulada de ciclofosfamida e a idade avançada (pré-menopausa). A disfunção tireoidiana também pode estar associada à falência ovariana em pacientes com LES.

Huong DLT, Amoura Z, Duhuat P, Sbai A, Costedoat N, Wechsler B, Piette JC. Risk of Ovarian Failure and Fertility After Intravenous Cyclophosphamide. A Study in 84 Patients (Risco de falência ovariana e fertilidade após terapia com ciclofosfamida venosa: um estudo com 84 pacientes). J Rheumatology 29:1271-1216, 2002. Departamento de Medicina Interna, Group Hospitalier Pitié-Salpêtrière, Paris, França.

Esse estudo francês que avaliou o histórico de 84 pacientes com LES ou outras doenças inflamatórias (vasculites sistêmicas, síndrome anticorpo antifosfolípide, uveíte idiopática e sarcoidose), todas em fase pré-menopausa e tratadas com ciclofosfamida venosa, visando a determinar o risco de falência ovariana e a fertilidade. Foram avaliados, retrospectivamente, os prontuários de 35 pacientes tratadas antes de 1997, e outras 49 pacientes foram acompanhadas prospectivamente a partir de então, por cinco anos, no Complexo Hospitalar de Pitié-Salpêtrière em Paris.

Todas as 84 pacientes tinham menos de 55 anos e apresentavam ciclos menstruais no período prévio ao início da terapia com ciclofosfamida venosa. Cinqüenta e seis pacientes tinham LES (67%). A idade média no início da terapia com ciclofosfamida venosa no grupo todo era de 29 ± 10 anos (variando de 13-53), a média da dose por pulso foi de 0,9 ± 0,14 gramas (variando de 0,5 a 1 grama) e a média do número de pulsos foi de 12,8 ± 9 (variando de 3 a 42). A média de tempo de acompanhamento de todas as doentes do estudo foi de 5,1 ± 3,7 anos (variando de seis meses a 17 anos), com tempo médio de 4 ± 3,6 meses entre o início da ciclofosfamida venosa e a amenorréia. A média de idade ao diagnóstico de falência ovariana foi 40 ± 7,6 anos. Amenorréia persistente, definida por duração de pelo menos 12 meses, ocorreu em 19 mulheres [13 com LES (23,2%) e seis com outras doenças]. Analisando as pacientes com LES, a comparação entre as mulheres com amenorréia persistente e as pacientes com ciclos menstruais demonstrou que as primeiras tinham, em média, mais tempo de doença (9 ± 5 versus 3 ± 3 anos; p < 0,0001) e eram mais velhas à época do diagnóstico de LES (28 ± 9 versus 22 ± 8 anos; p = 0,03), assim como no início da terapia com ciclofosfamida (37 ± 7 versus 26 ± 8 anos; p < 0,001).

Dezoito pacientes do estudo ficaram grávidas, sendo 13 com LES, durante ou após terapia com ciclofosfamida venosa, com 22 gestações no total. Seis gestações ocorreram em vigência de uso de ciclofosfamida venosa, evoluindo com abortamento induzido (n = 3), abortamento espontâneo (n = 1), e gestações sem intercorrências com nascidos vivos (n = 2). Estas duas gestações que evoluíram favoravelmente ocorreram em pacientes com LES e glomerulonefrite. O agente alquilante foi substituído por corticosteróide oral, sem agravamento da doença de base. Dezesseis gestações ocorreram após a suspensão da terapêutica com a ciclofosfamida, em média 2,9 ± 2,1 anos (variando de 1 a 9 anos). Dessas gestações, três evoluíram para abortamento induzido, três para perdas fetais espontâneas, e ocorreram dez gestações com nascidos saudáveis.

Os autores concluem que a menopausa precoce está associada à maior idade ao início da terapia com ciclofosfamida venosa, ao diagnóstico do LES e ao maior tempo de doença. A gravidez é possível em pacientes durante a terapia com ciclofosfamida venosa e, por isso, a contracepção eficaz é obrigatória.

Ioannidis JPA, Katsifis GE, Tzioufas AG, Moutsopoulos HM. Predictors of sustained amenorrhea from pulsed intravenous cyclophosphamide in premenopausal women with systemic lupus erythematosus (Preditores de amenorréia persistente em pacientes em pré-menopausa e com lúpus eritematoso sistêmico tratadas com ciclofosfamida venosa). J Rheumatol 29(10):2129-2135, 2002. Departamento de Epidemiologia, University of Ioannina School of Medicine, Ioannina, Grécia.

Este artigo teve o objetivo de identificar os preditores de amenorréia persistente em mulheres com LES em pulsoterapia com ciclofosfamida venosa. Foi um estudo do tipo coorte em que foram incluídas mulheres com ciclos menstruais regulares antes do início do tratamento e que estavam em acompanhamento na Universidade de Atenas entre 1992 e 2001. Amenorréia persistente foi definida como a ausência de ciclos menstruais normais por pelo menos 12 meses. A dose acumulada que resultou em amenorréia persistente em 50% e 90% das mulheres tratadas (D50 e D90) e os preditores de amenorréia persistente nas várias idades foram determinados pelo teste de Kaplan-Meier e pela regressão de Cox.

Sessenta e sete pacientes foram incluídas de maneira consecutiva. A duração média do tratamento foi de 22 meses e a dose média recebida da medicação foi de 14,6 gramas. Vinte e uma (31%) mulheres desenvolveram amenorréia persistente e a idade foi o principal determinante deste efeito adverso. Nas mulheres com idade maior ou igual a 32 anos, 18 das 23 pacientes desenvolveram amenorréia persistente, sendo que a D50 foi de 8g/m² e a D90 foi de 12g/m². Além disso, nenhum fator determinante ou protetor de amenorréia foi identificado nesse grupo. Por outro lado, apenas cinco das 44 pacientes com menos de 31 anos no início da terapia desenvolveram amenorréia persistente. Neste grupo mais jovem, os riscos implicados no desenvolvimento de amenorréia foram, segundo a análise univariada: mais de 5 anos de LES (RR 1,28/ano e p = 0,002), a positividade do anti-RNP (RR 9,5 e p = 0,016) e do anti-Ro (risco relativo de 13,5 e p = 0,021). Na análise multivariada, o anti-RNP e a duração da doença continuaram sendo significativos. Importante salientar que como apenas cinco mulheres desse grupo apresentaram amenorréia persistente, a amostra foi muito reduzida e as conclusões sobre os fatores de risco devem ser consideradas com ressalvas.

Como conclusão, a amenorréia persistente é difícil de ser evitada em mulheres com mais de 31 anos. Esquemas terapêuticos alternativos com micofenolato mofetil e imunoglobulina endovenosa devem ser avaliados.

Park MC, Park YB, Jung SY, Chung IH, Choi KH and Lee SK. Risk of ovarian failure and pregnancy outcome in patients with lupus nephritis treated with intravenous cyclophosphamide pulse therapy (Risco de falência ovariana e a evolução de gestações em pacientes com nefrite lúpica tratadas com ciclofosfamida em pulsoterapia intravenosa). Lúpus 13:569-574, 2004. Departamento de Clínica Médica, Divisão de Reumatologia. Escola de Medicina da Universidade de Yonsei, Seul, Coréia.

Este estudo coreano teve como objetivo investigar o risco de falência ovariana e a evolução de gestações em mulheres com nefrite lúpica tratadas com ciclofosfamida. Foram estudadas 67 pacientes com LES e nefrite classe III ou IV pela biópsia renal. O protocolo de ciclofosfamida era de seis pulsos mensais e depois um pulso a cada três meses, durante 18 meses (dose de 0,5 a 0,75 mg/m2). A terapia era suspensa diante de efeitos colaterais ou outras complicações. Todas as pacientes tinham ciclo menstrual normal no início da pulsoterapia. Amenorréia foi definida como a falta de menstruação por pelo menos quatro meses e amenorréia persistente por pelo menos doze meses. Nas mulheres que tiveram amenorréia persistente e que não voltaram a apresentar ciclo menstrual, foi diagnosticada falência ovariana. Todas as mulheres receberam mais de dois pulsos com ciclofosfamida e a dose média da medicação foi de 988,1 mg por pulso.

Durante o segmento médio de 74,4 meses, a amenorréia aconteceu em 25 mulheres (37,3%). Destas, 13 tiveram amenorréia não persistente e 12, amenorréia persistente. Dez pacientes não voltaram a ter ciclo menstrual e foram classificadas como falência ovariana. Análises de regressão logística mostraram que a idade no início da pulsoterapia, a dose acumulada da medicação e o índice SLICC/ACR no início do tratamento foram fatores de risco independentes para a amenorréia e para a falência ovariana. Quinze mulheres engravidaram durante o tratamento com ciclofosfamida, num total de 19 gestações. O tempo médio entre o fim do tratamento e a ocorrência da gravidez foi de 45,8 meses. Dezessete gestações transcorreram sem nenhuma complicação, duas não chegaram a termo – uma por aborto induzido e outra por complicações do LES. De todas as mulheres que engravidaram, 14 não tinham desenvolvido amenorréia e apenas uma tinha apresentado amenorréia persistente (que durou sete meses) após o tratamento com ciclofosfamida.

Concluindo, a falência ovariana é uma complicação conhecida do uso da ciclofosfamida com incidência que varia de 12% a 54% na literatura. Neste estudo, a freqüência de amenorréia foi de 37,3% e de falência ovariana foi de 14,9%. Além disso, nenhuma mulher que teve amenorréia persistente, mesmo as que tentaram engravidar, obteve sucesso. Os fatores de risco aqui mostrados são semelhantes aos dos outros estudos.

A descrição da evolução das gestações após ciclofosfamida é uma boa contribuição deste artigo.

Brunner HI, Bishnoi A, Barron AC, Houk LJ, Ware A, Farhey Y, Mongey AB, Strife CF, Graham TB, Passo MH. Disease outcomes and ovarian function of childhood-onset systemic lupus erythematosus (Desfechos clínicos e avaliação da função ovariana em pacientes com lúpus eritematoso sistêmico juvenil). Lúpus 15:198-206, 2006. Cincinnati Children's Hospital Medical Center and University of Cincinnati Medical Center, Cincinnati, OH, USA.

Este estudo foi realizado com o objetivo de determinar desfechos clínicos em pacientes com LES juvenil, incluindo a função ovariana. Foram revisados retrospectivamente os prontuários de todos os pacientes com diagnóstico de LES, com idade igual ou menor que 18 anos, que constavam no banco de dados de clínicas e hospitais filiados a dois centros de referência de Cincinnati (EUA), rastreados a partir do CID-9 de LES, entre julho de 1981 a dezembro de 2002. Quando possível, os pacientes foram prospectivamente submetidos a uma entrevista para completar informações como atualização da terapêutica, avaliação do estágio de maturidade de Tanner e solicitação laboratorial da função ovariana. A ocorrência de redução de reserva ovariana, definida como níveis de FSH e LH maiores que os valores para percentil 95 do estágio de Tanner, e a falência ovariana precoce, definida como a dosagem de FSH > 40UI/L, foram avaliadas pela dosagem programada dos níveis de gonadotrofinas e estradiol (isto é, coletados do 3° ao 5° dia do ciclo menstrual, ou aleatoriamente nas pacientes com ciclos irregulares).

Foram analisados 77 pacientes (F:M=70:7) com média de idade ao diagnóstico de LESJ de 14,6 anos. A terapêutica com ciclofosfamida foi usada em 37/77 (48%) dos pacientes durante o curso da doença, sem comentários pelos autores sobre a via de administração, oral ou venosa. Nove pacientes morreram (11,6%, F:M=6:1) durante um período médio de acompanhamento de 7,1 + 5,6 anos. A dosagem de estradiol e gonadotrofinas foi realizada em 35 pacientes do sexo feminino. Cinco foram excluídas da análise: quatro por uso de contracepção hormonal e uma por apresentar ooforite auto-imune. O uso de ciclofosfamida foi associado à redução significativa da reserva ovariana (RR = 2,8; 95% IC: 1,7-4,8; p = 0,026). No grupo que usou ciclofosfamida houve diferença da média da dose acumulada nas pacientes com redução da função ovariana, em relação às pacientes com função normal (21,3 versus 8,0 gramas p = 0,05). Nenhuma paciente do estudo apresentou falência ovariana precoce.

Apesar de a associação entre falência ovariana precoce e exposição à ciclofosfamida ser rara em pacientes com LES juvenil, o uso dessa medicação continua sendo um fator de risco de redução significativa de reserva ovariana nesta população.

Appenzeller S, Blatyta PF, Costallat LT. Ovarian failure in SLE patients using pulse cyclophosphamide: comparision of different regimes. (Falência ovariana em pacientes tratadas com pulso de ciclofosfamida: comparação de diferentes regimes terapêuticos) Rheumatology International 30, 2007. (publicação on line). Unidade de Reumatologia, Departamento de Clínica Médica, Universidade Estadual de Campinas, Campinas, Brasil.

Nesta coorte brasileira, foram revistos todos os prontuários de mulheres com LES tratadas com ciclofosfamida venosa e com menos de 40 anos de idade ao final do tratamento. Os objetivos foram determinar a freqüência de falência ovariana precoce e identificar os fatores de risco para o desenvolvimento desta complicação, além de tentar analisar se houve redução da incidência de falência ovariana nos últimos anos (após 2001), já que a dose inicial de ciclofosfamida utilizada por este serviço foi diminuída de 0,75 mg/m² para 0,5 mg/m² de superfície corporal.

Foram incluídas 157 pacientes divididas em três grupos: grupo A: 57 pacientes tratadas com ciclofosfamida na dose inicial de 0,75 mg/m²; grupo B: 50 pacientes tratadas com dose inicial de 0,5 mg/m² de ciclofosfamida; grupo C: 50 mulheres que nunca receberam este tratamento, considerado grupo controle. Amenorréia persistente foi definida como a falta de menstruação durante doze meses ou mais, enquanto amenorréia transitória era a falta de três ou mais menstruações por período inferior a um ano. No grupo A, dez pacientes (17,5%) tiveram amenorréia persistente que ocorreu na idade média de 32 anos. Pela análise estatística, a amenorréia persistente foi independentemente associada com a duração do tratamento (p = 0,001), com a dose total de ciclofosfamida (p = 0,02) e com o início da doença em idade mais avançada (os autores não definem a idade) (p = 0,04). Sete pacientes (12,3%) desenvolveram amenorréia transitória que foi relacionada à duração do tratamento (p = 0,017). No grupo B, nenhuma paciente desenvolveu amenorréia persistente. Dez pacientes (20%) apresentaram amenorréia transitória que foi relacionada à duração do tratamento (p = 0,017). Nenhuma paciente do grupo controle apresentou amenorréia.

A conclusão deste estudo foi condizente com a dos demais da literatura, mostrando que a duração do tratamento e a dose acumulada de ciclofosfamida são os principais fatores de risco para falência ovariana. A incidência de disfunção ovariana foi menor do que a encontrada na literatura, provavelmente, devido à exclusão de pacientes que completaram o tratamento após os 40 anos de idade.

Silva CAA, Hilário MO, Febrônio MV, Oliveira SK, Terreri MT, Sacchetti SB, Sztajnbok FR, Marini R, Quintero MV, Bica BE, Pereira RM, Bonfá E, Ferriani VP, Robazzi TC, Magalhães CS. Risk factors for amenorrhea in juvenile systemic lupus erythematosus: Brazilian multicentre cohort study. (Fatores de risco para amenorréia no lúpus eritematoso sistêmico juvenil: estudo de coorte multicêntrico no Brasil). Lúpus 16:531-536, 2007.

Neste estudo multicêntrico retrospectivo brasileiro, os autores avaliaram a prevalência e as associações clínicas de amenorréia em 298 pacientes do sexo feminino com diagnóstico de LES juvenil acompanhados em 12 Centros de Reumatologia Pediátrica do Brasil, por meio de revisão sistemática de prontuários médicos.

Amenorréia, definida por interrupção da menstruação por quatro meses consecutivos, foi constatada em 35 pacientes (11,7%), com média de duração da amenorréia de 7,2 ± 3,6 meses. Foram dosados FSH, LH e estradiol em 32/35 pacientes no período de amenorréia, de forma transversal, que se mostraram normais em todas as amostras. As pacientes com LES juvenil e amenorréia, quando comparadas àquelas sem amenorréia, em análise univariada, eram mais jovens (15,04 ± 2,5 versus 17,8 ± 3,1 anos, p = 0,001), tinham um tempo menor de duração da doença (3,2 ± 3,3 versus 6,1 ± 3,5 anos, p = 0,001) e tinham um tempo menor entre a menarca e a idade atual (3,4 ± 2,9 versus 6,7 ± 5,4 anos, p = 0,001). Entre os 133 pacientes (45%) que receberam ciclofosfamida, 16 evoluíram com amenorréia. Curiosamente, a média de idade no início da terapia, a dose acumulada, o número de pulsos venosos de ciclofosfamida, a duração deste tratamento e os valores de SLEDAI ou SLICC/ACR-DI no início do tratamento não diferiram nos grupos com ou sem amenorréia (p > 0,05). Em contraste, o grupo de pacientes com amenorréia apresentava as maiores medianas do SLEDAI (p = 0,01) e do SLICC/ACR-DI (p = 0,0024), quando comparado ao grupo de pacientes sem amenorréia, em relação à medida de atividade de doença e escore de dano orgânico, respectivamente. Fatores de risco independentes identificados por análise multivariada foram: os escores de SLEDAI (OR: 1,059 95CI: 1,004 – 1,116; p = 0,034) e SLICC/ACR-DI (OR: 2,125 95CI: 1,373 – 3,291; p = 0,001) maiores no grupo com amenorréia.

O estudo sugere que, apesar da terapia imunossupressora, pacientes com LES juvenil têm uma reserva de folículos ovarianos e que a amenorréia está particularmente associada à atividade da doença e ao dano orgânico.

Katsifis GE, Tzioufas AG. Ovarian failure in systemic lupus erythematosus patients treated with pulsed intravenous cyclophosphamide (Falência ovariana em pacientes com lúpus eritematoso sistêmico tratadas com pulsos venosos de ciclofosfamida). Lupus 13:673-678, 2004. Departamento de Fisiologia, Escola de Medicina de Atenas, Grécia.

CAA Silva1 e HI Brunner2. Gonadal functioning and preservation of reproductive fitness with juvenile systemic lupus erythematosus (Função gonadal e preservação do perfil reprodutivo no lúpus eritematoso sistêmico juvenil). Lúpus 16: 593-599, 2007. 1- Unidade Pediátrica do Hospital da Criança, e Departamento de Reumatologia da USP, São Paulo, Brasil; e 2- Cincinnati Children's Hospital Medical Center, Cincinnati, OH, USA.

São dois artigos de revisão sobre o tema. O primeiro aborda o mecanismo de ação da ciclofosfamida, as indicações do seu uso no lúpus eritematoso sistêmico (LES) e, por fim, sua toxicidade nos diversos órgãos e sistemas, dando ênfase à falência ovariana. Muitos estudos retrospectivos mostraram que o risco de amenorréia persistente é dependente da idade da paciente no início do tratamento e da dose acumulada recebida. A via de administração não é importante para determinar o risco de falência ovariana, porém a via oral leva a uma maior dose acumulada, o que acarreta maior risco. A revisão sugere a existência de três fatores preditores de falência ovariana em mulheres jovens. Seriam eles: LES há mais de cinco anos, e a presença dos anticorpos anti-Ro e anti-RNP. Esses dados foram citados já que um estudo de coorte realizado pelos mesmos autores (J Rheumatol 29(10):2129-35, 2002 – apresentado nesta atualização) mostrou que nenhuma mulher sem essas características desenvolveu amenorréia persistente. Para concluir, são citadas formas de prevenção da falência ovariana, como o uso de análogos de hormônio estimulador de gonadotrofina (GnRH) e suplementação estrogênica, lembrando-se, entretanto, do risco de exacerbação da doença.

O segundo trabalho é uma revisão que teve como fonte o MEDLINE, National Library of Medicine. A pesquisa abrangeu até o período de abril de 2006, usando como palavras-chave: children, adolescent, SLE, fertility, ovarian, tests, reproductive fitness e gonadal function. Alguns estudos encontrados associam a disfunção menstrual nas pacientes com LES juvenil à atividade da doença, enquanto a menarca tardia correlaciona-se com o tempo de doença e com a dose acumulada de corticosteróide. São descritos como fatores associados à falência ovariana: a presença de anticorpos antifosfolípides, a ooforite auto-imune e a presença de anticorpos ovarianos. Vários estudos sugerem correlação, apesar de não ser de forma definitiva, entre os anticorpos anticorpo lúteo e o antiendométrio com níveis elevados de FSH e de prolactina em pacientes com LESJ. O uso de drogas alquilantes, como a ciclofosfamida, associa-se à falência ovariana, sendo o risco maior em pacientes com maior idade e maior dose acumulada da medicação. São poucos os trabalhos que padronizam a avaliação da função ovariana por meio da dosagem programada de gonadotrofinas. Entre as estratégias para a proteção da função ovariana, está o uso dos análogos de GnRH (hormônio estimulador de gonadotrofina), indicados também para mulheres submetidas à fertilização in vitro e em alguns pacientes com neoplasias. O mecanismo exato de proteção ovariana promovida pela medicação não é conhecido. Estudos sugerem que a supressão ovariana produzida pelo fármaco reduz a taxa de maturação do oócito, diminuindo assim sua suscetibilidade aos agentes gonadotóxicos. Entretanto, alguns autores sugerem que os análogos do hormônio estimulador de gonadotrofina (GnRH) podem induzir ou exacerbar o LES, entre outros efeitos colaterais. Estudos randomizados e placebo-controlados em pacientes com LES estão em andamento para avaliação da segurança e da dose ideal desses fármacos. Outros tratamentos alternativos, como o uso de antagonistas de GnRH ou a captação de oócitos para fertilização in vitro no futuro, são discutidos no artigo.

Comentário final: A revisão deste tema indica que a falência ovariana pode ocorrer com menos freqüência quando é possível indicar o uso de doses menores e por períodos mais curtos, especialmente nas mulheres mais jovens. Apesar de esses achados não serem novidade, o cuidado com a fertilidade dos pacientes tem sido uma preocupação na rotina do atendimento do reumatologista, já que é possível alcançar sucesso no tratamento com outras medicações tão eficazes quanto a ciclofosfamida, na indução e manutenção da remissão da atividade inflamatória. O uso de medicamentos e substâncias consideradas protetoras da função ovariana é tema que ainda exige estudos no contexto das doenças reumáticas.

Serviço de Reumatologia do Hospital das Clínicas da Universidade Federal de Minas Gerais (UFMG), Departamento do Aparelho Locomotor, Faculdade de Medicina da UFMG.

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  • Datas de Publicação

    • Publicação nesta coleção
      28 Abr 2008
    • Data do Fascículo
      Fev 2008
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