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A importância dos exames de imagem no diagnóstico da pubalgia no atleta

The relevance of imaging diagnosis of sports-related pubalgia

VINHETA IMAGENOLÓGICA IMAGENOLOGIC VIGNETTE

A importância dos exames de imagem no diagnóstico da pubalgia no atleta

The relevance of imaging diagnosis of sports-related pubalgia

Fernanda Andrade ReisI; André RosenfeldI; Marcos Hiroyuki IkawaI; Flávio Duarte SilvaI; Juliana Dantas CostaI; Jamil NatourII; Artur da Rocha Corrêa FernandesI

IDepartamento de Diagnóstico por Imagem da Universidade Federal de São Paulo (Unifesp)

IIDisciplina de Reumatologia da Unifesp

Endereço para correspondência Endereço para correspondência: Artur Correia da Rocha Fernandes DDI/Unifesp, Rua Botucatu, 740 04023-900, São Paulo, SP E-mail: artur_personal@yahoo.com.br

A pubalgia é um problema relativamente comum em atletas, acometendo cerca de 5% deste grupo de profissionais(1). Tal entidade afeta principalmente praticantes de esportes nos quais sejam necessários chutes repetitivos e mudanças bruscas de direção do movimento, particularmente no rúgbi, hóquei, tênis e futebol(1). Em geral, a queixa é insidiosa, notando-se piora gradativa e exacerbação dos sintomas quando são realizados movimentos específicos de chute, rotação ou adução da coxa.

O diagnóstico diferencial de pubalgia é amplo, incluindo, entre outras, doenças intra-articulares do quadril - como a rotura labral, sacroiliíte -, hérnia de disco lombar, bursite do iliopsoas, doenças da cavidade pélvica - como cistos de ovário e hérnias inguinais(2). Porém, neste específico grupo de pacientes, deve-se considerar inicialmente no diagnóstico diferencial osteíte púbica, disfunção dos adutores (incluindo rotura do tendão conjunto) e rotura da aponeurose do oblíquo externo e reto abdominal(1,3).

A diferenciação clínica e subseqüente tratamento podem ser difíceis por causa da sobreposição dos sintomas, complexa anatomia local, achados ao exame físico e múltiplas possibilidades de diagnóstico diferencial(1,3). Em virtude de tais fatos, os exames de imagem são importante auxílio no estabelecimento do diagnóstico, visto que a ressonância magnética (RM) apresenta sensibilidade de 98% e especificidade de 89% a 100% em pacientes com pubalgia(4).

ANATOMIA E FISIOPATOLOGIA

A sínfise púbica é articulação não-sinovial diartrodial, que se localiza entre os ossos púbicos, sendo cada superfície articular recoberta por cartilagem hialina e separada por um disco fibrocartilaginoso, que funciona primariamente como dissipador das forças de impacto na pelve durante a marcha(2,5,6).

Com o passar dos anos e conseqüente aplicação de forças à articulação, há o desenvolvimento de uma fenda fisiológica no disco fibrocartilaginoso, localizada usualmente na sua porção póstero-superior(2,5,6).

Classicamente o tendão comum do grupamento adutor (constituído pelo grácil, adutores curto, longo e magno) e do reto abdominal têm inserções bem definidas no corpo do púbis e ramos adjacentes(5), sendo que tais tendões apresentam continuidade de suas fibras na região anterior da sínfise, caracterizando neste local aponeurose comum(5). Pela RM é possível identificar a íntima relação existente entre as fibras laterais do tendão reto abdominal em sua inserção, as fibras anteriores dos adutores longo e curto em sua origem, a cápsula articular da sínfise púbica e o periósteo anterior do osso púbico(4). Para melhor detalhamento e avaliação da sínfise púbica, o exame de RM deve ser feito de maneira direcionada, utilizando um FOV (field of view, área de interesse do exame) menor, pois isso permite melhor detalhamento anatômico. Os planos axial e sagital são os preferidos na avaliação de tal articulação, especialmente nos casos em que a avaliação dos tendões se faz necessária.

O disco fibrocartilagíneo e a articulação da sínfise apresentam as seguintes relações anatômicas: anteriormente são recobertos pela aponeurose criada pelos tendões do reto abdominal, grácil e adutor longo(2); posteriormente não são observadas fortes estruturas de contenção; por isso, herniações posteriores e póstero-superiores do disco fibrocartilagíneo são comuns, sendo encontradas muitas vezes mesmo em pessoas assintomáticas(5). Estas estruturas superiormente são recobertas pelo ligamento púbico superior, não se encontrando musculatura local associada(2) e inferiormente apresentam íntima relação com os tendões dos músculos grácil e adutor longo, bem como com o ligamento arqueado.

Pubalgia do atleta

A pubalgia do atleta está relacionada a alterações da sínfise púbica ou aos tecidos de partes moles adjacentes e são, em geral, secundárias a mecanismo de estresse por meio da porção anterior da sínfise, por causa do desequilíbrio mecânico das forças. Tais forças resultam em lesão crônica à sínfise púbica propriamente dita, do ligamento inguinal (e respectivas aponeuroses), bem como dos tendões proximais dos adutores(1), da inserção do reto abdominal e de sua fáscia(4).

A musculatura adutora, como dito anteriormente, é constituída pelo grácil, adutores longo, curto e magno, sendo sua principal função a adução da coxa associada a certa flexão do quadril(7,8). A origem desses tendões é pequena e, por este motivo, é alvo de carga elevada durante a atividade esportiva, predispondo à formação de roturas e tendinopatia(7). A principal lesão observada em tais tendões é a avulsão, que geralmente ocorre na sínfise púbica, na sua inserção(3,9) (Figura 1). Observa-se como fator causal na maioria dos casos a sobrecarga, sendo difícil diferenciar o músculo afetado apenas pelo exame clínico(9).


À radiografia, lesões agudas são vistas como fragmentos ósseos avulsionados. Já nas lesões subagudas, podem ser vistas áreas mistas, uma associação entre esclerose e alterações líticas. As lesões crônicas (resultantes de microtraumas repetitivos e sobrecarga) podem estar associadas com protuberâncias ósseas(9).

À RM, alterações da inserção do músculo reto abdominal, associadas ou não a alteração do tendão dos adutores, geralmente estão associadas à alteração da medular óssea da sínfise e do sinal da fenda secundário, caracterizado por hipersinal em T2 (Figura 2). A presença de tal sinal é explicada pelo desenvolvimento de processo degenerativo com conseqüente redução do suporte sangüíneo no local, o que leva ao aparecimento desta fenda, localizada na porção ínfero-lateral da sínfise, entre o disco, os tecidos capsulares e a cartilagem hialina(5) e em continuidade com a fenda fisiológica da fibrocartilagem(6).


A alteração tendínea geralmente ocorre em localização semelhante em todos os pacientes, junto às fibras insercionais do tendão do reto abdominal, na região ântero-inferior do osso púbico, 1 cm lateral à sínfise (Figura 3). Quando ambos os tendões (reto abdominal e adutores) estão envolvidos, a lesão geralmente é confluente, estendendo-se das fibras insercionais do reto abdominal às fibras imediatamente adjacentes ou mesmo proximais contíguas dos adutores longo e curto, na superfície anterior do osso púbico, lateral à sínfise. A alteração da medular óssea do osso púbico apresenta padrão de edema do osso subjacente, assimétrica, com predomínio na região anterior, o que auxilia no diagnóstico diferencial com a osteíte púbica.


A avaliação da inserção dos tendões adutores e da própria sínfise púbica é difícil pela ultra-sonografia, em virtude de sua orientação e ao efeito anisotrópico por esta causado. Entretanto, o método pode ser de valia na caracterização de lesões musculares na sua junção miotendínea, seu grau de retração, bem como na análise de coleções hemáticas associadas(2,6,7).

Osteíte púbica é resultado de trauma repetitivo na região da sínfise púbica. Sua fisiopatologia permanece incerta, porém a tensão aplicada pelos músculos adutores ou reto abdominal ou mesmo frouxidão ligamentar têm sido implicadas no mecanismo de lesão(3,6).

À RM se observa edema medular ósseo simétrico da sínfise púbica, uni ou bilateral, que se estende da região anterior para a posterior, associado a alterações ósseas sem correspondente alteração na inserção do reto abdominal ou dos adutores(2,3,7) (Figura 4). Há correlação entre tal achado e a presença de instabilidade articular da sínfise, que é exacerbada pelo exercício(4).


A radiografia pode mostrar redução ou alargamento do espaço articular, desalinhamento do púbis(6) e reabsorção ou esclerose do osso púbico adjacente à sínfise(3,7).

A osteíte púbica é doença autolimitada, com resolução completa dos sintomas em três a seis meses e seu tratamento é fundamentado no repouso articular(8).

CONCLUSÃO

A sínfise púbica pode ser acometida por inúmeras patologias, incluindo processos degenerativos, inflamatórios, metabólicos, traumáticos ou infecciosos. Porém, diante de atletas com queixa clínica de pubalgia, deve-se considerar inicialmente no diagnóstico diferencial a osteíte púbica e a disfunção dos adutores.

Como a diferenciação clínica entre essas entidades pode ser difícil em virtude da sobreposição dos sintomas e dos achados ao exame físico, os exames de imagem, especialmente a RM, são importante auxílio no estabelecimento diagnóstico e conseqüente tratamento de tal grupo de pacientes.

Declaramos a inexistência de conflitos de interesse.

RESPONSÁVEIS: JAMIL NATOUR E ARTUR DA ROCHA FERNANDES

  • 1
    Robinson P, Barron DA, Parsons W, et al.: Adductor-related groin pain in athletes: correlation of MR imaging with clinical findings. Skeletal Radiol 33: 451-7, 2004.
  • 2
    Cunningham PM, Martin O'Connell DB, et al.: Patterns of bone and soft-tissue injury at the symphysis pubis in soccer players: observations at MRI. AJR 188: W291-6, 2007.
  • 3
    Anderson K, Strickland SM, Warren R: Hip and groin injuries in athletes. Am J Sports Med 29: 521-7, 2001.
  • 4
    Zoga AC, Kavanagh EC, Omar IM, et al.: Athletic pubalgia and the "sports hernia": MR Imaging Findings. Radiology 247: 3797-807, 2008.
  • 5
    Robinson P, Salehi F, Grainger A, et al.: Cadaveric and MRI study of the musculotendinous contributions to the capsule of the symphysis pubis. AJR 188: W440-5, 2007.
  • 6
    Brennan D, O'Connell MJ, Ryan M, et al.: Secondary cleft sign as a marker of injury in athletes with groin pain: MR image appearance and interpretation. Radiology 235: 162-7, 2005.
  • 7
    Brittenden J, Ronbinson P: Imaging of pelvic injuries in athletes. The British Journal of Radiology 78: 457-68, 2005.
  • 8
    Robinson P: Ultrasound of groin injury. Imaging 14: 209-16, 2002.
  • 9
    Stevens MA, El-Khoury FY, et al.: Imaging features of avulsion injuries. Radiographics 19: 655-72, 1999.
  • 10
    Albers SL, Spritzer CE, Garrett Jr WE, Meyers WC: MR: findings in athletes with pubalgia. Skeletal Radiol 30:270-7, 2001.
  • Endereço para correspondência:
    Artur Correia da Rocha Fernandes
    DDI/Unifesp, Rua Botucatu, 740
    04023-900, São Paulo, SP
    E-mail:
  • Datas de Publicação

    • Publicação nesta coleção
      03 Nov 2008
    • Data do Fascículo
      Ago 2008
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